Antigo Egito: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Retomando os trabalhos
Linha 8:
O sucesso egípcio deve-se em parte à sua capacidade de se adaptar às condições do vale do Nilo. A inundação previsível e a [[irrigação]] controlada do vale fértil produziam colheitas excedentárias, o que alimentou o [[desenvolvimento social]] e cultural. Com recursos excedentários, o governo patrocinou a exploração mineral do vale e regiões do deserto ao redor, o desenvolvimento de um [[Hieróglifo|sistema de escrita]], a organização de construções coletivas e projetos de [[agricultura]], [[comércio]] com vizinhos e guerras para derrotar inimigos estrangeiros e afirmar o domínio egípcio. Motivar e organizar estas atividades foi uma tarefa [[burocracia|burocrática]] dos [[escriba]]s de elite, dos líderes religiosos, e dos administradores sob o controle de um faraó que garantiu a cooperação e a unidade do povo egípcio, no âmbito de um elaborado sistema de [[Religião no Antigo Egito|crenças religiosas]].{{sfn|James|2005|p=8}}{{sfn|Manuelian|1998|p=6-7}}
 
As muitas realizações dos antigos egípcios incluem o desenvolvimento de técnicas de [[Mineração|extração mineira]], topografia e construção que permitiram a edificação de monumentais [[pirâmides do Egito|pirâmides]], [[templo]]s e [[obelisco]]s; um sistema de [[matemática]], um sistema prático e eficaz de [[Medicina do Antigo Egito|medicina]], sistemas de [[irrigação]] e técnicas de produção agrícola, os primeiros [[navios]] conhecidos, [[faiança egípcia|faiança]] e tecnologia com [[vidro]], novas formas de [[Literatura do Antigo Egito|literatura]] e o mais antigo [[tratado de paz]] conhecido, o chamado [[Tratado de Cadexe]]. O Egito deixou um legado duradouro. Sua [[Arte do Antigo Egito|arte]] e [[Arquitetura do Egito Antigo|arquitetura]] foram muito copiadas e suas antiguidades levadas a várias partes do globo. Suas ruínas monumentais inspiraram a imaginação de viajantes e escritores ao longo de séculos e o fascínio por antiguidades e escavações no início do [[Idade Contemporânea]] esteve na origem da [[egiptologia|investigação científica]] dadesta civilização egípcia e levou a uma maior valorização do seu legado cultural.
 
== Etimologia ==
Linha 30:
[[Imagem:HMB AE 368 - Barke mit Menschenfiguren.jpg|thumb|upright=1.2|Modelo de barco em argila de [[Gebeleim]]. [[Museu Histórico de Berna]], [[Berna]]]]
 
Nos períodos pré-dinástico e dinástico, o clima do Egito, e do [[Deserto do Saara|Saara]] como um todo, sofreu repentinas variações que causaram períodos de extrema [[seca]] e [[desertificação]] e períodos de clima favorável e úmido: em fases úmidas o Saara era dominado por [[savana]] rica em [[fauna]] ([[aves]] e [[mamíferos]]) e [[flora]].{{sfn|Byrnes|2005}}{{sfn|Riemer|2003|p=74}} A [[caça]] era muito importante entre os egípcios, pois fornecia carne.{{sfn|Ikram|1992|p=5}} Os primeiros sinais de [[domesticação]] animal são do [[Deserto da Líbia|Deserto Ocidental]] e datam de {{fmtn|8800}}-{{AC|6800|n}}: eram criados com base no modelo de [[pastoreio]] africano, no qual fornecem leite e sangue, mas não carne.{{sfn|Wendorf|1992|p=156}} Cerca de {{AC|5500|n}}, pequenos grupos que viviam no vale evoluíram para aglomerados culturais complexos caracterizados por amplo domínio da agricultura (os vestígios mais antigos dessadesta foram achados em [[Oásis de Faium|Faium]]{{sfn|name=Ra2004|Raffaele|2004}}), [[pecuária]], [[manufatura]] de objetos e [[cerâmica]] e um primitivo comércio: [[Cultura de Faium|Faium]] ({{fmtn|5400}}-{{AC|4400|n}}) desenvolveu pleno domínio em [[tecelagem]];{{sfn|Gardiner|1964|p=388}}{{sfn|Byrnes|2005b}} [[Cultura de Merinde|Merinde]] ({{fmtn|5000}}-{{AC|4100|n}}) construiu os primeiros túmulos egípcios conhecidos, situados no interior do sítio, e talvez desenvolveu práticas rituais;{{sfn|Byrnes|2005c}}{{sfn|Hoffman|1979|p=177}}{{sfn|Hayes|1964|p=112}} [[Cultura de Omari|Omari]] ({{fmtn|4600}}-{{AC|4400|n}}) fez os mais antigos artefatos em [[cobre]] do Egito;{{sfn|Byrnes|2005d}} e [[Cultura de Badari|Badari]] ({{fmtn|4400}}-{{AC|4000|n}}) produziu os primeiros exemplos de [[faiança]] e [[vidro]] à base de [[esteatita]].{{sfn|Hayes|1964|p=220}}{{sfn|Grimal|1988|p=24}}{{sfn|Grajetzki|2000c}}
 
[[cultura de Maadi-Buto|Maadi-Buto]] ({{fmtn|3800}}-{{AC|3200|n}}) produziu os primeiros cemitérios bem definidos{{sfn|Grajetzki|2000d}} e intensificou o comércio: importava produtos do [[Oriente Próximo]] (madeira de [[Cedro-do-líbano|cedro]],{{sfn|Parsons|2017}} nódulos de [[sílex]], cerâmica, ferramentas líticas, [[resina]]s, óleos, [[vinho]], cobre, [[basalto]]), Alto Egito (pentes, cerâmica, [[marfim]], [[paleta cosmética|paletas cosméticas]], cabeças de [[clava]]) e [[Deserto Oriental Africano|Deserto Oriental]] ([[malaquita]], [[manganês]], [[pérola]]s, [[concha]]s, [[cornalina]]); e exportava cerâmica, conchas e cereais para o Oriente, cobre, basalto e sílex para o Alto Egito.{{sfn|Byrnes|2005e}} Sítios como [[Saís]] e [[Buto]] tornaram-se centros de propagação cultural.{{sfn|Wildung|1984|p=265}} [[Cultura de Nacada|Nacada]] ({{fmtn|4000}}-{{AC|3000|n}}) foi caracterizada pelo surgimento de elites regionais mercantis centradas em grandes centros de poder ([[Nacada]], [[Hieracômpolis]], [[Gebeleim]], [[Abadia (Egito)|Abadia]], [[Abidos (Egito)|Abidos]]). Tais centros evoluíram para Estados regionais belicosos que disputaram o poder, terras mais férteis e controle das [[Rota de comércio|rotas comerciais]]. {{sfn|Wenke|1999|p=445}}{{sfn|Krzyzaniak|1984|p=223}}{{sfn|Hassan|1988|p=152}} Possivelmente estes Estados delinearam a divisão administrativa egípcia conhecida como [[nomo]]s.{{sfn|Friedman|1992|p=310}}{{sfn|Helk|1974|p=199}}{{sfn|Butzer|1976|p=93-94}} Durante os {{fmtn|1000}} anos de existência dessa cultura, os centros regionais variaram em tamanho e poder: em {{lknb|Nacada|I}} ({{fmtn|4000}}-{{AC|3500|n}}) o maior centro era Nacada; em {{lknb|Nacada|II}} ({{fmtn|3500}}-{{AC|3200|n}}) era Hieracômpolis; em {{lknb|Nacada|III}} ({{fmtn|3200}}-{{AC|3000|n}}) eram Abidos e [[Tinis]].{{sfn|Carneiro|1981|p=50}}{{sfn|Kemp|2005|p=32}}{{sfn|Byrnes|2007}}{{sfn|Byrnes|2007b}}{{sfn|name=Shaw479|Shaw|2002|p=479}} Os centros tiveram seus cemitérios, onde as elites eram sepultadas com rico espólio tumular.{{sfn|name=By2011b|Byrnes|2011b}}{{sfn|Byrnes|2011}}{{sfn|name=By2011c|Byrnes|2011c}} No fim de Nacada&nbsp;II e em Nacada&nbsp;III surgem as primeiras evidências de chefes regionais e, depois, os primeiros [[faraó]]s.<ref name=Ra2004 />{{sfn|name=Ke25|Kemp|2005|p=25}}
 
[[Imagem:Egyptian predynastic grave.JPG|thumb|esquerda|Ginger, uma das [[múmias pré-dinásticas de Gebeleim|múmias de Gebeleim]] ({{AC|3400|x}}). Museu Britânico, Londres]]
[[Imagem:British Museum Egypt 029.jpg|thumb|esquerda|[[Paleta do Campo de Batalha]]. Museu Britânico, Londres]]
 
Nacada fabricou uma gama diversificada de bens materiais, reflexo do crescente poder e riqueza da elite: vasos (em basalto, marfim, cobre, osso e cerâmica), adornos pessoais (em osso, [[lápis-lazúli]], conchas, faiança, madeira, [[ouro]], [[prata]] e cobre), paletas antropo e zoomórficas (em [[grauvaque]] e [[ardósia]]), esteatita vítrea, figurinhas zoo e antropomórficas (em [[terracota]] e marfim), cabeças de clava discoides e depois peroides;<ref name=By2011b />{{sfn|Byrnes|2005f}} e esferas de [[ferro]] [[Siderito|meteorítico]], o mais antigo uso de ferro no mundo;{{sfn|Tylecote|1992|p=3}}{{sfn|Grajetzki|2000e}}{{sfn|Geerlings|2000}} em Nacada&nbsp;I, há os primeiros exemplos de habitações feitas com [[tijolo]]s.{{sfn|Redford|1992|p=7}}{{sfn|Reynes|2000|p=183}}{{sfn|Hoffman|1979|p=159}}{{sfn|Hassan|1988|p=155}} Durante Nacada, há transformações socioeconômicas importantes: intensa importação ([[obsidiana]], cobre, vasos, lápis-lazúli, marfim, [[ébano]], [[incenso]], pele de gatos selvagens, óleos, pedras e conchas) e exportação ([[alabastro]], [[Miçanga|contas]] de ouro, faiança, lâminas, [[amuleto]]s de "cabeças [[Bovídeos|bovídeas]]");{{sfn|Aston|2000|p=46-47}}{{sfn|Aston|1994|p=23-26}}<ref name=By2011c />{{sfn|Grimal|1988|p=28}}{{sfn|Byrnes|2005g}} aparecimento de costumes religiosos (uso de [[estela]]s e [[sarcófago]]s) e alguns deuses do [[Religião no Antigo Egito|panteão]] ([[Hórus]], [[Bat (deusa)|Bate]], [[Seti (divindade)|Seti]], [[Necbete]] e [[Min (mitologia)|Mim]]);{{sfn|Byrnes|2005h}} os [[escrita hieroglífica|hieróglifos]] (quiçá com base na escrita [[Antiga civilização mesopotâmica|mesopotâmica]]{{sfn|Trigger|1983|p=37}});{{sfn|Allen|2000|p=1}}{{sfn|Kemp|1989|p=37}} arte e [[iconografia]], ambas representadas em paletas;{{sfn|Wilkinson|2000|p=31}} acentuada elevação da produção agrícola devido maior número de áreas cultivadas e melhoria das habilidades empregadas.{{sfn|Butzer|1976|p=103}} Muitos sítios deltaicos dedicaram-se só ao comércio com o Oriente, enquanto nômades do Deserto Oriental, porventura devido à degradação das condições ambientais locais, foram ativos mediadores do comércio.{{sfn|Friedman|1992|p=232}}{{sfn|Hoffman|1979|p=247}}
 
Um termo contextual (dinastia 0) é usado para agrupar os reis conhecidos de Nacada&nbsp;IIIb-IIIc, embora não formaram uma dinastia;<ref name=Ke25 /> apesar de não totalmente aceito, o termo dinastia 00 por vezes é usado para distinguir reis atestados entre Nacada&nbsp;IIc-&nbsp;IIIa2. {{ref label2|a}}<ref name=Ra2004 /> Até Nacada&nbsp;IIIa2, há em Nacada ([[Cemitério T]]), Gebeleim, Abidos ([[Cemitério U]]), Hieracômpolis ([[Tumba 100|T100]] e [[Tumba 11|11]]), [[Custul]] (L24) e [[Seiala]] (137.1) túmulos provavelmentequiçá atribuíveis a chefes regionaislocais que emergiam do seio das famílias da elite.{{sfn|Wilkinson|1999|p=52}} Cerâmicas incisas, paletas (em especialsobretudo a [[Paleta Líbia]]) e um [[grafite inciso(arqueologia)|grafite]] nos [[Colossos de Copto]] forneceram os nomes de possíveis reis locais que governaramreinaram até a ascensão dos reis tinitas: ''[[Órix (faraó)|Órix]]'', ''[[Concha (faraó)|Concha]]'', ''[[Peixe (faraó)|Peixe]]'', ''[[Elefante (faraó)|Elefante]]'', ''[[Touro (faraó)|Touro]]'', ''{{lknb|Boi|I}} (?) [[Cegonha (faraó)|Cegonha]]'', ''[[Canídeo'' (faraó)|Canídeo]], ''Padrão Cabeça de Gado''{{lknb|Boi|II}}, ''{{lknb|Escorpião&nbsp;|I''}}, ''{{lknb|Falcão&nbsp;|I''}}, ''padrão[[Mim (faraó)|Mim + planta'']] [...] {{lknb|Falcão|II}}, ''?''[[Leão (perdidofaraó)|Leão]], ''[[Falcão&nbsp;II'', ''Leão''Duplo]] [...] ''[[Iri-Hor'']], ''[['' (faraó)|Ká]], ''{{lknb|Escorpião&nbsp;|II''}}, ''[[Narmer'']]; talvez houve dois reis ''Touro''Touros, umo identificadodos nos Colossos de Coptocolossos (''Touro &nbsp;I'') e outro identificado nada [[Paleta do Touro]] (Touro&nbsp;II).;{{sfn|Dreyer|1998|p=178}} NaEscorpião&nbsp;I, cuja tumba de {{lknb|Escorpião|I}} ([[Túmulo U-j|U-j]], Abidos) haviatinha muitos bens e os primeiros hieróglifos conhecidos; também, foi identificadoassociado numao grafite inciso de Gebel Tjauti, no deserto entre Abidos e Nacada, que representaexibe possível vitória sua sobre outro chefe.{{sfn|name=Ra2002|Raffaele|2002}} Alguns dostambém primeirosoutros líderesachados da dinastia 0 foram identificados através de seuscom [[sereque]]s: [[Falcão Duplo]] ([[Sinai]] e delta), [[Hate-Hor]] (túmulo 1702 em [[Tarcã]]), [[Ni-Hor]] ([[Tora (Egito)|Tora]] e Tarcã), [[Pe-Hor]] (cerâmica de Custul, perto de [[Armante]] e num grafite de Gebel Xeique Solimão, na segunda catarata), [[Hedju-Hor]] (delta Oriental e Tora) e [[Crocodilo (faraó)|Crocodilo]] (túmulos 315, 414 e 1549 de Tarcã);, possivelmenteque Crocodiloquem sabe foi um usurpador durante ono governotempo de Narmer.{{sfn|Raffaele|2004a}} Alguns dos primeiros faraós tiveram seus jazigos localizados: [[Iri-Hor]] (túmulo B1-B2, Abidos), [[Ka (faraó)|Ká]] (túmulo B7-B9, Abidos), {{lknb|Escorpião|&nbsp;II}} (talvezacaso 4ª camada do túmulo B50 em Abidos ou túmulo 1 do local 6 em Hieracômpolis) e [[Narmer]] (túmulo B17-B18, Abidos).{{sfn|Wilkinson|1999|p=68}}
 
=== Época Tinita {{-nwrap||3100|2686}} ===
Linha 94:
{{AP|Segundo Período Intermediário}}
 
Por volta de {{AC|1785|n}}, com o poder dos faraós do Império Médio enfraquecido, os imigrantes asiáticos residentes na cidade de [[Aváris]] assumiram o controle da região e forçaram o governo central a se retirar para [[Tebas (Egito)|Tebas]], onde o faraó era tratado como um vassalo e era obrigado a pagar tributo.{{sfn|name=Ryholt310|Ryholt|1997|p=310}} Os [[hicsos]] (''Heka-khasut'', governantes estrangeiros) imitaram o modelo de governo egípcio e se apresentaram como faraós, integrando elementos egípcios na sua cultura da [[Idade do Bronze|Idade do Bronze Médio]].{{sfn|Shaw|2002|p=189}} Introduziram também elementos novos na civilização egípcia como o [[cavalo]], os [[biga|carros de guerra]], novos métodos de fiação e [[tecelagem]] e novos instrumentos musicais.<ref name=Pe29/>
 
Depois da retirada, os reis de Tebas se viram presos entre os hicsos no norte e os aliados núbios dos hicsos, os [[Reino de Cuxe|cuxitas]], no sul. Após anos de inatividade, Tebas reuniu força suficiente para desafiar os hicsos em um conflito que duraria mais de 30 anos, até {{AC|1555|n}}<ref name=Ryholt310 /> Os faraós {{lknb|Taá|II}} e [[Kamés]] acabaram por derrotar os núbios, mas foi o sucessor de Kamés, [[Amósis]], que empreendeu com sucesso uma série de campanhas que permanentemente erradicaram os hicsos no Egito. No [[Império Novo]] que se seguiu, o poder militar se tornou uma prioridade central para os faraós, que procuraram expandir as fronteiras do Egito e garantir o domínio completo do [[Oriente Próximo]].{{sfn|Shaw|2002|p=224}}
Linha 106:
[[Imagem:SFEC EGYPT ABUSIMBEL 2006-003.JPG|thumb|esquerda|upright|As quatro estátuas colossais de {{lknb|Ramessés|II}} na entrada do templo de [[Abul-Simbel]]]]
 
Sob {{lknb|Tutmés|IV}} ({{AC|1397-1388|n}}) o Egito realizou uma aliança com [[Mitani]] para empreender ataques contra o [[Império Hitita]]. Com {{lknb|Amenófis|III}} foram edificados os templos de [[Luxor]], o palácio de [[Malcata (Egito)|Malcata]] e o [[Templo de Milhões de Anos]], do qual atualmente só restam os conhecidos "[[Colossos de Memnon]]", além do templo de Amom em Carnaque ter sido ampliado.{{sfn|name=Salles53|Salles|2008|p=53}} Durante seu reinado, colheitas férteis e excedentes, permitiram a Amenófis&nbsp;III assegurar relações com os reinos orientais e com os nobres das cidades sírio-palestinas por meio de acordo diplomáticos, alguns dos quais envolvendo casamentos reais. Cerca de {{AC|1350|n}}, a estabilidade do Império Novo foi ameaçada quando {{lknb|Amenófis|IV}} subiu ao trono e instituiu uma série de reformas radicais e caóticas. Após mudar o seu nome para ''Aquenáton'' (''O Esplendor de Aton''), decretou como a divindade suprema o até aí obscuro deus Sol [[AtonAtom]], suprimindo o culto de outras divindades e atacando o poder religioso instalado.{{sfn|Aldred|1988|p=259}} Mudando a capital à nova cidade de ''Aquetaton'' (''Horizonte de ÁtonAtom'', atual [[Amarna]]), Aquenáton tornou-se desatento aos negócios estrangeiros, deixando-se absorver pela devoção a AtonAtom e pela sua personalidade de artista e pacifista.<ref name=Go22/> Durante seu reinado as relações comerciais com o [[Mar Egeu]] ([[Civilização Minoica|minoicos]] e [[Civilização Micênica|micênios]]) são cortadas e os hititas começam a fazer perigar a soberania egípcia na Síria.{{sfn|Herold|2008|p=43}} Após sua morte, o culto de AtonAtom foi rapidamente abandonado, e os faraós [[Tutancâmon]], [[Ay (faraó)|Ay]] e [[Horemeb]] apagaram todas as referências à [[heresia]] de Aquenáton, agora conhecida como [[Período Amarna]].{{sfn|Cline|2001|p=273}}
 
[[Imagem:Istanbul - Museo archeol. - Trattato di Qadesh fra ittiti ed egizi (1269 a.C.) - Foto G. Dall'Orto 28-5-2006.jpg|thumb|esquerda|upright|Fragmentos do tratado de paz entre os egípcios e hititas]]
Linha 126:
Sob {{lknb|Osorcon|II}}, o Egito auxiliando os reinos sírio-palestinos repudiou as primeiras expedições [[assírios|assírias]]. As muitas guerras civis que se seguiram causaram a divisão do Egito em várias dinastias. O poder líbio entrou em declínio à medida que duas dinastias rivais surgiram, uma centrada em [[Leontópolis (Heliópolis)|Leontópolis]] ({{lknb|XXIII|dinastia|egípcia}}) e outra em [[Saís]] ({{lknb|XXIV|dinastia|egípcia}}). No entanto, a constante ameaça cuxita do sul forçou a união das três dinastias com vista à sua defesa. Por volta de {{AC|727|n}}, o [[rei cuxita]] [[Piiê]] derrotou um exército de oito mil soldados egípcios, invadiu o norte, tomou o controle de [[Tebas (Egito)|Tebas]] e do [[Delta do Nilo|Delta]], e formou a {{lknb|XXV|dinastia|egípcia}}.<ref name=Go39/>{{sfn|Shaw|2002|p=345}}
 
O prestígio secular do Egito diminuiu consideravelmente durante o final do [[Terceiro Período Intermediário]]. Os seus aliados estrangeiros ficaram sob a esfera de influência [[assíria]], e em {{AC|700|n}} a guerra entre os dois estados tornou-se inevitável. O faraó [[Xabataca]] empreendeu uma batalha contra os assírios da qual sairia vitorioso. O seuSeu sucessor, [[Taraca]], incentivou revoltas na Palestina assíria, tendo conseguido expulsar os assírios das imediações em {{AC|673|n}}<ref name=Go39/> No entanto, entre 671 e {{AC|667|n}}, os assírios iniciaram ataques contra o Egito. Os reinados dos reis cuxitas Taraca e do seu sucessor [[Tantamani]] foram marcados por conflitos constantes com os assírios, contra os quais os governantes núbios obtiveram várias vitórias.{{sfn|Omer|2004}} Por fim, os assírios empurraram os cuxitas à [[Núbia]], ocupando [[Mênfis]] e saquearam os templos de Tebas.{{sfn|Shaw|2002|p=358}}
 
=== Época Baixa {{-nwrap||664|332}} ===
Linha 146:
Em {{AC|332|n}}, Alexandre Magno conquistou o Egito com pouca resistência dos persas e foi recebido pelos egípcios como um libertador. A administração estabelecida pelos sucessores de Alexandre, os [[dinastia ptolemaica|Ptolomeus]], foi baseada no modelo egípcio e a capital estabelecida na recém-erguida cidade de [[Alexandria]].{{sfn|name=Salles34|Salles|2008|p=34-35}} A cidade era uma montra do poder e prestígio do governo grego, e tornar-se-ia um polo de cultura e ensino, centrados na famosa [[Biblioteca de Alexandria]].{{sfn|Shaw|2002|p=405}} O [[Farol de Alexandria]] iluminou o caminho para os muitos navios que mantinham vivo o comércio com o exterior, uma vez que a economia, assente em empresas de grande retorno económico, era a mais alta prioridade dos Ptolomeus.{{sfn|Shaw|2002|p=411}}
 
A [[cultura grega]] não pretendeu impor-se à [[Cultura do Antigo Egito|cultura egípcianativa]] nativa, tendo os Ptolomeus apoiado tradições seculares de forma a garantir a lealdade da população. Foram construídos novos templos em estilo egípcio, apoiadas as formas de culto tradicionais, e os governantes retratavam-se a si mesmo como faraós.<ref name=Salles34/>
 
Algumas tradições de ambas as culturas foram fundidas, como deuses gregos e egípcios [[Sincretismo|sincretizados]] em divindades híbridas, como [[Serápis]], e formas clássicas da escultura grega influenciaram motivos tradicionais egípcios. Apesar dos seus esforços para apaziguar os egípcios, os Ptolomeus foram contestados por rebeliões locais, rivalidades entre famílias e pela poderosa máfia de Alexandria, formada depois da morte de {{lknb|Ptolemeu|IV|Filopátor}}.{{sfn|Shaw|2002|p=418}}
 
Além disso, à medida que [[Roma Antiga|Roma]] dependia cada vez mais de importações de cereais do Egito, os romanos começaram a demonstrar grande interesse na situação política da região. Revoltas egípcias constantes, políticos ambiciosos e poderosos oponentes sírios contribuíram à instabilidade da região, levando Roma ao envio de tropas com o objectivo de assegurar o país como província do seu império.{{sfn|James|2005|p=62}}
 
=== Domínio romano-bizantino {{-+nwrap||30|639}} ===
Linha 156:
{{AP|Egito romano|Prefeito do Egito|Diocese do Egito}}
 
[[Imagem:Fayum-22.jpg|thumb|upright=0.6|Um dosOs [[retratos de Faium]], foram uma das tentativas de unir as culturas egípcia e romana]]
 
O Egito tornou-se uma [[província romana]] em {{AC|30|n}}, após a derrota de [[Marco Antônio]] e da faraó [[Cleópatra]] por [[Augusto|Otaviano]] (posteriormente Imperador Augusto) na [[Batalha de Áccio]] e então [[Batalha de Alexandria (30 a.C.)|Batalha de Alexandria]].{{sfn|Clayton|1994|p=217}}<ref name=Salles34/> Os romanos dependiam fortemente das remessas de cereais do Egito, e o exército romano, sob o comando de um [[Prefeito romano|prefeito]] nomeado pelo imperador, reprimiu revoltas, fez aplicar a cobrança de impostos, e impediu os ataques de salteadores, que se tinham tornado um problema significativo durante este período.{{sfn|James|2005|p=63}} Alexandria torna-se um centro cada vez mais importante na rota de comércio com o [[Oriente]], uma vez que em [[Roma]] havia grande procura de mercadorias e bens exóticos e de luxo.{{sfn|Shaw|2002|p=426}}
 
Embora os romanos tivessem uma atitude mais hostil do que os gregos para com os egípcios, algumas tradições foram mantidas, como a [[mumificação]] e o culto dos deuses tradicionais. A arte de retratar as múmias floresceu e alguns dos imperadores romanos se fizeram retratar como faraós, embora não na medida dos Ptolomeus, já que os primeiros moravam fora do Egito e não desempenharam funções cerimoniais da realeza egípcia. A administração local tornou-se romana o que tendeu a minar a liberdade dos nativos egípcios.{{sfn|name=Shaw422|Shaw|2002|p=422}}
 
A partir de meados do {{+séc|I}}, o [[cristianismo]] se enraizou em Alexandria, sendo visto e aceito como outro culto. No entanto, o fato de ser uma religião inflexível e [[Proselitismo|proselitista]], que procurava [[Conversão (religião)|converter]] pessoas do [[paganismo]], ameaçando com isso as tradições religiosas populares, levou à perseguição dos convertidos ao cristianismo, que culminou com o grande [[Perseguição de Diocleciano|expurgo de Diocleciano]] a partir de 303. Apesar disso, o cristianismo acabou por triunfar.{{sfn|Shaw|2003|p=431}} Em 391 o imperador cristão {{lknb|Teodósio|I}} introduziu uma legislação que proibiu ritos pagãos e os templos foram fechados.{{sfn|Chadwick|2001|p=373}} Alexandria tornou-se palco de grandes protestos antipagãos, com imagens públicas e privadas destruídas.{{sfn|MacMullen|1984|p=63}} Como consequência, a cultura do Egito pagão entrou em declínio. Templos eram por vezes convertidos em igrejas ou abandonados e apesar da população nativa continuar a usar a [[Língua egípcia|sua língua]], a capacidade de ler e escrever [[hieróglifo]]s acabou por retroceder na medida em que o papel dos sacerdotes tornou-se exímio.{{sfn|Shaw|2002|p=445}} Outrossim, os escribas, os únicos capazes de ler os hieróglifos, durante seus estudos da escrita hieroglífica, podiam optar entre o trabalho burocrático ou o sacerdócio. Neste ponto histórico os serviços burocráticos não mais convinham aos mesmos e, concomitantemente, com o declínio do sistema religioso egípcio, os escribas paulatinamente deixaram de existir o que inviabilizou a leitura dos hieróglifos.<ref name=Salles13 />
Linha 178:
[[Imagem:Nile River and delta from orbit.jpg|thumb|[[Imagem de satélite]] do [[Delta do Nilo]]]]
 
AEsta civilização egípcia se desenvolveu na região situada entre a [[Rio Nilo|primeira catarata do Nilo]] ([[Assuão]]) e o [[Delta do Nilo]]. O [[Sinai]], que só pertenceu ao Egito após sua conquista no [[Império Novo]], foi utilizado como rota de comunicação para o corredor [[Síria|sírio]]-[[Palestina (região)|palestino]], que a rigor seria a faixa de terra litorânea que liga o Egito à [[Mesopotâmia]]. A leste do Nilo encontra-se o [[Deserto Oriental Africano]] (comumente conhecido como Deserto Oriental) que se estende até ao [[Mar Vermelho]] e a oeste fica o [[Deserto da Líbia]] (comumente conhecido como Deserto Ocidental) onde existem vários oásis dos quais se destacam os de [[Oásis de Siuá|Siuá]], [[Oásis de Carga|Carga]], [[oásis de Farafra|Farafra]], [[Oásis de Dacla|Dacla]] e {{ilc|Baareia||Bahareia|Oásis de Bahareia|Oásis de Bahariya}}. O atual território do [[Egito]] não pode ser comparada ao do Antigo Egito, pois, atualmente, o Sinai, e partes dos desertos Oriental e Ocidental estão dentro dos limites do Egito.<ref name=Go7/>{{sfn|Bard|1999|p=1}}{{sfn|Araújo|1999|p=383}}
 
Ao sul da primeira catarata se localizava a [[Núbia]].{{sfn|name=Go7|Gomes|2010|p=7}} O Nilo é formado por dois afluentes principais, o [[Nilo Branco]] (que nasce no [[Lago Vitória]]) e o [[Nilo Azul]] (que nasce no [[Lago Tana]]). Ambos os afluentes unem-se em [[Cartum]].{{sfn|name=Pa71|Panazzo|2003|p=71}} O Nilo corre de sul para norte, desaguando no [[Mar Mediterrâneo]] e sua extensão é de aproximadamente {{fmtn|6740|km}}.<ref name=Be71 />
 
No Antigo Egito distinguiam-se duas grandes regiões: o [[Alto Egito|Alto]] e o [[Baixo Egito]]. Inicialmente, eram reinos distintos que haviam se formado em torno de {{AC|3300|n}}. No entanto, acabaram por ser unificados poucos séculos depois. O Alto Egito (Taxemau) era uma estreita faixa de terra com cerca de 900 quilômetros de extensão começando em [[Assuão]] e terminando em [[Mênfis]]. O Baixo Egito (Tameu) foi o Delta do Nilo, a norte de Mênfis, onde o rio se dividia em vários braços. Por vezes também se distingue na geografia egípcia uma região conhecida como o [[Médio Egito]], que é o território a norte de [[Quena (Egito)|Quena]] até à [[Oásis de Faium|região do Faium]].<ref name=Go7/>
 
=== Vale do rio Nilo ===
 
[[Imagem:Edfu6 c.jpg|thumb|Embarcação egípcia retratada em baixo relevo]]
 
O historiador grego [[Heródoto]] {{-nwrap|ca.|484?|420}}), chamou ao Egito ''"a dádiva do [[Rio Nilo|Nilo]]"''.{{sfn|Braick|2006|p=99}} Para os egípcios, o Nilo era uma verdadeira bênção dos deuses, sendo considerado sagrado e adorado como um deus, ao qual dedicavam hinos e orações. As chuvas sazonais causavam enchentes que depositavam [[húmus]] nas margens favorecendo a agricultura e pecuária; também fornecia água fresca, peixes, aves aquáticas além de servir para o transporte e comércio.{{sfn|Ribeiro|2006|p=78}} Como o nível do rio era inconstante os egípcios desenvolveram [[dique]]s, [[Barragem|barragens]] e [[Canal|canais]] de água para melhor aproveitarem as águas do rio, assim como o "[[nilômetro]]", uma construção usada para medir as enchentes.{{sfn|Shaw|1995|p=203}} Durante o período das enchentes os cidadãos eram deslocados às cidades para trabalharem em outras tarefas.<ref name=Go7 />
Linha 195:
{{AP|Controvérsia racial do Antigo Egito}}
[[Imagem:Dräkt, Egyptisk konung, Nordisk familjebok.png|thumb|upright|150px|esquerda|Estereótipo egípcio]]
Os antigos egípcios foram o resultado de uma mistura das várias populações que se fixaram no Egito ao longo dos tempos, oriundas do nordeste africano, da [[África subsaariana|África Negra]] e da área [[Semita|semítica]]. A questão relativa à [[etnia]] dos antigos egípcios é por vezes geradora de controvérsia, embora à luz dos últimos conhecimentos da ciência falar de raças humanas revela-se um [[anacronismo]]. Até meados do {{séc|XX}}, por influência de uma visão [[eurocentrismo|eurocêntrica]], os antigos egípcios eram considerados praticamente como brancos; a partir dos anos 1950, as teorias do "[[afrocentrismo]]", segundo as quais os egípcios eram negros, afirmaram-se em alguns círculos. Importa também referir que as representaçõesreproduções artísticas são frequentemente idealizações que não permitem retirar conclusões neste domínio.{{sfn|Grajetzki|2000h}}
 
Os egípcios tinham consciência da sua [[alteridade]]: nas representações artísticas dos túmulos os habitantes do Vale do Nilo surgem com roupas de [[linho]] branco, enquanto que os seus vizinhos líbios e semitas se apresentam com roupas de [[lã]]. A [[Língua egípcia|língua dos egípcios]] (hoje uma [[língua morta]]) é um ramo da família das [[línguas afro-asiáticas]] (camito-semíticas). Esta língua é conhecida graças à descoberta e decifração da [[Pedra de Roseta]], onde se encontra inscrito um decreto de {{lknb|Ptolomeu|V||Epifânio}} (205-{{AC|180|n}}) em duas línguas (egípcio e {{ling|grc}}) e em três escritas ([[Hieróglifo|caracteres hieroglíficos]], [[Egípcio demótico|escrita demótica]] e [[alfabeto grego]]).{{sfn|name=Be100|Besozzi|2005|p=100}}
Linha 204:
=== Administração ===
 
[[Imagem:Pharaoh.svg|thumb|upright|O [[faraó]] eracomumente geralmente representado usandousa símbolos da realeza e de poder]]
 
O [[faraó]] era o [[monarca]] absoluto do país e, pelo menos em teoria, exercia o controle total da terra e seus recursos.{{sfn|Besozzi|2005|p=22}} Era o comandante militar supremo e chefe do governo, que contava com uma [[burocracia]] de funcionários para administrar os seus negócios. O encarregado da administração, o vizir (''[[tjati]]''), era o segundo no comando, e atuava como conselheiro e representante do faraó, coordenava os levantamentos fundiários, [[tesouraria]], projetos de construção, sistema legal e depósito de documentos.{{sfn|name=Manuelian358|Manuelian|1998|p=358}} A nível regional, o país estava dividido em 42 regiões administrativas chamadas [[nomo]]s, cada uma governada por um [[nomarca]],{{sfn|Shaw|1995|p=203-204}} que era responsável pela [[jurisdição]] do vizir. Os [[Templo egípcio|templos]] formavam a espinha dorsal da economia. Eles não só eram [[lugares de prática religiosa|edifícios de culto]], mas também eram responsáveis por coletar e armazenar a riqueza da nação em um sistema de [[celeiro]]s e tesourarias administradas por superintendentes, que redistribuíam os cereais e os bens.{{sfn|Manuelian|1998|p=368}} Como não era possível para o faraó estar em todos os templos para realizar as cerimônias, delegava o seu poder religioso aos sacerdotes, que conduziam as cerimônias em seu nome.<ref name=Bra103 />
Linha 210:
=== Sistema jurídico ===
 
A cabeça do sistema jurídico era oficialmente o faraó, que era responsável pela promulgação de leis, aplicação da justiça e manutenção da lei e da ordem, um conceito que os egípcios antigos denominavam ''[[Maet|Ma'atMaat]]''. Apesar de não terem chegado aos nossos dias quaisquer [[Codificação jurídica|códigos legais]] do Antigo Egito, documentos da corte mostram que as leis egípcias foram baseadas em uma visão de senso comum de certo e errado, que enfatizou a celebração de acordos e resoluções de conflitos ao invés de cumprir rigorosamente um conjunto complicado de estatutos.{{sfn|name=Jo2004|Johnson|2004}} Conselhos locais de anciãos, conhecidos como Quembete (''KenbetKnbt'') no [[Império Novo]], eram responsáveis pela decisão em casos judiciais de pequenas causas e disputas menores.<ref name=Manuelian358 /> Os casos mais graves envolvendo assassinato, grandes transações de terrenos e roubo de túmulos eram encaminhados para o ''Grande Kenbet'', presidido pelo vizir ou pelo faraó. Os demandantes e demandados representavamretratavam-se a si próprios e eram obrigados a jurar que diziam a verdade. Em alguns casos, o Estado assumiu tanto o papel de acusador como o de juiz, e tinha poder para torturar os acusados com espancamento para obter uma confissão e os nomes dos co-conspiradores. Se as acusações fossem sérias, escribas da corte documentavam a denúncia, testemunhavam, e o [[veredicto]] do caso era guardado para referência futura.{{sfn|Oakes|2003|p=472}}
 
As punições para crimes menores envolviam imposição de multas, espancamentos, mutilações faciais ou exílio, dependendo da gravidade do delito. Crimes graves, como homicídio e roubo de túmulos, eram punidos com execução por [[decapitação]], afogamento ou [[empalamento]]. A punição também podia ser estendida à família do criminoso.<ref name=Manuelian358 /> A partir do Império Novo, os [[oráculo]]s desempenharam um papel importante no sistema jurídico, dispensando a justiça nos processos civis e criminais. O processo consistia em pedir a deus um "sim" ou "não" sobre o que era certo ou errado num problema. O deus, transportado por um número de sacerdotes, proferia a sentença, escolhendo um ou outro, movendo-se à frente ou para trás, ou apontando para uma das respostas escritas em um pedaço de [[papiro]] ou de [[óstraco]].{{sfn|McDowell|1999|p=168}}
 
=== Força militar ===
[[Imagem:Egyptian Chariot (colour).jpg|thumb|250px|esquerda|Uma [[biga]] egípcia]]
 
O exército egípcio antigo foi responsável pela defesa do Egito contra invasões estrangeiras e a manutenção da dominação egípcia no [[Antigo Oriente|Antigo Oriente Próximo]]. No deserto havia patrulheiros que vigiavam as fronteiras e defendiam o império de expedições de [[Nomadismo|nômades]]. No Delta e no Vale do Nilo havia guardas rurais que defendiam os cobradores de impostos. No Império Novo surgiram os ''[[medjayumedjai]]'', de origem núbia, que exerciam a função de patrulheiros do deserto, policiais das cidades e [[necrópole]]s, além de aplicadores das decisões da justiça.{{sfn|name=Be65|Beting|2009|p=65}} O exército e a marinha egípcias eram complementares, onde os navios transportavam as tropas e os oficiais exerciam funções militares e navais. Os soldados eram recrutados entre a população em geral, mas durante e principalmente depois do Império Novo, foram contratados [[mercenário]]s da Núbia e Líbia para lutar pelo Egito.{{sfn|Shaw|2002|p=400}} Prisioneiros de guerra também foram incorporados ao exército egípcio. Por volta do Império Novo os exércitos eram divididos em unidades táticas autônomas de 5 a {{fmtn|6000}} homens.<ref name=Be64/>
 
[[Imagem:Saqq Horemheb 11.jpg|thumb|250px|esquerda|Relevo da tumba de [[HoremebHoremebe]]]]
 
Os exércitos empreenderam expedições militares no Sinai para proteção das minas locais durante o [[Império Antigo]]{{sfn|Gomes|2010|p=12-20}} e lutaram em guerras civis durante o [[Primeiro Período Intermediário|Primeiro]] e [[Segundo Período Intermediário|Segundo Períodos Intermediários]]. Foram importantes à manutenção de fortificações ao longo de rotas comerciais importantes, tais como as encontradas na cidade de [[Buhen]] no caminho à Núbia. Também foram construídos fortes nas fronteiras com guarnições de 50 a 100 homens, para servirem como bases militares,{{sfn|name=Be64|Beting|2009|p=64}} tais como a [[fortaleza de Sile]], a qual foi uma base de operações para expedições no [[Levante (Mediterrâneo)|Levante]]. No Império Novo, uma série de faraós usaram o exército para atacar e conquistar o [[Reino de Cuxe]] e partes do Levante.{{sfn|Shaw|2002|p=245}} Há informações que alegam que houve a prática de [[espionagem]] entre os exércitos egípcios.{{sfn|Beting|2009|p=56}}
 
Os equipamentos militares típicos incluíram [[Arco (arma)|arcos]] e [[flecha]]s de [[sílex]], [[machado]]s, [[Porrete|clavas]], [[lança]]s de cobre e [[escudo]]s redondos feitos por [[estiramento]] de pele de animais sobre uma armação de madeira. No Império Novo, os militares começaram a usar [[biga]]s e cavalos que haviam sido introduzidos pelos invasores [[hicsos]] durante o Segundo Período Intermediário.<ref name=Be64/> As armas e [[armadura]]s continuaram a melhorar com a introdução do [[bronze]]: os escudos eram agora feitos de madeira sólida com uma fivela de bronze, lanças receberam pontas de bronze e o ''[[khopesh]]'', uma espécie de [[espada]] com a extremidade curva, foi adotado a partir de modelos asiáticos.{{sfn|Manuelian|1998|p=366-367}} O faraó foi geralmente representado, na arte e na literatura, andandoanda à frente do exército e há evidências de que pelo menos alguns faraós, como {{lknb|Taá|II}} e seus filhos, o fizeram.{{sfn|Clayton|1994|p=96}}
{{limpar}}
 
== Economia ==
Linha 231 ⟶ 230:
 
[[Imagem:Tomb of Nakht (2).jpg|thumb|Pintura mural de um túmulo retratando trabalhadores arando os campos, a colheita das culturas e a debulha de cereais sob a direção de um supervisor]]
[[Imagem:Joseph_Overseer_of_the_Pharaohs_Granaries.jpg|thumb|''José - O Supervisor dos Celeiros do Faraó'', [[Lawrence Alma-Tadema]] (1874).]]
Uma combinação de características geográficas favoráveis contribuiu para o sucesso da cultura egípcia, a mais importante das quais era o solo fértil resultante de enchentes anuais do Nilo. Os antigos egípcios foram, assim, capazes de produzir alimentos em abundância, permitindo que a população dedicasse mais tempo e recursos a atividades culturais, tecnológicas e artísticas. A gestão da terra foi crucial no Antigo Egito, porque os impostos foram avaliados com base na quantidade de terras em posse de uma pessoa.{{sfn|Manuelian|1998|p=361}} Em teoria todas as terras pertenciam ao rei, mas a propriedade privada foi uma realidade.{{sfn|Cardoso|2007|p=28}}
 
A agricultura no Egito foi dependente dos ciclos de [[Enchente|cheias]] do Rio Nilo. Os egípcios reconheceram três estações: ''Akhet'' (inundação), ''Peret'' (plantio) e ''Shemu'' (colheita).<ref name=Ca27/> A estação das cheias dura de julho a outubro, depositando nas margens do Nilo uma camada de [[lodo]] rico em minerais para o cultivo. Após a redução do nível do rio, a estação de [[Estação da safra|plantio]] ia de novembro a fevereiro. Agricultores aravam a terra com [[arado]]s puxados por [[boi]]s e plantavam as sementes, que eram irrigadas por intermédio de sistemas de diques e canais.<ref name=Go7/> O Egito recebia pouca chuva, pelo que os agricultores usavam a água do Nilo para regar as culturas.{{sfn|Murray|2000|p=514}} De março a junho, os agricultores usavam [[foice]]s para suas colheitas, que eram depois [[debulha]]das com um [[mangual]] ou com as patas dos bois para separar a [[palha]] do grão. Os grãos eram usados para fabricar [[cerveja]] ou armazenados em sacas nos celeiros reais para posterior distribuição.{{sfn|Murray|2000|p=506}}
Linha 274 ⟶ 273:
Grande parte da economia estava organizada a nível central e era estritamente controlada. Embora os antigos egípcios não utilizassem [[moeda]]s até à [[Época Baixa]], fizeram uso de um sistema de troca monetária,{{sfn|Meskell|2004|p=23}} com sacas de grãos como valor padrão e o ''[[deben]]'', um peso de cerca de 91 gramas de cobre ou prata, formando um denominador comum. Os trabalhadores eram pagos com grãos; um simples operário podia ganhar {{fração|5|1|2}} sacas (250 quilos) de grãos por mês, enquanto um capataz podia ganhar {{fração|7|1|2}} sacas (340 quilos). Os preços eram fixados em todo o país e registrados em listas para facilitar a negociação. Por exemplo, uma camisa custava cinco ''deben'' de cobre, enquanto uma vaca custava 140 ''deben''. Grãos podiam ser trocados por outras mercadorias, de acordo com a lista de preço fixo.{{sfn|name=Manuelian372|Manuelian|1998|p=372}} Durante o {{-séc|V}} o [[dinheiro]] foi introduzido no Egito por estrangeiros. As primeiras [[Moeda (peça)|moeda]]s eram usadas como peças padronizadas de metais preciosos e não como dinheiro propriamente dito, mas nos séculos seguintes as trocas internacionais passaram a depender das moedas.{{sfn|Walbank|1984|p=125}}
 
Os antigos egípcios estiveram envolvidos no comércio com os povos vizinhos para obter mercadorias raras e exóticas não encontradas no Egito. No período pré-dinástico, estabeleceram o comércio com a [[Núbia]] à obtenção de ouro, [[Pena|plumas]] de [[avestruz]], peles de [[leopardo]], [[incenso]] e [[marfim]].{{sfn|Santiago|2006|p=99}} Também estabeleceram o comércio com a [[Palestina (região)|Palestina]], como evidenciado por jarros de óleos de estilo palestino encontrados nas sepulturas dos faraós da primeira dinastia.{{sfn|Shaw|2002|p=72}} Uma colônia egípcia fundada no sul de [[Canaã]] foi anterior à primeira dinastia.{{sfn|Porat|1992|p=433-440}} Na época de [[Narmer]] foise produzidaproduziu cerâmica egípcia em Canaã, que era exportada para oao Egito.{{sfn|name=Naomi|Porat|1987|p=109-129}}
 
Em meados da segunda dinastia, o contato do Antigo Egito com [[Biblos]] rendeu um intenso comércio de madeira de boa qualidade não encontrada no Egito. Durante a quinta dinastia, o comércio com [[Punt]] abastecia o Egito com ouro, resinas aromáticas, [[ébano]], marfim e animais silvestres, como [[macaco]]s e [[babuíno]]s.{{sfn|Shaw|2002|p=322}} Houve também comércio com a [[Anatólia]] para adquirir [[estanho]] e para o fornecimento suplementar de [[cobre]], dois metais necessários à fabricação de [[bronze]]. Os antigos egípcios valorizaram a pedra azul [[lápis-lazúli]], que tinha de ser importada do [[Afeganistão]]. Os parceiros do Egito no comércio [[Mediterrâneo|mediterrânico]] também incluíram [[Civilização Minoica|Creta]] e a [[Grécia Antiga|Grécia]], que forneciam, entre outras mercadorias, [[azeite]].{{sfn|Manuelian|1998|p=145}} Em troca de suas importações de luxo e de matérias-primas, o Egito exportava principalmente grãos, ouro, [[linho]] e [[papiro]], além de outros produtos acabados, incluindo objetos de vidro e pedra.{{sfn|Haris|1990|p=13}}
Linha 282 ⟶ 281:
[[Imagem:Figurenpaar Ägypten Museum Rietberg RAG 1.jpg|esquerda|upright|thumb|Um casal egípcio sentado]]
 
A sociedade egípcia antiga apresentava uma estrutura fortemente [[hierarquia|hierarquizada]].{{sfn|name=Go53|Gomes|2010|p=53}}{{sfn|name=Co31|Cotrim|1999|p=31-32}} Era [[Patriarcado|patriarcal]], com o homem administrando o lar, com participação da mulher, e decidindo os herdeiros através de seu testamento. Os anciãos eram consultados e honrados após a morte.{{sfn|name=Be19|Beting|2009|p=19}} O casamento no mundo egípcio era [[monogamia|monogâmico]] (embora haja casos de [[bigamia]] e [[poligamia]] na corte faraônica) e não era sancionado pela religião. Não existia uma cerimônia de casamento, nem um registro deste. Aparentemente bastava um casal afirmar que queria coabitar para que a união fosse aceite. Os homens casavam entre os dezesseis e os dezoito anos e as mulheres por volta dos doze, catorze anos. Por serem as mulheres as transmissoras do sangue real, como forma de legitimação do poder, houve casamentos entre irmãos. Também houve casamentos entre faraós e uma de suas filhas.{{sfn|name=Be24|Besozzi|2005|p=24}} Os homens com uma posição econômica mais elevada poderiam ter, para além da esposa legítima (''nebet-per'', "a senhora da casa"), várias [[concubina]]s, o que era visto como um sinal de riqueza. No entanto, as mulheres que tivessem mais de um homem eram mortas.{{sfn|Gomes|2010|p=55}}
 
A [[prostituição]] era uma prática moralmente condenada, mas foi praticada nas margens do Nilo. Foram registrados em [[papiro]]s e [[óstraco]]s a prática de favores sexuais em troca de dinheiro, bem como menção a relações sexuais coletivas, o que leva considerar a possibilidade da existência de [[prostíbulo]]s. No Egito não houve prostituição sagrada, sendo a relação divindade-sacerdotisa, meramente simbólica.<ref name=Be24 />
 
Os antigos egípcios viam homens e mulheres, incluindo as pessoas de todas as classes sociais, exceto os escravos, como essencialmente iguais perante a lei, e até mesmo o mais humilde camponês tinha direito de petição ao [[Tjati|vizir]] e sua corte para reparação. Tanto homens quanto mulheres tinham o direito de possuir e vender imóveis, fazer contratos, se casar e se [[Divórcio|divorciar]], receber herança e ter litígios em tribunal. Os casais podiam possuir bens em conjunto e protegerem-se com contratos de [[casamento]] em caso de divórcio, que estipulavam as obrigações financeiras do marido para com a esposa e com as crianças ao final do casamento. As mulheres egípcias tinham uma grande gama de escolhas pessoais e oportunidades de realização. Podiam ser da realeza, trabalhar no palácio como amas-de-leite, concubinas ou [[Escanção|escançãs]] (servidoras de [[vinho]] do faraó) e, nos templos, desde cantoras a sacerdotisas.{{sfn|name=Be23|Beting|2009|p=23}} Outras exerciam poderes divinos como [[Esposas divinas de Amom|esposas de Amom]]. Apesar destas liberdades, as mulheres egípcias antigas, muitas vezes não participavam em papéis oficiais da administração, servindo apenas em papéis secundários, e não foram tão susceptíveis de serem educadas tal como os homens.<ref name=Jo2004 />
 
Quando o marido falecia, as mulheres assumiam a chefia familiar e, no caso dos faraós, o Estado. Mulheres como [[Hatexepsute]] e [[Cleópatra]] chegaram a tornar-se faraós. As mulheres podiam receber herança paterna. Normalmente, o filho mais velho assumia o trono faraônico após a morte de seu pai, no entanto, quando só havia filhas como sucessoras ao trono, a mais velha deveria casar para seu marido assumir o trono.<ref name=Be23/>
 
[[Imagem:CopulatingCouple-PtolemaicPeriod BrooklynMuseum.png|thumb|upright|Arte erótica egípcia]]
 
{{Citação2|bq=s|
1=Seja como for, (...) a mulher egípcia era ''[[sui juris]]'', podendo dispor livremente de seus bens, intentar processos na justiça, tomar a iniciativa do divórcio tanto quanto o homem, desempenhar um papel ativo em diversas atividades produtivas, de serviços e eventualmente de gestão, enfim ir e vir com ampla liberdade. Havia, sem dúvida, certas limitações. Assim, por exemplo, se (...) achamos mulheres que desempenham funções administrativas ou sacerdotais das quais dependem bens e pessoas pertencentes ao palácio e aos templos, isto diminui muito nos períodos posteriores. Mesmo para o Império Antigo, a presença de mulheres naquelas funções sempre foi quantitativamente muito inferior à dos homens. Em outras palavras, a direção da vida pública sempre esteve maciçamente em mãos masculinas; e tal tendência se fortaleceu com o tempo.
 
Na vida privada, porém, em termos gerais, mantiveram-se os amplos direitos da mulher: igual participação na herança paterna e materna, controle sobre os seus bens pessoais (mesmo quando geridos pelo marido, situação bastante corrente), etc. É certo, entretanto, que a mulher era encarada como tendo uma vocação essencialmente doméstica (...) ligada seja à administração da casa (...), seja à realização de tarefas no seu âmbito: fabricação de pão e cerveja, manufatura de fios e tecidos. (...) Com maior frequência, era o homem que intervinha em transações e, em geral, na gestão do patrimônio familiar, embora a intervenção direta da mulher fosse considerada algo normal em muitos casos, por exemplo, ao estar ausente o marido, ou na sua incapacidade, ou ainda durante a viuvez, sendo os filhos menores.|
2=Ciro Flamarion Cardoso ''Algumas visões da mulher na literatura do Egito faraônico'' ({{AC|II milênio|n}}). Citado em: ''História''. São Paulo: UNESP, 1993, v. 12. p. 103-5.<ref name=Pa71/>}}
}}
 
=== Educação ===
Linha 309 ⟶ 307:
=== Hierarquia social ===
 
[[Imagem:Egypt Queen Pharaoh Hatshepsut statue.jpg|thumb|upright|O [[faraó]] representavaexprimia a própria vida do Egito, sendoe era o topo daa hierarquia da nação. Na foto estátua de [[Hatexepsute]], no [[Museu Egípcio (Cairo)|Museu Egípcio]] do [[Cairo]]]]
 
No topo da hierarquia social estava o [[faraó]], que possuía poderes absolutos, tomando decisões militares, religiosas, econômicas e judiciais,{{sfn|name=Bra103|Braick|2006|p=103}} além de ser o dono nominal de todas as terras.<ref name=Go53/>{{sfn|name=Be22|Besozzi|2005|p=22}} Nos períodos de cheia o faraó ordenava que a população exercesse outras funções como, por exemplo, a construção de obras públicas.{{sfn|Shaw|1995|p=141}} Enquanto vivo, o faraó era encarado como uma personificação do deus [[Hórus]], enquanto que seu antecessor falecido era associado a [[Osíris]], pai de Hórus, houvesse ou não relação de consanguinidade entre os soberanos. A partir da [[V dinastia egípcia{{lknb|V |dinastia]]|egípcia}} os reis apresentam-se também como filhos de [[Rá]], o deus solar.{{sfn|name=Pe28|Pedro|2005|p=28}}
 
Os faraós possuíam muitas mulheres e filhos. Sua mulher principal, denominada ''hemet nesut'', "esposa do rei", podia ser sua irmã ou uma de suas filhas. Os faraós possuíam diversas insígnias: o ''pschent'' (a união das coroas do [[Alto Egito|Alto]] e [[Baixo Egito]]), os [[cetro]]s ''crossa'' e [[chicote]], o ''nemés'' (ornamento para cabeça decorado com uma cobra e um abutre que simbolizavam, respetivamente, o Baixo e Alto Egito) e a barba postiça. Podia ser simbolicamente representadotraduzido como uma [[esfinge]], e era associado a animais como a pantera, o leão e o boi. A palavra faraó, vinda do egípcio ''per aâ'', significa "Casa Grande". Tornou-se o nome oficial dos líderes do Egito apenas durante a {{lknb|XVIII|dinastia|egípcia}}, pois até então habitualmente os líderes referiam-se a si mesmos como ''nesu'' (rei) ou ''neb'' (senhor). A partir da {{lknb|V|dinastia|egípcia}} a [[Titulatura real egípcia|titulatura]] dos reis incluía cinco nomes reais: nome de [[Hórus]], nome das Duas Mestras, nome de Hórus de Ouro, prenome e nome.<ref name=Be22/>
 
Abaixo do faraó e de sua família na pirâmide social encontrava-se o grupo denominado como "[[Classe social|classe]] do saiote branco" (ou classe dos dominantes), em referência ao vestuário de linho decorado que trajavam.{{sfn|Billard|1978|p=109}} Primeiramente vinham os nomarcas e vizires. Os nomarcas administravam as províncias imperiais enquanto os vizires controlavam o arrecadamento de impostos, fiscalizavam as obras públicas, os celeiros reais, participavam do alto tribunal de justiça e chefiavam a polícia e as tropas. Abaixo destes estavam os sacerdotes que administravam os templos, cultos e as festas religiosas, eram conselheiros dos faraós e usufruíam de terras, isenção de impostos e prestígio. Muito importantes à máquina burocrática do governo, os [[escriba]]s cobravam impostos, organizavam as leis e a escrita, determinavam o valor das terras, copiavam poemas, hinos e histórias, escreviam cartas, realizavam [[Censo demográfico|censos populacionais]] e calculavam os estoques de alimentos, produção agrícola, área de terras aráveis, atividades comerciais, de soldados, necessidades do palácio, etc. A partir do Império Novo surge uma nova classe, os grandes comerciantes, que monopolizavam o comércio exterior.<ref name=Go53/><ref name=Be22/>
Linha 319 ⟶ 317:
[[Imagem:Slavebeating.jpg|thumb|esquerda|Espancamento de um escravo]]
 
Abaixo das classes dominantes situavam-se as classe dominadas. Primeiramente vinham os soldados que recebiam produtos por serviços prestados e tomavam espólios de [[saque]]s, mas que nunca ascendiam a altos postos no exército. Abaixo destes vinham os [[artesão]]s ([[Tecelagem|tecelões]], pintores, barbeiros, cozinheiros, barqueiros, ceramistas, escultores, joalheiros, [[ferreiro]]s, etc.), que trabalham especialmente para os faraós, à nobreza e para os templos e para os pequenos comerciantes que vendiam seus produtos nos mercados das cidades. Os camponeses (ou ''félas'') formavam a maior parte da população e eram agricultores, pecuaristas e pescadores. Mesmo sendo eles os produtores, os produtos agrícolas eram propriedade direta do Estado, dos templos ou da família nobre que possuía a terra.{{sfn|Manuelian|1998|p=383}} Os camponeses também estavam sujeitos a um imposto sobre o trabalho e eram obrigados a trabalhar na construção de obras públicas e limpeza de canais em um sistema similar à [[corveia]] [[Idade Média|medieval]] na Europa.{{sfn|James|2005|p=136}} Também eram obrigados a trabalhar nos transportes e por vezes no exército. Abaixo dos camponeses vinha a base da pirâmide, os [[escravo]]s (''hemu'' e/ou ''baku''{{sfn|name=Be54|Beting|2009|p=54}}). Cativos ou condenados da justiça, trabalhavam em atividades domésticas, públicas ou religiosas.{{sfn|Santiago|2006|p=96}} Gozavam de direitos civis e aprendiam a escrita egípcia.<ref name=Go53/><ref name=Co31/>
 
=== Vida cotidiana ===
Linha 325 ⟶ 323:
A maioria da população era constituída por agricultores ligados à terra. Suas habitações eram restritas aos membros imediatos da família, e foram construídas com [[tijolo]]s de barro destinadas a manter o frescor no calor do dia. Cada casa tinha uma cozinha com teto aberto, o qual continha uma pedra de [[moinho]] para moagem de farinha e um pequeno forno para cozer pão.{{sfn|Manuelian|1998|p=401}} As paredes eram pintadas de branco e podiam ser cobertas com tapetes de [[linho]] tingido. Os pavimentos eram cobertos com [[Esteira (artesanato)|esteira]]s de palha, enquanto que a mobília era composta de bancos de madeira, camas levantadas a partir do piso e mesas individuais.{{sfn|Manuelian|1998|p=403}} As mães eram responsáveis por cuidar dos filhos, enquanto o pai fornecia a renda da família.{{sfn|Manuelian|1998|p=406-407}}
 
[[Imagem:Female topless egyption dancer on ancient ostrakon.jpg|thumb|esquerda|Dançarina egípcia]]
 
A higiene e aparência pessoais eram tidas em grande valor. A maioria banhava-se no Nilo e usava um sabão pastoso, o ''suabu'', feito de gordura e giz. Os homens raspavam todo o corpo para limpeza, e usavam perfumes, óleos aromáticos e pomadas para ocultar maus odores e manter a pele suave.{{sfn|Manuelian|1998|p=405}} Os óleos eram feitos com gordura vegetal ou animal e eram aromatizados com [[mirra]], [[incenso]] ou [[terebintina]]. Um tipo de sal, o ''bed'', era usado para gargarejar. As mulheres da corte passavam por um processo mais completo: depilavam-se, massageavam rosto e braços com pomada de mirra, colocavam um creme verde de [[malaquita]] nas pálpebras, desenhavam uma linha de ''{{ilc|kohl|Kohl (cosmético)|Kajal}}'' preto para alongar os olhos, colocavam pó de [[ocre]] nas bochechas e lábios e pintavam as palmas das mãos e a sola dos pés com [[hena]].{{sfn|name=Be68|Besozzi|2005|p=68-75}}
Linha 335 ⟶ 333:
A [[música]] e a [[dança]] eram entretenimentos populares para aqueles que podiam pagar por elas. [[Instrumento musical|Instrumento]]s antigos incluíam [[flauta]] e [[harpa]]s,{{sfn|Gomes|2010|p=63}} enquanto os instrumentos semelhantes a [[trompete]]s, [[oboé]]s e [[Harmónica (instrumento musical)|gaita]]s desenvolveram-se mais tarde e se tornaram populares. No [[Império Novo]], os egípcios tocavam [[sino]]s, [[Prato (instrumento musical)|címbalos]], [[tamborim|tamborins]], e [[tambor]]es e importaram [[alaúde]]s e harpas da [[Ásia]].{{sfn|Grajetzki|2000i}} O [[sistro]] foi um instrumento musical do tipo [[chocalho]] que era especialmente importante em cerimônias religiosas. Os faraós possuíam uma banda preferida, os ''hinodos'' que os acompanhavam em grandes cerimônias religiosas. Para divertimento dos presentes em banquetes havia dançarinas que dançavam em movimentos lentos, [[Mímica|mímicos]], que contavam lendas dos deuses e os imitavam, e [[pigmeus]] da [[África Central]] que dançavam danças rápidas e rítmicas.<ref name=Be68/>
 
Eram praticadas diversas atividades de lazer, incluindo jogos e música. O ''[[Senet]]'', um jogo de tabuleiro onde as peças se mudam de acordo com o acaso, era particularmente popular desde os primeiros tempos; outro jogo semelhante foi o ''[[Mehen]]'', que tinha um tabuleiro em forma de serpente. Jogos de [[malabarismo]], vara e bola eram populares entre as crianças, e também está documentada luta em uma tumba em [[Beni Haçane]].{{sfn|Manuelian|1998|p=126}} Os membros ricos da sociedade egípcia praticavam caça e davam passeios de barco também. Havia uma grande variedade de brinquedos infantis, todos de madeira: [[Pião|piões]], figurinhas, bonecas, cavalinhos e até bonecos articulados.<ref name=Be68/>
{{limpar}}
 
== Língua e escrita egípcia ==
 
{{AP|Língua egípcia{{!}}Língua}}
 
=== Desenvolvimento histórico ===
Linha 346 ⟶ 343:
{{Hiero | ''r n kmt''<br /> 'Língua egípcia' | <hiero>r:Z1 n km m t:O49</hiero> | align=right | era=default}}
 
A [[língua egípcia|língua]] é uma [[Línguas afro-asiáticas|língua afro-asiática setentrional]] intimamente relacionada com o [[Línguas berberes|berber]] e as [[línguas semíticas]].{{sfn|Loprieno|1995b|p=2137}} Tem a história mais antiga a seguir ao [[Língua suméria|sumério]], tendo sido escrita desde {{AC|3200|n}} até à [[Idade Média]], permanecendo como uma língua falada por mais tempo. Distinguem-se as fases do [[Língua egípcia arcaica|egípcio arcaico]], [[Língua egípcia antiga|egípcio antigo]], [[Língua egípcia média|egípcio médio]] (egípcio clássico), [[Língua egípcia tardia|egípcio tardio]], [[Egípcio demótico|demótico]] e [[Língua copta|copta]].{{sfn|Loprieno|2004|p=161}} Os escritos egípcios não apresentam diferenças antes do dialeto copta, no entanto, provavelmente existiam dialetos orais regionais nas regiões de [[Mênfis]] e, posteriormente, de [[Tebas (Egito)|Tebas]].{{sfn|Loprieno|2004|p=162}}
 
O egípcio antigo foi uma [[Línguas sintéticas|língua sintética]], tornando-se posteriormente em uma [[Línguas isoladas|língua mais analítica]]. O egípcio tardio desenvolveu [[Artigo (gramática)|artigos]] prefixais definidos e indefinidos, que substituíram os [[Caso gramatical|sufixos]] flexionais anteriores. Há uma mudança da [[Ordem dos constituintes|velha ordem]] [[Verbo Sujeito Objeto]] para [[Sujeito Verbo Objeto]].{{sfn|Loprieno|1995b|p=2137-2138}} Os [[hieróglifos]] egípcios, a [[Hierático|escrita hierática]] e o [[Egípcio demótico|demótico]] acabaram por ser substituídos pelo [[alfabeto copta]], mais fonético. O copta ainda é usado na [[liturgia]] da [[Igreja Ortodoxa Copta|Igreja Ortodoxa do Egito]], e vestígios dela são encontrados no [[árabe egípcio]] moderno.{{sfn|Vittman|1991|p=197-227}}
Linha 364 ⟶ 361:
{{AP|Hieróglifo|Hierático|Egípcio demótico}}
 
A escrita hieroglífica datada de {{AC|3200|n}} ([[túmulo U-j]] do [[Cemitério U]] de [[Abidos (Egito)|Abidos]]<ref name=Ra2002 />) é composta de cerca de 500 símbolos, que podiam ser representaçõesreproduções de animais, plantas, pessoas ou partes do corpo e utensílios utilizados pelos egípcios.{{sfn|name=Pe31|Pedro|2005|p=31}} Um hieróglifo pode ser uma palavra, um som ou um determinante mudo; e o mesmo símbolo pode servir a diferentes propósitos em contextos diferentes. Os hieróglifos foram uma escrita formal, usados em [[papiros]], monumentos líticos e nos túmulos, que podem ser tão detalhados como obras de arte. No dia-a-dia, os [[escriba]]s usavam uma forma de [[escrita cursiva]], chamada [[Hierático|hierática]], que era mais simples e rápida de escrever, escrita em pedras, papiros e placas de madeira.{{sfn|Panazzo|2003|p=78-79}} Enquanto os hieróglifos formais podem ser lidos em linhas ou colunas em qualquer direção (embora, geralmente, escritos da direita à esquerda), a hierática era sempre escrita da direita à esquerda, geralmente em linhas horizontais. Para se saber a direção a qual se devia ler os hieróglifos, era preciso olhar à direção a qual as figuras humanas ou de pássaros estavam olhando, pois são estes que mostram o início do texto.{{sfn|name=Be78|Besozzi|2005|p=78-81}} Uma nova forma de escrita surgida no {{-séc|VII}}, a [[Egípcio demótico|demótica]], tornou-se predominante, substituindo a hierática.{{sfn|Braick|2006|p=102}}
 
Por volta do {{+séc|I}}, o [[alfabeto copta]] começou a ser usado juntamente com a escrita demótica. O copta é um [[alfabeto grego]] modificado com a adição de alguns sinais demóticos.{{sfn|Allen|2000|p=7}} Embora os hieróglifos formais tenham sido usados em contexto cerimonial até ao {{séc|IV}}, no final apenas um pequeno grupo de padres sabiam lê-los. Como os estabelecimentos religiosos tradicionais foram dissolvidos, o conhecimento da escrita hieroglífica estava quase perdido. As tentativas de decifração são datadas do [[Império Bizantino|período bizantino]]{{sfn|Loprieno|2004|p=166}} e do [[Expansão islâmica|período islâmico]],{{sfn|El-Daly|2005|p=164}} mas apenas em 1822, após a descoberta da [[Pedra de Roseta]] e anos de pesquisa de [[Thomas Young]] e [[Jean-François Champollion]], os hieróglifos foram quase totalmente decifrados.{{sfn|Allen|2000|p=8}} Na Pedra de Roseta estão presentes três formas de escrita: hieróglifos formais, hierática e grega.<ref name=Be78/>
Linha 373 ⟶ 370:
[[Imagem:Edwin Smith Papyrus v2.jpg|thumb|esquerda|O [[Papiro Edwin Smith]] ({{ca.|{{-séc|XVI}}}}) descreve a [[anatomia]] e tratamentos médicos e está escrito em [[hierático|hierática]]]]
 
A literatura do Antigo Egito inclui textos de caráter religioso (como os hinos às divindades), mas igualmente obras de natureza mais secular, como textos sapienciais, [[conto]]s e [[poesia]] amorosa. A literatura apareceu pela primeira vez em associação com a realeza em rótulos e etiquetas para os itens encontrados em tumbas reais. Foi principalmente uma ocupação dos [[escribas]], que trabalhavam à instituição ''Per Ankh'' ou a ''[[Casa de Vida]]'',<ref name=Be78/> para os escritórios, bibliotecas (chamadas ''Casas dos Livros''), laboratórios e observatórios.{{sfn|Strouhal|1989|p=235}} Algumas das peças mais conhecidas da literatura egípcia, como os [[textos das pirâmides]] e dos [[Textos dos sarcófagos|sarcófagos]], foram escritos em egípcio clássico, que continuou a ser a língua da escrita até {{AC|1300|n}} Durante este período, a tradição da escrita evoluiu às autobiografias em túmulos, como os de [[Harcufe]] e [[Uni (vizir)|Uni]].{{sfn|Tour Egypt|2017}}
 
[[Imagem:Papyrus Hearst Plate 2b.jpg|thumb|esquerda|Papiro corações]]
 
O gênero conhecido como ''[[Sebayt]]'' (''instruções'') foi desenvolvido para comunicar os ensinamentos e orientações dos nobres famosos. Deste género destaca-se o ''[[Ensinamento de Ptaotepe]]'', que em trinta e seis máximas expõe as reflexões do seu autor (um vizir) sobre as relações humanas. O ''[[Papiro Ipuur]]'', um poema de lamentações descrevendo catástrofes naturais e agitação social, é um papiro contraditório, pois até o presente não se chegou a um consenso quanto a seu período, podendo ser um poema descritivo do [[Primeiro Período Intermediário|Primeiro]] ou [[Segundo Período Intermediário]]. A ''[[Aventuras de Sinué|história de Sinué]]'', escrita em egípcio médio, é um clássico da literatura egípcia, contando as peripécias da personagem homônima.{{sfn|Lichtheim|1975|p=11}} O ''[[Papiro Westcar]]'' também escrito nesse período, é um conjunto de histórias contadas a [[Quéops]] por seus filhos, relatando as maravilhas realizadas pelos sacerdotes.{{sfn|Lichtheim|1975|p=215}} A obra ''[[Instruções de Amenemés]]'' é considerada uma obra-prima da literatura do [[Oriente Próximo]].{{sfn|Day|1997|p=23}} Outras histórias famosas são o ''[[Conto do Náufrago]]'' (história de um marinheiro que naufragou em uma ilha habitada por uma serpente), do ''Príncipe predestinado'' (história de um príncipe amaldiçoado), dos ''Dois Irmãos'' (história de vinganças causada pela mulher de um dos irmãos) e a ''Sátira das profissões'' ([[sátira]] realizada por escribas para mostrar os incômodos das outras profissões que não fossem o ofício de escriba).<ref name=Be78/>
 
O egípcio tardio foi falado no [[Império Novo]] e está representadoocorre em documentos administrativos do [[Império Novo|período raméssida]],, poesias de amor e contos, bem como em textos demóticos e coptas. No final do Império Novo, a língua vernácula foi mais frequentemente empregada para escrever peças populares como a ''[[História de Unamón]]'' e a ''[[Instrução de Any]]''. O primeiro conta a história de um nobre que é roubado quando se dirigia ao [[Fenícia|Líbano]] para comprar madeira de [[cedro-do-líbano|cedro]] e as suas peripécias para voltar ao Egito. Durante este período, papiros como o ''[[Papiro Cester Beatty I|Papiro Cester Beatty&nbsp;I]]'', ''[[Papiro Harris 500]]'' e um fragmento do ''[[Papiro de Turim]]'' mostram um tipo de poesia amorosa, com temas de paixão e [[erotismo]]. A partir de cerca de {{AC|700|n}}, histórias narrativas e instruções, como a popular ''Instruções de Onchsheshonqy'', bem como documentos pessoais e empresariais foram escritos em [[Egípcio demótico|demótico]]. A ação de muitas histórias escritas em demótico durante o período greco-romano decorria em épocas históricas anteriores, de quando o Egito era uma nação independente governada por grandes faraós como {{lknb|Ramessés|II}}.{{sfn|Lichtheim|1980|p=159}}
{{limpar}}
 
== Religião ==
 
{{AP|Religião no Antigo Egito|Antiga religião egípcia}}
 
[[Imagem:Hermitage Egyptian statuettes.jpg|thumb|upright|Tríade de Abidos (Osíris, Hórus e Ísis)]]
 
[[Imagem:Ka Statue of horawibra.jpg|thumb|upright|Estátua ''[[Ka]]'' egípcia]]
 
O Antigo Egito fundamentou-se por sua plena relação com o divino e na vida após a morte de tal modo que o reinado [[Faraó|faraônico]] foi baseado no direito divino dos reis;{{sfn|Shaw|1995|p=153}} considerava-se o faraó filho do deus [[Rá]] (depois conhecido como Amom-Rá ao ser fundido com [[Amom (deus)|Amom]]<ref name=Pe28 />).{{sfn|name=Ri82|Ribeiro|2006|p=82-83}} A religião egípcia teve influência tanto em âmbito ideológico (a história egípcia foi explicada em viés divinos) como em carácter prático (a sociedade assim como a economia egípcias moldaram-se por influência de tal instituição); durante a história egípcia a economia local esteve intimamente relacionada com os templos. Na religiosidade egípcia, o culto às divindades sobressaía as crenças gerais, o que faz da religião egípcia mais [[ortopraxia|ortoprática]] do que [[ortodoxia|ortodoxa]].<ref name=Go42/>
 
Os egípcios antigos eram [[Politeísmo|politeístas]] e seus deuses representavam diversos elementos naturais que eram vinculados com elementos cotidianos.{{sfn|Santiago|2006|p=95}} Cada cidade possuía seu deus padroeiro assim como um específico animal sagrado que a ele era consagrado; caso uma cidade se tornasse capital do reino (p. ex. [[Tebas (Egito)|Tebas]]) o deus local, da mesma forma que o animal a ele dedicado, eram elevados ao âmbito nacional e, consequentemente, começavam a ser cultuados por todo o império (p. ex. Amom).<ref name=Ri82/> Os deuses egípcios tinham características antropomórficas, zoomórficas ou mistas;{{sfn|name=Bra106|Braick|2006|p=106}} conquanto, embora idealizassem seus deuses com certas características animais, pode-se considerar que postulavam que tal deus possuísse as habilidades daquele animal e não necessariamente sua forma.<ref name=Go42/>
 
Os deuses, muitas vezes evocados para ajuda e/ou proteção, também eram provedores de grandes males, de modo que tinham que ser aplacados com oferendas e orações. Assim como a sociedade egípcia, o [[Panteão egípcio|mundo divino egípcio]] era fortemente hierarquizado; continuamente, por meio de mitos diversos, os deuses do [[panteão]] eram promovidos ou rebaixados neste hierarquia. Tal fato ocorreu, pois os sacerdotes não se esforçavam para organizar os diversos mitos, por vezes conflitantes, em um sistema coerente,{{sfn|James|2005|p=102}} já que consideravam estas diversas concepções divinas, múltiplas facetas da realidade.{{sfn|Redford|2003|p=106}} Os deuses eram ordenados e hierarquizados em grupos de três ([[tríade]]s), oito ([[Enéade]]s) e nove ([[Ogdóade]]s); destes pode-se citar a [[Enéade de Heliópolis]], a [[Ogdóade de Hermópolis]] e as Tríades de [[Tríade de Mênfis|Mênfis]], [[Tríade de Tebas|Tebas]] e [[Tríade de Elefantina|Elefantina]].<ref name=Go42/>
 
Os deuses, a mando dos faraós, eram adorados nos templos e os cultos eram administrados por sacerdotes que diariamente lavavam, perfumavam, [[maquilhagem|maquilavam]] e alimentavam a estátua do deus que permanecia trancada em um [[Nau (santuário)|nau]] no centro do templo. Os templos não eram locais para adoração pública, e somente em dias comemorativos ou em festas selecionava-se um santuário para onde se transportava a estátua para que houvesse adoração pública;<ref name=Be48/> as procissões que transportavam as estátuas, que eram assistidas pela população, contavam com a participação de músicos e cantores. Cidadãos comuns podiam ter estátuas cultuais privadas, assim como amuletos de proteção.<ref name=Go42/> Após o [[Império Novo]] o papel do faraó como intermediário espiritual foi ofuscado devido ao desenvolvimento de um sistema de oráculos para comunicar as vontades divinas diretamente a população.{{sfn|Shaw|2002|p=313}}
Linha 402 ⟶ 398:
=== Práticas funerárias ===
 
[[Imagem:Opening of the mouth ceremony.jpg|thumb|esquerda|Cerimônia da "abertura[[Abertura da boca"]]]]
 
Os antigos egípcios mantiveram um elaborado conjunto de costumes de sepultamentos que acreditavam serem necessários para garantir a imortalidade após a morte.{{sfn|name=Ja122|James|2005|p=122}} Estes costumes envolviam preservar o corpo por mumificação, realizando cerimônias fúnebres, e enterrando, junto com o corpo, o espólio que seria utilizado pelo falecido quando ressuscitasse; antes do [[Império Antigo]] os corpos eram enterrados em covas no deserto e, naturalmente, eram preservados por [[dessecação]]. Após a {{lknb|V|dinastia|egípcia}}, a mumificação, privilégio exclusivo às classes abastadas do Egito, tornou-se acessível para toda a população, mesmo que de forma variada.<ref name=Go42/> Durante o [[Império Novo]] tornaram-se comuns os [[sarcófago]]s antropomórficos e, durante a {{lknb|XX|dinastia|egípcia}} a prática de decoração das tumbas foi alterada pela prática da decoração dos sarcófagos.{{sfn|Beting|2009|p=78-79}} Múmias da [[Época Baixa]] também foram colocadas em sarcófagos com [[cartonagem]] pintada. As práticas de preservação real diminuíram durante as eras [[Reino Ptolemaico|ptolomaica]] e [[Egito (província romana)|romana]], quando passou a dar-se mais atenção à aparência exterior das múmias, que passaram a ser decoradas.{{sfn|Grajetzki|2000b}}
Linha 412 ⟶ 408:
O sepultamento dos pobres era muito mais simples do que o da elite, pois não tinham condições financeiras. Os pobres recebiam uma injeção de essências e vinhos corrosivos pelo [[ânus]] para dissolver os órgãos internos. Após alguns dias, com os órgãos dissolvidos, o corpo era enfaixado com peles de animais para ser enterrado no deserto onde se conservaria por dissecação. Os ricos, por outro lado, possuíam um processo diferente, a chamada mumificação artificial. Inicialmente o cérebro era removido com uma pinça metálica pelo nariz. Os outros órgãos (prática iniciada após a {{lknb|IV|dinastia|egípcia}}{{sfn|Grajetzki|2000c}}), com exceção do coração, eram retirados, mumificados e depositados em [[vaso canópico|vasos canópicos]]. O interior do corpo era lavado com vinho e substâncias aromáticas e depois preenchido com [[mirra]] e [[canela]]; posteriormente era embebido em [[natrão]] (mistura de sais) por 70 dias. Por fim era lavado para receber resinas e perfumes e ser enfaixado com tiras de linho embebidas em goma; entre as tiras havia amuletos de proteção. O corpo recebia uma máscara fúnebre e era depositado em sarcófagos líticos ou madeira.<ref name=Go42/>
 
O cortejo fúnebre se iniciava após a colocação do corpo dentro de seu sarcófago. Este era transportado por um carro de bois enquanto familiares, amigos, sacerdotes e [[carpideira]]s contratadas o acompanhavam. Ao chegarem no seu destino se procedia a uma série de rituais dos quais o mais importante era o da "[[Abertura da Boca"boca]]. Neste ritual, a múmia era retirada do sarcófago para ser segurada por um sacerdote com uma máscara de [[Anúbis]]. Então, o filho do morto ou outro herdeiro se vestia com roupa de leopardo e, simbolicamente, com uma machadinha, fazia um corte que abria a boca do defunto para este recuperar o fôlego da vida. Só então o corpo era depositado novamente no sarcófago para ser enterrado.<ref name=Be48/>
 
O ricos eram enterrados com maiores quantidades de itens de luxo, mas todos os enterros, independentemente do estatuto social, incluíam bens para o defunto. A partir do Império Novo, os "[[Livro dos Mortos|livros dos mortos]]" foram incluídos nos túmulos, juntamente com estátuas [[chauabti]]s que, segundo as crenças, realizavam trabalhos manuais por eles na vida após a morte.{{sfn|Grajetzki|2000d}} Enquanto a classe pobre era enterrada em covas rasas no deserto, a elite construía para si túmulos que podiam ser pirâmides, [[hipogeu]]s (túmulos subterrâneos cavados nos barrancos dos rio ou em encostas de montanhas) e [[mastaba]]s (tumbas de base retangular com salas para oferendas).{{sfn|Braick|2006|p=109}} Como forma de proporcionar serenidade ao morto, os túmulos foram pintados com cenas da vida do morto.{{sfn|name=Go42|Gomes|2010|p=42-50}} Após o enterro, se esperava que os parentes visitassem ocasionalmente o túmulo para levar comida e recitar orações em nome do falecido.{{sfn|James|2005|p=124}}
Linha 418 ⟶ 414:
=== Mumificação animal ===
{{principal|Mumificação de animais}}
[[Imagem:John Reinhard Weguelin – The Obsequies of an Egyptian Cat (1886).jpg|thumb|esquerda|''As Obséquias de um Gato Egípcio'', de [[John Reinhard Weguelin]] (1886).]]
Outra prática muito comum foi a mumificação animal. Os animais mumificados podiam ser bichos de estimação, pedaços de carne às múmias ou então animais sagrados, divinizados por sua relação com os deuses. Eram, no geral, objetos votivos destinados aos templos de culto a animais. A partir da [[XXVI dinastia egípcia{{lknb|XXVI |dinastia]]|egípcia}}, as múmias votivas tornaram-se populares, o que gerou um intenso comércio que empregou legiões de trabalhadores especializados.
 
 
Entre os animais embalsamados podem se citar gatos, cães, vacas, touros, burros, cavalos, carneiros, peixes, crocodilos, elefantes, gazelas, íbis, leões, lagartos, macacos, aves, [[escaravelho]]s, [[musaranho]]s e serpentes. Os animais eram preparados como as múmias humanas: seus órgãos poderiam ser retirados ou então dissolvidos, depois eram lavados interiormente com vinho e depois banhados em natrão para ressecamento e posteriormente eram envoltos com resinas para fixação das bandagens de linho.{{sfn|Willians|2009|p=78-79}}
Linha 428 ⟶ 423:
{{AP|Arte do Antigo Egito}}
 
[[Imagem:Nofretete Neues Museum.jpg|upright|thumb|[[Busto de Nefertiti]], pelo escultor [[Tutmés (escultor)|Tutmés]], é uma das mais famosas obras-primas dadesta arte egípcia antiga]]
 
Os antigos egípcios produziram arte para servir propósitos funcionais. Por mais de {{formatnum:fmtn|3500}} anos, os artistas aderiram a formas artísticas e a iconografias que foram desenvolvidas durante o Império Antigo, na sequência de um rigoroso conjunto de princípios que resistiu à influência estrangeira e à mudança interna.{{sfn|Robins|1998|p=29}} Estes padrões artísticos – linhas simples, formas e áreas planas de cores combinadas com características projeções planas das figuras sem indicação de profundidade espacial - criou um senso de ordem e equilíbrio dentro de uma composição. Imagens e textos foram intimamente entrelaçados nas tumbas e paredes dos templos, caixões, estelas e até estátuas. A [[Paleta de Narmer]], por exemplo, exibe figuras que também podem ser lidos como hieróglifos.{{sfn|Robins|1998|p=21}} Por causa das regras rígidas que presidiram à sua aparência altamente estilizada e simbólica, a arte egípcia antiga serviu a seus propósitos políticos e religiosos com precisão e clareza.{{sfn|Robins|2001|p=12}} A hierarquia social e religiosa influenciava no tamanho dos personagens.{{sfn|name=Go58|Gomes|2010|p=58-60}}
 
As figuras nas pinturas e [[baixo-relevo]]s são representadasdescritas respeitando-se a [[Lei da Frontalidade|lei da frontalidade]]: cabeça, pernas, peito, ventre e braços de perfil; olhos, ombros, umbigo e baixo-ventre de frente.{{sfn|name=Co34|Cotrim|1999|p=34}} O personagem principal de uma pintura devia ser representadoaparecer sempre maior do que os personagens secundários. Faraós mandaram gravar em [[Relevo (escultura)|relevos]] vitórias de batalhas, decretos reais e cenas religiosas. Eram dispostos em faixas horizontais acompanhados por hieróglifos e apresentavam até "[[Balão de diálogo|balões]]" indicando falas.{{sfn|name=Be84|Besozzi|2005|p=84-93}}
 
[[Imagem:Maler der Grabkammer der Nefertari 004.jpg|thumb|upright|Pintura de [[Nefertari]] no seu túmulo]]
 
As cores possuíam uma função simbólica nas pinturas.: Oo preto usado nas (sobrancelhas, perucas, olhos e bocas) representavasimbolizava a noite, a morte, a fertilidade, a regeneração e as inundações do Nilo.; Oo branco usado nas (vestes dos sacerdotes, nos objetos rituais, nas casas, nas flores e nos templos era associado) a pureza, verdade, alegria e triunfo.; Oo vermelhoazul, representavao Nilo e o céu; o verde, a regeneração e a vida; o amarelo, a eternidade; e o vermelho, a energia, o poder, a sexualidade e [[SetSeti (divindade)|SetSeti]]. A pele dos homens era pintada de vermelho-ocre e a das mulheres de amarelo-ocre. O amarelo representava a eternidade; o verde, a regeneração e a vida; o azul, o Nilo e o céu.<ref name=Go58/><ref name=Be84/> As tintas eram obtidas a partir de minerais, como [[Minério de ferro|minérios de ferro]] ([[ocre]] vermelho e amarelo), [[Minério de cobre|minérios de cobre]] (azul e verde), [[fuligem]] ou [[carvão]] (preto), e [[calcário]] (branco). As tintas podem ser misturadas com [[goma-arábica]] como aglutinante e prensadas em bolos, que podiam ser umedecidos com água quando necessário.{{sfn|Lee|2000|p=105}} No entanto, análises de múmias de cerca de {{AC|3200|n}} mostram sinais de [[anemia hemolítica]] e outros distúrbios, causados por intoxicação com metais pesados ([[chumbo]], [[Mercúrio (elemento químico)|mercúrio]], [[arsênio]], [[cobre]]) que eram usados como pigmentos, corantes e maquiagem, especialmente pelas classes dominantes.{{sfn|Teebi|2010|p=283}}
 
Os artesãos do Antigo Egito usavam pedra ([[basalto]], [[pórfiro]], [[xisto]], [[diorito]] e o [[granito]]) para esculpir estátuas e finos relevos, mas usavam madeira como um substituto barato e fácil de esculpir. Algumas estátuas serviam objetivos políticos, sendo colocadas diante dos templos para que o povo as visse, mas tinham sobretudo um objetivo religioso.{{Carece de fontes|data=fevereiro de 2018}} No geral as estátuas representam umatêm figura que olha à frente, numa linha perpendicular ao plano dos ombros, com os braços colados ao corpo. As estátuas que se encontravam nos túmulos eram consideradas como uma espécie de corpo de substituição; o ''ka'' e o ''ba'' deveriam reconhecer o rosto onde habitavam, não sendo por isso relevante representarmostrar os defeitos do corpo. Algumas estátuas atingiam proporções grandiosas, como a Esfinge de Giza e os [[Colossos de Memnon]].<ref name=Go12/><ref name=Salles53/>
 
Os cidadãos comuns tiveram acesso a obras de [[Arte tumular|arte funerária]], tais como estátuas [[chauabti]]s e o livro dos mortos, que acreditavam que iria protegê-los na vida após a morte.<ref name=Ja122 /> Durante o [[Império Médio]], modelos de madeira ou de barro que representamcom cenas da vida diária tornaram-se populares aditamentos aos túmulos. Em uma tentativa de duplicar as atividades da vida após a morte, estes modelos mostram operários, casas, barcos e até mesmo formações militares que são representações à escala do ideal de vida após a morte dos antigos egípcios.{{sfn|Robins|1998|p=74}}
 
Apesar da homogeneidade da arte egípcia antiga, os estilos de determinadas épocas e lugares, por vezes reflete a mudança de atitudes culturais ou políticas. Após a invasão dos [[hicsos]] no [[Segundo Período Intermediário]], [[afresco]]s de estilo [[Civilização Minoica|minoico]] foram encontrados em [[Aváris]].{{sfn|Shaw|2002|p=216}} O exemplo mais marcante de uma mudança de motivação política na forma artística encontra-se no [[período Amarna]], quando as figuras foram radicalmente alteradas em conformidade com as ideias religiosas revolucionárias de [[Aquenáton]].{{sfn|Robins|1998|p=149}} Este estilo, conhecido como a [[Período Amarna|arte Amarna]], foi rapidamente e completamente apagado depois da morte de Aquenáton e substituído por formas tradicionais.{{sfn|Robins|1998|p=158}} Durante a época romana os [[retratos de Faium]] dominaram a composição mortuária. As máscaras mortuárias foram substituídas por retratos realistas dos defuntos.<ref name=Be84/>
 
=== Arquitetura ===
Linha 450 ⟶ 445:
A arquitetura do Antigo Egito inclui algumas das estruturas mais famosas do mundo: as [[Pirâmides de Gizé|Grandes Pirâmides de Gizé]] e os [[Carnaque|templos em Tebas]]. Vários projetos foram organizados, construídos e financiados pelo Estado para fins religiosos e comemorativos, mas também para reforçar o poder do [[faraó]]. Os antigos egípcios eram construtores qualificados, usando ferramentas simples mas eficazes e instrumentos de observação, podendo os [[arquiteto]]s egípcios construir grandes estruturas líticas com exatidão e precisão.{{sfn|Clarke|1990|p=94-97}}
 
As habitações da [[Elite (sociologia)|elite]] e dos [[Classe social|egípcios comuns]] foram construídas de materiais perecíveis tais como [[lama]], tijolos de [[Construção de terra|adobe]] e [[madeira]].{{sfn|name=Go61|Gomes|2010|p=61-62}} Os camponeses viviam em casas simples, enquanto os palácios da elite foram estruturas mais elaboradas. As cidades egípcias possuíam bairros diferenciados e eram protegidas por muralhas.{{sfn|Beting|2009|p=44}} Uns poucos palácios sobreviventes do [[Império Novo]], tais como os de [[Malcata (Egito)|Malcata]] e [[Amarna]], mostram paredes ricamente decoradas e chão com cenas de pessoas, pássaros, piscinas de água, divindades e design geométrico.{{sfn|Badawy|1968|p=50}}
 
[[Imagem:Edfu Temple.jpg|thumb|O bem preservado [[Templo de Edfu]] é um dos exemplos da [[arquitetura egípcia|arquitetura]] antiga]]
[[Imagem:Egypt Temple Philae.jpg|thumb|Templo egípcio na ''[[Description de l'Égypte]]'']]
 
Estruturas importantes, como templos e túmulos, que se pretendia que durassem para sempre, foram construídos em pedra em vez de tijolos. Os mais antigos templos preservados do Antigo Egito, como os de [[Gizé]], consistem de simples salões anexos com lajes suportadas por colunas. No Império Novo, os arquitetos adicionaram o [[pilone]], o pátio aberto e anexos salões [[hipostilo]]s de frente com os santuários dos templos, um estilo que foi padrão até ao período greco-romano.{{sfn|Grajetzki|2000e}}
 
Os templos de [[Carnaque]] e [[Luxor]] são dois dos maiores exemplos deste tipo de edificação egípcia. A mais antiga e mais popular tumba arquitetônica do [[Império Antigo]] foi a [[mastaba]], uma estrutura retangular de teto achatado construída de tijolos de lodo ou pedra acima de uma câmara funerária subterrânea. A [[pirâmide de degraus]] de [[Djoser]], a primeira pirâmides construída, é uma série de mastabas líticas empilhadas em cima uma das outras; estas possuem simples arquitraves apoiados em motivos de papiros e [[Nelumbo nucifera|flores de lótus]].{{sfn|name=Be40|Besozzi|2005|p=40-47}}
 
Foram construídas pirâmides durante o Império Antigo e [[Império Médio|Médio]], mas os governantes tardios abandonaram-nas em favor de tumbas menos notáveis escavadas na pedra.{{sfn|Dodson|1991|p=23}} No Império Antigo foram construídas dezenas de pirâmides, entre quais as Pirâmides de Gizé, que são uma das [[Sete maravilhas do mundo|Sete maravilhas do mundo antigo]].<ref name=Go7/>{{sfn|Braick|2006|p=96}} As pirâmides eram formadas por blocos líticos de três toneladas, as quais eram cortadas com cunhas de madeira e depois eram arrastadas para cima em rampas sobre trenós.<ref name=Go61/> Os interiores das pirâmides foram construídos dispondo-se um tipo de labirinto onde se era depositado o túmulo faraônico em uma câmara secreta para evitar saqueadores.<ref name=Co34/>
Linha 477 ⟶ 472:
{{AP|Medicina do Antigo Egito}}
 
[[Imagem:Ancient Egyptian medical instruments.jpg|thumb|upright|Instrumentos médicos, representados numa gravura do [[Templo de Com Ombo]] do [[Reino Ptolomaico]]]]
 
Os problemas médicos dos antigos egípcios estavam diretamente relacionados com o meio ambiente. Viver e trabalhar perto do [[Rio Nilo|Nilo]] envolvia riscos de [[malária]] e de [[esquistossomose]] provocada por um parasita debilitante que causa danos ao [[fígado]] e [[intestino]]. Perigosos animais selvagens como [[crocodilo]]s e [[hipopótamo]]s também foram uma ameaça comum. O trabalho vitalício na agricultura e em construções provocava [[stress]] na [[coluna vertebral]] e [[articulação|articulações]], e ferimentos traumáticos na construção e na guerra tiveram impacto significativo na saúde de muitos egípcios. [[Cascalho]] e [[areia]] usados para moer [[farinha]] desgastava os [[dente]]s, deixando-os suscetíveis a [[abscesso]]s (embora [[cárie]]s fossem raras).{{sfn|Filer|1995|p=94}} A dieta dos ricos foi rica em [[açúcar]], o que provocou [[periodontite]].{{sfn|Filer|1995|p=78-80}} Apesar da lisonjeira retratação do físico nas paredes dos túmulos, o excesso de peso de muitas múmias da classe alta mostra os efeitos de uma vida de excesso.{{sfn|Filer|1995|p=21}} A [[expectativa de vida]] dos adultos foi de 35 para os homens e 30 às mulheres, mas muitos jovens não chegavam a atingir a maioridade, pois aproximadamente um terço da população morria na infância.{{sfn|Filer|1995|p=25}}
Linha 506 ⟶ 501:
A [[notação matemática]] era [[Sistema de numeração decimal|decimal]], com base em sinais hieróglifos para cada potência de dez até um milhão. Cada um desses símbolos poderia ser escrito tantas vezes quanto necessário para somar o número desejado. Por exemplo, para escrever o número 880 o símbolos de dez e cem eram escritos oito vezes, respectivamente.{{sfn|Clarke|1990|p=217}} Por seus métodos de cálculo não poderem lidar com [[Fração|frações]] com [[numerador]] maior que um, as [[Frações egípcias|frações dos antigos egípcios]] eram escritas como a soma de várias frações. Por exemplo, a fração {{frac|2|5}} (dois quintos) era representada pela soma de {{frac|1|3}} (um terço) com {{frac|1|15}} (um quinze avos), o que era facilitado pela existência de tabelas.{{sfn|Clarke|1990|p=218}} Algumas frações comuns, porém, eram escritas com um hieróglifo especial; existia, por exemplo um hieróglifo para representar {{frac|2|3}} (dois terços).{{sfn|Gardiner|1957|p=197}}
 
A [[proporção áurea]] parece refletir-se em muitas construções egípcias, incluindo as pirâmides, mas seu uso pode ter sido uma consequência não intencional da prática egípcia de combinar o uso de cordas com nós com um senso intuitivo de proporção e harmonia.{{sfn|Kemp|1989|p=138}} Os matemáticos egípcios antigos compreendiam os princípios subjacentes ao [[teorema de Pitágoras]], sabendo, por exemplo, que um [[triângulo retângulo|triângulo]] tinha um [[ângulo reto]] oposto à [[hipotenusa]] quando seus lados estavam em uma proporção 3-4-5. Eles eram capazes de estimar a área de um círculo, subtraindo um nono de seu diâmetro e [[Quadrado (aritmética)|elevando ao quadrado]] o resultado, o que é uma aproximação razoável da fórmula [[Pi|π]]''r''<sup>&nbsp;2</sup>:{{sfn|name=Strouhal241|Strouhal|1989|p=241}}{{sfn|Imhausen|2007|p=31}}
{{hiero|{{frac|2|3}}|<hiero>D22</hiero>|align=direita|era=padrão}}
:Área ≈ [({{frac|8|9}})D]<sup>2</sup> = ({{frac|256|81}})r<sup>2</sup> ≈ 3.16r<sup>2</sup>
Linha 514 ⟶ 509:
[[Imagem:Senenmut-Grab.JPG|thumb|esquerda|[[Teto astronômico da Tumba de Senemute]], {{lknb|XVIII|dinastia|egípcia}}]]
 
A astronomia teve grande importância religiosa, pois era por meio dela que os egípcios determinaram datas de festas religiosas. Com a observação dos astros e enchentes, os egípcios desenvolveram um [[calendário]],{{sfn|Braick|2006|p=101}} onde o primeiro dia do ano é o primeiro dia das cheias.<ref name=Pa71 /> O calendário egípcio possuía 365 dias divididos em 12 meses de 30 dias; os dias possuíam 24 horas, no entanto, uma hora egípcia variava de acordo com as estações agrícolas. O ano era dividido em três períodos de quatro meses: inundações (julho a outubro), plantio (novembro a fevereiro) e colheita (março a junho).{{sfn|name=Ca27|Cardoso|2007|p=27}} Além disso, os egípcios tinham conhecimento de alguns planetas, e agrupavam as estrelas que conheciam em [[Constelação|constelações]], produzindo mapas astronômicos.<ref name=Go64/><ref name=Be83 />
 
A palavra química vem do egípcio ''Kemi'', que significa "terra negra". Para fins medicinais, composições simples, pintura e decoração pessoal os egípcios utilizaram de substâncias químicas como [[arsênio]], [[cobre]], [[petróleo]], [[alabastro]], [[calcário]], [[carvão]], [[hematita]], [[Óxido de ferro (II,III)|óxido de ferro]], [[azurita]], [[malaquita]], [[cobalto]], [[sal]], [[sílex|sílex moído]], [[Mercúrio (elemento químico)|mercúrio]], etc.{{sfn|Ead|2011b}} Alguns dos papiros descobertos ao longo das escavações no Egito contêm diversas receitas químicas que incluem: testar a qualidade ou purificar metais, formar ligas, imitar metais preciosos ou pérolas, produzir pigmentos.{{sfn|Ead|2011}}
Linha 523 ⟶ 518:
[[Imagem:Camel and the pyramids.jpg|thumb|Turistas montados em um [[camelo]] na frente da [[Pirâmide de Quéfren]]. As [[Pirâmides de Gizé]] são um dos pontos turísticos mais populares do Egito]]
 
A cultura e monumentos do Antigo Egito, deixaram um legado duradouro para o mundo. Sua arte e arquitetura foram amplamente copiadas e suas antiguidades levadas a vários cantos do mundo. Suas ruínas monumentais inspiraram a imaginação dos viajantes e escritores ao longo de séculos. O fascínio por antiguidades e escavações no início do [[Idade Contemporânea]] esteve na origem da [[egiptologia|investigação científica]] dadesta civilização egípcia e levou a uma maior valorização do seu legado cultural.{{sfn|James|2005|p=84}}
 
Algumas práticas religiosas egípcias ([[circuncisão]], práticas [[esoterismo|esotéricas]] e [[ocultismo|ocultistas]] e certas concepções do [[Vida após a morte|Além]]) são características visíveis em certas crenças atuais. Algumas palavras (como ''química'') e expressões (como ''anos de vacas magras'') são de origem egípcia, além de terem sido eles os inventores do ancestral do papel, o [[papiro]].<ref name=Go64/> Também contribuíram com alguns símbolos da [[alquimia]], como a serpente [[ouroboros]] e a [[fênix]].{{sfn|Hornung|1999|p=78}}{{sfn|Bernal|2006|p=468; 669}}{{sfn|Toorn|1999|p=121}}
 
O culto da deusa [[Ísis]], por exemplo, tornou-se popular no [[Império Romano]], com [[obelisco]]s e outras relíquias sendo transportadas para Roma.{{sfn|Siliotti|1998|p=8}} Os romanos também utilizavam materiais de construção importados do Egito para erguer estruturas em estilo egípcio. Os primeiros historiadores como [[Heródoto]], [[Estrabão]], [[Diodoro Sículo]] estudaram e escreveram sobre a terra que passou a ser vista como um lugar de mistério.{{sfn|Siliotti|1998|p=10}}
Linha 568 ⟶ 563:
{{artigo destacado}}
 
[[Categoria:Antigo Egito| *]]