O Castelo de Gaia localizava-se na cidade e concelho de Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto, em Portugal.

Castelo de Gaia
Castelo de Gaia
Panorama de Gaia, Portugal.
Património Nacional
DGPC 74135
SIPA 5364
Geografia
País Portugal
Localização Santa Marinha
Coordenadas 41° 08' 23" N 8° 37' 28" O
Mapa
Localização em mapa dinâmico

O castelo localizava-se em posição dominante no alto da colina de Gaia.

História

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Antecedentes

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Acredita-se que a primitiva ocupação de seu sítio, remonte à Idade do Bronze, a um castro dos Celtas.

À época da Invasão romana da península Ibérica, nesse ponto de travessia do rio Douro formou-se uma povoação conhecida como "Cale " ou "Gale" (uma vez que no latim clássico não há distinção clara entre as letras e o som "g" e "c"). Esta toponíma é possivelmente de origem Céltica, um desenvolvimento de "Gall-", modo pelo qual este povo se referia a si próprio (outros exemplos são encontrados nas palavras "Galicia", "Gaul", "Galway"). O nome do próprio rio Douro ("Durus" em latim), também provém do Celta "dwr", com o significado de "água".

No contexto da Romanização, embora a maioria da população habitasse a margem sul do rio, existia uma pequena comunidade agrupada em torno do porto de águas fundas onde se situa atualmente a zona ribeirinha do Porto. O nome da povoação, posteriormente "Portus Cale", significaria "o porto" (em latim "portus") da cidade de Gaia. Ponto de passagem priveligiado, com o posterior desenvolvimento económico-comercial, a margem norte acabou por também crescer em importância, tendo-se aí estabelecido o núcleo administrativo-religioso, afirmando o comercial. Como em outros pontos-chaves de suas estradas, aqui também teria existido uma guarnição romana.

Diante da Invasão islâmica da península Ibérica a partir do século VIII, e posteriormente, no contexto da Reconquista cristã da península, por volta do ano 1000, a fronteira entre muçulmanos e cristãos fixou-se no rio Douro. Diante das oscilações da linha de fronteira, a povoação de Cale (Gaia), perdeu a sua população cristã, que se refugiou na margem norte do rio. O primitivo castelo terá sido erguido pelas forças muçulmanas, uma vez que é referido em uma das antigas lendas associadas a Gaia, que se refere ao confronto entre o rei cristão D. Ramiro e o rei mouro Alboazer.[1]

Com a conquista definitiva e subsequente pacificação dos territórios a sul do Douro por volta de 1035, registou-se um repovoamento da antiga Gaia, incentivado por foral passado pelos novos senhores das terras conquistadas. A nova povoação denominou-se "Vila Nova de Gaia", florescendo ao abrigo dos muros do antigo castelo de Gaia.

O nome das duas povoações - do Porto e de Gaia - era usualmente referida em documentos coevos como "villa de Portucale", e o condado do Reino de Leão no qual se inscreviam, denominado de "Portucalense".

Da fundação de Portugal às Guerras Liberais

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Após a fundação do reino de Portugal, as duas povoações - Gaia e a Vila Nova - mantiveram-se autónomas. Gaia recebeu carta de foral passada pelo rei D. Afonso III em 1255 seguindo-se Vila Nova, por D. Dinis, em 1288.

O castelo foi conquistado pelo príncipe D. Afonso, filho de D. Dinis, em 4 de Janeiro de 1322. Poucos anos mais tarde, o príncipe D. Pedro, ao saber que seu pai, D. Afonso IV, tinha autorizado a morte de D. Inês de Castro, entrou em guerra aberta contra o pai e saqueou a região do Entre-Douro-e-Minho (1355-1357), tendo também se apoderado de Gaia e seu castelo. Data deste período o primeiro alcaide conhecido do castelo, Rodrigo Anes de Sá, nomeado por D. Pedro, já rei, em 29 de Julho de 1357.[2]

Nesse período, o castelo sofreu obras de reparação ou reforço, uma vez que, em 1366, o abade do mosteiro de Pedroso forneceu vinte carros de lenha para o Castelo de Gaia, também tendo sido cedidos pela mesma instituição carros e bois para esses trabalhos.[3]

Ainda nesse século, em 1383, ambas as povoações foram integradas no julgado do Porto, perdendo a sua autonomia. Talvez por esse motivo, em 1385 os cidadãos portuenses, a pretexto de desacordos com o alcaide Aires Gomes de Sá, assaltaram o castelo e o danificaram de tal modo que o mesmo deixou de ter alcaide. Essas informações são confirmadas pela crónica de João de Barros, que sob o reinado de D. João III, sobre o castelo registou:

"Tem a cidade o arrabalde de Vila Nova, cuja paróquia é Santa Marinha e junto dela está o Castelo de Gaia em um lugar alto e mui aprazível. Este castelo é já derribado, que a cidade já derribou. É tão antigo que dizem que o fundou Caio Júlio César. E nele estavam umas pedras com o nome de Caio César."

Por esta época, existiam, junto ao castelo, diversos templos: a capela de São Marcos, que a tradição considera ter sido a primeira Sé, a capela de Nossa Senhora do Castelo, a capela de Nossa Senhora da Piedade e a capela de São Lourenço mártir.

O castelo é mencionado ainda no Foral Novo de Vila Nova de Gaia, passado por D. Manuel I, que refere: "Pello caseyro do castelo de Gaya setecentos reaaes."

No século XIX, a cidade esteve no centro de batalhas significativas tanto na Guerra Peninsular como na Guerra Civil Portuguesa (1828-1834), quando uma vez mais o Douro marcou a fronteira entre os beligerantes. Data deste segundo conflito o desaparecimento do que restava do antigo castelo de Gaia.

Tendo as forças de Miguel I de Portugal se fortificado no local, montando aí uma bateria,[4] dela fizeram fogo sobre o Palácio dos Carrancas onde D. Pedro tinha estabelecido o seu quartel-general. D. Pedro, bombardeado no seu próprio quarto, mudou-se para Cedofeita, e no dia seguinte, em sua visita de rotina às linhas, dirigiu-se à chamada Bateria das Virtudes (onde hoje se encontra o SAOM) com cujo fogo desfez o reduto do Castelo de Gaia. O que restava do antigo castelo desapareceu na ocasião (c. 1833), tendo sido o seu terreno vendido pelo Estado.

Um de seus novos proprietários ali ergueu um grande edifício, que foi legado por um de seus herdeiros à Santa Casa da Misericórdia do Porto para que nele fosse instalado um asilo de cegos pobres e abandonados: o Asilo dos Cegos, na atual ladeira do Castelo.

A lenda do rei Ramiro

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De acordo com uma antiga lenda, que se afirma remontar ao século X, o rei Ramiro II de Leão apaixonou-se por uma bela moura, irmã do emir Alboazer Alboçadam, cujos domínios se estendiam de Gaia até Santarém. Apesar de já ser casado, Ramiro imaginou que seria fácil obter da Igreja a anulação do seu casamento dado o laço de parentesco que o unia à sua esposa, D. Aldora. Desse modo, sob influência dessa paixão e pretendendo pedir a sua amada em casamento, Ramiro decidiu firmar a paz com Alboazer, sendo recebido no castelo deste, em Gaia.

Entretanto, Alboazer recusou o pedido terminantemente: jamais daria a mão da irmã em casamento a um cristão e, de todas as formas, ela já havia sido prometida ao rei de Marrocos...

Ramiro, vexado, aparentou aceitar a recusa e retirou-se. Entretanto, com o auxílio de um astrólogo mouro, Amã, a quem pediu que estudasse os astros para estabelecer a data propícia, levou a cabo, em segredo, o rapto da moura. Alboazer, ao dar falta da irmã, compreendeu o que acontecera e partiu imediatamente em seu encalço, logrando alcançar os raptores a embarcar no cais de Gaia. No combate que então se feriu, a sorte das armas, entretanto, foi favorável aos cristãos, tendo a moura sido levada para o reino de Leão, onde recebeu o batismo quando recebeu o nome de Artiga, que tanto significava "castigada e ensinada" como "dotada de todos os bens".

Alboazer, para se vingar, raptou a seu turno a esposa legítima do rei Ramiro, D. Aldora, juntamente com todo o seu séquito. Quando o rei Ramiro soube do rapto ficou louco de raiva e, juntamente com o seu filho D. Ordonho e alguns vassalos, zarpou de barco para Gaia. Aí chegados Ramiro disfarçou-se de pedinte e dirigiu-se a uma fonte onde encontrou uma das aias de D. Aldora, e a quem pediu um pouco de água, aproveitando para, dissimuladamente, deitar na bilha da água meio camafeu, do qual a rainha possuía a outra metade. Reconhecendo a jóia, D. Aldora mandou buscar o rei disfarçado de pedinte e, como castigo pela infidelidade dele, entregou-o a Alboazer.

Sentindo-se perdido, o rei Ramiro pediu a Alboazer uma execução pública, esperando, com astúcia, ganhar tempo para poder avisar o seu filho através do toque do seu corno de caça. Ao ouvir o sinal combinado, D. Ordonho acorreu com os seus homens ao castelo e juntos mataram Alboazer e as suas gentes, para além de arrasarem o castelo. Fazendo levar D. Aldora e as suas aias para o seu barco, o rei Ramiro atou uma de pedra ao pescoço da rainha e atirou-a ao mar num local que ficou a ser conhecido por Foz de Âncora.

A lenda conclui informando que Ramiro voltou para Leão onde finalmente se casou com a moura, de quem teve vasta descendência.

Notas

  1. A lenda popular foi recolhida e publicada por Almeida Garret em 1845, no "Jornal de Belas Artes" (v. 1). Ver ainda: Lendas de Portugal no Sapo. A lenda também está associada à conquista de Viseu (ver Muralhas de Viseu).
  2. "Corpus Codicum" da Câmara do Porto, v. 2, p. 134.
  3. Cf. pergaminhos nºs 196 e 209 do Arquivo da Universidade de Coimbra.
  4. As baterias de artilharia miguelistas localizavam-se no Cabedelo, no Monte da Afurada, no Verdinho, no Castelo de Gaia, no Pinhal de D. Leonor, na Barrosa e em Campo Belo.



Castelos de Portugal :: Distrito do Porto
Ver também: Fortalezas de Portugal