Legitimidade jornalística
A legitimidade jornalística é o conjunto de atributos que torna o jornalismo reconhecido socialmente como uma prática e instituição relevante e necessária. Em outras palavras, diz respeito aos elementos fundamentais para a institucionalização e funcionamento da atividade jornalística, pensados com base em princípios éticos, morais e democráticos.
Embora, por vezes, confundida com a ideia de credibilidade jornalística, a noção de legitimidade jornalística se refere a uma dimensão mais ampla do jornalismo, visto que não se localiza no nível das organizações, veículos e profissionais de mídia, e sim da instituição. Primeiramente, é possível pensar na legitimidade jornalística referente à grande instituição do jornalismo estabelecida ao longo da história. Em casos mais específicos, existe a legitimidade jornalística relacionada à instituições como o lead, a entrevista, a redação, entre outros espaços, técnicas e procedimentos consolidados da profissão.
Processo de legitimação
editarA legitimidade jornalística não se caracteriza como uma propriedade fechada em si mesma, ou seja, ela depende do reconhecimento social originado nas relações entre jornalismo e público. Para o filósofo da linguagem Patrick Charaudeau, o processo pelo qual algo ou alguém é legitimado é o de reconhecimento de um sujeito por outros sujeitos, em nome de um valor aceito por todos [1]. Assim, é importante que exista um processo que legitime o fazer jornalístico como uma prática social e profissional útil para os indivíduos de uma determinada sociedade. Segundo o pesquisador e estudioso do tema Guilherme Guerreiro Neto, nesse processo de legitimação do jornalismo, explicar e dar a conhecer sua importância enquanto instituição é tão vital quanto justificar e apontar por que é necessário preservá-lo [2].
O processo de legitimação do jornalismo está relacionado à discussão sobre a constituição das instituições sociais. O jornalismo é uma instituição específica, com atribuições e fundamentos particulares. A instituição jornalística realiza a intermediação entre indivíduos e sociedade, bem como entre outras instituições sociais. De acordo com a perspectiva sociológica de Peter Berger e Thomas Lukmann, toda instituição é compreendida como “um padrão de controle”, tendo como papel fornecer modelos para as pessoas orientarem seu comportamento [3]. Segundo esses autores, as ações repetidas, que estão na base da formação de hábitos, são elementos que precedem todo processo de institucionalização. Em suas mais diferentes formas, o jornalismo reúne uma série de repetições nos seus modos de selecionar, apurar e narrar os fatos, estabelecendo saberes e competências específicas à sua instituição. Esses modos de exercitar a profissão contribuem para legitimar a atividade.
Ainda conforme Guilherme Guerreiro Neto, existem diferentes variáveis que colaboram para a existência da crença na legitimidade jornalística, dentre eles: o grupo social dos jornalistas, os valores do ofício e as outras instituições que a integram, além dos papéis assumidos na cadeia produtiva do jornalismo. O processo de legitimação é uma condição para a formação e manutenção das instituições em geral, sendo essencial para tornar as instituições compreensíveis para as mais diversas gerações. Além da própria prática jornalística concretamente exercida, o processo de legitimação também depende do discurso sobre si mesmo [4]. Por isso, além do exercício do jornalismo, é necessário, ainda, que as qualidades dessa prática sejam destacadas em espaços como Ombudsman e Editorial, além de campanhas de marketing pessoal dos veículos jornalísticos.
Estratégias discursivas
editarPara conseguir manter-se como instituição relevante, é fundamental que o jornalismo seja considerado legítimo para um grande número de pessoas (grupos e segmentos sociais diversos). Logo, a sociedade deve reconhecer a prática jornalística como um trabalho essencial, necessário e relevante. Conforme as pesquisadoras em jornalismo, Sílvia Lisboa, Marcia Benetti, a criação de métodos e processos de apuração sustentam a veracidade dos relatos jornalístico. Tais operações profissionais buscam incluir rigor, pluralismo de pontos de vista, objetividade e clareza na apresentação e descrição dos fatos [5].
As estratégias discursivas de autorreferencialidade do jornalismo também são partes do amplo processo de midiatização que reconfiguram as sociedades atuais e suas instituições, conforme já apontado pelo pesquisador Antonio Fausto Neto [6]. A autorreferencialidade é utilizada para mostrar aspectos da produção noticiosa dos veículos, do perfil editorial, da relação com as fontes de informação, entre outras marcas das rotinas produtivas [7]. Além disso, o discurso legitimador se relaciona com a crise na imagem da instituição jornalística na contemporaneidade, apontada em obras de intelectuais como Patrick Charaudeau e Dominique Wolton [8] [9]. Com a entrada de novos atores na comunicação de informações de interesse público, o jornalismo se vê obrigado, ao mesmo tempo, não apenas a produzir um discurso sobre os acontecimentos que pauta, mas ainda um discurso que justifique sua razão de ser, suas competências e habilidades em narrar o presente.
Ultimamente, a legitimidade jornalística vem sendo discutida em estudos que problematizam o jornalismo diante de crises econômicas e políticas. De acordo com os pesquisadores Felipe Simão Pontes e Matheus Lobo Pismel, a legitimação não tem finalidade em si mesma, sendo um objetivo-meio condicionado por contextos determinados [10] . Esses autores explicam que num cenário de instabilidade financeira, as corporações jornalísticas tradicionais são, cada vez mais, pressionadas por forças econômicas e políticas, o que coloca em risco a legitimidade jornalística.
Referências
- ↑ CHARAUDEAU, Patrick, Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional, Le site de Patrick Charaudeau, 30 de junho de 2018.
- ↑ NETO, Guilherme Imbiriba Guerreiro, O discurso de legitimação do jornalismo: a instituição inscrita nos editoriais, p. 51, UFSC, 2013.
- ↑ BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas, A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento”, p. 79, Vozes, 2008.
- ↑ BENETTI, Marcia; HAGEN, Sean, Jornalismo e imagem de si: o discurso institucional das revistas semanais”, p. 214, Estudos em Jornalismo e Mídia, 2010.
- ↑ LISBOA, Silvia; BENETTI, Marcia, O jornalismo como crença verdadeira justificada ”, p. 16, Brazilian Journalism Research, 2015.
- ↑ FAUSTO NETO, Antonio, Notas sobre as estratégias de celebração e consagração do jornalismo”, p. 120, Estudos em jornalismo e mídia, 2009.
- ↑ RIBEIRO, Daiane Bertasso; FOSSÁ, Maria Ivete, O discurso jornalístico autorreferencial como estratégia de construção da ‘imagem de si’”, p. 380, Estudos em jornalismo e mídia, 2011.
- ↑ CHARAUDEAU, Patrick, Discurso das mídias”, p. 34, Contexto, 2006.
- ↑ WOLTON, Dominique., É preciso salvar a comunicação”, p. 118, Paulus, 2006.
- ↑ PONTES, Felipe Simão; PISMEL, Matheus Lobo, A crise de legitimidade dos jornalistas e a economia política: autonomia e heteronomia como chaves explicativas do jornalismo contemporâneo”, p. 369, C&S, 2017.