Demandas repetitivas: diferenças entre revisões

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'''“Demandas repetitivas”''', '''“demandas de massa”''' ou ainda '''“causas repetitivas”''' são termos jurídicos que correspondem a um conjunto significativo de ações judiciais cujo objeto e razão de ajuizamento são comuns entre si.
 
 
Surgem, na prática, a partir de lesões ou supostas lesões a direitos individuais ou coletivos que atingem uma quantidade considerável de pessoas de maneira idêntica, cujas demandas judiciais não podem ser tuteladas conjuntamente<ref>Cunha, 2010, p.142</ref> seja por razões legais ou pela preferência de cada um dos ofendidos judicialmente.
 
 
Ocorre, por exemplo, com ampla frequência em dissídios individuais homogêneos (diversas ações que visam à tutela de um mesmo direito individual supostamente desrespeitado) derivados de lesão aos direitos do [[consumidor]], assim como em diversas demandas decorrentes de descumprimento de [[contratos de adesão]] relativos a grandes instituições. Há incidência de demandas repetitivas até mesmo entre um particular e o governo, sobretudo nas hipóteses em que um procedimento administrativo não corresponde ao entendimento predominante das instâncias do [[Poder Judiciário]]. No Brasil, por exemplo, há uma constante discussão entre as medidas realizadas pelo INSS e as reformas realizadas pelo Judiciário.<ref>Site da uol</ref>
 
 
Em pesquisa realizada pela [[Pontifícia Universidade Católica do Paraná]] – PUC/PR, foi evidenciada uma concentração de feitos envolvendo o sistema de concessão e tomada de [[crédito]], tido como o maior responsável para o progressivo incremento de demandas judiciais de massa no Brasil.<ref>Conselho Nacional de Justiça; Departamento de Pesquisa Judiciária. 2011. Demandas repetitivas e a morosidade na justiça cível brasileira. p.10</ref> Já a pesquisa da [[Fundação Getúlio Vargas]] – FGV/SP, estudou algumas das demandas repetitivas mais comuns, como a [[desaposentação]], que no final de 2008 correspondia a 50% dos processos em tramitação de algumas varas federais de São Paulo, e os contratos bancários, em que o baixo custo e a grande taxa de sucesso das ações são um incentivo para o seu ajuizamento.<ref>Conselho Nacional de Justiça; Departamento de Pesquisa Judiciária. Demandas repetitivas e a morosidade na justiça cível brasileira. pp.6-7</ref>
 
 
Atualmente, as demandas repetitivas constituem uma relativa problemática para o sistema judicial brasileiro, devido a dois principais fatores.
 
 
O primeiro deles se refere ao modelo judicial adotado pelo Brasil, que privilegia, de um modo geral, as ações individuais. Ainda que no decorrer das reformas processuais tenha havido a elaboração de leis específicas para lidar com litígios de natureza coletiva, tais como as leis que disciplinaram a ação popular [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm (Lei 4.717/1965)], a ação civil pública [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm (Lei 7.347/1985)], o Código de Defesa do Consumidor [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm (Lei 8.078/1990)], além de diversos outros dispositivos presentes em outras normas, como a ação de improbidade [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm (Lei 8.429/1992)] e o mandado de segurança coletivo [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm (Lei 12.016/2009)], o regime que tutela os dissídios de natureza coletiva ainda não se encontra em seu formato ideal, pelo menos em comparação a ordenamentos jurídicos de outros países. Assim, o regime atual mostra-se insuficiente para resolver todos os problemas que permeiam as ações coletivas, sendo que muitos interesses de natureza coletiva são tratados de maneira individual, levando ao acúmulo de demandas repetitivas no Judiciário.<ref>Cunha, 2010, pp 141-142</ref>
 
 
O segundo fator é a inadequação do espírito [[individualista]] à nova realidade social, marcada pelo crescente aumento da procura do judiciário pela população, fato desencadeado tanto pela garantia de maior acesso ao judiciário e proteção jurídica conferida pela [[Constituição de 1988]] (também conhecida como “Constituição Cidadã”), quanto pela mudança no comportamento social em decorrência da [[atividade econômica]] contemporânea, associada ao termo “sociedade de consumo”,<ref>Ribeiro, 2010, pp.5-6</ref> cuja rapidez e multiplicidade de atos geram também uma maior multiplicação de lesão a direitos e, assim, a demandas judiciais. Pode-se afirmar, até certo ponto, que o [[Código de Processo Civil]] atual não consegue lidar eficientemente com o aumento da complexidade e da quantidade das [[Relação jurídica|relações jurídicas]] atuais.<ref>GAJARDONI, 2003, p.32</ref>
 
 
Do ponto de vista processual, tal acúmulo de demandas repetitivas gera alguns [[conflito]]s. O primeiro é de ordem organizacional, concernente ao fato de que a repetição de demandas ocasiona um dispêndio de recursos judiciais de maneira não eficiente, tal que processos muito similares são julgados de maneira independente uns dos outros, havendo muita repetição de procedimentos para se atingir o mesmo resultado. O segundo relaciona-se com a diferença nos resultados dessas ações e a consequente insegurança jurídica, pois que suas distribuições em diferentes varas podem ter por consequência uma diversidade de entendimento na apreciação do mérito dos pedidos, havendo, para uma mesma hipótese, possibilidade de procedência ou improcedência da ação de acordo com a motivação de cada julgador.<ref>Barros</ref>
 
 
Há inúmeras soluções apontadas para a resolução e/ou mitigação desses problemas, muitas delas fundamentadas em modelos aplicados no exterior, que se utilizam, principalmente, de mecanismos baseados em uma “causa piloto”, uma instauração de um incidente coletivo e da agregação ou reunião de causas.<ref>CUNHA, 2010, p. 151</ref>
 
 
O [[ordenamento jurídico]] brasileiro já vem privilegiando soluções que buscam racionalizar o tratamento de demandas repetitivas, dando especial destaque para o sistema recursal, mas ainda há muito a se avançar nesta temática. Neste sentido, o Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil prevê técnicas para a solução mais célere dessas demandas, encontrando tanto doutrinadores extremamente favoráveis a esses dispositivos<ref>Neto.</ref> quanto alguns bastante receosos no que diz respeito às consequências de longo prazo no tocante à segurança jurídica dos processos.<ref>Ribeiro, pp 17-22</ref>
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== Os mecanismos utilizados por ordenamentos jurídicos estrangeiros para lidar com as demandas repetitivas ==
 
A importância dos mecanismos aplicados por outros países na tentativa de impedir a proliferação desordenada de demandas repetitivas que comprometem a efetividade do sistema judicial está no fato do legislador pátrio ter buscado soluções para a falência do judiciário, sem se preocupar com sua origem, mas sempre tomando o cuidado de adaptar os modelos importados à realidade brasileira. Com isto em vista, apresentam-se dois exemplos de mecanismos utilizados no exterior que vieram a influenciar o legislador pátrio: o ''Musterverfahren'' do direito alemão e a agregação de causas do direito português.
 
=== O ''Musterverfahren'' do direito alemão ===
 
O ''Musterverfahren'' alemão tem como escopo estabelecer uma esfera de decisão coletiva sobre questões de fato ou de direito que sejam comuns a vários litígios individuais, objetivando esclarecer de forma unitária demandas similares.<ref>CABRAL, 2007, p. 132</ref><ref>{{citar livro|nome = Bruno|sobrenome = Dantas|título = Teoria Geral dos Recursos Repetitivos|ano = 2014|isbn = 978-85-203-5791-0}}</ref>
 
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=== A agregação de causas do direito português ===
 
A partir de 2006, o ordenamento jurídico português passou a contar com um regime processual experimental, aprovado pelo Decreto-Lei nº 108/2006, cuja finalidade seria testar e aperfeiçoar mecanismos de aceleração e simplificação processual. Tal regime teve e tem por objetivo instituir um tratamento especial aos litigantes de massa, com a previsão de decisões judiciais que abranjam, a um só tempo, vários processos.<ref>Cunha, 2010, p.153-154</ref>
 
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== O regime brasileiro referente às demandas repetitivas ==
 
No ordenamento jurídico brasileiro já existe um regime processual próprio para as causas repetitivas, embora ainda não tenha se mostrado suficiente para lidar eficazmente com o problema das demandas repetitivas no Brasil, motivo pelo qual novas reformas deverão se somar às previsões já existentes.
 
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=== Súmula vinculante ===
 
Tendo em vista a potencialidade de multiplicação de processos, a atual [[Constituição brasileira de 1988|Constituição da República Federativa do Brasil]] (CF/88) permite que o [[Supremo Tribunal Federal]] (STF), após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprove [[súmula]] que terá efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.<ref>[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Constituição Federal, art. 103-A]</ref> Tal dispositivo foi regulamentado pela [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11417.htm Lei 11.417], de 19/12/2006.
 
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=== Julgamento imediato de improcedência (art. 285-A do CPC) ===
 
O [[Código de Processo Civil]] (CPC) prevê o julgamento imediato pelo juízo quando a matéria for unicamente de direito e já houver sentença, em casos idênticos, de total improcedência.<ref>[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm Código de Processo Civil], art. 285-A</ref> Trata-se de uma regra de racionalização de julgamentos em demandas de massa.<ref>Cunha, 2010, p. 165</ref>
 
=== Incidente de uniformização de jurisprudência ===
 
O Código de Processo Civil também prevê a competência de qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, em solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando verificar que, a seu respeito, ocorre divergência, ou quando, no julgamento recorrido, a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras, ou câmaras cíveis reunidas.<ref>[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm Código de Processo Civil], art. 476</ref>
 
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=== Julgamento por amostragem dos recursos extraordinário e especial (arts. 543-B e 543-C do CPC) ===
 
Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da [[repercussão geral]] será processada nos termos do Regimento Interno do STF, observado o disposto no art. 543-B do [[Código de Processo Civil Brasileiro|CPC]]. Caberá ao tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao [[Supremo Tribunal Federal|STF]], sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.<ref>[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm Código de Processo Civil], art. 543-B</ref>
 
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=== Afetação de julgamento a órgão indicado pelo regimento interno (art. 555, §1º do CPC) ===
 
Existindo relevante questão de direito que torne conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, o relator poderá propor que o recurso seja julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar, reconhecendo o interesse público na assunção de competência.<ref>Código de processo civil, art. 555, § 1º</ref>
 
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=== Suspensão de segurança para várias liminares em casos repetitivos art. 4º, § 8º, da Lei 8.437/1992 e art. 15, §5º, da Lei 12.016/2009 ===
 
As [[liminar]]es que tenham objeto idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, havendo a possibilidade de o Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes com o simples aditamento do pedido original.<ref>[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8437.htm Lei 8.437/1992], art. 4º, §8º</ref> Por sua vez, o artigo 15, §5º, da Lei 12.016/2009 prevê a aplicação do mesmo procedimento aos pedidos de suspensão de liminares ou sentenças proferidas no processo de [[mandado de segurança]].<ref>Lei [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm 12.016/2009], art. 15, §5º</ref>
 
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=== Pedido de uniformização da interpretação da Lei federal no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Federais ===
 
Nos Juizados Especiais Cíveis Federais, que são responsáveis por “processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, bem como executar suas sentenças”,<ref>[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10259.htm Lei 10.259/2001], artigo 3º</ref> são freqüentes as demandas de massa. Assim, para atender ao regime processual das causas repetitivas, permite-se o ajuizamento de um pedido de uniformização da interpretação da lei federal.<ref>Cunha, 2010, p. 162</ref>
 
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== Tendências: o conteúdo do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil acerca das demandas repetitivas ==
 
Tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei que visa à criação do Novo Código de Processo Civil.<ref>{{Citar web |url=http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf |titulo=Projeto de Lei n. 8.046/2010 |acessodata=2013-05-23 |arquivourl=https://web.archive.org/web/20130903120445/http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf |arquivodata=2013-09-03 |urlmorta=yes }}</ref> Dentre as diversas alterações previstas, ressaltam-se aquelas pertinentes ao tema dos julgamentos de causas repetitivas.<ref>Marquezini, 2012, p. 151 - 156</ref>
 
=== Julgamento liminar do processo ===
 
O projeto do Novo Código de Processo Civil prescreve que o juiz poderá indeferir liminarmente o pedido quando este contrariar súmula do STF ou do STJ, quando contrariar acórdão proferido por estes mesmos Tribunais em procedimentos voltados a julgamentos de recursos repetitivos, e quando contrariar entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.<ref>Projeto de Novo Código Civil, art. 307</ref>
 
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=== Valorização da jurisprudência ===
 
No projeto do Novo Código de Processo Civil, é clara a preocupação em estabelecer o dever dos órgãos colegiados serem responsáveis pela consolidação dos entendimentos dos Tribunais, atribuindo aos relatores o poder de aplicar os entendimentos já consolidados. Também é notória a busca pela unificação da jurisprudência dos Tribunais em todo o país.<ref>Marquezini, 2012, p.152.</ref>
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=== O incidente de resolução de demandas repetitivas ===
 
Influência do direito alemão (''Musterverfahren'') , o “incidente de resolução de demandas repetitivas” tem previsão nos artigos 895 e seguintes do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.<ref>{{Citar web |url=http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf |titulo=Anteprojeto do novo código de processo civil |acessodata=2013-05-23 |arquivourl=https://web.archive.org/web/20130903120445/http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf |arquivodata=2013-09-03 |urlmorta=yes }}</ref>
 
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=== Junção das técnicas de coletivização dos julgados e de vinculação dos precedentes ===
 
Embora o projeto preveja o cabimento de reclamação contra decisão que deixa de aplicar tese fixada em incidente de resolução de casos repetitivos, não há previsão expressa da possibilidade de manejo deste instituto em relação aos casos futuros. No entanto, a análise sistemática leva ao entendimento de que os autores do projeto objetivaram estender os efeitos da decisão aos casos vindouros,<ref>Marquezini, 2012, p. 155.</ref> pois falam em demandas potencialmente repetitivas, empregando um tempo futuro.<ref>Projeto de Novo Código Civil, art. 895.</ref>
 
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== Outras propostas ==
 
Além das previsões já constantes do Projeto do Novo Código de Processo Civil, a pesquisa realizada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC/PR também traz algumas questões que devem ser implantadas na tentativa de redução da problemática trazida pelas demandas repetitivas e objetivando a redução da [[Morosidade da justiça|morosidade no Judiciário]].<ref name="Pesquisa_CNJ">Conselho Nacional de Justiça; Departamento de Pesquisa Judiciária. 2011. [http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/pesq_sintese_morosidade_dpj.pdf. Demandas repetitivas e a morosidade na justiça cível brasileira]{{Ligação inativa|1={{subst:DATA}} }}.</ref> Entre as soluções apresentadas, tanto pré-processuais como processuais, as quais deverão ser efetivadas por intermédio de políticas judiciárias e proposições legislativas, destaca-se a criação de unidades jurisdicionais especializadas, que facilitariam o processamento das demandas repetitivas devido à racionalização de processos e rotinas de trabalho, o que já vem sendo realizado em alguns estados, como o Rio Grande do Sul, que criou o Grupo de Trabalho para o processamento de feitos bancários.<ref name="Pesquisa_CNJ"/>