Ludismo

O Ludismo ocorreu na Primeira Revolução Industrial na Inglaterra, e se baseia em quebras as máquinas das indústrias como protesto
(Redirecionado de Luditas)

Ludismo[1] ou luddismo[2] foi um movimento de trabalhadores ingleses do ramo de fiação e tecelagem, ativo no início do século XIX, nos primórdios da Revolução Industrial,[3] e que se notabilizou pela destruição de máquinas como forma de protesto. Os ludistas consideravam que o maquinário era usado, "de maneira fraudulenta e enganosa", para contornar práticas laborais consolidadas pela tradição.[4][5] A princípio, os ataques ludistas foram enfrentados a tiros pelos proprietários das máquinas. Por fim o movimento foi reprimido por forças militares, e o endurecimento da legislação britânica resultou em penas severas para os participantes do movimento.[6]

The Leader of the Luddites (gravura de 1812): um agitador vestido de mulher gesticula junto a um prédio em chamas, tendo ao fundo a multidão armada.

Ao longo do tempo, prevaleceu o entendimento do termo 'ludismo' como um movimento de reação ao progresso técnico - a industrialização, a mecanização, a automação e a novas tecnologias em geral[7][8] - embora tal entendimento seja objeto de revisão por parte dos historiadores.

Etimologia

editar

O termo deriva de Ned Ludd, personagem fictícia criada a fim de difundir o movimento entre os trabalhadores. Os ludistas chamaram muita atenção pelos seus atos: invadiam fábricas e destruíam máquinas, que, na sua visão, eram usadas "de maneira fraudulenta e enganosa", para contornar práticas laborais estabelecidas[4] e impor extensas jornadas de trabalho, sob condições frequentemente insalubres. De todo modo, os ludditas ficaram conhecidos como simples "quebradores de máquinas" contrários ao progresso técnico.

Na acepção atual, o termo 'luddita' (ou 'luddista') designa, em sentido depreciativo, toda pessoa, geralmente adepta do anarcoprimitivismo, que se oponha à industrialização ou a novas tecnologias. Especialmente nos Estados Unidos, trabalhadores que rejeitam essas tecnologias têm sido denominados de neo-luddites ('neoluddistas').[9] Esses luddistas atuais também criam técnicas — na forma de vírus de computadores e outras formas de malware — para atacar as "máquinas" atuais.[4]

Apogeu e declínio do movimento

editar

O movimento ludista teve o seu momento culminante no assalto noturno à tecelagem de William Cartwright, no condado de York, em abril de 1812. No ano seguinte, na mesma cidade, teve lugar o maior processo contra os luddistas: dos 64 acusados de terem atentado contra a manufatura de Cartwright, 13 foram condenados à morte e dois a deportação para as colônias. Apesar da dureza das penas, o movimento luddista não amainou, dado que os operários continuavam a viver em péssimas condições.

Mas ludismo passou a ser cada vez mais hostilizado pelo patronato britânico, que recorreu ao Parlamento, visando a criação de leis mais severas para punir os trabalhadores envolvidos em revoltas. Já havia, no Reino Unido, uma lei datada de 1721, que definia a deportação como pena máxima pela destruição de máquinas. Depois de 1812, porém, foi adotado o Frame-Breaking Act,[10] que estabelecia a pena de morte, como punição máxima para os envolvidos na destruição de máquinas. A partir de então, a perseguição aos luddistas tornou-se implacável. Centenas de pessoas foram presas, torturadas e executadas.

Enfim, o desenvolvimento industrial e a criação das primeiras trade unions (sindicatos) limitaram o alcance e as possibilidades das revoltas luddistas, determinando o declínio do movimento a partir de meados do século XIX.

Significado do movimento

editar

Segundo historiadores contemporâneos,[11] é um erro considerar que os luddistas protestassem simplesmente contra introdução de máquinas, visando obstar o progresso tecnológico. De fato as famílias da classe trabalhadora na Inglaterra, no início do século XIX, sofriam com a turbulência econômica e o desemprego generalizado. Segundo Frank Peel, um historiador de Yorkshire, a guerra aparentemente interminável contra a França de Napoleão trouxera a pobreza a lares "onde, até então, era desconhecida".[12] A comida era escassa e se tornava cada vez mais cara. Em março de 1811, na cidade de Nottingham, tradicional centro de produção têxtil, tropas britânicas atacaram uma multidão que protestava por mais trabalho e melhores salários.[4] Os tecelãos queixavam-se da redução de salários, do emprego de jovens não treinados para fazer o mesmo trabalho e do uso dos teares mais largos para produzir tecidos mais baratos e de qualidade inferior. A degradação dos salários e o uso de mão de obra não qualificada contrariavam o "contrato social" que tradicionalmente vigorava entre artífices e mestres.[5] Os ataques luddistas começaram poucos meses depois, no mês de novembro do mesmo ano, espalhando-se por Nottinghamshire, assumindo assim dimensões de uma rebelião regional que perduraria até 1816.[13] A prática acabou por ser punida com a pena de morte (conforme o Frame-Breaking Act, lei aprovada pelo Parlamento Britânico em 1812).[9]

Eric Hobsbawm, em seu artigo "The Machine Breakers",[11] analisa os motivos por trás da quebra das máquinas. Segundo o historiador, tal prática era sobretudo um meio de pressionar os empregadores, e não envolvia hostilidade contra as máquinas propriamente. A ideia era destruir as máquinas para pressionar os empregadores nas negociações - uma prática tradicional entre os mineiros de carvão, que chegavam a recorrer à demolição para pressionar os patrões. Em muitas partes da Inglaterra, como Northumberland e Durham, os mineiros destruíam máquinas visando obter aumentos salariais ou impedir a redução dos seus salários. Por outro lado, as novas máquinas não eram realmente bem vistas entre os pequenos produtores, seja porque perturbassem o seu modo de vida, seja porque não fossem mesmo um bom negócio no momento; entretanto eles também percebiam a mecanização como fortalecimento da posição dos seus principais rivais - os grandes empreendedores modernizados. Por isso as revoltas de trabalhadores contra as máquinas foram eventualmente usadas por esses pequenos produtores, como uma forma de atacar seus novos concorrentes. Diante disso, é possível entender o movimento luddista menos como uma agitação de trabalhadores e principalmente como um aspecto da concorrência entre produtores tradicionais e progressistas.

Vale lembrar que luddismo não foi um fenômeno exclusivamente britânico, tendo sido registrados movimentos semelhantes na Bélgica,[14] na Renânia[15] e na Silésia.[16]

Ver também

editar

Referências

  1. «Ludismo». Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa. Porto Editora. Consultado em 4 de janeiro de 2018 
  2. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras:
    'luddismo', "ação contra as máquinas"
    'ludismo', "caráter de jogo".
  3. The Luddite Link
  4. a b c d Richard Conniff (março de 2011). «What the Luddites Really Fought Against». Smithsonian Magazine 
  5. a b «Who were the Luddites?». History.com 
  6. HOBSBAWN, Eric J. A Era das Revoluções. Paz & Terra; Edição Revista (31 dezembro 2012
  7. "Luddite" Compact Oxford English Dictionary at AskOxford.com.
  8. Infopédia: 'ludismo'
  9. a b SANDRONI, Paulo (org.) Novíssimo Dicionário de Economia. Best seller, 1999, p. 357
  10. Karly Walters (2004). «Law, "Terror", and the Frame-Breaking Act» (pdf). University of London 
  11. a b The machine breakers - Eric Hobsbawm libcom.org
  12. PEEL, Frank. The Risings of the Luddites - Chartists & Plugdrawers. Heckmondwike: Senior and Co ., Printers 1888, p. 9.
  13. A Field Guide To Anti-Technology Movements, Past And Present. Por Carolyn Gregoire. The Huffington Post, 17 de janeiro de 2014.
  14. COOK, Bernard A. Belgium: A History. Peter Lang, 2002, pp 69s
  15. ROWE, Michael. From Reich to State: The Rhineland in the Revolutionary Age, 1780-1830 Cambridge University Press, 2003, pp. 277
  16. LUCASSEN, Jan. Global Labour History: A State of the Art. Peter Lang, 2008.

Bibliografia

editar
  • Rebels Against the Future: The Luddites and Their War on the Industrial Revolution : Lessons for the Computer Age. Kirkpatrick Sale; Addison-Wesley, 17 de abr de 1996 - 336 páginas

Ligações externas

editar

Charges e documentos da época

editar