Lidia Poët

advogada italiana

Lidia Poët (Perrero, 26 de agosto de 1855Diano Marina, 25 de fevereiro de 1949) foi uma advogada italiana, a primeira mulher a ingressar na Ordem dos Advogados da Itália.[1] Ela fez importantes contribuições para a implementação do direito penitenciário moderno[2] e participou ativamente da organização do primeiro congresso de mulheres italianas realizado em Roma, em 1908.[3]

Lidia Poët

Biografia

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Nascida em uma abastada família valdense, ela passou a infância em Traverse di Perrero, em Valle Germanasca.[1] Ainda adolescente, mudou-se com a família para a comuna de Pinerolo, onde já residia seu irmão mais velho, Giovanni Enrico, dono de um escritório de advocacia. Ela frequentou o "Collegio delle Signorine di Bonneville" em Aubonne, uma cidade suíça na região do Lago Léman. Em 1871, obteve a licença de professora normalista e, três anos depois, a de professora de Inglês, Alemão e Francês.[1] De volta a Pinerolo, agora órfã, ela continuou seus estudos e, em 1877, obteve o diploma de ensino médio (a "licenza liceale", condição de ingresso no ensino superior) no colégio Giovanni Battista Beccaria de Mondovì.[4] No ano seguinte, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Turim.[5]

Graduação e registro na Ordem

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Formou-se em direito em 17 de junho de 1881, após defender uma tese sobre a condição da mulher na sociedade e sobre o direito feminino ao voto.[6] Nos dois anos seguintes, exerceu a advocacia em Pinerolo, como assistente no escritório do advogado e senador Cesare Bertea. Após a conclusão do seu estágio, passou no exame de habilitação para a profissão, com nota 45/50, e candidatou-se à Ordem dos Advogados e Procuradores de Turim.[7]

O pedido foi contestado pelos advogados Desiderato Chiaves, ex-ministro do Interior, e Federico Spantigati, deputado da Esquerda italiana, que, em protesto, renunciaram à ordem depois que o pedido de Pöet foi submetido a votação e aceito por oito entre 12 conselheiros.[8] O presidente Saverio Francesco Vegezzi e outros conselheiros (Carlo Giordana, Tommaso Villa, Franco Bruno, Ernesto Pasquali) se manifestaram a favor do ingresso, afirmando que "de acordo com as leis civis italianas, as mulheres são cidadãs como os homens".[9][8] Foi assim que, em 9 de agosto de 1883, Lidia Poët se tornou a primeira mulher admitida para exercer a advocacia.

Revogação do registro

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A Procuradoria Geral do Reino questionou a legitimidade do registro e contestou a decisão apelando para o Tribunal de Apelação de Turim.[8] Em 11 de novembro de 1883, o Tribunal de Apelação aceitou o pedido do promotor e ordenou a revogação do registro. Em 28 de novembro, Lidia Poët apresentou um elaborado recurso ao Tribunal de Cassação[10] que, com uma sentença em 18 de abril de 1884, manteve a decisão do Tribunal de Apelação, declarando que "As mulheres não podem exercer a advocacia",[11] e argumentando que a profissão de advogado devia ser qualificada como "cargo público", o que implicava uma exclusão óbvia, uma vez que a admissão de mulheres em cargos públicos não estava expressamente prevista na lei.[11]

Havia também considerações de natureza lexical: o marco legal sobre advocacia de 8 de junho de 1874, n. 1938, referia-se apenas ao gênero masculino, utilizando o termo "advogado" e nunca "advogada". A sentença também determinou que "no gênero humano, existem diferenças e desigualdades naturais [...] E, portanto, não se pode pedir ao legislador que remova nem mesmo as diferenças naturais inerentes ao gênero humano".[11]

A decisão também continha argumentos que eram tudo menos legais e reforçavam estereótipos de gênero. Afirma que as mulheres não podiam ser advogadas porque era impróprio para elas convergir "no clamor dos julgamentos públicos",[11] talvez discutindo temas embaraçosos para "meninas honestas";[11] ou que usavam togas sobre as roupas, tipicamente consideradas "estranhas e bizarras";[11] ou porque poderiam induzir os juízes a favorecer uma "advogada bonita".[11] Uma exclusão justificada também pela reserva natural do sexo, sua natureza, destinação, fragilidade física e a falta de características intelectuais e morais adequadas, como firmeza, severidade, constância que impediriam as mulheres de lidar com “assuntos públicos”.[11]

A anulação desencadeou um intenso debate, não apenas na Itália, e o assunto recebeu ampla cobertura de 25 jornais italianos apoiando os papéis públicos das mulheres e apenas três contra, como evidenciado pelo estudo de um advogado contemporâneo de Poët, Ferdinando Santoni de Sio, no ensaio "As mulheres e a advocacia".[12][10] Em 4 de dezembro de 1883, o Corriere della Sera publicou uma entrevista em que Lidia Poët comentava a sentença e resgatava sua trajetória de estudante, desde os primeiros dias do curso, quando foi acolhida pelos colegas "com grande curiosidade, mas com igual benevolência",[13] até o dia da formatura, que contou com a presença de mais de 500 alunos e palavras de reconhecimento do senador Cesare Bertea, em nome da "humanidade e liberdade".[13] Lídia Poët não pôde, portanto, exercer plenamente a sua profissão, mas colaborou com o irmão Giovanni Enrico e tornou-se ativa sobretudo na defesa dos direitos dos menores, dos marginalizados e das mulheres, apoiando também a causa do sufrágio feminino.

Congressos Penitenciários Internacionais

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Sua participação nos Congressos Penitenciários Internacionais[2] ainda é pouco conhecida. Lidia Pöet desempenhou funções importantes ao longo de trinta anos, como membro do Secretariado que tratava dos direitos dos presos e menores, promovendo a criação de tribunais de menores e abordando a questão da reabilitação de prisioneiros por meio da educação e do trabalho. Em 1885, participou do terceiro Congresso Penitenciário Internacional realizado em Roma; cinco anos depois, ela foi convidada a São Petersburgo para participar da quarta edição, como delegada. O governo francês, convidando-a a Paris para o Congresso realizado na cidade, nomeou-a Officier d'Académie,[14] honraria concedida por seu trabalho no tema.

Membro do Conselho Nacional das Mulheres Italianas (CNDI)

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Mulher de seu tempo, trabalhou pela emancipação feminina ao ingressar no Conselho Nacional das Mulheres Italianas (CNDI) desde sua fundação, em 1903, e foi encarregada de dirigir os trabalhos da seção jurídica nos primeiros congressos femininos italianos de 1908 e 1914,[3] onde foram debatidos temas que ainda hoje são muito atuais.

Nas atas do Congresso de 1914,[3] estão registradas demandas suas como "a admissão das mulheres às funções de tutoras, a tutela do magistrado e o patrocínio escolar para a proteção física e moral dos menores, a proibição da presença de menores nas audiências penais dos tribunais de justiça, a privação do poder paterno de pais indignos ou reconhecidos incapazes; assistência imediata a menores cujos pais se encontrem em prisão, hospital ou abandono; a proibição de admitir menores em espetáculos ofensivos à moral; a proibição de servir bebidas alcoólicas a menores nos estabelecimentos; a regulamentação do trabalho de menores, aumentando os limites de idade e reduzindo a jornada de trabalho, que não poderia exceder oito horas diárias para os meninos menores de 16 anos e para as meninas menores de 21 anos; o aumento do limite de idade para crimes contra a moral das vítimas para 14 anos em vez de 12, e para 18 anos em vez de 16, e a pena aumentada ao máximo para escritos e imagens obscenas expostas ao público”.[15]

Nesses simpósios, foram propostas instituições jurídicas inovadoras[3] que só entrariam no ordenamento jurídico italiano nas décadas seguintes, como a equiparação entre filhos naturais e legítimos (Lei 10 de dezembro de 2012, n. 219),[16] a proposta do serviço público para mulheres (Lei 6 de março de 2001, n. 64),[17] fundos familiares para alimentação dos filhos (Lei 16 de outubro de 1989, n. 364),[18] divórcio (Lei 1 de dezembro de 1970, n. 898)[19] e direito ao voto (decreto legislativo de 1946).

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, ela trabalhou como voluntária para a Cruz Vermelha Italiana e integrou o Comitê pelos Refugiados da comuna de Pinerolo.[20]

Admissão à Ordem dos Advogados

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Ao final da primeira guerra mundial, a Lei 17 de julho de 1919, n. 1.179, conhecida como Lei Sacchi, aboliu a autorização matrimonial e autorizou as mulheres a ingressarem em cargos públicos, exceto no judiciário, na política e em todas as funções militares na Itália.

No artigo 7º, a lei abria as portas do fórum às mulheres: "As mulheres são admitidas, em pé de igualdade com os homens, a exercer todas as profissões e a abranger todos os cargos públicos, exceto, salvo expressamente admitido pelas leis, aqueles que impliquem poderes jurisdicionais públicos ou o exercício de direitos e poderes políticos pertinentes à defesa do Estado”.

Depois de ter exercido a advocacia de facto por anos junto com seu irmão Giovanni Enrico, Lidia Poët finalmente ingressou na Ordem dos Advogados em 1920, aos 65 anos, tornando-se oficialmente a primeira mulher a ser admitida na profissão na Itália.

Em 1922, ela se tornou presidente do Comitê Pró-voto para mulheres em Turim.

Ela morreu na comuna de Diano Marina aos 93 anos, em 25 de fevereiro de 1949, e foi enterrada no cemitério de San Martino (Perrero), em Valle Germanasca.[20]

Reconhecimento

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Homenagem em placa de pedra em Turim

Em 28 de julho de 2021, o Conselho da Ordem dos Advogados de Turim dedicou uma homenagem em placa de mármore nos jardins do Palácio da Justiça da cidade.[21]

Uma escola em Pinerolo e outra em Frossasco receberam seu nome. As cidades de Livorno e San Giovanni Rotondo lhe dedicaram uma rua.

Referências na cultura de massa

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Lidia Poët, interpretada por Matilda De Angelis, é a protagonista da série de TV da Netflix chamada As Leis de Lidia Poët.

Referências

  1. a b c Ilaria Iannuzzi e Pasquale Tammaro (21 de setembro de 2022). «"Lidia Poët, la prima avvocata"» (PDF). Consultado em 18 de março de 2023 
  2. a b Cristina Ricci. «Congressi Penitenziari Internazionali». Consultado em 18 de março de 2023 
  3. a b c d Cristina Ricci. «Congressi Femministi». Consultado em 18 de março de 2023 
  4. «In attesa del 25 novembre Mondovì ricorda Lidia Poët, pioniera dell'emancipazione femminile». Targatocn.it (em italiano). 16 de novembro de 2022. Consultado em 18 de março de 2023 
  5. «Esame del primo anno di Giurisprudenza di Lidia Poët. Torino, 3 luglio 1878 · L'Archivio in mostra». www.asut.unito.it. Consultado em 18 de março de 2023 
  6. «Qui puoi trovare gli scritti dell'avvocata Lidia Poët». Lidia Poët. Consultado em 16 de fevereiro de 2023 
  7. «La festività dedicata alla donna nel mondo della giustizia: due casi esemplari». www.professionegiustizia.it (em italiano). Consultado em 18 de março de 2023 
  8. a b c POTO, Dario (2006). Giuristi subalpini tra avvocatura e politica. Studi per una storia dell'avvocatura piemontese dell'Otto e Novecento. [S.l.]: Alpina. pp. 58–59. ISBN 9788890247057 
  9. Onofri*, Laura (8 de junho de 2021). «Torino: un giardino per omaggiare Lidia Poët, prima avvocata d'Italia». Corriere della Sera (em italiano). Consultado em 18 de março de 2023 
  10. a b «Lidia Poët e l'avvocatura». Lidia Poët. Consultado em 16 de fevereiro de 2023 
  11. a b c d e f g h Cass. Torino 18 aprile 1884, Il Foro Italiano, Vol. 9, PARTE PRIMA: GIURISPRUDENZA CIVILE E COMMERCIALE (1884), pp. 341/342-353/354.
  12. Ferdinando Santoni De Sio (1884). La Donna e l'Avvocatura. Roma: Tipografia della Nuova Roma 
  13. a b «La signorina Lidia Poët». Corriere della Sera. 4 de dezembro de 1883 
  14. «Lidia Poët | Torino Scienza». www.torinoscienza.it (em italiano). Consultado em 18 de março de 2023 
  15. Cristina Ricci (2022). Lidia Poët. Vita e battaglie della prima avvocata italiana pioniera dell'emancipazione femminile. [S.l.: s.n.] 
  16. «LEGGE 10 dicembre 2012, n. 219 - Normattiva». www.normattiva.it. Consultado em 18 de março de 2023 
  17. «LEGGE 6 marzo 2001, n. 64 - Normattiva». www.normattiva.it. Consultado em 18 de março de 2023 
  18. «LEGGE 16 ottobre 1989, n. 364 - Normattiva». www.normattiva.it. Consultado em 18 de março de 2023 
  19. «LEGGE 1 dicembre 1970, n. 898 - Normattiva». www.normattiva.it. Consultado em 18 de março de 2023 
  20. a b «Home Page». Lidia Poët (em italiano). Consultado em 18 de março de 2023 
  21. «Un giardino per celebrare Lidia Poët». comune.torino.it. 28 de julho de 2021. Consultado em 6 de setembro de 2022 

Bibliografia

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  • Ferdinando Santoni de Sio, La Donna e l'Avvocatura, Rome, 1884 (2 vols.)
  • Montgomery H. Throop, "Woman and the Legal Profession", Albany Law Journal (Dez. 13, 1884), 464-67.
  • Marino Raichich, "Liceo, università, professioni: un percorso difficile," in Simonetta Soldani, ed., L'educazione delle donne: Scuole e modelli di vita femminile nell'Italia dell'Ottocento (Milão, 1989), 151-53.
  • Clara Bounous, La toga negata. Da Lidia Poët all'attuale realtà torinese (Pinerolo, 1997).
  • James C. Albisetti, "Portia ante portas. Women and the Legal Profession in Europe, ca. 1870-1925," Journal of Social History (Summer, 2000).
  • Concetta Brigadeci, Eleonora Cirant (org.), Impiegate e professioniste. Documenti e notizie, Unione femminile nazionale, 2016.
  • Clara Bounous, "Lidia Poët. Una donna moderna. Dalla toga negata al cammino femminile nelle professioni giuridiche", LAReditore, 2022.
  • Chiara Viale, "Lidia e le altre. Pari opportunità ieri e oggi: l'eredità di Lidia Poët", Guerini Next, 2022.
  • Cristina Ricci, "Lidia Poët. Vita e battaglie della prima avvocata italiana, pioniera dell'emancipazione femminile", Graphot & LAR Editori, Torino 2022.
  • Ilaria Iannuzzi e Pasquale Tammaro, "Lidia Poët. La prima avvocata", Le Lucerne, 2022.