Motim em Sucro
O motim em Sucro foi um motim do exército romano acampado em Sucro, uma antiga fortaleza romana na Espanha, ocorrido no início de 206 a.C. durante a conquista romana da península Ibérica no contexto da Segunda Guerra Púnica[1]. Os amotinados alegaram diversos motivos para a revolta, incluindo pagamentos atrasados e problemas nas linhas de suprimento, condições que já perduravam por alguns anos[1]. A causa imediata foram rumores de que o comandante das tropas, o jovem Públio Cornélio Cipião (futuro "Africano"), estaria gravemente doente[1]. Porém, os rumores se mostraram falsos e Cipião conseguiu não somente sufocar a revolta como também identificar e executar os seus líderes[2][3][4].
Motim em Sucro | |||
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Segunda Guerra Púnica | |||
Data | 206 a.C. | ||
Local | Sucro | ||
Coordenadas | |||
Desfecho | Revolta foi sufocada pelo comando romano | ||
Beligerantes | |||
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Comandantes | |||
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Forças | |||
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Baixas | |||
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Localização de Sucro no que é hoje a Espanha | |||
Estudiosos antigos consideravam este motim como sendo o mais importante evento dos primeiros anos da carreira militar de Cipião Africano[5].
Localização
editarUma fonte indica que Sucro está localizado nas redondezas de Alzira, a poucos quilômetros a leste da foz do rio Júcar ("Sucro")[6]. Segundo outra fonte, Sucro está localizada a meio caminho entre Cartagena e a foz do Ebro, uma localidade conhecida como Cullera, perto de Alzira[7], uma identificação confirmada por outras fontes[8][9]. Lidell localiza a Sucro em algum lugar entre Cartagena e Tarraco[10]. Finalmente, Scullard afirma que o acampamento de Sucro foi criado perto da foz do rio Sucro, em uma linha de comunicação para Nova Cartago criada por Africano ao sul de Sagunto[11].
Contexto
editarO motim irrompeu quando Africano, que comandava uma fortaleza com 8 000 soldados em Sucro[11], ficou gravemente doente durante a ocupação de Nova Cartago[10][12]. Os rumores foram tão exagerados a ponto de os líderes, cerca de 35, considerarem que Africano estava morto ou à beira da morte e passaram a instigar abertamente os soldados a se revoltarem[1][13]. Frustrados, os revoltosos acreditavam que o sucesso do motim faria com que suas preocupações fossem ouvidas e endereçadas pelo comando do exército[1].
Uma delas era o frequente atraso nos pagamentos, com alguns soldados reclamando de terem ficado anos sem receber[14]. Outra reclamação era que os soldados não estariam recebendo a parte que consideravam justa dos saques[14]. Eles estavam insatisfeitos também por problemas no recebimento das provisões necessárias[14] e por causa dos longos períodos de inatividade, pois queriam lutar (o que criava condições para o saque) ou serem enviados de volta para Roma[14], especialmente os que já estavam servindo por períodos muito mais longos do que o normal[15]. Finalmente, as tropas na Hispânia acreditavam que não haviam recebido o devido crédito pela expulsão dos cartagineses da região[14].
Uma das primeiras coisas que os amotinados fizeram foi demonstrar abertamente a falta de respeito pelos oficiais comandantes[10]. Logo em seguida, eles prenderam os tribunos militares leais a Roma e os substituíram pela liderança do movimento[13]. Já em revolta aberta, os soldados passaram a saquear toda a região à volta da fortaleza de Sucro[16]. Durante todo este período, as insígnias militares romanas foram substituídas por fasces com machados (um símbolo da morte)[1].
Revolta
editarOs amotinados e seus líderes esperavam notícias da morte de Cipião a qualquer momento e antecipavam a chegada dos detalhes do iminente funeral[1]. Ao invés disto, chegaram informações de que Cipião estava vivo e bem de saúde[17]. Dois líderes tribais da região, Indíbil, dos ilergetes, e Mandônio, dos ausetanos, que haviam se unido aos revoltosos no início do motim, voltaram para seus territórios e foram perdoados[17]. A partir daí, os instigadores do rumor da morte de Cipião, líderes da revolta, passaram a afirmar que eram apenas pessoas inocentes que haviam passado adiante um rumor sem verificá-lo antes e temiam ser identificados como lideranças[17]. Dois dos principais eram soldados comuns identificados pelos nomes Caio Átrio, da Úmbria, e Caio Álbio, de Cales — "Negro" e "Alvo/Branco" respectivamente[17][18]. Sete tribunos militares em Sucro que ainda eram leais a Roma foram hostilizados por não se juntarem aos rebeldes[19] e acabaram expulsos para Nova Cartago, onde estava Cipião[19].
Com seus 7 000 soldados em Nova Cartago em inferioridade em relação aos 8 000 amotinados em Sucro, Cipião decidiu não realizar uma punição sumária[19] e assumiu uma posição pensada para evitar um confronto direto[19]. Ele enviou os sete tribunos militares leais de volta para Sucro para descobrir os motivos reais do motim[19][20]. Já em Sucro, eles conversaram calmamente com grupos de soldados em reuniões na tenda do comandante e com diversos soldados isoladamente[19], uma abordagem diplomática que ajudou a arrefecer as tensões[19]. Ainda com o objetivo de evitar o confronto, os tribunos evitaram discutir o grave tema da traição da tropa[21]. Uma vez satisfeitos, os tribunos voltaram para Nova Cartago e apresentaram suas conclusões a Cipião[16][17][21].
Solução
editarOs tribunos foram novamente enviados para Sucro com a missão de pedir aos amotinados que viessem até Nova Cartago para receber os pagamentos devidos, retirar as provisões e outros itens que necessitavam pois suas reivindicações pareciam razoáveis[21][22]. Em paralelo, Cipião enviou emissários às cidades hispânicas para conseguir o dinheiro e os suprimentos necessários[21] e fez questão de fazê-lo da forma mais ostensiva possível para que os soldados em Sucro recebessem relatos de que ele estaria de fato se esforçando para cumprir sua oferta[21]. Finalmente, Cipião marcou a data para o evento[1][23][24].
O plano de Cipião, porém, era outro[23][24] e parte dele foi encenar uma mobilização militar contra Indíbil e Mandônio, os líderes celtiberos que haviam desertado da aliança com Roma para se unir aos rebeldes[23][24]. Suas tropas deixariam Nova Cartago na manhã anterior àquela na qual os amotinados deveriam aparecer para receber seus pagamentos[23][24]. Os amotinados se sentiram confiantes de que estariam em posição vantajosa, pois o exército de Cipião estaria fora e apenas ele estaria na cidade para enfrentá-los[25]. Durante as investigações, Cipião havia instruído que cada um dos sete tribunos militares deveria entregar o nome de cinco líderes[21][25]. Oficiais de confiança de Cipião receberam ordens de seguirem ao encontro dos revoltosos e de se juntarem aos líderes da revolta[21].
Os líderes revoltosos foram recebidos com palavras gentis e com boa diplomacia quando chegaram e foram convidados para um banquete durante a noite[17][26]. As ordens eram para que os sete tribunos os prendessem quando já estivessem bêbados. Todos foram agrilhoados e presos[27].
Na manhã seguinte, Cipião reuniu os 8 000 soldados amotinados no fórum do mercado e todos ficaram maravilhados quando ele próprio apareceu forte e em perfeita saúde[24][28]. Neste momento, Marco Silano, o segundo-em-comando de Cipião, cercou os amotinados, que estavam desarmados, com seus 7 000 soldados preparados para batalha[24]. Cipião discursou e acusou os soldados de alta traição contra Roma. Os soldados leiais então bateram com suas espadas em seus escudos, o que deixou os amotinados bastante assustados[24]. Cada um dos líderes foi chamado pelo nome, despido até a cintura e levado até o centro do fórum, onde foram surrados, amarrados a uma estaca e decapitados enquanto as tropas assistiam horrorizadas[28][29]. Depois que os corpos foram retirados, os amotinados receberam os pagamentos atrasados, mas somente depois de removerem suas insígnias dos fasces com machado[30]. Todos foram obrigados a jurar novamente lealdade a Roma e a Cipião e que jamais se amotinariam novamente[31]. Cipião, apesar da inferioridade numérica, conseguiu então recuperar suas tropas e acabar com o motim sem derramamento de sangue[11].
Eventos posteriores
editarQuando Cipião retornou a Roma, em 205 a.C., celebrou os jogos (ludos) que havia prometido durante o motim[32] e dedicou-os ao seu sucesso em sufocar o motim em Sucro e não às suas vitórias sobre os cartagineses na Hispânia[32].
Referências
- ↑ a b c d e f g h Lívio, Ab Urbe Condita XXVIII, 24
- ↑ Chrissanthos, p. 183
- ↑ Lívio, Ab Urbe Condita XXVIII, 24–29
- ↑ Políbio, Histórias XI, 25–30
- ↑ Chrissanthos, p. 173
- ↑ Boix, p. 145
- ↑ Florez, p. 34, parágrafo 70.
- ↑ Murray, p. 498
- ↑ Granell, pp. 67–92
- ↑ a b c Liddell, p. 72
- ↑ a b c Scullard, pp. 100-101
- ↑ Chrissanthos, 178
- ↑ a b Chrissanthos, p. 180
- ↑ a b c d e Chrissanthos, p. 179
- ↑ Sluiter, p. 356
- ↑ a b Políbio, Histórias XI, 25
- ↑ a b c d e f Lívio, Ab Urbe Condita XXVIII, 25
- ↑ Liddel, p. 77
- ↑ a b c d e f g Chrissanthos, p. 181
- ↑ Scullard, p. 148
- ↑ a b c d e f g Chrissanthos, p. 182
- ↑ Apiano, História de Roma VI 34
- ↑ a b c d Políbio, Histórias XI, 26
- ↑ a b c d e f g Lívio, Ab Urbe Condita XXVIII, 26
- ↑ a b Liddell, p. 74
- ↑ Apiano, História de Roma VI, 35
- ↑ Políbio, Histórias XI, 30
- ↑ a b Apiano, História de Roma VI 36
- ↑ Messer, William Stuart (Abril de 1920). «Mutiny in the Roman Army». JSTOR. Chicago Journals (Classical Philology) (em inglês). 15 (2)
- ↑ Lívio, Ab Urbe Condita XXVIII, 27
- ↑ Lívio, Ab Urbe Condita XXVIII, 28
- ↑ a b Lívio, Ab Urbe Condita XXXVIII, 39
Bibliografia
editarFontes primárias
editarFontes secundárias
editar- Boix, Vicente, Memoria histórica de la inundacion de la Ribera de Valencia en los dias 4 y 5 de Noviembre de 1864, Imprenta de La Opinion, á cargo de José Domenech, 1865 (em castelhano)
- Chrissanthos, Stefan G., 'Scipio and the Mutiny at Sucro, 206 B.C.' in Historia: Zeitschrift für Alte Geschichte, Bd. 46, H. 2 (2nd Qtr., 1997), pp. 172–184. [Requer assinatura do JSTOR.] (em inglês)
- Flórez, Enrique, España sagrada: Trata de la Provincia Cartaginense..., Volume 5 , Real Academia de la Historia, 1839, Original from the Complutense University of Madrid. (em castelhano)
- Gabriel, Richard A., Scipio Africanus: Rome's greatest general, pp. 132–134, Potomac Books, Inc., 2008, ISBN 1-59797-205-3 (em inglês)
- Granell, John B., Swedish History, from the earliest times to the present, Importing Swedish, 1807 (em inglês)
- Liddell Hart, Sir Basil Henry, A greater than Napoleon: Scipio Africanus, Edinburgh ; London : Blackwood, 1927; repr. New York: Biblo & Tannen, 1971, ISBN 0-8196-0269-8 (em inglês)
- Murray J., A classical manual: being a mythological, historical, and geographical commentary on Pope's Homer and Dryden's Aeneid of Virgil, 1833
(em inglês)
- Sluiter, Ineke, Free speech in classical antiquity, BRILL, 2004, ISBN 90-04-13925-7 (em inglês)
- Scullard, H. H., Scipio Africanus: Soldier and Politician (London 1970) 100-1 (em inglês)
Ligações externas
editar- «War in Spain (206–205 BC)» (em inglês). UNRV
- «Scipio Suppresses A Mutiny in Spain» (em inglês). Perseus
- «Mutiny of Scipio's troops in Spain (206 BC)» (em inglês). Hannibal Barca. Consultado em 5 de janeiro de 2017. Arquivado do original em 5 de janeiro de 2013