José Isabel do Nascimento: diferenças entre revisões

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{{Artigo principal|Massacre de Ipatinga}}
[[Ficheiro:Monumento 7 de Outubro, Ipatinga MG.JPG|thumb|esquerda|160px|Monumento "7 de Outubro", no bairro [[Bom Retiro (Ipatinga)|Bom Retiro]], em Ipatinga, que homenageia as vítimas do massacre.]]
Na manhã de 7 de outubro de 1963 um atrito entre militares, então sob ordens do governador mineiro [[José de Magalhães Pinto]], e funcionários da Usiminas, revoltados com as más condições de trabalho e a humilhação que sofriam ao serem revistados antes de entrar e sair da empresa para sua jornada de trabalho, resultava em {{fmtn|6000}} trabalhadores em greve em frente à portaria da empresa à espera de um consenso entre líderes dos revoltosos, sindicato local e diretoria.<ref name="Movaço_111">{{Harvx|Movaço|Fernandes|2013|p=111}}</ref> José Isabel encaminhava-se para seu trabalho na área de montagem e construção e se juntou aos trabalhadores para acompanhar os acontecimentos. Como de costume, carregava consigo sua câmera, com a qual se colocou a fotografar os policiais armados e a multidão intimidada com a força da vigilância. Os ''[[Flash (fotografia)|flashes]]'' da câmera chamavam a atenção, inclusive dos policiaissoldados, que se sentiram incomodados.<ref name="Movaço_33e34"/>
 
José Isabel, no entanto, era conhecido de alguns dos soldados que estavam por ali e permaneceu um tempo conversando com João Medeiros, do destacamento de Coronel Fabriciano, que lhe ofereceu um maço de [[cigarro]]s.<ref name="Movaço_39">{{Harvx|Movaço|Fernandes|2013|p=39}}</ref> A certa altura do protesto, os operários reprimidos passaram a repreender os policiais com pedras e xingamentos. Em resposta, 19 soldados no alto de um caminhão puseram-se a disparar contra os trabalhadores. José Isabel conseguira bater um filme inteiro e ao bater a primeira foto do segundo filme, mirando em um policial, foi atingido por disparo de [[fuzil]], que teria sido proposital segundo testemunhas.<ref name="AmoIpat_JoséIsabel"/> A bala entrou pelo abdômen e saiu nas costas. João Medeiros tentou socorrer, mas no meio da confusão precisou se afastar do local.<ref name="Movaço_116">{{Harvx|Movaço|Fernandes|2013|p=116}}</ref> Poucos minutos depois, o médico Emílio Gomes Fernandes, também conhecido do fotógrafo, passou de carro por ali e o encaminhou à Casa de Saúde Santa Terezinha, no [[Centro (Ipatinga)|Centro de Ipatinga]].<ref name="Movaço_119">{{Harvx|Movaço|Fernandes|2013|p=119}}</ref><ref name="encontro2010_12">{{Harvx|encontro2010|Rocha|2010|p=12}}</ref>
 
No centro de saúde, José Isabel foi entrevistado e interrogado e conseguiu vender suas fotos ao jornal ''[[Correio de Minas]]'', obtendo repercussão imediata nos principais noticiários. Após passar por duas cirurgias, faleceu em 17 de outubro, apesar da boa perspectiva de seu quadro de saúde.<ref name="Movaço_119"/> Segundo o legista José Ávila, sua morte ocorreu em função de "[[abscesso]] subepático devido a projétil de arma de fogo".<ref name="AmoIpat_JoséIsabel"/><ref name="RedeAngola_JoséIsabel"/> OsJosé 19Isabel militaresdo queNascimento atuaramfoi enterrado no massacreantigo chegaram a ser apontados em um inquérito concluído em 4cemitério de novembroCoronel de 1963Fabriciano,<ref name="Movaço_136a137">{{Harvx|Movaço|Fernandes|2013|p=136–137}}</ref>onde porématualmente todosestá oslocalizada policiaisa envolvidosPraça no episódio foram absolvidos em 8 de março deda 1965Bíblia, após o início da [[Ditadura militar brasileira|ditadura militar no Brasil]].<ref name="encontro2010_5e6">{{Harvx|encontro2010|Rocha|2010|p=5–6}}</ref><ref name="UCAM_44">{{Harvx|UCAM|Sampaio|2008|p=44}}</ref> Obairro [[Ministério Público MilitarSurinan]] entrou em recurso contra a decisão dois meses depois,<ref name="Movaço_159">{{Harvx|Movaço|Fernandes|2013|p=159}}</ref> mas o processo foi concluído a favor dos militares.<ref name="encontro2010_6e7AmoIpat_JoséIsabel"/>
 
Nos meses seguintes ao episódio houve o julgamento dos soldados envolvidos no massacre, que resultou oficialmente em oito falecimentos, apesar do número de mortos e feridos sempre ter sido contestado.<ref name="encontro2010_6e7">{{Harvx|encontro2010|Rocha|2010|p=6–7}}</ref> Os 19 militares que participaram diretamente das mortes chegaram a ser apontados em um inquérito concluído em 4 de novembro de 1963.<ref name="Movaço_136a137">{{Harvx|Movaço|Fernandes|2013|p=136–137}}</ref> O [[Golpe de Estado no Brasil em 1964|Golpe de Estado em 1964]], no entanto, deu início ao [[Ditadura militar brasileira|regime militar no Brasil]], durante o qual houve a prisão de sindicalistas e líderes de movimentos trabalhistas locais,<ref name="encontro2010_6e7">{{Harvx|encontro2010|Rocha|2010|p=6–7}}</ref> além da absorção dos policiais envolvidos em 8 de março de 1965. O [[Ministério Público Militar]] entrou em recurso contra a decisão dois meses depois,<ref name="Movaço_159">{{Harvx|Movaço|Fernandes|2013|p=148}}</ref> mas o processo foi concluído a favor dos militares.<ref name="encontro2010_6e7"/>
=== Indenizações ===
Após o fim do regime militar, em 1985, a lei nº 9.140, aprovada em 4 de dezembro de 1995, seria a primeira que previa indenizações a familiares de pessoas mortas ou desaparecidas durante o regime militar. Esse decreto cogitou aos familiares das vítimas do massacre o direito de ressarcimento, mas a lei abrangia apenas aqueles que perderam a vida em "dependências policiais". Em março de 2004, a aprovação da Medida Provisória 176 passou a garantir indenizações às famílias de falecidos em manifestações públicas ou conflitos armados. Com base nesse projeto, somente em 27 de outubro de 2004 o processo de indenização de José Isabel do Nascimento foi aprovado — outras quatro famílias foram indenizadas naquele mês.<ref name="encontro2010_8e9">{{Harvx|encontro2010|Rocha|2010|p=8–9}}</ref>
 
=== Indenizações =e reconhecimento ==
Em 2013, com a instauração da [[Comissão Nacional da Verdade]] (CNV), o Massacre de Ipatinga voltou a ser investigado. Em uma audiência pública realizada pela comissão no Fórum de Ipatinga em 7 de outubro de 2013, em referência aos 50 anos do episódio, vítimas e parentes foram ouvidos com o objetivo de reunir informações.<ref name="G1_CNV">{{citar web|URL=http://g1.globo.com/mg/vales-mg/noticia/2013/10/comissao-da-verdade-ouve-vitimas-do-massacre-de-ipatinga.html |título=Comissão da verdade ouve as vítimas do 'Massacre de Ipatinga' |autor=G1 |data=7 de outubro de 2013 |acessodata=11 de maio de 2019 |wayb=20190511190055}}</ref><ref name="CNV_50anos">{{citar web|URL=http://www.cnv.gov.br/outros-destaques/353-50-anos-depois-vitimas-exibem-no-corpo-e-na-alma-marcas-do-massacre-de-ipatinga.html |arquivourl=https://archive.is/Q8vko |arquivodata=23 de janeiro de 2016 |título=50 anos depois, vítimas exibem no corpo e na alma marcas do Massacre de Ipatinga |autor=Comissão Nacional da Verdade (CNV) |data=7 de outubro de 2013 |acessodata=23 de janeiro de 2016}}</ref> Na ocasião um dos filhos de José Isabel, Rossi do Nascimento, afirmou que a morte súbita do fotógrafo após a recuperação das cirurgias se tratava de uma possível "queima de arquivo".<ref name="AmoIpat_JoséIsabel"/><ref name="RedeAngola_JoséIsabel"/> Um relatório divulgado pela CNV em dezembro de 2014 apontou como responsáveis pelas mortes desde militares ao governador do estado na época do massacre.<ref>{{citar web|URL=http://cress-mg.org.br/hotsites/observatorio-das-lutas-sociais/noticia/38 |título=Comissão da verdade mineira torna público relatório que dá nome aos torturadores do estado |autor=Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) |data=10 de dezembro de 2014 |publicado=Observatório das Lutas Sociais |acessodata=11 de maio de 2019 |wayb=20190511190149}}</ref> Foi recomendada a retificação da certidão de óbito de José Isabel do Nascimento e a continuidade das investigações para a identificação de todos os envolvidos.<ref name="Memórias_JoséIsabel"/>
[[Ficheiro:Monumento da Praça da Bíblia, Coronel Fabriciano MG.JPG|thumb|direita|180px|Praça da Bíblia, no bairro [[Surinan]], em [[Coronel Fabriciano]], onde situava-se o cemitério ondeno qual José Isabel do Nascimento foi enterrado.]]
A família de José Isabel do Nascimento não recebeu nenhum auxílio monetário após seu falecimento e por razões financeiras precisou vender o estúdio fotográfico. A câmera Rolleicord foi enviada para ser concertada no Rio de Janeiro, porém nunca mais foi vista.<ref name="AmoIpat_JoséIsabel"/> Após o fim do regime militar, em 1985, a lei nº 9.140, aprovada em 4 de dezembro de 1995, seria a primeira que previa indenizações a familiares de pessoas mortas ou desaparecidas durante oa regime militarditadura. Esse decreto cogitou aos familiares das vítimas do massacre o direito de ressarcimento, mas a lei abrangia apenas aqueles que perderam a vida em "dependências policiais". Em março de 2004, a aprovação da Medida Provisória 176 passou a garantir indenizações às famílias de falecidos em manifestações públicas ou conflitos armados. Com base nesse projeto, somente em 27 de outubro de 2004 o processo de indenização de José Isabel do Nascimento foi aprovado — outras quatro famílias foram indenizadas naquele mês.<ref name="encontro2010_8e9">{{Harvx|encontro2010|Rocha|2010|p=8–9}}</ref>
 
Em 2013, com a instauração da [[Comissão Nacional da Verdade]] (CNV), o Massacre de Ipatinga voltou a ser investigado. Em uma audiência pública realizada pela comissão no Fórum de Ipatinga em 7 de outubro de 2013, em referência aos 50 anos do episódio, vítimas e parentes foram ouvidos com o objetivo de reunir informações.<ref name="G1_CNV">{{citar web|URL=http://g1.globo.com/mg/vales-mg/noticia/2013/10/comissao-da-verdade-ouve-vitimas-do-massacre-de-ipatinga.html |título=Comissão da verdade ouve as vítimas do 'Massacre de Ipatinga' |autor=G1 |data=7 de outubro de 2013 |acessodata=11 de maio de 2019 |wayb=20190511190055}}</ref><ref name="CNV_50anos">{{citar web|URL=http://www.cnv.gov.br/outros-destaques/353-50-anos-depois-vitimas-exibem-no-corpo-e-na-alma-marcas-do-massacre-de-ipatinga.html |arquivourl=https://archive.is/Q8vko |arquivodata=23 de janeiro de 2016 |título=50 anos depois, vítimas exibem no corpo e na alma marcas do Massacre de Ipatinga |autor=Comissão Nacional da Verdade (CNV) |data=7 de outubro de 2013 |acessodata=23 de janeiro de 2016}}</ref> Na ocasião um dos filhos de José Isabel, Rossi do Nascimento, afirmou que a morte súbita do fotógrafo após a recuperação das cirurgias se tratava de uma possível "queima de arquivo".<ref name="AmoIpat_JoséIsabel"/><ref name="RedeAngola_JoséIsabel"/> Um relatório divulgado pela CNV em dezembro de 2014 apontou como responsáveis pelas mortes desde militares ao governador do estado na época do massacre.<ref>{{citar web|URL=http://cress-mg.org.br/hotsites/observatorio-das-lutas-sociais/noticia/38 |título=Comissão da verdade mineira torna público relatório que dá nome aos torturadores do estado |autor=Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) |data=10 de dezembro de 2014 |publicado=Observatório das Lutas Sociais |acessodata=11 de maio de 2019 |wayb=20190511190149}}</ref> Foi recomendada a retificação da certidão de óbito de José Isabel do Nascimento e a continuidade das investigações para a identificação de todos os envolvidos.<ref name="Memórias_JoséIsabel"/>
== Reconhecimento ==
[[Ficheiro:Monumento da Praça da Bíblia, Coronel Fabriciano MG.JPG|thumb|direita|180px|Praça da Bíblia, no bairro [[Surinan]], em [[Coronel Fabriciano]], onde situava-se o cemitério onde José Isabel do Nascimento foi enterrado.]]
José Isabel do Nascimento foi enterrado no antigo cemitério de Coronel Fabriciano, onde atualmente está localizada a Praça da Bíblia, no bairro [[Surinan]].<ref name="AmoIpat_JoséIsabel"/> Nos meses seguintes ao episódio houve a condenação dos soldados envolvidos em agressões contra os operários e no massacre, que resultou oficialmente em oito falecimentos, apesar do número de mortos e feridos sempre ter sido contestado. O [[Golpe de Estado no Brasil em 1964|Golpe de Estado em 1964]], no entanto, culminou na prisão de sindicalistas e líderes de movimentos trabalhistas locais e na absorção dos policiais envolvidos.<ref name="encontro2010_6e7">{{Harvx|encontro2010|Rocha|2010|p=6–7}}</ref> Somente em 2004 a família de José Isabel do Nascimento foi indenizada.<ref name="encontro2010_9">{{Harvx|encontro2010|Rocha|2010|p=9}}</ref><ref name="RedeAngola_JoséIsabel"/>
 
As imagens capturadas por José Isabel do Nascimento durante o Massacre de Ipatinga repercutiram em outros países e foram publicadas nas revistas ''[[O Cruzeiro (revista)|O Cruzeiro]]'' e ''[[Bloch Editores|Fatos & Fotos]]''.<ref name="AmoIpat_JoséIsabel"/><ref name="RedeAngola_JoséIsabel"/> Em 2011, uma rua do bairro [[Novo Aarão Reis (Belo Horizonte)|Novo Aarão Reis]], em [[Belo Horizonte]], foi batizada de José Isabel do Nascimento em sua homenagem.<ref name="AmoIpat_JoséIsabel"/> Em Coronel Fabriciano, existehouve um movimento a favor de alterar o nome da [[Avenida Governador José de Magalhães Pinto]], que é a principal da cidade e leva o nome do governador mineiro responsável pelo massacre, para Avenida José Isabel do Nascimento.<ref name="CNV_50anos"/><ref>{{citar web|URL=http://www.plox.com.br/caderno/pol%C3%ADtica-e-economia/vereador-quer-alterar-nome-de-avenida-em-fabriciano |arquivourl=https://archive.is/LVcgV |arquivodata=23 de janeiro de 2016 |título=Vereador quer alterar nome de avenida em Fabriciano |autor=Plox |data=20 de janeiro de 2010 |acessodata=23 de janeiro de 2016}}</ref> Em Ipatinga há uma [[Unidade de Pronto Atendimento]] denominada UPA José Isabel do Nascimento.<ref>{{citar web|URL=http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2018/prt2793_19_09_2018.html |título=Portaria nº 2.793, de 18 de setembro de 2018 |autor=Ministério da Saúde |data=18 de setembro de 2018 |acessodata=11 de maio de 2019 |wayb=20190511222159}}</ref> Os nomes das vítimas da chacina foram incluídos na [[Lista de mortos e desaparecidos políticos na ditadura militar brasileira|lista de "mortos e desaparecidos políticos" na ditadura militar brasileira]].<ref>{{Citar periódico |ultimo=Santos |primeiro=Gabriella Barbosa |ano=2015 |título=A violação do direito à memória e à verdade e seus efeitos na formação identitária brasileira: o legado na ditadura na presentificação do passado |jornal=Universidade Federal da Bahia (UFBA) |página=257 |url=https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/17748/1/VERS%C3%83O%20FINAL%20Gabriella.pdf |acessadoem=23 de janeiro de 2016 |arquivourl=https://www.webcitation.org/6ekxYE7CD?url=https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/17748/1/VERS%C3%83O%20FINAL%20Gabriella.pdf# |arquivodata=23 de janeiro de 2016 |urlmorta=no}}</ref>
 
== Ver também ==