Frente Negra Brasileira: diferenças entre revisões
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De início funcionando precariamente em um escritório no Palacete Santa Helena, em vista do rápido crescimento no número de associados a sede foi transferida para um grande casarão na Rua Liberdade, possibilitando a expansão das suas atividades. Contava com espaços administrativos, salas para reuniões, biblioteca, um salão de beleza, barbeiro, bar, local para jogos, um salão de festas, um grupo teatral, um grupo musical, gabinete dentário, uma caixa beneficente, um posto de alistamento eleitoral, espaços para cursos profissionalizantes e uma escola.<ref name="Domingues"/><ref name="Campbell"/>
Seu primeiro presidente foi Arlindo Veiga dos Santos, que exonerou-se em 1934, sendo sucedido por Justiniano Costa. A administração era rigidamente hierarquizada e centralizada em torno da Presidência, da Secretaria e do Grande Conselho.<ref name="Domingues"/><ref name="Malatian"/> A grande maioria dos seus membros vinha das classes baixas, enquanto os cargos na administração geralmente eram entregues a membros da elite negra, que dispunham de um preparo intelectual mais sólido e uma situação econômica relativamente confortável. Foi estruturada em diversos departamentos: Jurídico-Social, Médico, Imprensa, Propaganda, Dramático, Musical, Artes e Ofícios, Esportivo e Instrução, e lançou um jornal próprio, ''A Voz da Raça''
===Programa===
[[File:A Voz da Raça, edição 01, 1933.jpg|thumb|Capa da primeira edição do jornal ''A Voz da Raça'']]
Tinha entre seus objetivos lutar pelos direitos sociais e políticos dos negros, buscar sua elevação moral, intelectual, artística, técnica, profissional e física, e dar assistência social, jurídica, econômica e trabalhista.<ref name="Malatian">Malatian, Teresa. [https://www.snh2017.anpuh.org/resources/anais/54/1502054947_ARQUIVO_MALATIAN_ANPUH2017.pdf "Memória e contra-memória da Frente Negra Brasileira"]. In: ''XXIX Simpósio Nacional de História da ANPUH''. Brasília, 2017</ref><ref name="Campbell"/> Seus estatutos previam a eventual participação no processo político institucional como grupo organizado, com o objetivo de habilitar membros a concorrerem a cargos eletivos.<ref name="Malatian"/> Além de manter um programa de debates semanais sobre temas cívicos e políticos, a FNB tinha entre suas prioridades a educação, desenvolvendo uma postura crítica em relação à falta de diretrizes públicas educacionais para a população negra.<ref name="Domingues"/><ref name="Campbell"/> Surgindo em um momento de tumulto político e social, em que [[Getúlio Vargas]] subira ao poder através de uma revolução com um programa construção de um Estado forte, nacionalista, populista e autoritário, a Frente — que apoiava Getúlio, assim como a maioria dos negros do país<ref name="Campbell"/> — tendeu também a defender um projeto nacionalista, de viés autoritário e contrário à [[democracia]],<ref name="Domingues"/> aproximando-se do [[patrianovismo]], do [[integralismo]], do [[fascismo]] e do [[nazismo]], mas essas correntes não era uma unanimidade dentro da organização, sendo com efeito uma frente ideológica ampla e heterogênea, havendo muitos membros partidários da esquerda, o que mais tarde produziria disputas e uma cisão interna.<ref name="Malatian"/><ref name="Desafios"/><ref name="Matheus"/> Também havia a penetração de uma significativa influência católica.<ref name="Malatian"/> A Frente ainda criticava o projeto imigrantista desenvolvido pelo governo desde o século XIX, acusando os imigrantes de roubarem o trabalho dos negros, e tendia a rechaçar as tendências de esquerda porque via o [[capitalismo]] como um dos instrumentos para a ascensão social e econômica do negro.<ref name="Matheus"/>
Para algumas das principais lideranças da frente, em particular Arlindo Veiga dos Santos, a "elevação" e integração do negro na sociedade em pé de igualdade com os brancos passavam primeiro pela sua educação e modernização e pelo cumprimento de seus deveres cívicos, articulando um projeto não apenas antirracista, mas acima de tudo civilizatório,<ref name="Estramanho"/> onde não estavam ausentes traços das teorias [[eugenia|eugênicas]] de aperfeiçoamento racial, muito populares na época.<ref name="Gente"/> Os meios autoritários e disciplinatórios imaginados pelas lideranças para alcançar esses objetivos eram prática comum e marcante em todas as correntes políticas de então, mas ainda é obscuro até que ponto essa ideologia era abraçada pela massa dos associados ou se era apenas produto dos dirigentes. Segundo Rodrigo de Almeida, "a doutrina de Veiga e dos estatutos da FNB são assim, de algum modo, condicionados pela doutrina maior dos anos 1930, que é o autoritarismo como instrumento de construção do moderno. [...] Mais importante do que o reconhecimento das raízes históricas e culturais do povo preto, era sua incorporação na ordem brasileira moderna".<ref name="Estramanho">Almeida, Rodrigo Estramanho de. [https://revistas.pucsp.br/index.php/pontoevirgula/article/view/51984 "Notas para reflexão sobre a doutrina política da Frente Negra Brasileira (1931-1937)"]. In: ''Ponto & Vírgula'', 2020 (26)
Em sua luta pelos direitos dos negros, acabava por utilizar argumentos discriminadores contra a própria comunidade, entendendo que a massa dos negros ainda não era civilizada, e para emancipar-se precisava abandonar hábitos negativos e depreciativos, como o alcoolismo e a ociosidade, e adotar valores que eram atribuídos aos brancos bem sucedidos. Em muitos artigos do ''Voz da Raça'' se fazia menção a diferenças entre os negros. Aqueles que não adotassem os valores positivos apregoados eram considerados inimigos da raça e do movimento. Como disse Hildeberto Martins, "seguir certo padrão (moral) de conduta era o caminho viável para que isso [a integração] acontecesse, e por isso não beber tanto, alisar o cabelo, seguir a doutrina cristã e estar devidamente trajado seriam exemplos da aceitação e inserção nesse processo civilizatório, calcado nos moldes de um padrão social esperado e desejável (burguês e branco)".<ref>Martins, Hildeberto Vieira. [http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v18nspe/v18nspea19.pdf "Outros personagens entraram em cena: o movimento negro e a emergência de uma política racializada"]. In: ''Estudos e Pesquisas em Psicologia'', 2018; 18 (4): 1393-1414</ref> Um artigo de Isaltino Veiga dos Santos no jornal da entidade e dirigido "aos negros de boa vontade", dizia: ::"[...] ou o negro brasileiro se define de uma vez por todas como gente séria, de caráter, nobre, morigerada, capaz de sacrifícios pela coletividade, capaz de compreender as grandes causas que sacodem a Pátria Brasileira e a humanidade toda, — ou deve ser varrido e aniquilado como gente perniciosa, incapaz de compreensão, incapaz de se premunir contra exploradores imorais, contra pescadores de águas turvas, contra os inimigos do próprio Negro e da Nacionalidade".<ref>''Apud'' Martins, op. cit.</ref>
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Em que pese o seu desejo de integração pacífica numa sociedade onde negros e brancos convivessem com respeito mútuo e colaborassem juntos para o engrandecimento da Pátria, recusando o modelo segregacionista baseado no ódio adotado nos Estados Unidos, a Frente percebia com clareza que o racismo não deixara de existir e que era uma falácia a teoria da [[democracia racial]] então desenvolvida em várias instâncias da oficialidade, combatendo também as teorias de [[racismo científico]] que procuravam justificar as diferenças de progresso entre os diferentes grupos étnicos.<ref name="Matheus">Dias, Matheus Felipe Gomes. "A Frente Negra Brasileira: nacionalização, contestação e fascismo". In: ''Práxis Comunal'', 2019; 2 (11) </ref>
A
Nas palavras de Abdias do Nascimento:
::"Alguns dos dirigentes da FNB desde a década de vinte se esforçavam tentando articular um movimento. Houve, assim, um projeto de reunir o Congresso da Mocidade Negra, em 1928, em São Paulo, o que não chegou a se concretizar.
::"A Frente fazia protestos contra a discriminação racial e de cor em lugares públicos... sob a perspectiva de integrar os negros na sociedade nacional. Dessa forma combatia a FNB os hotéis, bares, barbeiros, clubes, guarda-civil, departamentos de polícia, etc. que vetavam a entrada ao negro, o que lembrava muito o movimento pelos direitos civis dos negros norte-americanos. Uma perspectiva que eu hoje critico. Minhas lembranças não são muito seguras, mas acho que o movimento ia além das reivindicações citadas.
===Conflitos e dissolução===
À medida que a FNB foi adquirindo maior representatividade no cenário nacional, surgiu a ideia de transformá-la em partido político, sendo reconhecida como tal em 1936, sendo o primeiro e único partido negro da história do país, mas não chegou a participar de nenhuma eleição.<ref name="BBC"/> Funcionou até o [[Estado Novo (Brasil)|golpe de 1937]]. Após Getúlio Vargas declarar o fim dos partidos e agremiações políticas e das eleições livres em novembro de 1937, a FNB foi declarada ilegal e dissolvida, sobrevivendo sob o nome União Negra Brasileira até maio de 1938.<ref>Martins, Ana Nina. [http://www.blackpast.org/gah/frente-negra-brasileira-1931-1938#sthash.yPI6bven.dpuf "Frente Negra Brasileira (1931-1938)"]. ''BlackPast'', 2007</ref> Em alguns municípios, como em [[Cássia (Minas Gerais)|Cássia]], no [[Minas Gerais|Sul de Minas]], a Frente converteu-se em sociedade recreativa e passou a se chamar Sociedade Negra Princesa Isabel para contornar a repressão, porém mesmo tomando essas medidas, foi fechada em março de 1938.<ref>Mello, Alessandra. [http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2013/09/01/interna_politica,442856/frente-negra-brasileira-tem-ideais-sufocados.shtml "Frente Negra Brasileira tem ideais sufocados"]. ''Estado de Minas'', 01/09/2013</ref>▼
Ainda em 1932, por ocasião da [[Revolução Constitucionalista]], movimento paulista que exigia a deposição de Getúlio, a Frente recebeu a visita do interventor de São Paulo solicitando que se juntasse aos revoltosos, mas seus dirigentes apoiavam Getúlio e ela permaneceu oficialmente neutra. No entanto, deu liberdade a seus associados para que agissem conforme suas consciências. Neste período a Frente praticamente paralisou suas atividades. Descontente, um grupo liderado por Joaquim Guaraná Santana e Gastão Gourlart abandonou a Frente para lutar na revolução, formando a Legião Negra, que conseguiu reunir cerca de dois mil combatentes.<ref>Domingues, Petrônio José. "Os 'Pérolas Negras': a participação do negro na Revolução Constitucionalista de 1932". In: ''Afro-Ásia'', 2003; (29/30): 199-245 </ref><ref name="BBC"/>
▲Para Abdias do Nascimento, o fracionamento da FNB se deveu à polarização política das lideranças do movimento. Enquanto Arlindo Veiga dos Santos, que atuava em São Paulo, liderava o [[Patrianovismo|Movimento Patrianovista]], movimento nacionalista, tradicionalista, católico e monarquista alinhado à [[Ação Integralista Brasileira]] e recrutava membros que em sua predominância eram funcionários públicos, empregados domésticos e trabalhadores do setor de serviços, José Correia Leite, que atuava em [[Santos]], se filiava ao pensamento socialista e recrutava membros que eram predominantemente trabalhadores do [[Porto de Santos]].<ref name=":0" /> Correia Leite, junto com José de Assis Barbosa e outros ativistas, acabou fundando em São Paulo em 1932 o [[Clube Negro de Cultura Social]] como uma oposição à Frente.<ref>Michelette, Pâmela Torres. [http://www2.assis.unesp.br/cedap/cat_imprensa_negra/biografias/jose_correia_leite.html "José Correia Leite"]. In: ''Imprensa Negra: Biografias''. Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, 2008 </ref>
Em 1934 Arlindo deixou a presidência para Justiniano Costa, que cercou-se de conselheiros mais jovens e mais abertos a outras tendências, quando a hegemonia da doutrina inicial perdeu força. Neste momento a Frente passou a desenvolver uma orientação política mais intensa. Apesar disso, as disputas internas não haviam acabado, e Justiniano não tinha o enorme carisma de Arlindo. Como resultado, a Frente começou perder muitos associados e entrou em uma fase de declínio.<ref name="Matheus"/><ref>Oliveira, Laiana, p. 80; 90</ref>
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==Legado==
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