Imigração italiana no Rio Grande do Sul: diferenças entre revisões

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De qualquer modo, todas as principais colônias já estavam emancipadas na década de 1890, e as outras as seguiram em rápida sucessão.<ref name="Spolaor"/> Caxias assumiu um claro protagonismo regional desde o início, localizando-se no entroncamento de várias trilhas de tropeiros e estradas muito percorridas naquela época para o comércio de gado e víveres, e em apenas dez anos já tinha um comércio forte e organizado e diversas manufaturas e oficinas. Depois da construção da ferrovia em 1910, substituiu São Sebastião do Caí como o principal entreposto comercial da região das colônias, e com a construção da [[Ponte do Korff]] e o desvio da [[BR 116]], arrebatou os elementos que faltavam para controlar as principais vias de transporte de toda a região nordeste do estado, sendo passagem obrigatória para quase tudo o que vinha à província do Prata e do norte do país por via terrestre.<ref name="Associação"/><ref name="Antropolítica"/><ref> Machado, Maria Abel & Herédia, Vania Beatriz Merlotti. ''Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul: 100 Anos de História 1901-2001''. Maneco, 2001</ref><ref>Keiber, Daiana Cristani da Silva & Radünz, Roberto. "A história social de migrantes através de fontes judiciais: o caso do quartel". In: Radünz, Roberto & Herédia, Vania (orgs.). ''140 anos da imigração italiana no Rio grande do Sul''. EdUCS, 2015, pp. 451-460 </ref>
 
Essa condição de cabeça das colônias naturalmente foi acompanhada pela formação muito precoce de uma elite empresarial, muito ativa politicamente, com fortes laços com o governo e expressiva influência na condução dos assuntos públicos. Todas as Câmaras Municipais das ex-colônias nas primeiras décadas de atividade foram ocupadas principalmente pelos comerciantes e industriais mais ricos do lugar, e não demorou para que italianos ocupassem as [[Intendência]]s. Mais tarde, diversos seriam deputados, governadores e ministros. Caxias foi o exemplo paradigmático neste processo de articulação de uma nova sociedade — "colmeia extraordinária que todo o estado conhece e admira", foi hamada por [[Júlio de Castilhos]] de "a Pérola das Colônias" —, e embora por sua amplitude e influência regional seu caso seja único, em todas as sedes principais uma elite também se formou e assumiu papel semelhante.<ref name="conflitos">Machado, Maria Abel. "Empresários na busca do poder político: acordos e conflitos. Caxias do Sul, 1894-1935". In: Primeiras Jornadas de História Regional Comparada. Porto Alegre, 23-25/08/2000</ref><ref>Centro de Memória da Câmara Municipal de Caxias do Sul [Onzi, Geni Salete (org.)]. ''Palavra e Poder: 120 anos do Poder Legislativo em Caxias do Sul''. São Miguel, 2012, pp. 26-35</ref><ref name="Associação"/>
[[File:Sociedade Príncipe de Nápoles em 1896.jpg|thumb|left|A [[Sociedade Príncipe de Nápoles]] de Caxias, incorporada para a comemoração do aniversário do patrono, o rei Vitor Emanuel da Itália, em 11 de novembro de 1896.]]
[[Ficheiro:Palacete Eberle1.jpg|thumb|left|O [[Palacete Eberle|Palacete de Abramo Eberle]].]]
[[File:Altar-mor da Catedral de Caxias do Sul.jpg|thumb|left|Detalhe do altar-mor [[neogótico]] da [[Catedral de Caxias do Sul]], obra de [[Francisco Meneguzzo]].]]
 
Segundo Spolaor, todas as vilas coloniais buscaram a emancipação motivadas "pela possibilidade de melhorar a qualidade de vida e pela necessidade de acesso a direitos básicos como saúde, educação, geração de emprego e melhores vias de acesso", mas "as políticas emancipatórias não tinham propostas concretas, nem o Estado. Em nenhum momento foram construídas alternativas políticas, como programas de desenvolvimento rural, que fossem capazes de gerar emprego e renda, conciliando desenvolvimento social com preservação ambiental".<ref name="Spolaor">Spolaor, Silvane. ''Os papéis urbanos nas pequenas cidades da região da Quarta Colônia-RS''. Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria, 2010, pp. 31-33</ref> A consciência ecológica, na verdade, não existia no início do século XX, e outros autores têm visões diferentes, apontando para uma organização bastante eficiente das prioridades coletivas, mesmo que os avanços tenham sido liderados muitas vezes pelos empresários e não pelos políticos, possibilitando esse mesmo crescimento acelerado.<ref name="conflitos"/><ref name="Associação"/> Para Santos & Zanini, "por outro lado, podem ser encontradas semelhanças entre a colonização de Caxias do Sul e cidades de colonização alemã, até de outros estados, como, por exemplo, a de [[Blumenau]], em Santa Catarina, onde, analogamente a Caxias, instaurou-se uma forte [[burguesia]] comercial e industrial vinculada à colonização, que incentivou a manutenção de uma distintividade baseada na etnicidade", onde "observa-se a italianidade como sentimento de pertencimento baseado numa origem que dialogou historicamente com vários períodos da vida regional e nacional".<ref name="Antropolítica">Santos, Miriam de Oliveira & Zanini, Maria Catarina Chitolina. "Especificidades da Identidade de descendentes de italianos no sul do Brasil: breve análise das regiões de Caxias do Sul e Santa Maria". In: ''Antropolítica'', 2009; (27)</ref>
 
Com a colaboração de uma classe de funcionários públicos, essa elite, que incluía algumas grandes fortunas, como foi o caso clássico de [[Abramo Eberle]], promoveu um rico florescimento intelectual e cultural de perfil erudito, o que além de expressar a evolução dos costumes e ideologias estéticas, também era uma prova do sucesso material e uma forma de afirmação social. Nas primeiras décadas do século XX nas principais cidades coloniais já havia jornais, cinemas, teatros, orquestras, grupos teatrais e líricos, [[sarau]]s literários, quermesses beneficentes e ações coletivas para ajuda dos pobres e da Igreja. Multiplicavam-se os grandes casarões de alvenaria, alguns verdadeiros palacetes, e os de madeira eram ampliados e ornamentados com lambrequins e outros detalhes artísticos, substituindo a paisagem urbana primitiva composta de habitações pequenas e rústicas. Também as Matrizes coloniais eram substituídas por edifícios mais sólidos e imponentes, às vezes decorados com grande requinte, ostentando grandes altares entalhados e dourados, pinturas e estatuária produzidos por artesãos e artistas locais. A socialização era intensificada pela fundação de uma série de associações de mútuo socorro, associações comerciais, círculos religiosos leigos, diretórios de partidos políticos, e sobretudo pela criação de diversos clubes sociais, esportivos, culturais e recreativos. Nestes locais eram articuladas e debatidas ideias, filosofias e modos de vida, sendo importantes centros disseminadores de tendências culturais, ideológicas e sociais.<ref name="Rovílio"/><ref>Machado, Maria Abel. ''Construindo uma Cidade: História de Caxias do Sul - 1875-1950''. Maneco, 2001, pp. 50-62</ref> Como já foi mencionado, esse notável progresso chamou a atenção das autoridades do estado, e mesmo das autoridades italianas, que depois de um período de negação da sua responsabilidade pela fuga populacional, agora se mostravam desejosas de restabelecer o contato com os filhos expatriados da Itália.<ref name="Iotti"/>