Movimento negro no Brasil: diferenças entre revisões

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=== Gênese: 1915-1945 ===
[[File:Aurelio Verissimo de Bittencourt O Exemplo 1904.jpg|thumb|Página do jornal ''O Exemplo'' homenageando o jornalista [[Aurélio Veríssimo de Bittencourt]].]]
[[Ficheiro:Teatro Experimental do Negro ensaiando Sortilégio, com Abdias do Nascimento, com Léa Garcia.tif|thumb|Teatro Experimental do Negro ensaiando a peça ''Sortilégio'', com [[Abdias do Nascimento]] e [[Léa Garcia]], 1957.]]
 
Tendo como principais centros de mobilização as cidades de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, os movimentos sociais afro-brasileiros começam a trilhar novos caminhos a partir de meados dos anos 1910, numa tentativa de lutar pela [[cidadania]] recém-adquirida e evoluir para organizações de âmbito nacional. A primeira grande manifestação neste sentido é o fortalecimento da imprensa negra. Em Porto Alegre, em 1892, surgiu o jornal ''[[O Exemplo]]'', fundado por homens "de cor". Em 1907, na cidade de [[Pelotas]], um grupo de intelectuais negros fundou o jornal ''A Alvorada'', pretendendo desde seu primeiro número ser uma tribuna de defesa dos operários e dos negros de Pelotas. Segundo Santos (2003), "''A Alvorada'' provavelmente seja o periódico de maior longevidade desta fase".<ref name="Alvorada">Gomes, Arilson dos Santos. [http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/Textos3/arilson%20dos%20santos%20gomes.pdf "Ideias Negras em movimento: Da Frente Negra ao Congresso Nacional do Negro"]. In: ''III Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional''. Florianópolis, 2007</ref> Posteriormente, em São Paulo, surgiu o jornal, ''[[O Menelick]]'', que começou a circular em 1915. Seguem-lhe ''A Rua'' (1916), ''[[O Alfinete]]'' (1918), ''[[A Liberdade (jornal)|A Liberdade]]'' (1919), ''[[A Sentinela (jornal)|A Sentinela]]'' (1920), ''[[O Getulino]]'' e ''[[O Clarim da Alvorada]]'' (1924).<ref>Gomes, Flávio. ''Negros e política (1888-1937)''. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 31</ref> Estes jornais possuíam como característica principal o fato de não se envolverem na cobertura dos grandes acontecimentos nacionais, os quais, cautelosamente, evitavam. Conforme assinala Moura, tratava-se de "uma imprensa altamente setorizada nas suas informações e dirigida a um público específico".<ref>Moura (1989), p. 71</ref> Centravam-se principalmente na denúncia da discriminação e do racismo e dos vários problemas derivados deles, debatendo alternativas concretas para a superação das dificuldades.<ref name="apontamentos"/>
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=== Rearticulação ===
[[Ficheiro:Teatro Experimental do Negro ensaiando Sortilégio, com Abdias do Nascimento, com Léa Garcia.tif|thumb|Teatro Experimental do Negro ensaiando a peça ''Sortilégio'', com [[Abdias do Nascimento]] e [[Léa Garcia]], 1957.]]
 
Em 1943 surgia em Porto Alegre a [[União dos Homens de Cor]], um dos principais grupos do período, objetivando "elevar o nível econômico, e intelectual das pessoas de cor em todo o território nacional, para torná-las aptas a ingressarem na vida social e administrativa do país, em todos os setores de suas atividades". A União destacou-se pelo seu rápido crescimento. Na segunda metade da década de 1940 tinha filiais ou representantes em pelo menos dez estados, e inspirou a criação de vários outros grupos, como a [[União Cultural dos Homens de Cor]] no Rio e a União Catarinense dos Homens de Cor em Blumenau.<ref name="apontamentos"/> [[Abdias do Nascimento]] em 1944, no Rio de Janeiro, fundou o [[Teatro Experimental do Negro]] (TEN), cujos ideias eram divulgados pelo jornal ''Quilombo''. Nascimento foi o responsável por expressiva produção teatral onde buscava dinamizar "a consciência da ''[[negritude]]'' brasileira" e combater a discriminação racial.<ref name="Moura 1989:75">Moura (1989), p. 75</ref> Conforme expressou o próprio Nascimento:
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Sant'ana, embora também reconheça a importância dos movimentos sociais na discussão da temática do preconceito racial, aponta um paradoxo que permeia a militância: seu afastamento dos grupos de excluídos que teoricamente representaria. Conforme assinala:
[[Imagem:Comemorações do Dia da Consciência Negra na Serra da Barriga (22594572604).jpg|miniatura|esquerda|Comemorações do Dia da Consciência Negra na [[Serra da Barriga]], onde se localizava o [[Quilombo dos Palmares]].]]
 
::"Ao tornarem-se negros e militantes (com a ajuda de uma construção de memória) os membros do movimento em questão parecem ter afastado-se dos 'pretos', 'mulatos', 'escuros' – distanciamento, aliás, reconhecido. Este é um dilema de difícil encaminhamento. Sem dúvida era (e é) necessário contrapor-se à imagem preconceituosa e aviltante atribuída aos não-brancos. Nesse processo, porém, constituiu-se e destacou-se um setor dificilmente associável àquela imagem, mas também já muito distanciado do contingente ao qual pretendem colocar-se como representantes".<ref>Sant'ana, p. 17</ref>
 
Em anos recentes a militância vem ganhando ainda mais força. Em 1996 Zumbi dos Palmares foi incluído no Livro dos Heróis da Pátria, em 2005 foi oficializado o [[Dia da Consciência Negra]], vários governos municipais e estaduais criaram secretarias especiais para tratar das questões negras, e em 2003 o governo federal criou a [[Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial]]. Ainda em 2003 foi aprovada uma lei que instituiu o ensino de História da África e História Afro-brasileira nas escolas, e em 2010 foi aprovado o [[Estatuto da Igualdade Racial]], dando garantias para a defesa dos direitos da população negra e o combate à discriminação. Organizações não-governamentais de apoio se multiplicam rapidamente, fortalecendo os laços identitários, as ações afirmativas e conquistando importantes avanços em educação, saúde, assistência e inclusão.<ref name="Afro Latinas"/>
 
O negro tem conquistado um pouco mais de espaço na grande imprensa como repórteres, apresentadores e formadores de opinião; propagandas e peças publicitárias adotam o negro como personagem central; as redes sociais se tornaram importantes espaços de debate e reivindicação sobre questões variadas e de denúncia de casos de racismo e discriminação; tendências de moda, estética e comportamento são influenciadas pela cultura negra; muitas universidades mantêm núcleos de estudos especializados, fundando-se em 2000 a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros; mais de setenta instituições públicas de nível superior instituíram [[Ação afirmativa|ações afirmativas]] voltadas para negros e quilombolas.<ref>Gomes, Nilma Lino. [https://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/35 "Movimento negro, saberes e a tensão regulação-emancipação do corpo e da corporeidade negra"]. In: ''Contemporânea - Revista de Sociologia da UFSCar'', 2011; 1 (2) </ref>
 
==Legado ==
[[File:Movimento Negro.jpg|thumb|Manifestação pela igualdade racial.]]
 
O Movimentomovimento Negronegro no Brasil enfrenta uma série de dificuldades para uma atuação mais plena, incluindo dissidências internas nos campos ideológico e operacional, partidarização dos debates, articulação incompleta entre os grupos, escassez de meios materiais e oposição de importantes setores da sociedade,<ref name="Vieira"/> mas tem sido reconhecido como um agente importante na resistência ao [[conservadorismo]],<ref>Bueno, Winnie & Borges, Pedro.[https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/09/opinion/1557407124_160570.html "Movimento negro na linha de frente do combate ao pacote anticrime de Moro"]. ''El País'', 10/05/2019</ref> no combate ao racismo e à discriminação, na conquista de direitos, na recuperação da memória, na valorização de tradições e conhecimentos característicos da cultura negra, e na promoção de uma leitura crítica da história, propondo ao mesmo tempo a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Recebe o apoio de muitos estudiosos e intelectuais, está conquistando expressivo peso político e um espaço crescente nas mídias, tem promovido um sem-número de projetos culturais e educativos, e é objeto de uma grande quantidade de estudos especializados.<ref name="Vieira">Vieira, Flávia. [https://www.revistas2.uepg.br/index.php/sociais/article/view/7533 "Resistência e luta dos movimentos negros no Brasil: da rebeldia anônima na sociedade escravocrata ao enfrentamento político na sociedade de classes"]. In: ''Publicatio — UEPG'', 2015; 23 (2)</ref><ref>Gomes, Nilma Lino. "O movimento negro no Brasil: ausências, emergências e a produção dos saberes". In: ''Política & Sociedade, 2011; 10 (18)</ref><ref name="Afro Latinas">Silva, Daniela Fernanda Gomes da. [https://periodicos.uff.br/pragmatizes/article/view/10349/7186 "Vozes Afro Latinas – A omissão da esquerda e a insurgência do movimento negro"]. In: ''pragMATIZES - Revista Latino Americana de Estudos em Cultura'', 2012; 2 (3)</ref> Segundo Lilian Gomes, "o Movimento Negro ensinou, ao longo da história, à população brasileira e suas elites, a necessidade de mudanças político-institucionais e de seus parâmetros [[epistemologia|epistemológicos]] e [[colonialismo|colonizados]], processo esse ainda repleto de fortes confrontos a serem enfrentados".<ref name="Lilian">Gomes, Lilian Cristina Bernardo. "O Movimento Negro Educador". In: ''Sapere aude'', 2018; 9 (17):341-347</ref> Para Nilma Gomes,
 
::"No caso do Brasil, o movimento negro ressignifica e politiza afirmativamente a ideia de raça, entendendo-a como potência de emancipação e não como uma regulação conservadora; explicita como ela opera na construção de identidades étnico-raciais. Ao ressignificar a raça, o movimento negro indaga a própria história do Brasil e da população negra em nosso país, constrói novos enunciados e instrumentos teóricos, ideológicos, políticos e analíticos para explicar como o racismo brasileiro opera não somente na estrutura do Estado, mas também na vida cotidiana das suas próprias vítimas. Além disso, dá outra visibilidade à questão étnico-racial, interpretando-a como trunfo e não como empecilho para a construção de uma sociedade mais democrática, onde todos, reconhecidos na sua diferença, sejam tratados igualmente como sujeitos de direitos. Ao politizar a raça, esse movimento social desvela a sua construção no contexto das relações de poder, rompendo com visões distorcidas, negativas e naturalizadas sobre os negros, sua história, cultura, práticas e conhecimentos; retira a população negra do lugar da suposta inferioridade racial pregada pelo racismo e interpreta afirmativamente a raça como construção social; coloca em xeque o mito da [[democracia racial no Brasil|democracia racial]]".<ref>Gomes, Nilma Lino. [https://www.scielo.br/pdf/es/v33n120/05 "Movimento negro e educação: ressignificando e politizando a raça"]. In: ''Educação & Sociedade'', 2012; 33 (120): 727-744</ref>
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== Ver também ==
*[[Associação dos Negros Brasileiros]]
*[[Imprensa negra no Brasil]]
*[[Ação afirmativa]]
*[[Afro-brasileiro]]
*[[Cultura afro-brasileira]]
*[[Cultura afro-gaúcha]]
*[[Democracia racial no Brasil]]
*[[Dia da Consciência Negra]]
*[[Discriminação racial]]
*[[Escravidão no Brasil]]
*[[Frente Negra Brasileira]]
*[[Movimento negro em Pernambuco]]
*[[Negritude]]
*''[[O Exemplo]]''
*[[Preconceito racial]]
*[[Racismo no Brasil]]
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* [http://www.palmares.gov.br/ Fundação Cultural Palmares]
* [https://web.archive.org/web/20110530140525/http://www.cedine.rj.gov.br/junho.asp Cedine]
* [http://www.brasileiros-na-alemanha.com/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=240:personalidade-ubirajara-fidalgo&catid=111:voce-no-bna-perfis-e-entrevistas&Itemid=210 Ubirajara Fidalgo]
* [http://www.unfpa.org.br/novo/index.php?option=com_content&view=article&id=961:-afro-xxi-sera-tema-de-publicacao&catid=1:noticias&Itemid=4 Publicação da Declaração de Salvador]- Documento que sintetiza os debates do Encontro Ibero-americano do Ano Internacional dos Afrodescendentes, o Afro XXI, acontecido em 2011. (Acessado em 11 de julho de 2012. [http://www.scribd.com/doc/99823729/Declaracao-de-Salvador-Afro-XXI-Unfpa-Noticia-Publicacao-2012 Arquivado])