Período pré-colonial do Brasil

 Nota: Este artigo é sobre o período entre 1500 e 1532. Para o período antes da chegada dos portugueses no Brasil, veja História pré-cabralina do Brasil.

Denomina-se como período pré-colonial do Brasil o espaço de tempo compreendido entre o descobrimento realizado pela esquadra de Pedro Álvares Cabral no sul do atual estado da Bahia no dia 22 de abril de 1500 e o início da colonização efetiva do território que viria a se tornar o Brasil, geralmente indicado pela fundação da vila de São Vicente, por Martim Afonso de Sousa, no dia 22 de janeiro de 1532.[nota 1] Foi caracterizado pelo descaso da administração central portuguesa com as possessões americanas e pela criação esporádica de alguns poucos entrepostos comerciais - chamados de feitorias - para a extração de pau-brasil.[1][2]

Período pré-colonial do Brasil
1500–1532
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Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500. Óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva
Localização atual Brasil
Duração c. 32 anos
Cronologia
Período pré-cabralino Brasil Colonial

Antecedentes

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O período pré-colonial da história do Brasil se insere no período da expansão marítima e comercial portuguesa que passa a se desenvolver no início do século XV, dando fim às barreiras da Idade Média que dividiam o ocidente do oriente. Nesse contexto de expansão mercantilista e de consolidação da burguesia comercial, o foco de Portugal estava, em grande parte, no atingimento do périplo africano e da conquista das Índias, bem como da conversão do oriente.[3][4]

Em 1492 a coroa castelhana, visando rivalizar com Portugal, que já estava, mesmo antes de atingir as Índias, obtendo grandes lucros da exploração marítima, em especial com o comércio de ouro e escravos com reinos africanos, envia o navegador genovês Cristóvão Colombo rumo a oeste com a expectativa de, assim, atingir a Ásia pelo caminho oposto ao tentado pelos portugueses. A descoberta do que viria a ser chamado de continente americano, mas que na época se pensava ser o asiático, acabou gerando uma grande crise entre as duas monarquias ibéricas, que reivindicavam o direito do monopólio da navegação às Índias, o que acabou levando a confecção, em 1494, do Tratado de Tordesilhas, dividindo o mundo em duas partes: de 370 léguas da ilha de Cabo Verde para Oeste, tudo o que for descoberto deveria ser entregue a Castela, e no sentido Leste, as terras descobertas deveriam ser entregues a Portugal.[5][6]

Em 1497 o navegador português Vasco da Gama zarpa de Portugal em uma expedição que atingiria a costa do subcontinente indiano no ano seguinte. Ao retornar a Portugal dois anos depois, o então rei de Portugal, Manuel I tratou logo de fazer os arranjos para o envio de outra frota às Índias, dessa vez comandada pelo fidalgo Pedro Álvares Cabral. Não é possível dizer com precisão se os portugueses tinham conhecimento de terras aquém do meridiano de Tordesilhas, porém, com base em algumas movimentações diplomáticas quando da negociação do Tratado, é possível dizer que existia uma certa desconfiança da existência de terras a serem conquistadas.[6][7] O que se sabe com certeza, quando Pedro Álvares Cabral partiu de Lisboa em março de 1500, havia recebido instruções de Vasco da Gama para que desse a "volta do mar", isso é, que evitasse a região de águas calmas do Golfo da Guiné para que conseguisse encurtar a sua viagem, o que pode ter levado a desviar o rumo demais e acabar parando no Brasil.[8][9]

Primeiras navegações

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Descoberta por Cabral

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 Ver artigo principal: Descoberta do Brasil
 
Detalhe do mapa de Juan de la Cosa mostrando a terra descoberta por Cabral desconectada da terra de Paria, descoberta por Colombo.

A esquadra de Pedro Álvares Cabral que aportou no que viria a se tornar o Brasil no dia 22 de abril de 1500 foi enviada com destino a cidade indiana de Calecute pelo rei português Manuel I no dia 9 de março daquele mesmo ano. No entanto, não foi a primeira expedição europeia a atingir a costa das possessões portuguesas na América definidas pelo Tratado de Tordesilhas. Em janeiro uma expedição liderada pelo espanhol Vicente Yáñez Pinzón atingiu o litoral de onde hoje é o estado do Ceará e navegou até a foz do Rio Amazonas, o qual foi nomeado Mar Doce. Apesar disso, a expedição de Cabral foi a primeira a reivindicar a terra como sendo portuguesa, a qual, acreditando estar desconectada da massa continental descoberta por Cristóvão Colombo, foi chamada de Ilha e não despertou interesse na Coroa, devido à sua aparente falta de riquezas.[10][11]

Apesar do termo "descoberta", ou "descobrimento", quando da chegada de Cabral estima-se que existiam entre um e nove milhões de pessoas dividias em centenas de povos já vivendo nas terras que viriam a se tornar o Brasil. Nos anos seguintes, devido a, entre outras coisas, epidemias de doenças contra as quais os indígenas não tinham imunidade, a maioria da população nativa do continente foi morta.[12] Por esse motivo, boa parte dos historiadores, atualmente, prefere o termo "achamento" ou, até mesmo, "invasão".[13][14][15]

Expedição de Américo Vespúcio

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Gravura do livro Mundus Novus de Américo Vespúcio retratando a antropofagia observada na América do Sul

A terceira expedição de Américo Vespúcio ao Novo Mundo, e sua primeira ao Brasil, na qual liderou uma das naus e cujo capitão-mor foi o fidalgo português Gonçalo Coelho, se insere no contexto da incerteza quanto a novidade do continente americano ou da sua continuidade quanto ao asiático. Na verdade, a viagem tinha como objetivo inicial a transposição da grande massa de terra firme descoberta por Colombo para que fosse atingido, assim, o Oceano Índico. Ao rumar pela costa brasileira cada vez mais ao sul acabou se constatando que a massa descoberta por Colombo e por Cabral não era uma ilha nem tampouco a continuidade do continente asiático.[16]

Nessa viagem foi observada, pela primeira vez, a presença de pau-brasil na costa e foram expostos, por meio de um panfleto propagandístico de Vespúcio intitulado Mundus Novus, os primeiros rituais de antropofagia realizados por indígenas sul-americanos na América portuguesa. Destaca-se, nesse relato, a desumanização dos indígenas, reduzidos a seres bárbaros parecidos com animais e carentes de organização social.[17]

Exploração do pau-brasil

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 Ver artigo principal: Ciclo do pau-brasil
 
Indígenas cortando e colhendo pau-brasil. Detalhe do mapa de Lopo Homem no Atlas Miller de 1519

Os primeiros entrepostos destinados à exploração do pau-brasil foram fundados logo após a viagem de Américo Vespúcio. Legalmente, o comércio daquela madeira foi arrendado - junto com a capitania da ilha de São João - ao comerciante Fernão de Loronha, que logrou o seu nome, um pouco modificado, a ilha que lhe foi doada. Já em 1503 foi fundada por Gonçalo Coelho a feitoria de Cabo Frio, além de outras em outros pontos do território sul-americano.[8][18] Importante notar, no entanto, que a exploração do pau-brasil nunca se tornou um ponto crucial da estratégia econômica portuguesa, como eram as especiarias indianas e o açúcar brasileiro, mais tarde naquele mesmo século, mas serviu como primeiro motivador da presença portuguesa na América do Sul, que nesse período já começava a exportar, além do supracitado pau-brasil, também peles de animais, papagaios e pessoas escravizadas.[19][20]

Essa exploração acabou por fazer com que a terra descoberta por Cabral, inicialmente chamada de Santa Cruz, acabasse mudando de nome para Brasil. A troca do nome não foi resultado de uma mudança formal, mas sim de um processo de transformações socioeconômicas que, segundo autoridades afeitas a expansão da fé católica, fizeram com que essa fosse suplantada pela cobiça da exploração econômica do Novo Mundo.[21] Com a criação formal do Estado do Brasil em 1549, o nome se consolida definitivamente como denominação para se referir à área colonizada por Portugal no continente americano, ainda que persistissem registros de uso dessa expressão em escritos posteriores, como o livro "História da Província de Santa Cruz" de Pero de Magalhães Gandavo publicado em 1575.[21][22][23]

"Intrusões" francesas

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Os franceses, que desde os primeiros anos da descoberta da nova terra já a viam com certa cobiça, por não reconhecer a validade jurídica do Tratado de Tordesilhas, já começaram a se inserir num esquema de competição com os portugueses pela hegemonia do comércio de no Atlântico Sul. Apesar de, a princípio, essas expedições serem privadas, elas não contavam com o repúdio explícito do rei, que se via excluído da partilha do mundo entre Portugal e Espanha.[19][24][25] Dessa forma, assim como os portugueses vinham fazendo, os franceses também começaram a se aliar com as nações indígenas da costa em troca de pau-brasil. Ao ponto de, em 1532, a feitoria localizada na ilha de Itamaracá, no atual estado de Pernambuco, ser destruída e saqueada por um navio francês.[26]

Por conta dessa ameaça de apropriação francesa das terras brasileiras, foram enviadas diversas expedições ao Novo Mundo visando expulsar esses comerciantes, entre as quais se destacam a de Cristóvão Jacques, de 1516, e a de Martim Afonso de Sousa, enviada em 1531. Já nesse momento se demonstrava a necessidade de iniciar uma ocupação mais permanente do território, o que acabaria se realizando nos anos seguintes.[27]

Início da colonização efetiva

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Martim Afonso de Sousa no Livro de Lisuarte de Abreu, c.1560

A expedição de Martim Afonso de Sousa que partiu de Portugal em 1531 serve, geralmente, de marco para o fim do período pré-colonial no Brasil. Tinha como objetivo, entre outras coisas, combater o contrabando francês e iniciar a colonização da costa do Brasil - o que foi feito em janeiro de 1532 com a fundação da vila de São Vicente -.[28] Dois anos depois, por meio da doação da terra à doze donatários, instituiu-se o regime de capitanias hereditárias, que não conseguiram, excetuando as de São Vicente e de Pernambuco, povoar efetivamente o território, levando, em 1548, à criação de um governo geral na cidade de São Salvador da Baía de Todos os Santos, com o intuito de centralizar a autoridade da Coroa na colônia.[29]

Muito importante para esse período inicial da colonização foram as contribuições de náufragos e degredados que haviam sido deixados nas praias em expedições exploratórias ou extrativistas, como, por exemplo, foi o caso de João Ramalho, de Diogo Álvares Correia - o "Caramuru" - do Bacharel de Cananeia, entre outros que serviram, além de intérpretes, como intermediários entre os colonizadores vindos a partir da década de 1530 e as nações indígenas da costa que se aliaram com eles.[30][31]

Ver também

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Notas

  1. Alguns autores estendem o período até a formação de um governo geral em 1548.[1]

Referências

  1. a b Fausto 2006, p. 41.
  2. Silva 2016, p. 78.
  3. Thomaz 2009, pp. 14 - 32.
  4. Novais 1988, p. 48.
  5. O'Gorman 1992, pp. 100 - 103.
  6. a b Coben, Lawrence A. (3 de julho de 2015). «The Events that Led to the Treaty of Tordesillas». Terrae Incognitae (em inglês) (2): 142–162. ISSN 0082-2884. doi:10.1179/00822884.2015.1120427. Consultado em 19 de janeiro de 2024 
  7. Thomaz 2006, p. 33.
  8. a b Fernandes, Fernando Lourenço (2008). «A feitoria portuguesa do Rio de Janeiro». História (São Paulo): 155–194. ISSN 0101-9074. doi:10.1590/S0101-90742008000100010. Consultado em 19 de janeiro de 2024 
  9. Thomaz 2006, p. 40.
  10. Caminha, Pero Vaz (1500). «Carta a El Rei D. Manuel». pt.wikisource.org 
  11. Thomaz 2006, pp. 35; 45.
  12. Cunha, Manuela Carneiro da (1998). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. p. 12 - 15. ISBN 85-7164-260-5 
  13. Gomes, Alessandro Martins (2016). «Descobrimento/achamento, encontro/contato e invasão/conquista: a visão dos índios na descoberta da América Portuguesa». Grupo Identidade da Faculdade EST/IECLB. Identidade!. 23 (1): 91 - 109. Consultado em 26 de janeiro de 2024 
  14. Cardim, Pedro (2004). «O ensino da história em tempos pós-coloniais: comentário às análises dos manuais de história portugueses e brasileiros». PSICOLOGIA (2): 339–348. ISSN 2183-2471. doi:10.17575/rpsicol.v17i2.452. Consultado em 27 de janeiro de 2024 
  15. Martins, Moisés de Lemos; Macedo, Isabel Moreira (2019). Livro de atas do III Congresso Internacional sobre Culturas: Interfaces da Lusofonia. [S.l.]: Universidade do Minho. Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) 
  16. O'Gorman 1992, pp. 149 - 153.
  17. Silva, Fabiana Santos da; Oliveira, Mirian Santos Ribeiro de (2018). «Os relatos de viagem e a invenção da América bárbara». Muitas Vozes (2): 487–502. ISSN 2238-7196. Consultado em 19 de janeiro de 2024 
  18. Varnhagen 1877, pp. 84 - 86.
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  21. a b Mendes, Claudinei Magno Magre (2010). «Santa Cruz versus Brasil: as transformações sociais no início do século XVI». A Expansão Ultramarina e a Colonização da América Portuguesa. Maringá: Editora UEM 
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  23. Souza 2001.
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  25. Schwarcz & Starling 2015, p. 37.
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  27. Hollanda 2007, pp. 106 - 110.
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  29. Cabral, Gustavo César Machado (1 de janeiro de 2015). «Os senhorios na América Portuguesa: o sistema de capitanias hereditárias e a prática da jurisdição senhorial (séculos XVI a XVIII)». Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas – Anuario de Historia de America Latina (1). ISSN 2194-3680. doi:10.7767/jbla-2015-0105. Consultado em 22 de janeiro de 2024 
  30. Monteiro 1994, pp. 29 - 36.
  31. Amado, Janaína (1 de julho de 2000). «Diogo Álvares, o Caramuru, e a fundação mítica do Brasil». Revista Estudos Históricos (25): 3–40. ISSN 2178-1494. Consultado em 22 de janeiro de 2024 

Bibliografia

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Livros
  • Boxer, Charles Ralph (1969). O Império Colonial Português (1415 - 1825). Lisboa: Edições 70 
  • Fausto, Bóris (2006). História do Brasil. São Paulo: Edusp. ISBN 85-314-0240-9 
  • Hollanda, Sérgio Buarque de (2007). História Geral da Civilização Brasileira. 1. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. ISBN 978-85-286-0503-7 
  • Monteiro, John M. (1994). Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras 
  • O'Gorman, Edmundo (1992). A Invenção da América. São Paulo: Editora Unesp 
  • Schwarcz, Lilia Moritz; Starling, Heloísa Murgel (2015). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras. ISBN 978-85-359-2566-1 
  • Varnhagen, Francisco Adolfo de (1877). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Casa de E. e de H. Laemmert 
Capítulos de livro
  • Novais, Fernando (1988). «O Brasil nos Quadros do Antigo Sistema Colonial». Brasil em perspectiva. São Paulo: Bertrand Brasil 
  • Silva, Francisco Carlos Teixeira da (2016). «Conquista e Colonização da América Portuguesa». História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier 
Artigos

Ligações externas

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