Quarto Esquadrão do Sétimo Grupo de Aviação
O 4º Esquadrão do 7º Grupo de Aviação (4.º/7.º GAV) ou Esquadrão Cardeal foi uma unidade da Força Aérea Brasileira (FAB) de patrulha marítima e guerra antissubmarino sediada na Base Aérea de Santa Cruz, Rio de Janeiro. Ele teve origem no 1.º Grupo de Aviação Embarcada (1.º GAE), criado em 1957 para operar a bordo do porta-aviões Minas Gerais da Marinha do Brasil, mas esteve no cerne da disputa entre a Marinha e Aeronáutica pelo direito a ter aeronaves nesse navio. Somente em 1965 o 1.º GAE, equipado com aviões Grumman S-2 Tracker, denominados P-16 no Brasil, passou a operar no porta-aviões. Em 1998 o 1.º GAE foi desativado, e seu sucessor, o 4.º/7.º GAV, voou o Embraer EMB-111 “Bandeirulha”, sem relação com os porta-aviões da Marinha, até sua desativação em 2011.
Quarto Esquadrão do Sétimo Grupo de Aviação | |
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Aviões P-16 embarcados no Minas Gerais em 1984 | |
Corporação | Força Aérea Brasileira |
Subordinação | Comando Aerotático Naval (1958)[1] II Força Aerotática (1970) II Força Aérea (1989)[2] |
Denominação | Esquadrão Cardeal |
Período de atividade | 1957–1998 (1.º GAE), 1998–2011 (4.º/7.º GAV) |
Logística | |
Aeronaves | HSS-1N Seabat, P-16 Tracker, P-95 Bandeirulha |
Sede | |
Guarnição | Base Aérea de Santa Cruz, Rio de Janeiro |
Origens
editarEm resposta à aquisição do Navio-Aeródromo Leve (NAeL) Minas Gerais pela Marinha do Brasil (MB), em fevereiro de 1957 a FAB criou o 1.º Grupo de Aviação Embarcada (GAE) para operar a bordo desse porta-aviões. Dessa forma, a FAB almejava manter seu monopólio sobre a aviação militar, que a MB pretendia quebrar. A essa época a MB já começava a formar pilotos para recriar sua Aviação Naval. As relações entre as duas corporações deterioraram, e consequentemente, a FAB a princípio não foi informada de qual seria a função do porta-aviões. Por precaução, esse grupo foi planejado com um esquadrão de caça e outro de patrulha antissubmarino. Quando a MB informou que o Minas Gerais se destinaria à guerra antissubmarino, o planejado esquadrão de caça foi substituído por um de helicópteros.[3] Assim, o grupo teria um esquadrão de aviões (1.º/1.º GAE), outro de helicópteros (2.º/1.º GAE) e um esquadrão de apoio.[4]
As opções de avião antissubmarino no mercado eram poucas. A FAB optou pelo Grumman S2F Tracker, designado P-16 no Brasil, um avião bimotor capaz de acomodar uma variedade de sensores e armamentos. Só foi possível comprar 13 modelos S2F-1, quando a Marinha dos Estados Unidos já usava o S2F-3. Quanto aos helicópteros, os americanos queriam vender o Vertol, da HUP, mas a FAB escolheu seis HSS-1N Seabat.[5] As aeronaves foram negociadas como parte do Acordo de Fernando de Noronha, pelo qual o governo brasileiro permitiu aos Estados Unidos operarem uma estação de rastreamento de satélites no arquipélago brasileiro.[6]
As aeronaves embarcadas eram uma novidade completa para a FAB. A estrutura do grupo era diferente, pois ele precisaria fazer algumas tarefas de manutenção a nível de base por conta própria, em terra ou a bordo. O pessoal foi retirado entre os oficiais e graduados destacados profissionalmente em outras unidades; seus comandantes tiveram reclamações, mas a FAB atribuía importância a esse investimento. O grupo foi ativado em novembro de 1958 e inicialmente treinou na Base Aérea de Santa Cruz com seis aviões B-25 e cinco AT-6D e dois helicópteros H-13J. Um convés de voo de porta-aviões foi pintado na cabeceira da pista na base.[7][8]
O conhecimento técnico seria obtido no exterior. Um primeiro grupo de cinco oficiais visitou a Marinha dos Estados Unidos e o HCMS Warrior, da Marinha Real do Canadá, em 1959, e o restante dos especialistas foi enviado para diversos cursos e bases nos Estados Unidos. Ao final do treinamento, o efetivo do 1.º GAE reuniu-se em janeiro de 1961 em Key West, Flórida, para receber suas aeronaves. Na Flórida, os pilotos treinaram pousos e decolagens no porta-aviões USS Antietam.[9] Foi na viagem de retorno ao Brasil que os pilotos de P-16 ganharam seu apelido de “cardeais”, uma referência a seus bonés vermelhos.[10]
O 1.º GAE estava plenamente operacional, e o Minas Gerais já estava no país desde fevereiro de 1961, mas a Marinha não admitia a presença da FAB no navio. Os aviadores improvisavam treinamentos, com pousos simulados em porta-aviões, conhecidos como “catrapo”, e operações de patrulha. Quando a autoridade dos ministros militares foi questionada na Campanha da Legalidade, as autoridades militares quiseram demonstrar a união entre as Forças Armadas. Na “Operação Anel”, como seria conhecida na FAB, os P-16 embarcariam no Minas Gerais e sobrevoariam Porto Alegre para ameaçar de bombardeio a Brigada Militar do Rio Grande do Sul e outros defensores da posse do vice-presidente João Goulart. O 1.º GAE aguardou as ordens, mas foi então informado que o Minas Gerais já havia deixado o porto com destino desconhecido. A operação nunca se realizou.[11]
Em 7 de setembro de 1962 houve o primeiro pouso de um helicóptero da FAB no Minas Gerais, como gesto de fraternidade, mas as lideranças da FAB e MB permaneciam inflexíveis. O grupo realizou missões independentes, notavelmente na “Guerra da Lagosta”.[8] Em fevereiro de 1963, sete P-16 foram deslocados a Natal, Rio Grande do Norte, armados de bombas e foguetes. Eles voaram cerca de 15 dias para vigiar a frota de pesqueiros franceses, protegida por dois navios da Marinha Francesa, nas águas próximas ao litoral brasileiro.[12]
Operações no Minas Gerais
editarA disputa entre a Marinha e Aeronáutica foi encerrada por decreto do presidente Castelo Branco em 1965: a FAB teria que aceitar os helicópteros da Aviação Naval, mas os aviões a bordo do Minas Gerais seriam os da FAB.[13] A MB tinha alguns aviões até esse momento, mas eram tecnologicamente inferiores aos P-16 da FAB.[14] Em decorrência do acordo, o 1.º GAE pôde iniciar suas operações embarcadas, mas perdeu seu 2.º Esquadrão,[15] cujos helicópteros foram transferidos à Aviação Naval e alocados ao 1.º Esquadrão de Helicópteros Antissubmarino. O primeiro pouso de um P-16 no Minas Gerais foi em 22 de junho de 1965.[16]
Quando embarcado, o 1.º GAE subordinava-se diretamente ao comandante do navio e obedecia à programação de voo de seu Chefe de Operações.[16] Esse arranjo misto (Marinha/Aeronáutica) da aviação embarcada não existia em nenhum outro país no período.[17] A convivência inicial entre marinheiros e aviadores teve dificuldades, e o pessoal embarcado da FAB ganhou o apelido de “praga azul”, referência à cor de seus uniformes. Mas as relações melhoraram, e já estavam boas na década de 1970.[18] No exercício internacional UNITAS IX, em 1968, marinheiros e aviadores demonstraram entrosamento. Entretanto, a estrutura de pessoal nas duas corporações era muito diferente: os oficiais da FAB eram mais jovens que os da MB, e o pessoal técnico do 1.º GAE era quase todo de sargentos, enquanto o navio tinha principalmente cabos e marinheiros. Os marinheiros subalternos e de 1ª classe não podiam ser alojados junto com os sargentos e, além de suas especialidades, cumpriam outras funções no navio. Consequentemente, sua relação com os sargentos da FAB era complicada.[19]
Os pousos e decolagens eram desafiadores: o P-16 era um dos maiores aviões embarcados do mundo, e o Minas Gerais, um dos menores porta-aviões. Durante as decolagens livres, um P-16 corretamente posicionado tinha a ponta de sua asa direita a apenas três metros do anteparo da ilha do Minas Gerais. O lançamento por catapulta imprimia 90 nós de velocidade numa corrida de cerca de 45 metros; a aceleração era tão forte que o piloto “apagava” por dois a três segundos. Nos primeiros pousos, os pilotos, acostumados a longas pistas em terra, precisavam superar uma barreira psicológica: a pista de pouso, cercada de água, tinha apenas 145 metros. Os primeiros anos de pousos e decolagens foram somente diurnos, mas a missão do grupo exigia a operação noturna. Somente em 1971 o pessoal da FAB e MB foi treinado o suficiente para iniciar operações noturnas.[20][21]
Além das operações com a MB, o 1.º GAE operou aviões a partir dos porta-aviões USS Randolph e USS America, da Marinha dos Estados Unidos, e nas operações conjuntas ARAEX com a Armada Argentina. Em 1974 tiveram uma missão única, conduzindo um salto de paraquedistas do PARA-SAR da FAB.[15] Em toda sua história, embarcou 171 vezes e esteve 1 382 dias no mar e realizou 14 072 pousos enganchados diurnos, 2 764 noturnos e 2 944 catapultagens. 3,3% (556) pousos foram abortados (“bolters”), e houve apenas uma fatalidade durante as operações embarcadas.[21][22] Até 1980, cinco P-16 foram perdidos, dois deles no porta-aviões.[15]
Trocas de aviões
editarApós dez anos de operações com o P-16, seus equipamentos eletrônicos tornaram-se obsoletos, e a aquisição de sobressalentes ficou difícil.[23] O 1.º Esquadrão substituiu seus P-16 por oito P-16E (Grumman S-2E) adquiridos de estoques da Marinha dos Estados Unidos em 1974. Os P-16 antigos foram designados P-16A. Oito deles foram convertidos ao padrão UP-16, removendo seu equipamento antissubmarino e ganhando a capacidade de transportar até cinco passageiros. Eles foram aproveitados para reativar o 2.º Esquadrão, cujos aviões convertidos em transportes utilitários faziam a ligação aérea terra-navio, enquanto os demais serviam para o treinamento. De 1976 a 1988 foram adquiridos mais seis S-2E. Designados P-16 logísticos, eles serviram para a reposição de peças dos aviões na ativa.[15][12]
A FAB ainda acreditava em manter seu domínio sobre a aviação embarcada de asas fixas. De 1975 a 1979, com o Minas Gerais em reparos, o 1.º GAE ficou restrito a operações em terra.[24] Ele retomou as operações embarcadas, mas ao final da década de 1980, os P-16E demonstravam obsolescência.[21] Os suprimentos, especialmente para os motores, eram cada vez mais difíceis de obter. A FAB iniciou estudos de substituição dos equipamentos eletrônicos e dos motores. Os motores a pistão Wright R-1820-82C, de 1525 HP, seriam substituídos pelos turbo-hélices Pratt &Whitney PT6A-67CF de 1650 HP. Em 1990 um P-16E foi transferido às oficinas da empresa canadense IMP, em Halifax, e retornou no mesmo ano com um novo motor e a designação de P-16H. Várias deficiências foram identificadas nas operações a bordo. A empresa era inexperiente, e a FAB tinha recursos insuficientes para levar adiante o projeto. Nenhum mais dos doze aviões planejados foi convertido a P-16H.[15][25]
O Minas Gerais foi se tornando um porta-helicópteros.[24] Na difícil situação orçamentária da Aeronáutica na década de 1990, outros projetos tomavam muito mais prioridade que a aviação embarcada.[26] A FAB tomou a decisão drástica e unilateral de aposentar os P-16, deixando o Minas Gerais sem aviões.[27] O último pouso e toques e arremetidas do 1.º GAE no porta-aviões ocorreram em outubro de 1996.[21] A Marinha aproveitou essa oportunidade para reaver seu direito de operar aviões, constituindo o 1.º Esquadrão de Aviões de Interceptação e Ataque.[28]
Desativados os P-16, o 1.º GAE começou a voar o P-95 Bandeirulha.[27] Trata-se de um avião terrestre, mas de função de patrulha marítima.[21] A unidade foi extinta em 1998 e transformada no 4.º/7.º Grupo de Aviação, aproveitando seu pessoal e equipamento. O nome de “Esquadrão Cardeal” foi mantido. Essa unidade continuou em operação até 2011,[21][29] realizando missões de patrulha marítima do litoral sul da Bahia até o litoral paulista. Como missão secundária, ele podia realizar a busca e salvamento.[30]
Ver também
editarReferências
editar- ↑ INCAER, História Geral da Aeronáutica Brasileira, p. 485.
- ↑ «Sobre a Segunda Força Aérea». Amigos da II Fae. Consultado em 14 de janeiro de 2024
- ↑ Carvalho, Aviação embarcada, p. 65.
- ↑ Carvalho, Aviação embarcada, p. 54-55.
- ↑ Carvalho, Aviação embarcada, p. 54-55, 64.
- ↑ a b Freitas, Aviação de Patrulha, p. 64.
- ↑ Carvalho, Aviação embarcada, p. 65-68.
- ↑ Carvalho, Aviação embarcada, p. 89.
- ↑ Carvalho, Aviação embarcada, p. 70-72.
- ↑ a b Carvalho, Aviação embarcada, p. 72-73.
- ↑ Poggio, Guilherme (8 de junho de 2020). «O renascimento da Aviação Naval Brasileira». Poder Naval. Consultado em 31 de dezembro de 2022
- ↑ a b c d e Cunha, Rudnei Dias da (7 de janeiro de 2021). «Grumman P-16 Tracker». História da Força Aérea Brasileira. Consultado em 11 de março de 2023
- ↑ a b INCAER, História Geral da Aeronáutica Brasileira, p. 550.
- ↑ «Disputa no mar começou em 56». Folha de S. Paulo. 25 de janeiro de 1998
- ↑ Carvalho, Aviação embarcada, p. 82-86.
- ↑ Carvalho, Aviação embarcada, p. 86.
- ↑ Carvalho, Aviação embarcada, p. 87.
- ↑ a b Carvalho, Aviação embarcada, p. 87-88.
- ↑ Carvalho, Aviação embarcada, p. 90-91.
- ↑ Cunha, Rudnei Dias da (5 de janeiro de 2021). «4º/7º Grupo de Aviação – Esquadrão "Cardeal"». História da Força Aérea Brasileira. Consultado em 29 de abril de 2023
- ↑ Claro Jr., Oswaldo (5 de fevereiro de 2006). «Esquadrão Cardeal e a Aspirantex 2006». Sentando a Pua. Consultado em 14 de janeiro de 2024
Bibliografia
editar- Carvalho, José de (2007). Aviação embarcada. Rio de Janeiro: Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica
- Falconi, Paulo Gustavo (2009). Aviação naval brasileira: rivalidades e debates (PDF) (Doutorado em História). Universidade Estadual Paulista
- FGV Projetos (2016). 100 anos da Aviação Naval (PDF). Rio de Janeiro: FGV Projetos e ComForAerNav
- Freitas, Wilmar Terroso (2018). «Aviação de Patrulha: história e tradição de segurança e defesa nas águas jurisdicionais brasileiras». Revista do IGHMB. 77 (105)
- INCAER (2014). História Geral da Aeronáutica Brasileira vol. 5: da posse do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira até as vésperas da Reforma Administrativa. Rio de Janeiro: Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica
- Pesce, Eduardo Ítalo (2016). Navios-aeródromo e aviação embarcada na estratégia naval brasileira (PDF) (Mestrado em Estudos Marítimos). Escola de Guerra Naval