Licário
Licário, chamado Icário (em grego: Ἰκάριος) pelos cronistas gregos, foi um almirante bizantino de origem italiana do século XIII. Devido a um desentendimento com os barões de sua terra nativa, a ilha Eubeia, entrou ao serviço do imperador bizantino Miguel VIII Paleólogo (r. 1259–1282), para quem reconquistou muitas das Ilhas Egeias, na década de 1270. Em recompensa por suas façanhas, foi-lhe concedido o feudo da ilha de Eubeia e alcançou o posto de mega-duque, fazendo dele o primeiro estrangeiro a receber tal distinção.
Licário | |
---|---|
Morte | Constantinopla (?) |
Nacionalidade | Império Bizantino |
Etnia | Lombarda |
Ocupação | General e governador |
Religião | Igreja Ortodoxa |
Biografia
editarOrigens e primeiros anos
editarLicário nasceu na cidade de Caristo, na ilha de Eubeia, parte do Senhorio de Negroponte, na altura um estado vassalo do Império Latino. De origem humilde, mas esperto e ambicioso, o seu pai era de Vicenza e a sua mãe de Eubeia. Serviu como cavaleiro sob as ordens do triarca (senhor latino) Guilherme II de Carceri de Negroponte e conseguiu conquistar o coração de Felisa, a viúva do irmão de Guilherme, Narzotto. Eles se casaram em segredo, no entanto o casamento foi anulado pelos parentes de Felisa. Fugindo de sua ira, Licário procurou refúgio na fortaleza de Anemópilas perto do Cavo D'Oro. Reparou o forte, reuniu um pequeno grupo de seguidores e iniciou uma série de incursões nas propriedades vizinhas, pertencentes aos nobres da ilha.[1][2][3]
Entrada ao serviço do Império Bizantino
editarNaquela época, o Império Bizantino, restaurado em 1261 no reinado de Miguel VIII Paleólogo, pretendia recuperar Eubeia, que além de ser a principal posse insular latina no Mar Egeu era também uma base de atividades piratas contra os bizantinos. Além disso, a par do Principado da Acaia, a ilha representava o maior obstáculo para a recuperação total do território grego. Em 1269-1270, uma frota bizantina liderada por Aleixo Ducas Filantropeno atacou e capturou um dos principais bastiões latinos, a povoação de Oreos.[4]
Diante da recusa persistente dos barões da ilha em se aliarem a si, sedento de vingança e ávido por glória e riqueza, Licário apresentou-se a Filantropeno, oferecendo seus serviços. Ele, por sua vez, o levou para o imperador, que estava ansioso para utilizar os serviços do talentoso ocidental, e já havia financiado vários corsários latinos ao seu serviço.[2][5] Licário tornou-se vassalo do imperador, de acordo com as regras feudais ocidentais, e recebeu em troca o comando de importantes tropas imperiais. Sob o comando de Licário, os bizantinos deram início a uma série de tentativas de conquista da ilha, sobretudo a partir do momento em que o seu número foi substancialmente aumentado pelas muitas deserções entre a população grega.[2][3]
As forças bizantinas, ainda sob o comando de Licário, lançaram entre 1272 e 1273 uma campanha para conquistar as fortalezas de Larmena, La Cuppa, Clisura e Manducho. Diante desta ofensiva, os triarcas lombardos apelaram a seu senhor, o príncipe Guilherme II de Vilearduin, e a Dreux de Beaumont, marechal do Reino da Sicília. Guilherme conseguiu recuperar La Cuppa, porém Beaumont foi derrotado em uma batalha campal e posteriormente retirou-se a pedido de Carlos de Anjou.[6] Desde então até 1275, segundo o cronista veneziano Marino Sanudo, Licário serviu o exército bizantino na Ásia Menor, onde obteve uma vitória contra os turcos.[1]
Conquista de Eubeia e campanhas no Mar Egeu
editarEm 1276, após sua grande vitória sobre os triarcas lombardos na Batalha de Demétrias, os bizantinos retomaram a ofensiva em Eubeia. Licário atacou sua cidade natal, Caristo, sede da triarquia do sul, e a tomou, após um longo cerco, no mesmo ano. Por este êxito, foi recompensado pelo imperador Miguel VIII que concedeu a ilha como um feudo e uma esposa grega, nobre e com um rico dote. Em troca, Licário se comprometeu a fornecer duzentos cavaleiros ao imperador. Pouco a pouco, Licário reduziu as fortalezas latinas na ilha, até que em 1278, se apoderou de quase todas com exceção de sua capital, a cidade de Negroponte (Cálcis).[2][7][8]
Por seus êxitos, Licário foi recompensado com o cargo de grande conostaulo, chefe dos mercenários latinos, e, após a morte de Filantropeno c. 1296, foi nomeado mega-duque, sendo o primeiro estrangeiro a ser homenageado desta maneira na hierarquia bizantina.[9][10] Comandou a Marinha bizantina em uma série de expedições contra as ilhas do Egeu em posse dos latinos. A primeira ilha a cair foi Escópelos, cuja força se acreditava ser invencível. No entanto, Licário, conhecendo as deficiências no abastecimento de água, atacou a cidade durante o verão quente e seco de 1277 e forçou a sua rendição. Seu senhor, Filippo Ghisi, foi capturado e enviado a Constantinopla; suas posses, as ilhas de Esquiro, Escíatos e Amorgos, também foram tomadas logo depois.[8][11] Após estas vitórias, Licário conquistou as ilhas de Citera e Anticítera, na costa sul de Moreia, e posteriormente Ceos, Astipaleia e Santorini, nas Cíclades. A grande ilha de Lemnos também foi capturada, porém seu senhor, Paolo Navigajoso, resistiu a um cerco de três anos antes de se render.[12]
No final de 1279 ou início de 1280, retornou a Eubeia e se dirigiu primeiro à cidade do norte de Oreos e depois para o sul através de Negroponte. Até então, suas forças incluíam muitos mercenários espanhóis e catalães (a primeira vez que estes são referidos na Grécia) e antigos partidários de Manfredo da Sicília, que haviam fugido para a Grécia após a derrota e morte de Manfredo em 1266 às mãos de Carlos de Anjou.[12][13] Quando chegou a Negroponte, o triarca Gilberto II de Carceri, irmão de Felisa, e João I de la Roche, duque de Atenas, que estavam presentes na cidade, chegaram com suas tropas para encontrá-lo. Os dois exércitos se enfrentaram na aldeia de Vatondas, a nordeste de Negroponte. A batalha resultou em uma grande vitória para Licário. João de la Roche foi derrubado e capturado, enquanto Gilberto foi assassinado (de acordo com Sanudo) ou capturado e levado, juntamente com de la Roche como um prisioneiro à Constantinopla, onde, segundo Nicéforo Gregoras, ver o odiado renegado circulando triunfante entre a corte bizantina, o levou a cair morto.[12][13]
Após a batalha em Vatondas, a cidade de Negroponte parecia cair nas mãos de Licário. No entanto, a cidade foi rapidamente reforçada por Jaime de la Roche, senhor de Argos e Náuplia, que, juntamente com o veneziano Niccolo Morosini Rosso, conduziu a sua defesa. Diante dessa resistência e do risco da intervenção de João I Ducas, governador da Tessália, Licário foi forçado a levantar o cerco.[14][15] Logo, Licário retornou a reduzir os bastiões latinos remanescentes na ilha, que dominou completamente à exceção da cidade de Negroponte. Sua frota realizou várias expedições navais, o que permitiu a captura das ilhas de Sifnos e Sérifos e mais incursões no Peloponeso.[16][17]
O próprio Licário embarcou para Constantinopla para apresentar seus cativos ao imperador Miguel VIII. Já no auge de sua fama e sucesso, por volta de 1280, Licário desapareceu das fontes históricas e seu destino subsequente é desconhecido. O mais provável é que tenha vivido em Constantinopla e tenha falecido lá.[18][19][20]
Avaliação
editarSuas conquistas foram transitórias, pois os bizantinos foram gradativamente expulsos pelos venezianos e outros senhores latinos. Mesmo em Eubeia, a principal conquista de Licário e seu feudo pessoal, os barões lombardos foram capazes de completar a reconquista de toda a ilha em 1296.[21][22] No entanto, Licário provou ser um dos líderes militares mais bem-sucedidos empregado por Miguel VIII e suas vitórias melhoraram muito sua própria posição com o imperador e prestígio entre os latinos. O historiador John Deno Geanakoplos classifica-o, junto com o irmão de Miguel VIII, João Paleólogo, como os dois homens que causaram o maior dano aos governantes latinos da Grécia.[10][23][24]
Notas e referências
editar- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Licario», especificamente desta versão.
- ↑ a b Setton 1976, p. 425.
- ↑ a b c d Fine 1994, p. 190.
- ↑ a b Geanakoplos 1959, p. 236.
- ↑ Geanakoplos 1959, p. 235–237.
- ↑ Geanakoplos 1959, p. 209–211, 235.
- ↑ Geanakoplos 1959, p. 237.
- ↑ Geanakoplos 1959, p. 295.
- ↑ a b Setton 1976, p. 426.
- ↑ Geanakoplos 1959, p. 211, 297.
- ↑ a b Bartusis 1997, p. 60.
- ↑ Geanakoplos 1959, p. 295–296.
- ↑ a b c Geanakoplos 1959, p. 296.
- ↑ a b Setton 1976, p. 426–427.
- ↑ Setton 1976, p. 427.
- ↑ Geanakoplos 1959, p. 296–297.
- ↑ Fine 1994, p. 190–191.
- ↑ Setton 1976, p. 427–428.
- ↑ Fine 1994, p. 191.
- ↑ Setton 1976, p. 428.
- ↑ Geanakoplos 1959, p. 298–299.
- ↑ Fine 1994, p. 243–244.
- ↑ Nicol 1993, p. 59–60.
- ↑ Geanakoplos 1959, p. 299.
- ↑ Nicol 1993, p. 59.
Bibliografia
editar- Bartusis, Mark C. (1997). The Late Byzantine Army: Arms and Society, 1204–1453. Philadelphia, Pennsylvania: University of Pennsylvania Press. ISBN 0812216202
- Fine, John Van Antwerp (1994). The Late Medieval Balkans: A Critical Survey from the Late Twelfth Century to the Ottoman Conquest. Ann Arbor, Michigan: University of Michigan Press. ISBN 0472082604
- Geanakoplos, Deno John (1959). Emperor Michael Palaeologus and the West, 1258–1282 - A Study in Byzantine-Latin Relations. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press
- Nicol, Donald MacGillivray (1993). The Last Centuries of Byzantium, 1261–1453. Cambridge, United Kingdom: Cambridge University Press. ISBN 0521439914
- Setton, Kenneth Meyer (1976). The Papacy and the Levant, 1204–1571: Volume I. The Thirteenth and Fourteenth Centuries. Independence Hall, Filadélfia, Pensilvânia: The American Philosophical Society. ISBN 0871691140