O Crime do Cais do Valongo

O Crime do Cais do Valongo é um romance brasileiro, de autoria de Eliana Alves Cruz, caracterizado por aspectos históricos e ficcionais. A narrativa é pautada em extensa pesquisa que a autora realizou em Moçambique e também em fontes históricas do Rio de Janeiro[1] para abordar a história de negros e negras escravizados no Brasil colonial a partir das vozes de dois personagens, o mestiço liberto Nuno Alcântara Moutinho e a moçambicana escravizada Muana Lomué.[2]

Os personagens conduzem o leitor por um cenário marcado pelos horrores da escravidão nos tempos de D. João VI ao mesmo tempo em que revelam a potência da cultura das ruas e da reconstrução de sociabilidades pelas pessoas, descendentes de africanas e africanos sequestrados e escravizados.[3] A obra se destaca ao trazer perspectiva que desafia estereótipos e revela que, mesmo num contexto brutal como o da escravidão, as pessoas escravizadas não apenas resistem mas elaboram uma existência criativa.[4] O título da obra faz referência ao Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, ponto em que pessoas negras aportavam para serem comercializadas como mercadoria em armazéns, no período colonial brasileiro.[5]

A primeira edição da obra é da editora Malê, em 2018.[6]

Características editar

A narrativa é alternada entre as personagens Muana Lomué, moçambicana escravizada que domina a leitura, e o mestiço liberto Nuno Alcântara Moutinho, um filho de português e negra escravizada, que deseja abrir uma livraria. A trama inicia com a revelação do corpo do próspero negociante Bernardo Vianna, encontrado em uma ruela carioca. Com trânsito entre a história e a ficção, a obra expõe uma trama de relações e ações que compreende a vida das pessoas escravizadas, suas origens, espiritualidade e estratégias de resistência.[7] [3]

Ao rememorar infância e abordar sua ancestralidade, a personagem Muana apresenta a parte oriental do continente africano.[3]

A leitura e a escrita tem presença marcante na história, pois Muana possui tal habilidade, mas, não a revela e é a partir da leitura que a personagem se posiciona em diversas situações. Ao assumir a narrativa no capítulo intitulado “Eu leio, eu escrevo”, essa enunciação em primeira pessoa feita por mulher negra e escravizada provoca um efeito de engrandecimento da personagem, colocada na posição de sujeito ao dominar competência que grande parcela da população branca não possuía.[4]

Destaca-se na narrativa o contexto carioca durante o período joanino. Além do Cais do Valongo, a obra passa pelo Cemitério dos Pretos Novos, Pedra do Sal, Cais Pharoux, Praia de Dom Manoel, Rua Direita e outros locais na área central da cidade. Apresenta o Caminho de São Cristóvão e o bairro de Botafogo, em que a elite e a aristocracia residiam. As chácaras de Andharaí Grande, utilizadas pelas famílias abonadas como casa de campo também são apresentadas.[8]


A autora relata que a ideia de escrever a obra surgiu:

quando vi objetos encontrados nas escavações [que descobriram os restos do cais do Valongo]. Junto com os restos do que foi o cais por onde entraram de 1811 a 1831 entre 500 mil a um milhão de escravizados vindos das mais diferentes partes do continente africano, também surgiram brincos, contas, cachimbos, peças de jogos, enfim, objetos muito pessoais. Imediatamente minha imaginação voou para o passado tentando saber detalhes dos que aqui chegaram. Uma destas peças, um brinco em formato de meia lua, me levou direto à Moçambique. Neste momento começou a criação do livro.[9]

Crítica editar

A obra ficcional de Eliana Alves Cruz reescreve a História, recorrendo à pesquisa de fontes materiais e à habilidade em ler as entrelinhas e lacunas da historiografia oficial. A autora recorre aos registros históricos e lança perguntas para, a partir da literatura, dar vida a histórias que precisam ser conhecidas.[10]

Publicação editar

Publicado em 2018 pela editora Malê.[6]

Referências editar

  1. Matias, José Luiz (2019). «O crime do Cais do Valongo: quando a saga da diversidade negra se projeta para a contemporaneidade». Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea (22): 36. ISSN 1984-7556. doi:10.35520/flbc.2019.v11n22a31043. Consultado em 12 de abril de 2024 
  2. Matias, José Luiz (2019). «O crime do Cais do Valongo: quando a saga da diversidade negra se projeta para a contemporaneidade». Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea (22): 34. ISSN 1984-7556. doi:10.35520/flbc.2019.v11n22a31043. Consultado em 12 de abril de 2024 
  3. a b c «Eliana Alves Cruz - O crime do Cais do Valongo - Literatura Afro-Brasileira». www.letras.ufmg.br. Consultado em 12 de abril de 2024 
  4. a b Carreira, Nara Lasevicius (21 de setembro de 2020). «O crime do Cais do Valongo, de Eliana Alves Cruz: a ficção como (re)escrita da História». REVELL - REVISTA DE ESTUDOS LITERÁRIOS DA UEMS (24): 120-121. ISSN 2179-4456. Consultado em 12 de abril de 2024 
  5. Matias, José Luiz (2019). «O crime do Cais do Valongo: quando a saga da diversidade negra se projeta para a contemporaneidade». Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea (22): 35. ISSN 1984-7556. doi:10.35520/flbc.2019.v11n22a31043. Consultado em 12 de abril de 2024 
  6. a b Priore, História Hoje Por Mary Del (26 de maio de 2018). «O crime do Cais do Valongo». male. Consultado em 19 de abril de 2024 
  7. Oliveira, Iasmin Rocha da Luz Araruna de (27 de outubro de 2021). «NARRATIVAS CONTRACOLONIAS EM O CRIME DO CAIS DO VALONGO». Revista Fórum Identidades: 168. ISSN 1982-3916. doi:10.47250/forident.v34n1.p161-174. Consultado em 19 de abril de 2024 
  8. Matias, José Luiz (2019). «O crime do Cais do Valongo: quando a saga da diversidade negra se projeta para a contemporaneidade». Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea (22): 34-35. ISSN 1984-7556. doi:10.35520/flbc.2019.v11n22a31043. Consultado em 19 de abril de 2024 
  9. Livraria, Blooks (12 de novembro de 2018). «Entrevista com a escritora Eliana Alves Cruz». Blooks (em inglês). Consultado em 19 de abril de 2024 
  10. Carreira, Nara Lasevicius (21 de setembro de 2020). «O crime do Cais do Valongo, de Eliana Alves Cruz: a ficção como (re)escrita da História». REVELL - REVISTA DE ESTUDOS LITERÁRIOS DA UEMS (24): 122. ISSN 2179-4456. Consultado em 19 de abril de 2024