Usina hidrelétrica: diferenças entre revisões

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A construção de múltiplas usinas em uma mesma bacia hidrográfica, como é o caso da Amazônia, onde 142 usinas já operam e está prevista a construção de mais 160, produz um impacto negativo de grande escala não apenas nos níveis ambientais, sociais e culturais, mas também em nível geográfico e geomorfológico, modificando a própria paisagem devido principalmente às interferências nos processos de distribuição de sedimentos e de formação de meandros, planícies e terras alagadas. Essa alta proliferação de usinas na [[Bacia Amazônica]] foi identificada como uma das 15 principais ameaças ambientais do mundo, e os seus impactos têm sido sistematicamente subestimados pelas instâncias oficiais.<ref>Anderson, Elizabeth P. ''et al''. [http://advances.sciencemag.org/content/4/1/eaao1642 "Fragmentation of Andes-to-Amazon connectivity by hydropower dams"]. In: ''Science Advances'', 2018; 4 (10)</ref> O mesmo problema de multiplicação de usinas afeta as bacias dos rios Congo e Mekong, que juntos com a bacia amazônica reúnem a maior biodiversidade aquática do mundo.<ref>Winemille, K. O. ''et al''. [http://science.sciencemag.org/content/351/6269/128.summary "Balancing hydropower and biodiversity in the Amazon, Congo, and Mekong"]. In: ''Science'', 2016; 351 (6269):128-129</ref>
 
A construção de pequenas usinas vem sendo incentivada e vem ganhando impulso, pois por algum tempo gera emprego e desenvolvimento local e é vista geralmente como de baixo impacto ambiental.<ref name="Midzic">Midzic-Kurtagic, Sanda ''et al.'' "Environmental impact assessment of small hydropower plants". In: ''24th International Conference on Efficiency, Cost, Optimization, Simulation and Environmental Impact of Energy Systems''. Novi Sad, Serbia, 2011</ref> Em todo o mundo existem cerca de 83 mil plantas, e milhares de outras estão em projeto.<ref name="Opperman"/> Contudo, o fato é que os efeitos globais das plantas pequenas são muito mal conhecidos, pois os estudos são bastante escassos neste tópico, e sua implantação em larga escala, sem um bom conhecimento sobre seus efeitos, tem o potencial de representar uma grande ameça pelos impactos cumulativos.<ref name="Benejam">Benejam, Lluís ''et al''. [https://www.researchgate.net/publication/269727208_Ecological_impacts_of_small_hydropower_plants_on_headwater_stream_fish_From_individual_to_community_effects "Ecological impacts of small hydropower plants on headwater stream fish: From individual to community effects"]. In: ''Ecology of Freshwater Fish'', 2016; 25 (2):295–306</ref><ref name="Salisbury">Salisbury, Claire. [https://news.mongabay.com/2018/03/small-hydropower-a-big-global-issue-overlooked-by-science-and-policy/ "Small hydropower a big global issue overlooked by science and policy"]. ''Mongabay'', 13/03/2018 </ref> Por outro lado, diversos trabalhos têm surgido recentemente analisando casos específicos, questionando as alegadas vantagens das usinas de pequena escala. Vários impactos são registrados já ao longo do processo de construção, como desmatamento, modificação na paisagem pela abertura de estradas e acessos, perturbação da rotina das comunidades afetadas pelo contínuo trânsito de materiais e equipamentos, levantamento de nuvens de poeira, produção de muito ruído, fumaça, lixo e resíduos industriais, alteração da qualidade da água do rio, bloqueios temporários no fluxo, morte de muitos animais, possíveis contaminações da água e solo pelo derramamento acidental de óleos, combustíveis e outras substâncias tóxicas. Isso depende muito da competência das construtoras e sua adequação às normas legais, bem como da fiscalização oficial, e muitos desses problemas são temporários. A ocorrência desse tipo de problemas, naturalmente, se verifica também na construção de grandes usinas, em escala muito maior.<ref name="Midzic"/>
Usinas pequenas geralmente são consideradas de baixo impacto ambiental, mas estudos recentes têm questionado também essa visão. Uma análise de 116 pequenas usinas construídas na Suíça mostrou que elas produziram prejuízos significativos para o deslocamento de espécies migratórias e provocaram uma dramática redução na vazão das correntes durante a maior parte do ano, prejudicando a biodiversidade e a disponibilidade de água. Também foi apontado que elas prejudicaram a beleza cênica das paisagens. O benefício em termos de produção energética foi muito pequeno, atendendo a menos de 1% do consumo nacional. Em todo o mundo existem cerca de 83 mil pequenas usinas, e milhares de outras estão em projeto. Outros exemplos são ilustrativos. Duas pequenas usinas construídas no rio Elwha nos Estados Unidos provocaram o desaparecimento de 99% da população dos salmões que reproduziam neste rio, levando o governo a decidir pela sua demolição e criação de um plano de repovoamento, a um custo de 350 milhões de dólares. Três usinas no rio Penobscot, que produziam juntas apenas 18 MW, também foram demolidas devido ao desaparecimento de espécies nativas. Três estudos recentes conduzidos na Espanha, China e Noruega concluíram que as usinas pequenas produzem impactos negativos no ambiente proporcionalmente maiores que as grandes usinas para cada MW produzido, e a energia custa 15% mais para ser gerada.<ref>Opperman, Jeff. [https://www.forbes.com/sites/jeffopperman/2018/08/10/the-unexpectedly-large-impacts-of-small-hydropower/#6eba75557b9d "The Unexpectedly Large Impacts Of Small Hydropower"]. ''Forbes'', 10/08/2018</ref>
 
Outros impactos de pequenas usinas são permanentes. Uma revisão da bibliografia indicou que os principais são relacionados à criação de obstáculos nas correntes, a modificações no volume de fluxo e no nível da água e a variações na disponibilidade de alimentos para as espécies aquáticas e as dependentes das aquáticas. Esses impactos se potencializam com a construção de várias plantas no mesmo rio, uma solução comum em áreas de montanha.<ref name="Midzic"/> Uma análise de 116 pequenas usinas construídas na Suíça mostrou que elas produziram prejuízos significativos para o deslocamento de espécies migratórias e provocaram uma dramática redução na vazão das correntes durante a maior parte do ano, prejudicando a biodiversidade e a disponibilidade de água. Também foi apontado que elas prejudicaram a beleza cênica das paisagens. O benefício em termos de produção energética foi muito pequeno, atendendo a menos de 1% do consumo nacional. Outros exemplos são ilustrativos. Duas pequenas usinas construídas no rio Elwha nos Estados Unidos provocaram o desaparecimento de 99% da população dos salmões que reproduziam neste rio, levando o governo a decidir pela sua demolição e criação de um plano de repovoamento, a um custo de 350 milhões de dólares. Três usinas no rio Penobscot, que produziam juntas apenas 18 MW, também foram demolidas devido ao desaparecimento de espécies nativas.<ref name="Opperman">Opperman, Jeff. [https://www.forbes.com/sites/jeffopperman/2018/08/10/the-unexpectedly-large-impacts-of-small-hydropower/#6eba75557b9d "The Unexpectedly Large Impacts Of Small Hydropower"]. ''Forbes'', 10/08/2018</ref> Uma pesquisa sobre 16 usinas na bacia do rio Ter na Catalunha apontou declínio na biodiversidade, declínio na qualidade e quantidade dos [[habitat]]s e níveis de água mais baixos.<ref name="Benejam"/> Um estudo analisando os efeitos da construção de cinco usinas no mesmo rio Xiangxi, na China, encontrou mudanças na velocidade e nível da água e impactos difusos em todas as 4656 espécies de invertebrados estudados, especialmente em termos de redução na abundância geral e nos predadores e filtradores em particular.<ref>Xiaocheng, Fu ''et al.'' [https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1872203208600190 "Impacts of small hydropower plants on macroinvertebrate communities"]. In: ''Acta Ecologica Sinica'', 2008; 28 (1):45-52</ref> Três estudos recentes conduzidos na Espanha, China e Noruega concluíram que as usinas pequenas produzem impactos negativos no ambiente proporcionalmente maiores que as grandes usinas para cada MW produzido, e a energia custa 15% mais para ser gerada.<ref name="Opperman"/> Segundo David Kaplan, chefe de um grupo de pesquisa da [[Universidade da Flórida]], as pequenas usinas podem causar um impacto proporcionalmente até dez vezes maior dos as grandes. Isso se agrava porque o licenciamento ambiental desses projetos em muitos países é pouco exigente ou é inexistente, e sua pequena produtividade energética impõe a grande multiplicação das plantas para suprir a demanda.<ref name="Salisbury"/>
 
Também por muito tempo as hidrelétricas foram divulgadas pelos governos e companhias como fontes de energia barata, mas isso não corresponde bem aos fatos. Especialmente as grandes usinas têm um custo real que em regra ultrapassa em muito as estimativas oficiais, geralmente levam muito mais tempo para construir do que o previsto, e segundo a Comissão Mundial de Represas, no melhor dos casos as grandes represas são apenas marginalmente viáveis em termos econômicos.<ref>International Rivers. [https://www.internationalrivers.org/economic-impacts-of-dams ''Economic Impacts of Dams''].</ref> Uma revisão da bibliografia publicada em 2014 indicou que em países emergentes o balanço é negativo, inclusive gerando [[inflação]] e alto endividamento público. Cerca de metade das usinas estudadas tiveram um custo tão alto a ponto de serem dadas como perdidas. No Brasil, a construção de [[Itaipu]] prejudicou as finanças nacionais por três décadas, e a despeito da sua importância central no sistema energético do país, economicamente ela provavelmente nunca pagará seus custos de construção e manutenção.<ref>Ansar, Atif ''et al''. [https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2406852 "Should We Build More Large Dams? The Actual Costs of Hydropower Megaproject Development"]. In: ''Energy Policy'', 2014; 69:43-56</ref><ref name="Flyvbjerg"/> A [[Usina de Belo Monte]] também é um caso de megaprojeto em que os custos provavelmente ultrapassarão os benefícios,<ref name="Flyvbjerg">Flyvbjerg, Bent & Ansar, Atif. [https://www.theguardian.com/sustainable-business/hydroelectric-dams-emerging-economies-oxford-research "Hydroelectric dams are doing more harm than good to emerging economies"]. ''The Guardian'', 07/04/2014 </ref> além de estar envolvida em uma grande controvérsia desde o início por uma série de irregularidades em sua construção, omissão de dados relevantes, violação de direitos humanos e prejuízos múltiplos causados à comunidade e ambiente regionais.<ref>Prates, Camila Dellagnese & Almeida,