Pardos: diferenças entre revisões

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== Definição ==
=== Origem do termo===
 
O termo "pardo" tem origem em Portugal. Nos registros dos expostos da Santa Casa da Misericórdia de [[Lisboa]], do [[século XVIII]], as crianças eram classificadas racialmente em cinco categorias: “preto”, “pardo”, “negro”, “mulato” e “branco”.<ref>Jocélio Teles dos Santos. DE PARDOS DISFARÇADOS A BRANCOS POUCO CLAROS: CLASSIFICAÇÕES RACIAIS NO BRASIL DOS SÉCULOS XVIII-XIX. Página 131</ref>
 
Na famosa carta de [[Pero Vaz de Caminha]] para o rei [[Manuel I de Portugal]], do ano de [[1500]], ele chamou os índios de "pardos": "Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel".<ref>http://www.culturabrasil.org/zip/carta.pdf</ref>
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Em nenhum lugar como na [[América Portuguesa]] a classificação fenótipa foi tão influenciada por diferentes variáveis. Não eram apenas a cor, o cabelo e as constituições físicas e faciais que determinavam a "cor" de um indivíduo. Além disso, o ''status'' social, o econômico e a própria cor do observador e do observado, assim como a época e a região, tinham influência decisiva. Assim, um indivíduo poderia "enegrecer", "embranquecer" ou "empardecer" de um contexto para outro. Normalmente, a pobreza "escurecia" o indivíduo, e a riqueza o "embranquecia".<ref name="parana"/>
 
== História ==
{{Principal|Composição étnica do Brasil}}
[[Image:Igreja e Largo do Livramento - c. 1880.jpg|thumb|260px|[[Igreja de Nossa Senhora do Livramento dos Homens Pardos]] no [[Recife]] (c. 1880).]]
 
Uma característica da [[colonização portuguesa]] é que ela era dominantemente masculina. A [[Imigração portuguesa no Brasil|imigração portuguesa para o Brasil]] nos séculos XVI e XVII foi composta praticamente somente por homens. Dada essa ausência de mulheres brancas disponíveis ao matrimônio, mostrava-se inevitável que o colono português tomasse como amante uma mulher de origem africana ou indígena, fato que explica o grande número de pardos presente na população brasileira atual.<ref name=libertos>{{citar livro|título=Escravos e Libertos no Brasil Colonial|autor =A.J.R RUSSEL-WOOD|páginas=-&ndash;-|ano=2005|publicado=Civilização Brasileira}}</ref> Com a chegada dos portugueses ao atual território brasileiro, operou-se inicialmente a miscigenação deles com as mulheres indígenas e, posteriormente, com as africanas, dando origem a diversos tipos de cruzamentos e, em decorrência, a diversas denominações para classificar essas pessoas: mulato (branco e negro), mameluco (branco e índio), cafuzo ou cabra (negro e índio), bem como pardo, entre outros.<ref>[https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/17551/1/tese%20janaina.pdf JANAÍNA SANTOS BEZERRA. A FRAUDE DA TEZ BRANCA: A integração de indivíduos e famílias pardas na elite colonial Pernambucana (XVIII)]</ref>
 
Em certas regiões do Brasil, houve o predomínio da miscigenação entre [[europeus]], [[africanos]] e [[índios]]; em outras regiões, predominou a miscigenação entre apenas os [[europa|europeus]] e os indígenas;<ref>{{link|pt|2=http://www.funai.gov.br/indios/conteudo.htm|3=Índios}}</ref> e, em outras regiões, houve o predomínio da miscigenação entre europeus e [[áfrica|africanos]], sendo essa última forma de miscigenação citada tida por muitos como sendo a que ocorreu com mais frequência.<ref>Sérgio D.J. Pena; Maria Cátira Bortolini. {{link|pt|2=http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000100004&script=sci_arttext&tlng=en#tab06|3=Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?}}</ref><ref>{{link|pt|2=http://www.icb.ufmg.br/lbem/aulas/grad/evol/humevol/templeton/brasilmix.html|3=Os frutos da miscigenação}}</ref>
 
Os pardos sempre estiveram presentes em todas as classes sociais brasileiras, inclusive entre a elite.<ref name="nação">Schwarcz, Lilia Moritz. História do Brasil Nação - 1808-2010. Volume I</ref> No final do século XIX, o francês [[conde de Gobineau]] observou que havia mulatos no Senado brasileiro e que o [[Barão de Cotegipe]], então ministro das Relações Exteriores, também era mulato e concluiu: "Eles estão em todos os escalões sociais".<ref>[https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0807200112.htm A face visível da desigualdade]</ref> Karl von Martirius e Johann Baptist von Spix, que viveram no Brasil entre 1817 e 1820, afirmaram ser "difícil determinar o limite entre as pessoas de cor e os brancos legítimos", ou seja, "saber onde terminavam o caboclo e o mulato e começavam o branco". Quando vigorava a escravidão, a sociedade brasileira dividia-se entre uma camada livre e outra escrava, e o mulato, o cafuzo ou o mestiço indefinido funcionavam como "amortecedores do antagonismo" entre essas duas classes e, os que tinham a pele mais clara, eram tratados como brancos ou quase brancos. Mesmo entre os considerados "brancos", haveria considerável número de caboclos ou mulatos claros, haja vista que os colonizadores portugueses continentais tendiam a imigrar para o Brasil sozinhos, sem trazer esposas, e a miscigenação era a regra entre os brasileiros.<ref name="nação"/> Foram pardos importantes nomes da História brasileira, como [[Chica da Silva]], [[Aleijadinho]] e [[Machado de Assis]].
 
Os pardos podem ter os mais variados perfis fenótipos (aparência) e comportamentais. A rigor, o que caracteriza um pardo é, para alguns autores, simplesmente, sua miscigenação. Não há um senso de pertencimento étnico entre os integrantes deste segmento e, geralmente, os pardos se percebem mais como "brasileiros" do que como "mestiços",<ref>Sérgio D. J. Pena. {{link|pt|2=http://www.ciranda.net/spip/article1068.html|3=Para remover a palavra raça dos prontuários médicos no Brasil}}</ref> mas a existência de movimentos próprios organizados mostra que alguns integrantes deste segmento possuem senso de pertencimento a identidade étnica distinta.<ref>{{link|pt|2=http://nacaomestica.org/blog4/?p=2252|3=Identidade Nacional e Identidade Mestiça}}</ref>
 
===Nos censos brasileiros===
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A divisão birracial dos Estados Unidos tem origem na "regra de uma gota" ("[[one-drop rule]]"), que foi um conceito racista que imperou no país durante a maior parte do [[século XX]].<ref>[https://www.theguardian.com/world/deadlineusa/2008/apr/01/obamaandmixedraceinameric Obama and mixed race in America]</ref> Com o objetivo de garantir a "pureza racial" dos brancos americanos, os americanos de ascendência mestiça passaram a ser contados como "negros". Em consequência, os mestiços não poderiam fazer sexo ou se casar com brancos e, assim, se garantia a "pureza racial" dos brancos.<ref name=devil>{{Citation|páginas=81–84|título=The Devil and the One Drop Rule: Racial Categories, African Americans, and the U.S. Census|autor =Christine B. Hickman|capítulo=|ano=1997|publicado= The Michigan Law Review Association|}}</ref> Em 1920, a categoria "mulato", que existia nos Estados Unidos desde 1840, foi excluída do censo, o que forçou os mestiços a se identificarem como negros, criando-se dois polos antagônicos (brancos ''versus'' negros). Porém, juridicamente, o conceito da "regra de uma gota" já não existe há muito tempo nos Estados Unidos. Desde o ano 2000, os americanos podem escolher mais de uma "raça" com o qual se identificam ao responderem o censo, e o número de americanos que se identificam como "mestiços" tem crescido exponencialmente.<ref>[http://paa2012.princeton.edu/papers/121933 The End of the “One-drop” Rule?: Hypodescent in the Early 21st century]</ref><ref>[https://www.census.gov/mso/www/training/pdf/race-ethnicity-onepager.pdf United States Census Bureau]</ref> Ademais, devido ao aumento da [[Hispânicos|população oriunda de países da América Latina]], onde a miscigenação sempre foi muito intensa,<ref name="pew1">[http://www.pewresearch.org/fact-tank/2015/07/10/mestizo-and-mulatto-mixed-race-identities-unique-to-hispanics/ ‘Mestizo’ and ‘mulatto’: Mixed-race identities among U.S. Hispanics]</ref> uma identidade "brown" (parda) está cada vez mais presente nos Estados Unidos atuais.<ref>[http://www.alcoff.com/content/chap10latrace.html LATINOS AND THE CATEGORIES OF RACE]</ref>
 
A divisão da população somente entre "brancos" e "negros" apenas existiu nos Estados Unidos.<ref>{{citar web|título=Mixed Race America – Who Is Black? One Nation's Definition|url=https://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/jefferson/mixed/onedrop.html|website=www.pbs.org|publicado=Frontline|citação=Not only does the one-drop rule apply to no other group than American blacks, but apparently the rule is unique in that it is found only in the United States and not in any other nation in the world.}}</ref> Na [[África do Sul]], a categoria intermediária dos mestiços ("[[coloured]]") sempre existiu, mesmo durante o regime do [[Apartheid]].<ref name="name1">{{citar periódico|url=http://www.transformation.und.ac.za/issue%2047/47%20posel1.pdf |título= What’s in a name? Racial categorisations under apartheid and their afterlife|arquivourl=https://web.archive.org/web/20061108101109/http://www.transformation.und.ac.za/issue%2047/47%20posel1.pdf |arquivodata=2006-11-08 |periódico=Transformation|issn=0258-7696 |ano=2001}}</ref> NosEm [[Angola]], os descendentes mistos de negros e brancos são chamados de "cabritos", "mestiços" ou "mulatos" e nos países de [[língua espanhola]], termos que traduzem uma miscigenação, como "mestizo", "mulato" e "moreno", também são amplamente usados pela população.<ref name="pew1"/><ref>[https://pdfs.semanticscholar.org/ae01/3615463d4d26960e71bd49e0e223fbf00260.pdf Race in Latin
America]</ref>
 
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O termo "moreno" não existe apenas no Brasil. Ele também é amplamente usado em outros países da [[América Latina]] para designar a cor da pele das pessoas.<ref name=shades>{{citar livro | título = Shades of Difference: Why Skin Color Matters|autor=Evelyn Nakano Glenn|páginas =|ano = 2009|editora = }}</ref>
 
== História ==
{{Principal|Composição étnica do Brasil}}
[[Image:Igreja e Largo do Livramento - c. 1880.jpg|thumb|260px|[[Igreja de Nossa Senhora do Livramento dos Homens Pardos]] no [[Recife]] (c. 1880).]]
 
Uma característica da [[colonização portuguesa]] é que ela era dominantemente masculina. A [[Imigração portuguesa no Brasil|imigração portuguesa para o Brasil]] nos séculos XVI e XVII foi composta praticamente somente por homens. Dada essa ausência de mulheres brancas disponíveis ao matrimônio, mostrava-se inevitável que o colono português tomasse como amante uma mulher de origem africana ou indígena, fato que explica o grande número de pardos presente na população brasileira atual.<ref name=libertos>{{citar livro|título=Escravos e Libertos no Brasil Colonial|autor =A.J.R RUSSEL-WOOD|páginas=-&ndash;-|ano=2005|publicado=Civilização Brasileira}}</ref>
 
Em certas regiões do Brasil, houve o predomínio da miscigenação entre [[europeus]], [[africanos]] e [[índios]]; em outras regiões, predominou a miscigenação entre apenas os [[europa|europeus]] e os indígenas;<ref>{{link|pt|2=http://www.funai.gov.br/indios/conteudo.htm|3=Índios}}</ref> e, em outras regiões, houve o predomínio da miscigenação entre europeus e [[áfrica|africanos]], sendo essa última forma de miscigenação citada tida por muitos como sendo a que ocorreu com mais frequência.<ref>Sérgio D.J. Pena; Maria Cátira Bortolini. {{link|pt|2=http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142004000100004&script=sci_arttext&tlng=en#tab06|3=Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?}}</ref><ref>{{link|pt|2=http://www.icb.ufmg.br/lbem/aulas/grad/evol/humevol/templeton/brasilmix.html|3=Os frutos da miscigenação}}</ref>
 
Os pardos sempre estiveram presentes em todas as classes sociais brasileiras, inclusive entre a elite.<ref name="nação">Schwarcz, Lilia Moritz. História do Brasil Nação - 1808-2010. Volume I</ref> No final do século XIX, o francês [[conde de Gobineau]] observou que havia mulatos no Senado brasileiro e que o [[Barão de Cotegipe]], então ministro das Relações Exteriores, também era mulato e concluiu: "Eles estão em todos os escalões sociais".<ref>[https://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0807200112.htm A face visível da desigualdade]</ref> Karl von Martirius e Johann Baptist von Spix, que viveram no Brasil entre 1817 e 1820, afirmaram ser "difícil determinar o limite entre as pessoas de cor e os brancos legítimos", ou seja, "saber onde terminavam o caboclo e o mulato e começavam o branco". Quando vigorava a escravidão, a sociedade brasileira dividia-se entre uma camada livre e outra escrava, e o mulato, o cafuzo ou o mestiço indefinido funcionavam como "amortecedores do antagonismo" entre essas duas classes e, os que tinham a pele mais clara, eram tratados como brancos ou quase brancos. Mesmo entre os considerados "brancos", haveria considerável número de caboclos ou mulatos claros, haja vista que os colonizadores portugueses continentais tendiam a imigrar para o Brasil sozinhos, sem trazer esposas, e a miscigenação era a regra entre os brasileiros.<ref name="nação"/> Foram pardos importantes nomes da História brasileira, como [[Chica da Silva]], [[Aleijadinho]] e [[Machado de Assis]].
 
Os pardos podem ter os mais variados perfis fenótipos (aparência) e comportamentais. A rigor, o que caracteriza um pardo é, para alguns autores, simplesmente, sua miscigenação. Não há um senso de pertencimento étnico entre os integrantes deste segmento e, geralmente, os pardos se percebem mais como "brasileiros" do que como "mestiços",<ref>Sérgio D. J. Pena. {{link|pt|2=http://www.ciranda.net/spip/article1068.html|3=Para remover a palavra raça dos prontuários médicos no Brasil}}</ref> mas a existência de movimentos próprios organizados mostra que alguns integrantes deste segmento possuem senso de pertencimento a identidade étnica distinta.<ref>{{link|pt|2=http://nacaomestica.org/blog4/?p=2252|3=Identidade Nacional e Identidade Mestiça}}</ref>
 
===Estudos genéticos===
 
Estudos genéticos mostram que os pardos brasileiros têm ancestralidades europeia, africana e indígena. De acordo com um estudo genético de 2014, os brasileiros que se classificaram como pardos apresentaram 64,7% de ancestralidade europeia, 25,3% africana e 10% indígena. Por sua vez, os que disseram ser brancos tiveram 84,6% de ancestralidade europeia, 9,7% africana e 5,6% indígena e os negros 53,6% africana, 38,1% europeia e 8,3% indígena. De maneira geral, os brasileiros, sejam pardos, brancos ou negros, apresentam as três ancestralidades (europeia, africana e indígena), variando apenas o grau. Ademais, os pardos têm mais ancestralidade europeia do que africana ou indígena.<ref>[http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0112640 Exploring the Distribution of Genetic Markers of Pharmacogenomics Relevance in Brazilian and Mexican Populations]</ref><ref>[http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2011/02/877676-dna-de-negros-e-pardos-do-brasil-e-60-a-80-europeu.shtml DNA de negros e pardos do Brasil é 60% a 80% europeu]</ref>
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=== Legislação sobre multirracialidade ===
Nunca houve no Brasil leis que proibissem casamentos mistos, a miscigenação ou que instituíssem entre os brasileiros segregação racial institucionalizada. Também nunca foi implantada no Brasil a chamada ''[[One-drop rule|One-Drop Rule]]'' ("Regra de uma gota"), um tipo de regra que vigorava nos Estados Unidos até ser considerada inconstitucional pela [[Suprema Corte]], e que considerava todos os que tivessem "sangue preto" (ou seja, que tivessem um ascendente qualquer preto, por mais remoto que fosse) como pretos, sem que essas pessoas tivessem a possibilidade de se autoidentificarem ou não como pretos.