Modelo Denver de Intervenção Precoce

Método de tratamento precoce para crianças com sinais de autismo

O Modelo Denver de Intervenção Precoce (em inglês: Early Start Denver Model), às vezes chamado apenas de ESDM pelo seu acrônimo em inglês, é uma forma de terapia dirigida a jovens crianças que apresentam sinais precoces de estar no espectro do autismo. O modelo foi proposto pelas psiquiatras americanas Sally J. Rogers e Geraldine Dawson. Destina-se a ajudar as crianças a melhorar traços de desenvolvimento o mais cedo possível, de modo a reduzir ou eliminar as lacunas nas capacidades entre o indivíduo e seus pares.

Histórico editar

As psiquiatras americanas Sally J. Rogers e Geraldine Dawson começaram a desenvolver o Early Start Denver Model durante durante a década de 1980.[1] Enquanto trabalhava na Universidade do Colorado, em Denver, Rogers oferecia o que inicialmente chamava de "modelo de escola de brincar" de intervenção, que era aplicado a crianças na pré-escola durante suas atividades lúdicas regulares.[2] O modelo era baseado na teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget[2] e veio a ser descrito por Rogers e Dawson como o "modelo de Denver", ou Modelo Denver, em alusão à cidade onde surgiu.[3]

Em 2010, as duas pesquisadoras publicaram o livro Early Start Denver Model for Young Children with Autism: Promoting Language, Learning, and Engagement,[4] no qual o ESDM é manualizado e descrito em detalhes. O livro foi traduzido para o português em 2014, sendo intitulado "Intervenção Precoce em Crianças com Autismo".[5] O método geralmente dirigido a crianças entre 12 e 48 meses de idade,[6] e está intimamente relacionado com Análise Aplicada do Comportamento (ABA), influenciando e sendo influenciado por este campo de trabalho, embora não seja, tecnicamente, uma forma de ABA.[2][7]

Descrição editar

O Modelo Denver visa utilizar “rotinas de atividades conjuntas” que explorem os interesses naturais da criança para explorar o seu potencial de aprendizagem, moldando suas atividades cotidianas com seus cuidadores para maximizar o seu potencial de desenvolvimento de acordo com o diagnóstico que se faça de seu nível de desenvolvimento.[7]

Rogers e Dawson descrevem os principais recursos do ESDM como:[4]

  1. uma equipa interdisciplinar que implementa uma rotina de desenvolvimento que aborda todos os domínios;
  2. foco no engajamento interpessoal;
  3. desenvolvimento da imitação fluente, recíproca e espontânea de gestos, movimentos e expressões faciais e uso de objetos;
  4. ênfase no desenvolvimento da comunicação não-verbal e verbal;
  5. foco nos aspectos cognitivos do brincar realizado dentro das rotinas de jogo diádico;
  6. envolvimento dos pais no processo.

Avaliação editar

A intervenção no Modelo Denver começa com a avaliação dos níveis de habilidade da criança nos campos de linguagem, habilidades sociais, imitação, cognição, jogo, habilidades motoras e autonomia. A avaliação serve como linha de base para futuras reavaliações, que são refeitas a cada 12 semanas,[8] e um modelo dela é apresentado no livro de Rogers e Dawson de 2010,[1] sendo chamado de ESDM Curriculum Checklist.[9]

Plano de intervenção editar

Os resultados desta primeira avaliação são usados para desenhar o plano de intervenção, que descreve as atividades a serem realizadas com a criança pelos pais e terapeutas. Uma equipe interdisciplinar supervisiona o andamento da aplicação do plano e realiza ajustes nele a cada nova avaliação, que se realiza a cada 12 semanas.[4] Os pais também são treinados e desempenham um papel no programa, adotando aspectos das atividades do plano de intervenção da criança em seu cotidiano.[10]

Entre os domínios trabalhados no plano de intervenção destacam-se: imitação, comunicação não-verbal (incluindo atenção compartilhada), comunicação verbal, desenvolvimento social (incluindo partilha de emoções) e brincadeira.[4]

Eficácia editar

Vários estudos foram publicados com o objetivo de avaliar a eficácia do Modelo Denver na mitigação dos atrasos de desenvolvimento em crianças diagnosticadas com autismo. Pesquisas desse tipo são inerentemente complexas, pois envolvem a comparação de grupos que recebem diferentes tipos de tratamento, sendo eticamente questionável deixar de lado um grupo de controle que não receberia nenhum tratamento; portanto, pode ser desafiador realizar a medição objetiva dos efeitos do tratamento.[1]

Rogers e Dawson estudam e publicam continuamente estudos sobre a eficácia do método. Publicaram, com outros 6 autores, um estudo randomizado controlado em 2012 que indica que início precoce de intervenção e mais horas semanais de sessões se correlacionam positivamente com melhorias na maioria das variáveis medidas pelo método.[11] A este se seguiu um estudo, publicado em 2015, em que buscaram avaliar a eficácia do método no longo prazo examinando, aos 6 anos, crianças que receberam tratamento no Modelo Denver até os 4 anos de idade. Ao comparar um grupo que recebeu métodos tradicionais de tratamento com outro grupo que recebeu o tratamento Denver, com início entre 18 e 30 meses de idade, o estudo não apontou diferenças significativas entre os grupos no tocante aos sintomas centrais do autismo imediatamente após o término do tratamento (aos 4 anos de idade). O grupo do Modelo Denver apresentou, no entanto, melhorias significativas nos principais sintomas do autismo após 2 anos, o que implica que os benefícios do tratamento iniciado precocemente afetam traços de desenvolvimento que só se tornam perceptíveis em estágios posteriores de maturidade. Este foi o primeiro estudo que analisou a eficácia do Modelo Denver iniciado em idades inferiores a 30 meses.[12]

Meta-análises e revisões sistemáticas mostraram que o Modelo Denver apresenta resultados robustos.[13] Uma meta-análise de 12 estudos individuais com um total de 640 crianças publicada em 2020 concluiu que, em comparação com grupos de controle que receberam formas tradicionais de tratamento, as crianças que receberam o Denver apresentaram melhorias significativas nas habilidades cognitivas e de linguagem (números g de 0,412 e 0,408, respectivamente).[14] Outra meta-análise avaliou 11 estudos randomizados controlados descritos como de alta qualidade e analisou os resultados em quatro domínios principais relacionados ao TEA (sintomas de autismo, linguagem, cognição e comunicação social). O estudo mostrou que as crianças que receberam o Modelo Denver apresentaram melhorias significativas nos domínios de cognição (g = 0,28), sintomas de autismo (g = 0,27) e linguagem (g = 0,29).[15]

Adoção nos países editar

O diagnóstico do autismo sofreu mudanças significativas nas últimas décadas, o que significa que as formas de tratamento também mudaram.[16] Portanto, diferentes países têm incorporado as opções de tratamento de forma heterogênea, fazendo com que o Modelo Denver tenha sido adotado com diferentes intensidades no mundo. A lista abaixo apresenta uma breve descrição de como o sistema de saúde de cada país (público ou privado) lida com essa forma de tratamento:

Austrália editar

O National Disability Insurance Scheme, programa público de seguro de saúde do governo australiano, reconhece o Modelo Denver como uma forma de "intervenção comportamental de desenvolvimento natural" com evidências científicas suficientes para apoiá-lo,[17] e cobre os custos de tratamento e sessões de treinamento dos pais se a criança se enquadrar neste tipo de tratamento.[18]

Brasil editar

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão regulador das operadoras de planos privados de saúde, reconhece diferentes formas de TEA no âmbito dos transtornos globais do desenvolvimento. A ANS lista o Modelo Denver como uma das formas de tratamento que deve ser levada em consideração pelos profissionais de saúde para crianças com transtornos do desenvolvimento. Desde 1º de julho de 2022, os seguros de saúde são obrigados a fornecer a forma de tratamento prescrita pelo médico da criança, incluindo o Modelo Denver.[19]

França editar

Desde 2012, a Haute Autorité de Santé da França reconhece a eficácia do Modelo Denver e recomenda que as instituições públicas de saúde a considerem como uma de suas opções no tratamento de crianças com TEA.[20]

Estados Unidos editar

Todos os 50 estados dos EUA têm legislação que exige a cobertura de tratamentos do espectro do autismo por planos de saúde privados.[21] O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) inclui o Modelo Denver como uma das abordagens indicadas para tratamento do TEA.[22]

Um estudo de aplicação do ESDM em idade precoce foi realizado para avaliar a razão entre custo e benefício na aplicação do Modelo Denver em idade precoce, comparativamente a usar os métodos tradicionais de tratamento em estágios posteriores. O estudo indica que o aumento médio do custo do tratamento em idades mais jovens foi significativamente menor do que a economia total em tratamentos em idades mais avançadas, com crianças precisando de menos sessões de ABA/EIBI, terapia ocupacional, fisioterapia e serviços de fonoaudiologia.[23]

Referências

  1. a b c «Is There Science Behind That?: Early Start Denver Model». Association for Science in Autism Treatment (em inglês). Consultado em 24 de janeiro de 2023 
  2. a b c McGee, Gail (23 de outubro de 2008). «What Is The Denver Model?». ABC News (em inglês). Consultado em 24 de janeiro de 2023 
  3. Rogers, Sally J. (2013), Volkmar, Fred R., ed., «Early Start Denver Model», ISBN 978-1-4419-1698-3, New York, NY: Springer, Encyclopedia of Autism Spectrum Disorders (em inglês): 1034–1042, doi:10.1007/978-1-4419-1698-3_1821, consultado em 24 de janeiro de 2023 
  4. a b c d Rogers, Sally J.; Dawson, Geraldine (2010). Early Start Denver Model for young children with autism : promoting language, learning, and engagement. New York: Guilford Press. ISBN 978-1-60623-631-4. OCLC 406124029 
  5. Rogers, Sally; Dawson, Geraldine (2014). Intervenção Precoce em Crianças com Autismo. Lisboa: Lidel. ISBN 978-9897520853 
  6. «Early Start Denver Model (ESDM)». Autism Speaks (em inglês). Consultado em 24 de janeiro de 2023 
  7. a b Vivanti, Giacomo; Stahmer, Aubyn C. (março de 2021). «Can the Early Start Denver Model Be Considered ABA Practice?». Behavior Analysis in Practice (em inglês). 14 (1): 230–239. ISSN 1998-1929. PMC 7900312 . PMID 33732593. doi:10.1007/s40617-020-00474-3 
  8. Rogers, Sally J. (2010). Early Start Denver Model curriculum checklist for young children with autism. New York: Guilford. ISBN 978-1-60623-633-8. OCLC 502315907 
  9. J., Rogers, Sally (2010). Early Start Denver Model curriculum checklist for young children with autism. [S.l.]: Guilford. ISBN 978-1-60623-633-8. OCLC 502315907 
  10. Rogers, S. J.; Estes, A.; Vismara, L.; Munson, J.; Zierhut, C.; Greenson, J.; Dawson, G.; Rocha, M.; Sugar, C. (10 de setembro de 2018). «Enhancing Low-Intensity Coaching in Parent Implemented Early Start Denver Model Intervention for Early Autism: A Randomized Comparison Treatment Trial». Journal of Autism and Developmental Disorders. 49 (2): 632–646. ISSN 0162-3257. PMID 30203308. doi:10.1007/s10803-018-3740-5 
  11. Rogers, Sally J.; Estes, Annette; Lord, Catherine; Vismara, Laurie; Winter, Jamie; Fitzpatrick, Annette; Guo, Mengye; Dawson, Geraldine (outubro de 2012). «Effects of a Brief Early Start Denver Model (ESDM)–Based Parent Intervention on Toddlers at Risk for Autism Spectrum Disorders: A Randomized Controlled Trial». Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry. 51 (10): 1052–1065. ISSN 0890-8567. doi:10.1016/j.jaac.2012.08.003 
  12. Estes, Annette; Munson, Jeffrey; Rogers, Sally J.; Greenson, Jessica; Winter, Jamie; Dawson, Geraldine (1 de julho de 2015). «Long-Term Outcomes of Early Intervention in 6-Year-Old Children With Autism Spectrum Disorder». Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry (em inglês). 54 (7): 580–587. ISSN 0890-8567. doi:10.1016/j.jaac.2015.04.005 
  13. Waddington, Hannah; van der Meer, Larah; Sigafoos, Jeff (1 de junho de 2016). «Effectiveness of the Early Start Denver Model: a Systematic Review». Review Journal of Autism and Developmental Disorders (em inglês). 3 (2): 93–106. ISSN 2195-7185. doi:10.1007/s40489-015-0068-3 
  14. Fuller, Elizabeth A.; Oliver, Kelsey; Vejnoska, Sarah F.; Rogers, Sally J. (12 de junho de 2020). «The Effects of the Early Start Denver Model for Children with Autism Spectrum Disorder: A Meta-Analysis». Brain Sciences. 10 (6). 368 páginas. ISSN 2076-3425. PMC 7349854 . PMID 32545615. doi:10.3390/brainsci10060368 
  15. Wang, Zhi; Loh, Sau Cheong; Tian, Jing; Chen, Qian Jiang (2022). «A meta-analysis of the effect of the Early Start Denver Model in children with autism spectrum disorder». International Journal of Developmental Disabilities. 68 (5): 587–597. ISSN 2047-3877. PMC 9542560 . PMID 36210899. doi:10.1080/20473869.2020.1870419 
  16. Lordan, Ronan; Storni, Cristiano; De Benedictis, Chiara Alessia (2021), Grabrucker, Andreas M., ed., «Autism Spectrum Disorders: Diagnosis and Treatment», ISBN 978-0-6450017-8-5, Brisbane (AU): Exon Publications, Autism Spectrum Disorders, PMID 34495618, consultado em 14 de fevereiro de 2023 
  17. «Naturalistic developmental behavioural interventions | NDIS». www.ndis.gov.au (em inglês). Consultado em 14 de fevereiro de 2023 
  18. «ESDM for parents and carers - University of Wollongong – UOW». www.uow.edu.au (em inglês). Consultado em 14 de fevereiro de 2023 
  19. «ANS amplia regras de cobertura para tratamento de transtornos globais do desenvolvimento». Agência Nacional de Saúde Suplementar. Consultado em 14 de fevereiro de 2023 
  20. «ESDM early start denver model». info (em francês). Consultado em 14 de fevereiro de 2023 
  21. «Using Health Insurance for Autism Therapy». Soar Autism Center (em inglês). Consultado em 14 de fevereiro de 2023 
  22. CDC (9 de março de 2022). «Treatment and Intervention Services for Autism Spectrum Disorder». Centers for Disease Control and Prevention (em inglês). Consultado em 14 de fevereiro de 2023 
  23. Cidav, Zuleyha; Munson, Jeff; Estes, Annette; Dawson, Geraldine; Rogers, Sally; Mandell, David (setembro de 2017). «Cost Offset Associated With Early Start Denver Model for Children With Autism». Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry. 56 (9): 777–783. ISSN 0890-8567. PMC 7007927 . PMID 28838582. doi:10.1016/j.jaac.2017.06.007