Renascimentos medievais

Renascimentos medievais foram períodos caracterizados por uma renovação cultural significativa em toda a Europa Ocidental medieval. Estas são efetivamente vistas como ocorrendo em três fases - a Renascença Carolíngia (séculos VIII e IX), a Renascença Otoniana (século X) e a Renascença do século XII.

O termo foi utilizado pela primeira vez pelos medievalistas no século XIX, por analogia com o conceito historiográfico do Renascimento italiano dos séculos XV e XVI. Isto foi notável pois marcou uma ruptura com a historiografia dominante da época, que via a Idade Média como uma Idade das Trevas. O termo sempre foi objeto de debate e crítica, especialmente sobre a difusão de tais movimentos de renovação e sobre a validade de compará-los com o Renascimento.

Renascimentos pré-carolíngios editar

Como salienta Pierre Riché, a expressão "Renascença Carolíngia" não implica que a Europa Ocidental fosse bárbara ou obscurantista antes da era carolíngia.[1] Os séculos que se seguiram ao colapso do Império Romano no Ocidente não assistiram a um desaparecimento abrupto das antigas escolas, das quais surgiram Marciano Capela, Cassiodoro e Boécio, ícones essenciais da herança cultural romana na Idade Média, graças às quais as disciplinas das artes liberais foram preservadas.[2] A queda do Império Romano Ocidental viu a "Renascença Vândala" dos reis Trasamundo e Hilderico no final do século V e início do século VI no Norte da África, onde ambiciosos projetos arquitetônicos foram encomendados, sendo que os reis vândalos vestiam-se em estilo imperial romano, em um período em que tradições intelectuais, poesia e literatura floresciam.[3] A educação clássica e o estilo de vida opulento da elite romano-africana foram mantidos, como se pode ver nos abundantes textos classicizantes que surgiram neste período.[4] O século VII viu a "Renascença Isidoriana" no Reino Visigótico da Hispânia[5] em que as ciências floresceram[6][7][8] e ocorreu a integração do pensamento cristão e pré-cristão,[5] enquanto a propagação das escolas monásticas irlandesas (scriptoria) em toda a Europa lançaram as bases para o Renascimento Carolíngio.[9][10] Houve um florescimento semelhante na Renascença da Nortúmbria dos séculos VII e VIII.[11]

Renascimentos editar

Carolíngio editar

Carolíngios é a dinastia franca que sucedeu aos merovíngios, com Pepino, o Breve, e pretendia restabelecer o Império Romano do Ocidente. Por isso, mandou construir escolas para resgatar a cultura latina adormecida nas antigas cidades da Gália. Renascença carolíngia, ou Renascimento Carolíngio, é a ideia de um renascimento da literatura e das artes liberais que teria ocorrido principalmente no reinado de Carlos Magno.

Otoniano editar

Renascença otoniana foi um renascimento da arte bizantina e da Antiguidade Tardia na Europa Central e Meridional que acompanhou os reinados dos três primeiros Sacro Imperadores Romanos da dinastia otoniana (ou Saxônica): Otão I (–), Otão II (973-973 – 983) e Otão III (983 – 1002). As principais figuras deste movimento foram o Papa Silvestre II e o Abão de Fleury.[12] O contato renovado entre a corte otoniana e a Constantinopla bizantina estimulou a hibridização das culturas oriental-bizantina e ocidental-latina, particularmente nas artes, arquitetura e metalurgia, enquanto os otonianos revitalizaram a rede escolar que promovia a aprendizagem baseada nas sete artes liberais.[13] A atividade intelectual otoniana foi em grande parte uma continuação das obras carolíngias, mas circulou principalmente nas escolas catedrais e nas cortes dos bispos (como Liège, Colônia e Magdeburgo), e não na corte real.[14]

Século XII editar

O Renascimento do século XII consistiu num conjunto de transformações culturais, políticas, sociais, e econômicas ocorridas nos povos da Europa ocidental. Nessa época ocorreram eventos de grande repercussão: a renovação da vida urbana, após um longo período de vida rural, girando em torno dos castelos e mosteiros; o movimento das Cruzadas, a restauração do comércio, a emergência de um novo grupo social (os burgueses) e, sobretudo, o renascimento cultural com um forte matiz científico-filosófico, que preparou o caminho para o renascimento italiano, eminentemente literário e artístico.

Referências

  1. Pierre Riché, Les Carolingiens. Une famille qui fit l'Europe, Paris, Hachette, coll. "Pluriel", 1983 p. 354
  2. Michel Lemoine, article Arts libéraux in Claude Gauvard (dir.), Dictionnaire du Moyen Âge, Paris, PUF, coll. "Quadrige", 2002 p. 94
  3. YITZHAK HEN (2007). Roman Barbarians: The Royal Court and Culture in the Early Medieval West. [S.l.]: Springer. pp. 71–78. ISBN 978-0230593640 
  4. Robin Whelan (2018). Being Christian in Vandal Africa The Politics of Orthodoxy in the Post-Imperial West. [S.l.]: University of California Press. 6 páginas. ISBN 9780520295957 
  5. a b Fontaine, Jacques (1959). Isidore de Séville et la culture classique dans l'Espagne wisigothique (em francês). Paris: [s.n.] 
  6. Fernández-Morera, Darío (2016). The Myth of the Andalusian Paradise. Muslims, Christians and Jews under Islamic Rule in Medieval Spain. [S.l.]: ISI Books. ISBN 9781504034692 
  7. Fear, A. T. (1997). Lives of the Visigothic Fathers. [S.l.]: Liverpool University. ISBN 978-0853235828 
  8. Kampers, Gerd (2008). Geschichte der Westgoten. [S.l.]: Ferdinand Schöningh. ISBN 9783506765178 
  9. Riché, Pierre (1995) [1962]. Éducation et culture dans l'Occident barbare (VIe-VIIIe siècles). Col: Points Histoire 4 ed. Paris: Le Seuil. pp. 256–257, 264, 273–274, 297 
  10. Louis Halphen, Les Barbares, Paris, 1936, p. 236; Étienne Gilson, La Philosophie au Moyen Âge, Paris, 1944, p. 181.
  11. Burns, William E. (2009). Brief History: Brief History of Great Britain. [S.l.]: Infobase Publishing. pp. 37–38. ISBN 9781438127378 
  12. Pierre Riché et Jacques Verger, Des nains sur des épaules de géants. Maîtres et élèves au Moyen Âge, Paris, Tallandier, 2006, Chapter IV, "The Third Carolingian Renaissance", p. 59 sqq
  13. Dominic A. Aquila (2022). The Church and the Age of Enlightenment (1648–1848) Faith, Science, and the Challenge of Secularism. [S.l.]: Ave Maria Press. ISBN 9781646800322 
  14. Timothy Reuter (2014). Germany in the Early Middle Ages C. 800-1056. [S.l.]: Taylor and Francis. pp. 246–247. ISBN 9781317872399