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'''Marie de Gournay Le Jars''' ([[Paris]], [[6 de outubro]] de [[1565]] - [[13 de julho]] de [[1645]]) foi uma [[filósofa]] e [[escritora francesa]], nascida em [[Paris]], vinda de uma família de modestos fidalgos. Ela foi [[autodidata]], aprendeu grego e latim comparando diferentes versões de textos clássicos. Seus textos tratam da luta pela igualdade entre homens e mulheres, tornando-a uma das primeiras filósofas à tratar do tema.
 
Uma amiga próxima e editora da [[Michel de Montaigne|Montaigne]], Marie de Gournay Le Jars é mais conhecida por seus ensaios protofeministas em defesa da [[Igualdade de género|igualdade entre os sexos]]. Seu estilo de vida incomum como uma mulher solteira tentando ganhar a vida escrevendo combinava com seu argumento [[Teoria|teórico]] sobre o direito de igualdade de acesso de [[Mulher|mulheres]] e [[Homem|homens]] à [[educação]] e cargos públicos. O extenso [[Corpus linguístico|corpus literário]] de Gournay aborda uma ampla variedade de questões [[Filosofia|filosóficas]]. Seus tratados de [[literatura]] defendem o valor estético e [[Epistemologia|epistemológico]] da [[metáfora]] no discurso [[Poesia|poético]]. Seus trabalhos em [[Ética|filosofia moral]] analisam as [[Virtude|virtudes]] e [[Vício|vícios]] do [[cortesão]], com particular atenção para o [[mal]] da [[calúnia]]. Seus escritos educacionais enfatizam a formação na virtude moral de acordo com a tradição [[Renascimento|renascentista]] da educação do [[O Príncipe|príncipe]]. Sua crítica social ataca a [[corrupção]] na [[Corte-Real|corte]], no [[clero]] e na [[aristocracia]] da época. Em seus escritos sobre gênero, Gournay usa fontes clássicas, bíblicas e eclesiásticas para demonstrar a [[Igualdade de género|igualdade entre os sexos]] e promover os [[Direitos da mulher|direitos das mulheres]] na [[escola]] e no [[Meio ambiente do trabalho|local de trabalho]].
==Origem e carreira==
 
== Biografia ==
Nascida em [[6 de outubro]] de [[1565]], Marie de Gournay Le Jars pertencia a uma pequena família [[Aristocracia|aristocrática]]. Seu pai, [[Guillaume Le Jars]], vinha de uma família [[Nobreza|nobre]] da região de [[Sancerre]]; sua mãe [[Jeanne de Hacqueville]] descendia de uma família de [[Jurista|juristas]]. Seu avô materno e tio paterno se destacaram como [[Escritor|escritores]]. Após seu nascimento, seu pai comprou a propriedade de [[Gournay-sur-Aronde]]; o nome da família agora incluía “de Gournay”. Após a morte de seu pai em [[1578]], Marie de Gournay Le Jars se aposentou com sua mãe e irmãos para o castelo de [[Gournay]]. Leitora ávida, ela se deu uma educação própria, centrada nos clássicos e na [[literatura francesa]]. No final da adolescência, ela havia se tornado fluente em [[latim]], aprendido pelo menos um pouco de [[Língua grega|grego]] e se tornado uma devota de [[Pierre de Ronsard|Ronsard]] e dos poetas [[La Pléiade|Pléaide]]. Filosoficamente, ela leu [[Plutarco]] e outros autores [[Estoicismo|estóicos]]. Depois de descobrir os [[Ensaios]] de [[Michel de Montaigne|Montaigne]], ela se tornou sua discípula entusiástica, com interesse especial nas vertentes mais [[Estoicismo|estóicas]] de seu pensamento.<ref>{{citar web |ultimo=J. Conley |primeiro=John |url=https://iep.utm.edu/gournay/ |titulo=Marie Le Jars de Gournay (1565—1645) |data=08/02/2021 |acessodata=08/02/2021 |publicado=https://iep.utm.edu/}}</ref>
 
Em [[1588]], Gournay encontrou-se pessoalmente com [[Michel de Montaigne|Montaigne]] o encontro estabeleceria uma [[amizade]] para toda a vida. Pouco depois desse encontro, Gournay escreveu sua novela The Promenade of Monsieur de [[Michel de Montaigne|Montaigne]], Concerning Love in the Work of Plutarch. À medida que a correspondência e as reuniões subsequentes aprofundavam sua associação, [[Michel de Montaigne|Montaigne]] se referia a Gournay como sua ''“filha adotiva”'' e cada vez mais compartilhava suas preocupações intelectuais com ela. Após a morte de sua mãe em [[1591]], Gournay se viu em uma situação financeira difícil. Em [[1593]], a viúva do recém-falecido [[Michel de Montaigne|Montaigne]] pediu a Gournay que editasse uma edição póstuma das obras de [[Michel de Montaigne|Montaigne]]. Depois de trabalhar por mais de um ano na propriedade de [[Michel de Montaigne|Montaigne]] na região de [[Bordéus|Bordeaux]], Gournay produziu a nova edição das obras, completada por um longo prefácio de sua própria composição, em [[1595]]. Mais tarde, Gournay produziria inúmeras edições novas e ampliadas de as obras de [[Michel de Montaigne|Montaigne]].<ref>{{citar web |ultimo=J. Conley |primeiro=John |url=https://iep.utm.edu/gournay/ |titulo=Marie Le Jars de Gournay (1565—1645) |data=08/02/2021 |acessodata=08/02/2021 |publicado=https://iep.utm.edu/}}</ref>
 
Durante as décadas seguintes, Gournay levou uma existência precária nos salões e tribunais de [[Paris]]. Como uma mulher solteira tentando ganhar a vida escrevendo, traduzindo e editando, ela se tornou objeto de [[zombaria]] e também de fascínio no círculo literário da capital. Suas traduções do [[latim]], especialmente de [[Virgílio]], ganharam a reputação de [[Erudição|erudita]] clássica. Frequentemente inspirados nos ensaios de [[Michel de Montaigne|Montaigne]], seus tratados tomaram partido nas controvérsias da época. Ela elogiou a poesia mais antiga da [[La Pléiade|Pléiade]] e condenou a [[poesia]] mais nova, mais [[Neoclassicismo|neoclássica]]. Ela defendeu a centralidade do [[Livre-arbítrio|livre arbítrio]] contra os [[agostinianos]] que enfatizavam a [[predestinação]]. Ela defendeu um modelo [[Humanismo|humanístico]] de [[educação]], com ênfase no domínio das línguas clássicas, contra modelos mais científicos. Seu trabalho como polêmica atingiu o apogeu em [[1610]], quando ela defendeu os impopulares [[Companhia de Jesus|jesuítas]], a quem muitos panfletistas franceses culparam pelo assassinato do rei [[Henrique IV de França|Henrique IV]] por um [[Fanatismo religioso|fanático religioso]] no mesmo ano.<ref>{{citar web |ultimo=J. Conley |primeiro=John |url=https://iep.utm.edu/gournay/ |titulo=Marie Le Jars de Gournay (1565—1645) |data=08/02/2021 |acessodata=08/02/2021 |publicado=https://iep.utm.edu/}}</ref>
 
Apesar de sua reputação controversa, Gournay tornou-se influente nos círculos judiciais. Ela assumiu atribuições de redação para a [[Margarida de Valois|rainha Margot]], [[Maria de Médici]] e [[Luís XIII de França|Luís XIII]]. Em reconhecimento de sua habilidade literária, o [[Cardeal de Richelieu|Cardeal Richelieu]] concedeu-lhe uma [[pensão]] do [[Estado]] em [[1634]]. Durante o mesmo período, ela ajudou na organização da nascente [[Academia Francesa|Académie Française]]. Católica comprometida e simpatizante do parti dévot antiprotestante, ela ainda mantinha ligações estreitas com membros mais libertinos dos salões parisienses, como [[Gabriel Naudé]] e [[:en:François_de_La_Mothe_Le_Vayer|François de La Mothe Le Vayer]]. Ela manteve correspondência com outras acadêmicas europeias, notadamente [[Anna Maria van Schurman]] e [[:en:Bathsua_Makin|Bathsua Reginald Makin]]. Tendo experimentado o opróbrio como uma mulher de carreira devotada à escrita profissional, Gournay usou seus escritos para criticar a [[misoginia]] da sociedade literária parisiense. Seus tratados [[Igualdade entre homens e mulheres]] ([[1622]]) e [[Queixas de mulheres]] ([[1626]]) defendiam a [[Igualdade de género|igualdade entre os sexos]] e defendiam a igualdade de acesso de ambos os sexos à educação e aos cargos públicos. Em [[1626]], ela publicou uma coleção de seus escritos anteriores. Um sucesso financeiro e crítico, esta coleção de seus escritos foi posteriormente expandida e reimpressa por Gournay em [[1634]] e [[1641]]. Ela morreu em [[13 de julho]] de [[1645]].<ref>{{citar web |ultimo=J. Conley |primeiro=John |url=https://iep.utm.edu/gournay/ |titulo=Marie Le Jars de Gournay (1565—1645) |data=08/02/2021 |acessodata=08/02/2021 |publicado=https://iep.utm.edu/}}</ref>
 
== Trabalhos ==
As obras de Marie de Gournay Le Jars abrangem uma variedade de [[Gênero literário|gêneros literários]]. Como tradutora, ela publicou versões em francês de [[Cícero]], [[Ovídio]], [[Tácito]], [[Salústio|Salusto]] e [[Virgílio]]. Sua tradução em vários volumes da [[Eneida]] foi a mais célebre de suas traduções dos clássicos latinos. Como romancista, ela escreveu The Promenade of Monsieur de Montaigne, Concerning Love in the Work of Plutarco. Escrito em [[1588]], este trabalho inicial já levanta as preocupações protofeministas de Gournay sobre as dificuldades vividas por [[Mulher|mulheres]] que tentam ser as colegas [[Intelectual|intelectuais]] dos homens. Sua poesia, modelada a partir do verso ultrapassado de [[Pierre de Ronsard|Ronsard]], teve menos sucesso.
 
Suas sucessivas edições das obras de [[Michel de Montaigne|Montaigne]], publicadas pela primeira vez em [[1595]], aumentaram a reputação de [[Michel de Montaigne|Montaigne]] entre a elite [[Literatura|literária]] e [[Filosofia|filosófica]] da [[Europa]]. Seu [[prefácio]] repetidamente revisado para essas edições constituiu uma apologia para o valor [[Filosofia|filosófico]] e [[erudição]] dos ensaios de [[Michel de Montaigne|Montaigne]]. Como uma formidável [[Ensaio (literatura)|ensaísta]], Gournay se concentrou em várias questões: a [[Natureza humana|natureza]] da [[literatura]]; [[educação]] do príncipe; a [[Natureza humana|natureza]] da [[virtude]] e do [[vício]]; os defeitos morais da [[Sociedade|sociedade contemporânea]]. Especialmente controversos foram seus tratados em defesa da [[Igualdade de género|igualdade entre os sexos]] e o direito das mulheres de buscar uma educação [[Humanismo|humanística]]. Igualdade entre homens e mulheres, queixas de mulheres e desculpas para as mulheres que escrevem são ilustrativos desse gênero.
 
Em [[1634]], Gournay publicou uma coleção de seus escritos existentes, chamada A Sombra da Damoiselle de Gournay. Nos anos seguintes, ela revisou e expandiu esta edição de suas obras. Batizada de As Ofertas ou Presentes de Demoiselle de Gournay, a última coleção de suas obras foi publicada em [[1641]]. Esta edição de suas obras tem mais de mil páginas [[Impressão|impressas]].
 
=== Temas Filosóficos ===
Os tratados de Gournay estudam inúmeras questões [[Filosofia|filosóficas]]. Seus trabalhos sobre [[Teoria da literatura|teoria literária]] defendem o [[Valor (ética)|valor]] do discurso figurativo, especialmente a [[metáfora]], para comunicar verdades [[Metafísica|metafísicas]] complexas. Sua teoria moral reflete a [[ética]] do [[cortesão]] da [[Renascimento|Renascença]]. A honra pessoal é a virtude preeminente, e a [[calúnia]] o [[vício]] principal. Seu trabalho pioneiro sobre [[Género|gênero]] insiste na [[Igualdade de género|igualdade dos sexos]] e no [[preconceito]] malicioso que tem impedido as [[Mulher|mulheres]] de oportunidades [[Educação|educacionais]] e de [[Trabalho (economia)|trabalho]]. Especialmente ousada é sua [[crítica social]]. Numerosos ensaios condenam as [[Instituição|instituições]] políticas e religiosas da [[França]] contemporânea por seus defeitos morais.
 
== Linguagem, literatura, estética ==
Uma prolífica [[Poeta|poetisa]] e [[Tradução|tradutora]], Gournay dedica vários tratados a questões de [[linguagem]] e [[literatura]]. Contra o [[purismo]] [[Neoclassicismo|neoclássico]] de certos [[Crítica literária|críticos literários]] da época, Gournay defende o [[Valor (ética)|valor]] do [[neologismo]] e do discurso figurativo. Em particular, ela defende o [[Valor (ética)|valor]] [[Estética|estético]] e [[Epistemologia|epistemológico]] da [[metáfora]] no discurso poético. A [[metáfora]] não agrada apenas aos sentidos do leitor; comunica certas verdades sobre Deus, a natureza e a alma humana que não podem ser expressas por meio de uma retórica mais concisa e abstrata. Defense of Poetry fornece sua análise mais extensa de inovação e comparação na expressão poética da verdade. Contra os críticos contemporâneos que tentam purificar a língua francesa através do aumento da ênfase nas regras da gramática e da retórica, Gournay argumenta que o discurso poético é inventivo por natureza. O uso de neologismos, analogias elaboradas e sinônimos coloridos constitui o ofício do poeta. “Cada artesão pratica seu ofício de acordo com o julgamento de sua mente. Somos artesãos em nossa própria língua. Em outras palavras, não devemos apenas trabalhar de acordo com o que recebemos e aprendemos; estamos ainda mais inclinados a moldá-lo, enriquecê-lo e construí-lo, a fim de adicionar riquezas a riquezas, belezas a belezas ”. Inovação vibrante, mais do que imitação, é o dever do poeta ao criar seu discurso.
 
A retórica ricamente figurada defendida por Gournay contrasta com o discurso purificado e contido promovido pelo influente establishment literário neoclássico. A tentativa de purificar a linguagem de metáforas complexas leva apenas a um discurso viciado produzido por gramáticos, e não por poetas. “Também devemos rir do que acontece com esses estudiosos excessivamente refinados quando eles identificam alguma frase metafórica que apresenta excelência em sua construção, brilho ou poder requintado. Não apenas deixam de notar sua beleza ou valor; eles o denunciam e pregam que a contenção é mais preferível ”. O discurso pedante encorajado por tais críticas à metáfora rapidamente entorpece o leitor por sua aridez e falta de variação.
 
Não apenas a palavra despojada de metáfora pode entediar o leitor; falha em comunicar as verdades complexas que a poesia está destinada a expressar. A linguagem abstrata e purificada do estudioso é incapaz de expressar a crescente vida emocional e espiritual da pessoa humana. “[Essa abordagem purista] não pode perfurar até o osso, como é necessário para a imaginação se expressar adequadamente. Isso deve ser feito por um ataque vigoroso e poderoso…. A principal preocupação [dos puristas] é fugir não apenas das frequentes metáforas e provérbios que usamos anteriormente, mas também abandonar empréstimos de línguas estrangeiras, novos estilos expressivos de fala e a maior parte da dicção viva e expressões populares - todos aqueles dispositivos que em todos os lugares reforce uma cláusula, tornando-a mais marcante, especialmente na poesia. ” A nova poesia pedante tende para o decorativo; a poesia autêntica, rica em seus recursos figurativos e retórica colorida, é a única capaz de expressar a vida que a grande poesia personifica. “Que outros procurem leite e mel, se é isso que eles querem. Procuramos o que se chama espírito e vida. Eu chamo isso de 'vida' com um bom motivo, uma vez que toda fala que carece deste raio celestial em sua composição - este raio de destreza poderosa, flexibilidade, agilidade, capacidade de voar - está morta. ”
 
Gournay invoca o filósofo Sêneca para apoiar sua tese de que a expressão poética autêntica da vida necessariamente emprega um discurso vívido e figurado. A grande poesia frequentemente desfruta do ar místico da revelação religiosa. “Sêneca, um filósofo, um grave estoico, nos ensina que a alma escapa de si mesma e voa para fora da humanidade para dar à luz algo elevado e extático muito acima de seus pares e acima da própria humanidade.” As restrições baseadas em regras do estabelecimento neoclássico, que se concentra na superfície ao invés da substância do discurso, ameaçam destruir a visão religiosa que é a fonte da inspiração poética. “A verdadeira poesia é um furor apolíneo. Eles [os críticos neoclássicos] querem que sejamos seus discípulos depois de termos sido os de Apolo? Em vez disso, eles querem que sejamos seus alunos, já que eles criam leis para nós a fim de que possamos criar outros? ” Para Gournay, sua batalha contra a estética neoclássica emergente na França não é uma simples questão de gosto nem de nostalgia pelo lirismo bordado da Pléiade; é um combate por uma poesia que pode expressar a riqueza da experiência de vida por meio do arsenal verbal de sinônimos, analogias e símiles. Apenas no discurso metafórico o autor pode expressar a complexidade da peregrinação da alma, bem como tocar os sentidos e a imaginação do leitor em potencial.
 
==Origem e carreira ==
 
Marie nasceu em 1565, em Paris<ref>Anne R. Larsen & Colette H. Winn (2000). Writings by Pre-revolutionary French Women. Psychology Press. p. 237. ISBN 9780815331902</ref>. Ela estudou grego e latim, a partir de textos clássicos. Após a morte de seu pai, em [[1577]], ela morou em uma aldeia no norte de Paris, na Picardia, chamada Gournay-sur-Aronde, terras que seu pai adquiriu durante a vida. Seus estudos a levaram a conhecer [[Michel de Montaigne]], em [[1588]], em Paris. Passaram um tempo juntos em Gournay e depois se comunicaram por cartas<ref>''Vie de la demoiselle de Gournay'', à la suite de ''Advis''. Paris: Jean du Bray, 1641, p. 992</ref>.