Plano Cohen: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Acréscimos
Linha 67:
 
== O Golpe de 1937 ==
{{AP|Golpe de 1937}}Na sequência do Golpe de 1930, a ditadura de Getúlio Vargas havia se sustentado principalmente nas Forças Armadas, que, sobretudo a partir da segunda metade dessa década, atuavam como fiadoras do governo em troca de um projeto de modernização e armamento.{{Sfn|McCann|2017|p=20-21}} O acordo era claro: Vargas armaria e equiparia os militares e construiria um complexo [[Siderurgia|siderúrgico]] nacional "em troca do apoio para estender sua presidência com poderes ditatoriais que eliminariam a política".{{Sfn|McCann|2017|p=21-22}} Em 1937 o seu governo estava chegando ao fim, pois eram aguardadas eleições presidenciais em janeiro de 1938, mas a ausência de um candidato que lhe agradasse era fonte de crescente preocupação e levou a muitas especulações em seu entorno.{{Sfn|Seitenfus|2000|p=84-85}}{{Sfn|McCann|2017|p=22}} Enquanto alguns temiam a eleição de um candidato situacionista que interferisse em seus interesses ou, pior ainda, de um candidato oposicionista, outros desejavam promover um projeto de poder bem definido, como no caso daqueles que eram próximos ao fascismo italiano.{{Sfn|Seitenfus|2000|p=86}}

[[Ficheiro:Getúlio Vargas 1930.jpg|miniaturadaimagem|esquerda|160x160px|[[Getúlio Vargas]] e demais líderes do [[Revolução de 1930|Golpe de 1930]].|esquerda]]
Juntamente com [[Benedito Valadares]] e o general [[Eurico Gaspar Dutra]], seu [[Ministério da Guerra (Brasil)|ministro da Guerra]], Vargas concluiu que não seria possível encontrar um novo candidato situacionista, estender juridicamente o seu mandato ou conseguir uma prorrogação de seu mandato aprovada pelo Congresso.{{Sfn|McCann|2017|p=22}} Nesse contexto, o [[Golpe de 1937]] foi lentamente arquitetado por Vargas e aqueles que o cercavam; mas, se durante o Golpe de 1930 o [[caudilho]] gaúcho havia mostrado hesitação em diversos momentos,{{Sfn|McCann|2017|p=22}} desta vez uma ação decisiva seria necessária.{{Sfn|Seitenfus|2000|p=84-85}}
 
Em 18 de setembro de 1937 Vargas contatou o general Dutra, a fim de lhe propor um golpe de Estado.{{Sfn|McCann|2017|p=22}}{{Sfn|Seitenfus|2000|p=86}} Dutra havia participado de uma tentativa de golpe no início de sua carreira militar, durante a [[Revolta da Vacina]],{{Sfn|Mourelle|2020}} e nessa época era homem de confiança do general Góis Monteiro, a quem, por sua indicação, substituíra como ministro.{{Sfn|Martins|2012|p=139}}{{Sfn|Pandolfi|2004|p=186}} O presidente reclamou que o Congresso era inútil e se opunha às suas iniciativas, e disse que a única solução era mudar o "regime" e reformar a constituição.{{Sfn|McCann|2017|p=22}} Vargas recebeu o apoio das Forças Armadas para que articulasse um golpe,{{Sfn|McCann|2017|p=22}}{{Sfn|Seitenfus|2000|p=86}} e também enviou emissários a Plínio Salgado, a quem foi prometido um ministério e que, em troca de apoio no golpe, os integralistas teriam um lugar de destaque no "novo Brasil" que seria inaugurado.{{Sfn|McCann|2017|p=22-23}} Contudo, logo de início ficou claro para os envolvidos que era preciso encontrar um pretexto para que o golpe de Estado parecesse uma questão de necessidade nacional, e não de vontade pessoal.{{Sfn|Seitenfus|2000|p=87}} Era preciso um clima de calamidade que permitisse ao caudilho apresentar-se como o salvador da pátria, como o líder que, confrontado com ameaças à paz no país, tomaria medidas de exceção para defendê-lo.{{Sfn|Seitenfus|2000|p=87}}{{Sfn|Martins|2012|p=139-141}}
 
Embora qualquer ameaça que a esquerda brasileira pudesse oferecer houvesse desaparecido,{{Sfn|Martins|2012|p=140}} isto é, depois do rápido fracasso da Intentona Comunista de 1935 praticamente inexistia no país um movimento comunista organizado, o medo de uma ameaça contínua à segurança interna vinha sendo explorado como um importante trunfo político.{{Sfn|Brandi|2001}} Por conta dele o Congresso Nacional havia declarado um [[Estado de exceção|''estado de guerra'']], que vinha sendo invariavelmente renovado desde abril do ano anterior e permitia a Vargas governar por decreto, isto é, sem passar pelo controle democrático do [[Poder Legislativo]].{{Sfn|Seitenfus|2000|p=87}} Contudo, em junho de 1937 formou-se no Congresso uma maioria contrária à renovação do estado de guerra, e isso trouxe um obstáculo ao projeto golpista de Vargas.{{Sfn|Seitenfus|2000|p=87}} A cúpula do governo passou então a arquitetar a fase seguinte de seu plano, que consistiria em "revelar" novos fatos que prejudicassem a ordem pública e introduzissem um clima de insegurança e instabilidade política.{{Sfn|Seitenfus|2000|p=86-87}} Assim, surgiu a ideia da fabricação do Plano Cohen.{{Sfn|Seitenfus|2000|p=87}}

[[Ficheiro:Eurico Gaspar Dutra.jpg|miniaturadaimagem|240x240px|O general [[Eurico Gaspar Dutra]] foi um dos arquitetos da conspiração envolvendo o Plano Cohen.]]
No final de setembro de 1937, Góis Monteiro informou a existência do Plano ao ministro da Marinha, almirante [[Henrique Aristides Guilhem]]; ao general Dutra; ao chefe da [[Casa Militar (Brasil)|Casa Militar]], o general [[Francisco José Pinto|Francisco José Pinto]]; e ao chefe de polícia do Distrito Federal, [[Filinto Müller]].{{Sfn|Martins|2012|p=141}} Na manhã de 27, Dutra convocou uma reunião de emergência em seu gabinete, à qual foram chamados os generais Góis Monteiro, [[Almério de Moura]], [[José Antônio Coelho Neto|José Antônio Coelho Neto]] e [[Newton de Andrade Cavalcanti]], e Filinto Müller.{{Sfn|McCann|2017|p=23}} O general Góis Monteiro lhes entregou cópias do Plano Cohen,{{Sfn|McCann|2017|p=23}} que foi atribuído à [[Internacional Comunista]] e apresentado como se tivesse sido apreendido pelas Forças Armadas.{{Sfn|Dantas|2014|p=136}} O general Dutra emprestou credibilidade ao documento e defendeu firmemente a existência de uma ameaça comunista e a necessidade de combatê-la com veemência, mesmo que isso implicasse desrespeitar a lei:{{Sfn|Pandolfi|2004|p=185}} <blockquote>
 
<blockquote>Não é fantasia do governo; os documentos de origem comunista são copiosos e precisos. [...] As nossas leis, como se acaba de ver, são ineficazes, inócuas. Só têm servido para pôr em liberdade aqueles que a polícia apanhou em flagrante delinquência. Impõe-se, contra a ação nefasta iminente [comunismo], a ação honesta e salvadora das instituições nacionais.{{Sfn|Pandolfi|2004|p=185}}{{Sfn|McCann|2017|p=24}}</blockquote>
 
Não é fantasia do governo; os documentos de origem comunista são copiosos e precisos. [...] As nossas leis, como se acaba de ver, são ineficazes, inócuas. Só têm servido para pôr em liberdade aqueles que a polícia apanhou em flagrante delinquência. Impõe-se, contra a ação nefasta iminente [comunismo], a ação honesta e salvadora das instituições nacionais.{{Sfn|Pandolfi|2004|p=185}}{{Sfn|McCann|2017|p=24}}</blockquote>Por seu lado, o general Góis Monteiro ressaltou que os "planos comunistas" exigiam um "movimento militar que equivalia a um golpe de Estado", mas que isso deveria ser "um segredo de generais", isto é, deveria ser mantido em sigilo da população brasileira.{{Sfn|McCann|2017|p=24}} Müller concordou com o golpe, mas insistiu que as Forças Armadas não participassem diretamente do novo governo, a quem deveria ser dada carta branca para realizar prisões sumárias, sem direito de defesa, e estabelecer [[campo de concentração|campos de concentração]] para [[trabalho forçado]].{{Sfn|McCann|2017|p=24}} O general Cavalcanti declarou que Góis Monteiro e Dutra deveriam "comandar a operação, ao lado do presidente, para assegurar a ele, por meio da força, os poderes de exceção" que a situação exigia: a decretação de um novo ''estado de guerra'' e de um regime de [[lei marcial]].{{Sfn|McCann|2017|p=24}} Dutra ajuntou que esses planos exigiriam envolver todas as forças armadas do país, e principalmente as forças aéreas,{{Sfn|McCann|2017|p=24}} e, por fim, junto com Cavalcanti, resumiu o suposto sentimento na sala: "só queremos trabalhar pelo Exército e pela salvação da Pátria".{{Sfn|McCann|2017|p=24}}
No final de setembro de 1937, Góis Monteiro informou a existência do Plano ao ministro da Marinha, almirante [[Henrique Aristides Guilhem]]; ao general Dutra; ao chefe da [[Casa Militar (Brasil)|Casa Militar]], o general [[Francisco José Pinto|Francisco José Pinto]]; e ao chefe de polícia do Distrito Federal, [[Filinto Müller]].{{Sfn|Martins|2012|p=141}} Na manhã de 27, Dutra convocou uma reunião de emergência em seu gabinete, à qual foram chamados os generais Góis Monteiro, [[Almério de Moura]], [[José Antônio Coelho Neto|José Antônio Coelho Neto]] e [[Newton de Andrade Cavalcanti]], e Filinto Müller.{{Sfn|McCann|2017|p=23}} O general Góis Monteiro lhes entregou cópias do Plano Cohen,{{Sfn|McCann|2017|p=23}} que foi atribuído à [[Internacional Comunista]] e apresentado como se tivesse sido apreendido pelas Forças Armadas.{{Sfn|Dantas|2014|p=136}} O general Dutra emprestou credibilidade ao documento e defendeu firmemente a existência de uma ameaça comunista e a necessidade de combatê-la com veemência, mesmo que isso implicasse desrespeitar a lei:{{Sfn|Pandolfi|2004|p=185}} <blockquote>
Não é fantasia do governo; os documentos de origem comunista são copiosos e precisos. [...] As nossas leis, como se acaba de ver, são ineficazes, inócuas. Só têm servido para pôr em liberdade aqueles que a polícia apanhou em flagrante delinquência. Impõe-se, contra a ação nefasta iminente [comunismo], a ação honesta e salvadora das instituições nacionais.{{Sfn|Pandolfi|2004|p=185}}{{Sfn|McCann|2017|p=24}}</blockquote>Por seu lado, o general Góis Monteiro ressaltou que os "planos comunistas" exigiam um "movimento militar que equivalia a um golpe de Estado", mas que isso deveria ser "um segredo de generais", isto é, deveria ser mantido em sigilo da população brasileira.{{Sfn|McCann|2017|p=24}} Müller concordou com o golpe, mas insistiu que as Forças Armadas não participassem diretamente do novo governo, a quem deveria ser dada carta branca para realizar prisões sumárias, sem direito de defesa, e estabelecer [[campo de concentração|campos de concentração]] para [[trabalho forçado]].{{Sfn|McCann|2017|p=24}} O general Cavalcanti declarou que Góis Monteiro e Dutra deveriam "comandar a operação, ao lado do presidente, para assegurar a ele, por meio da força, os poderes de exceção" que a situação exigia: a decretação de um novo ''estado de guerra'' e de um regime de [[lei marcial]].{{Sfn|McCann|2017|p=24}} Dutra ajuntou que esses planos exigiriam envolver todas as forças armadas do país, e principalmente as forças aéreas,{{Sfn|McCann|2017|p=24}} e, por fim, junto com Cavalcanti, resumiu o suposto sentimento na sala: "só queremos trabalhar pelo Exército e pela salvação da Pátria".{{Sfn|McCann|2017|p=24}}
 
No dia seguinte, Dutra e o almirante Guilhem, ministro da Marinha, conversaram com Vargas e lhe prometeram que providenciariam um motivo que convenceria o Congresso a aprovar um novo ''estado de guerra''.{{Sfn|McCann|2017|p=25}} Horas depois, Dutra confessou a seus colegas generais que essa seria a maneira mais fácil de conseguir uma "base jurídica" para prender deputados e outras medidas necessárias ao golpe.{{Sfn|McCann|2017|p=25}}