Hiper-homocisteinemia

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A hiper-homocisteinemia ou homocistinúria é uma síndrome clínica que consiste em um conjunto de alterações metabólicas que culminam na elevação da homocisteína plasmática.

A teoria mais bem aceita atualmente quanto ao papel da hiperhomocisteína no metabolismo e suas implicações foi proposta pela primeira vez em 1969 por Kilmer McCully, a qual afirmou que níveis plasmáticos elevados de homocisteína estariam associados com o desenvolvimento de lesões vasculares, sendo um fator de risco independente e prevalente para a doença vascular aterosclerótica coronariana, cerebral e periférica.

Etiologia editar

A hiperhomocisteínemia tem como causas principais fatores patológicos, fisiológicos e principalmente, fatores nutricionais e genéticos.

Sexo e idade editar

Quando se compara homens e mulheres saudáveis, os primeiros apresentam aproximadamente 21% de aumento dos níveis de homocisteína plasmática. Contudo, mulheres pós menopausa têm níveis superiores de homocisteína plasmática que àquelas pré-menopausa, o que pode indicar que o estrogênio tenha algum efeito no metabolismo da homocisteína. Dados de vários estudos também apontam que a concentração de homocisteína total também aumenta de acordo com a idade. Apesar das causas desse aumento não serem bem compreendidas, deve-se considerar as alterações da função renal e maior deficiência de vitaminas- ambas comuns no idoso-, como fator de risco para doença coronariana.

Nutricional editar

Uma das causas mais comuns de hiperhomocisteinemia na população está relacionada à deficiência de vitaminas que estão envolvidas no metabolismo da homocisteína.

Baixa ingesta de vitaminas do complexo B (cianocobalamina ou B12 e piridoxina ou B6) estão relacionadas ao aumento dos níveis de homocisteína plasmática, sendo estes inversamente proporcionais aos níveis plasmáticos das referidas vitaminas.

O ácido fólico também funciona como doador de um grupo metil para a remetilação da homocisteína, sendo essa última feita pela vitamina B12. Portanto, o ácido fólico funciona como um limitante para a reação e sua deficiência está correlacionada à hiperhomocisteínemia. Já a B12 é um fator determinante menor que o ácido fólico, já que não é utilizada em excesso e sua deficiência não é habitual.

Drogas e Hormônios editar

Algumas drogas como metotrexato, ácido nitroso, anticonvulsivantes e diuréticos, bem como a fumaça do tabaco e dissulfeto de carbono, podem causar um aumento na homocisteína plasmática e causar aterogênese.

Alterações hormonais, tais como deficiência dos hormônios tireoidianos e uso de contraceptivos orais também podem causar uma elevação nos níveis plasmáticos de homoscisteína.

Genética editar

As bases genéticas da hiperhomocisteinemia variam com a via de metabolismo.

A hiperhomocisteinúria homozigótica resulta frequentemente da deficiência da cistationina β-sintase. A incidência é aproximadamente 1:100000, e está associada à concentrações maiores que 200 µmol/L, com pacientes frequentemente desenvolvendo complicações ateroscleróticas. Os pacientes podem ser sintomáticos, com manifestações clínicas diversas, desde retardo mental à desordens esqueléticas.

Já a hiperhomocisteínemia heterozigótica tem incidência de aproximadamente 1:70. Pode ser causada pela deficiência em cistationina β-sintase, metiltransferase, metilenotetrahidrofolato redutase, folato, cobalamina, colina, entre outros. Os pacientes heterozigotos são frequentemente assintomáticos.[1] [2] [3] [4]

Classificação editar

Os níveis de homocisteínemia plasmática em jejum, em indivíduos saudáveis, rondam entre 5-15 µmol/L. Os valores da homocisteína variam principalmente com a idade e o sexo das pessoas. O valor de referência para homocisteína plasmática diferenciando por sexo é de 6 a 12 μmol/L, para mulheres, e 8 a 14 μmol/L, para homens.[5] Mulheres pós-menopausa podem apresentar níveis plasmáticos de homocisteína acima do normal, quando comparados com mulheres pré-menopausa. Concentrações acima destes valores são classificados como hiperhomocisteínemia.[6]

A Hiperhomocisteinemia pode ser classificada[7]de acordo com as suas concentrações, em:

- Moderada (15-30 µmol/L);

- Intermédia (31-100 µmol/L);

- Severa (>100 µmol/litro).

Metabolismo da Cisteína editar

 
Via de síntese da Cisteína

A homocisteína faz parte do grupo dos aminoácidos sulfurados, e sua formação no organismo se dá pela desmetilação da metionina, que por sua vez pode ser adquirida através da dieta ou do catabolismo da própria homocisteína.[8] A metionina é catabolizada no fígado, em S-adenosilmetionina, S-adenosil-homocisteína e homocisteína.[9] O metabolismo da homocisteína é regulado por três fatores: a quantidade de S-adenosilmetionina, de folatos e por meio do estado de oxidorredução.[10] S-adenosilmetionina: Quando há grande oferta de proteínas de origem animal, cerca de 70% da homocisteína é catabolizada pela enzima cistationina beta sintase (CβS), juntamente com a participação da vitamina B6, através da via da transulfuração. Já no jejum ou quando há menor concentração dessas proteínas, apenas 10% da homocisteína segue essa via.[11] O aumento da concentração de metionina favorece o catabolismo da homocisteína pela CβS,[12] entretanto, se houverem altas reservas de folatos, o excesso de metionina causa hiper-homocisteínemia.[13] Folatos: Os folatos, quando em maior quantidade, favorecem o aumento da 5-MTHFR, inibindo a via de transmetilação por via da enzima glicina metiltransferase, o que gera aumento da S-adenosilmetionina. Esse aumento da S-adenosilmetionina resulta na inibição da via de desmetilação pela enzima 5-MTHFR e na ativação da via de transulfuração pelo aumento na atividade da CβS. Esse processo culmina na redução dos níveis de homocisteína.[14] Estado de oxidorredução: Na forma oxidada, a CβS é ativa e a metionina sintetase é inativa.[15] Nesse sentido, em condições oxidativas a via de desmetilação é diminuída, sendo, por fim, favorecida a transulfuração.[16]

A hiperhomocisteinemia e a aterosclerose editar

O aumento das concentrações de homocisteína pode danificar as células endoteliais e causar aterosclerose. A lesão endotelial começa com a incapacidade de metabolizar completamente a homocisteína devido a anormalidades na oxidação desse aminoácido. A auto-oxidação da homocisteína ocorre quando suas concentrações estão elevadas. Este processo ocorre no plasma, criando ânions superóxido e peróxido de hidrogênio, ambos capazes de causar toxicidade endotelial oxidando lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e prejudicando os mecanismos de defesa oxidativa celular. Além disso, certos subprodutos do metabolismo da homocisteína, como a homocisteína tiolactona, reagem com LDL para formar agregados que são absorvidos por macrófagos. Estes macrófagos são incorporados em células espumosas em placas ateroscleróticas precoces. Após a incorporação, a homocisteína tiolactona acila proteínas e aumenta a oxidação na parede vascular, promove a síntese de DNA e a proliferação de células vasculares musculares lisas e inibe a síntese de DNA em células endoteliais, acelerando ainda mais o desenvolvimento de placas ateroscleróticas.

Diagnóstico editar

A dosagem de homocisteína é realizada utilizando uma variedade de métodos analíticos, incluindo HPLC (high performance liquid chromatography), cromatografia gasosa, espectrometria de massa e ensaios radioenzimáticos. No entanto, existem opiniões diversas sobre qual teste é o mais preciso sendo, em geral, caros e de difícil manejo. Para obter uma concentração sanguínea de homocisteína correta, a maioria dos ensaios exigem que o material coletado seja refrigerado ou centrifugado e congelado dentro de 30 minutos de coleta para evitar resultados falsamente elevados. As concentrações artificialmente altas são causadas pela liberação de homocisteína a pelas hemácias, que é um processo contínuo que ocorre à temperatura ambiente. Geralmente, os pacientes com hiperlipidemia, fatores de risco ateroscleróticos ou aqueles sem fatores de risco, mas com aterosclerose prematura, devem ser testados. A dosagem das concentrações de homocisteína deve ser seguida de uma avaliação do estado vitamínico devido à relação inversa entre as concentrações de ácido fólico, vitamina B6 e vitamina B12 com as de homocisteína. Em situações em que anormalidades no metabolismo da homocisteína são altamente suspeitas, recomenda-se um teste de carga de metionina. Este teste é semelhante em princípio ao teste de tolerância à glicose e envolve uma dose oral de 100 mg de metionina/kg. As concentrações plasmáticas de homocisteína são medidas a duas, quatro, seis e oito horas após a ingesta de metionina. Em uma pessoa com metabolismo de homocisteína normal, o aumento das concentrações de homocisteína será transitório. Entretanto, pacientes com metabolismo anormal da homocisteína terão aumento das concentrações de homocisteína que persistem ao final das oito horas.

Tratamento editar

As concentrações de homocisteína são reduzidas quando são iniciadas combinações de ácido fólico, vitamina B6 ou vitamina B12. O aumento da ingestão de frutas frescas e pelo menos 2 vegetais juntamente com suplementos vitamínicos ajuda a substituir os nutrientes perdidos durante a preparação e embalagem dos alimentos. A recomendação alimentar atual para o ácido fólico é de 400 μg/dia. A terapia de reposição de ácido fólico parece eficaz na redução das concentrações de homocisteína em pacientes com doenças vasculares. Por outro lado, a vitamina B6 sozinha não teve efeito sobre as concentrações de homocisteína no jejum em um grupo de pacientes com doença vascular. No entanto, quando 50 mg de vitamina B6 e 200-400 μg de ácido fólico diariamente foram combinados, as concentrações de homocisteína em jejum diminuíram 53%. Pacientes com insuficiência renal requerem doses muito mais altas de ácido fólico para diminuir as concentrações de homocisteína. Podem ser necessários até 15 mg/dia para normalizar as concentrações nesses pacientes. As concentrações de homocisteína tendem a retornar para o basal uma vez que a terapia com ácido fólico seja encerrada, uma resposta típica de qualquer terapia de reposição relacionada à homocisteína.

Referências editar

  1. Temple, M. E., Luzier, A. B., & Kazierad, D. J. (2000). Homocysteine as a Risk Factor for Atherosclerosis. The Annals of Pharmacotherapy, 34, 57-65. doi:10.1345/1542-6270(2000)034<0057:haarff>2.3.co;2
  2. http://www.atherosclerosis-journal.com/article/0021-9150(75)90004-0/abstract
  3. http://www.annclinlabsci.org/content/23/6/477.short
  4. BIOQUÍMICA CLÍNICA DA ATEROSCLEROSE PROVOCADA POR HIPERHOMOCISTEINEMIA -Fernanda Gobbi Amorim, Lucas Cunha Dias de Rezende, Luciana Barbosa Coitinho, Josivany Valério de Freitas, Joyce Assis Scherr, Raquel Spinassé Dettogni
  5. Vannucchi et al., 2009
  6. Rosenson et al., 2014; Ganguly et al., 2015, 542-544
  7. Iacobazzi, et al., 2014; Ganguly et al., 2015
  8. VANNUCCHI, Helio; MELO, Sandra Soares. Hiper-homocisteinemia e risco cardiometabólico. Arq Bras Endocrinol Metab,  São Paulo ,  v. 53, n. 5, p. 540-549,  July  2009 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302009000500007&lng=en&nrm=iso>. access on  20  Feb.  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27302009000500007.
  9. COOPER, A. J. L. Biochemistry of sulfur containing amino acids. Annu Rev Biochem, v. 52, p. 187-222, 1983.
  10. FONSECA, V.; GUBA, S. C.; FINK, L. M. Hyperhomocysteinemia and endocrine system: implications for atherosclerosis and thrombosis. Endocrine Reviews, v. 20, n. 5, p. 738-59, 1999.
  11. DURAND, P. et al. Impaired homocysteine metabolism and atherothrombotic disease. Lab Invest, v. 81, n. 5, p. 645-72, 2001.
  12. MILLER, J. W. et al. Vitamin B-6 deficiency vs. folate deficiency: comparison of responses to methionine loading in rats. Am J Clin Nutr, n. 59, p. 1033-9, 1994.
  13. SILBERG, J. et al. Gender differences and other determinants of the rise in plasma homocysteine after L-methionine loading. Atherosclerosis, n. 133, p. 105-10, 1997.
  14. JACQUES, P. F. et al. Relation between folate status, a common mutation in methylenetetrahydrofolate reductase, and plasma homocysteine concentrations. Circulation, n. 93, p. 7-9, 1996.
  15. CHEN, Z.; BONERJEE, R. Purification of soluble cytochrome B5 as a component of the reductive activation of porcine methionine synthase. J Biol Chem, v. 273, p. 26248-55, 1998.
  16. MOSHAROV, E.; CRANFORD, M. R.; BENERJEE, R. The quantitatively important relationship between homocysteine metabolism and glutathione synthesis by the transsulfuration pathway and its regulation by redox changes. Biochemistry, n. 39, p. 13005-11, 2000.