Sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas

documento elaborado pelo IPCC analisando o problema do aquecimento global
(Redirecionado de Sexto Relatório do IPCC)

O Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (em inglês, Intergovernmental Panel on Climate Change Sixth Assessment Report) é um documento elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) analisando o problema do aquecimento global. Sua publicação, dividida em volumes, iniciou em 9 de agosto de 2021, com a divulgação do Summary for Policymakers (Sumário para os Criadores de Políticas), um resumo em linguagem mais acessível do volume The Physical Science Basis of Climate Change (As Bases da Ciência Física da Mudança Climática).[1][2] A publicação da íntegra do volume e dos volumes restantes deve ocorrer nos próximos meses, após terminadas e aprovadas as últimas revisões.[3][4]

O 6º Relatório é a versão mais atualizada da série de grandes documentos que o IPCC vem produzindo desde 1990[5][4] e reforçou as conclusões dos relatórios anteriores de que o aquecimento global é uma realidade e que sua causa é as atividades humanas.[6] 517 cientistas trabalharam no documento,[7] analisando mais de 14 mil estudos científicos,[5] sendo aprovado por representantes de 195 governos.[8]

O relatório concluiu que desde 1850 o planeta aqueceu em média 1,1° C, com um aquecimento mais intenso sobre os continentes, e que o aquecimento médio global deve atingir ou exceder 1,5º C nos próximos 20 anos.[6] Em todos os cenários hipotéticos desenvolvidos pelos modelos climáticos, exceto no cenário de emissões de gases estufa mais baixas (SSP1-1,9), o nível de 1,5°C, desde o Acordo de Paris considerado o máximo seguro, será ultrapassado no futuro próximo e permanecerá acima de 1,5°C até o final do século. Os atuais compromissos internacionais de redução de emissões são insuficientes para manter o nível de 1,5º C, e mesmo se cumpridos, a melhor estimativa é chegarmos ao ano de 2100 com um aquecimento de 2,7º C.[1][9] As temperaturas observadas desde 2011 se igualam às do período quente de 125 mil anos atrás, quando o manto de gelo da Groenlândia desapareceu quase completamente. Mesmo com o aquecimento estabilizado em 1,5º C, eventos extremos sem precedentes no registro histórico deverão acontecer.[4]

O relatório respondeu a importantes questões sobre como as emissões de gases estufa e outros poluentes estão alterando o clima; como as plantas, o solo e o oceano armazenam e liberam carbono; como o clima responde à influência humana; e o que podemos esperar de qualquer aumento adicional no aquecimento global. Suas informações dão bases sólidas para a adoção de estratégias e políticas de mitigação e adaptação ao aquecimento e seus efeitos.[10] O relatório deixou claro que se as tendências atuais continuarem o aquecimento vai continuar aumentado, mas que o futuro do planeta depende das escolhas que a humanidade fizer hoje. Contudo, para que o aquecimento seja contido abaixo de 1,5º C as emissões devem cair a zero nas próximas décadas, caso contrário deve-se esperar até o fim do século XXI um aumento de 2,5 a 4° C.[11]

Conteúdo do relatório do IPCC editar

Estrutura editar

O sexto relatório é composto pelos relatórios de três grupos de trabalho e um relatório de síntese. Em abril de 2016, na 43ª sessão em Nairóbi, Quênia, foram decididos os tópicos para os Relatórios Especiais no ciclo de avaliação do sexto relatório.[12][13]

Sequência de datas de lançamento, atuais e planejadas:

  • Relatório especial sobre o aquecimento global de 1,5 ° C em outubro de 2018
  • Refinamento das Diretrizes do IPCC de 2006 para Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa em maio de 2019
  • Relatório especial sobre Mudanças Climáticas e Terras em agosto de 2019
  • Relatório especial sobre o oceano e a criosfera em um clima em mudança em setembro de 2019
  • Contribuição do grupo de trabalho 1: volume As Bases da Ciência Física da Mudança Climática em agosto de 2021 (Sumário para os Criadores de Políticas).[14][15]
  • Contribuição do grupo de trabalho 2: volume Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade em fevereiro de 2022
  • Contribuição do grupo de trabalho 3: volume Mitigação das Mudanças Climáticas em março de 2022
  • Relatório de síntese em outubro de 2022[16]

The Physical Science Basis of Climate Change editar

 
O gráfico do "taco de hóquei": Variação da temperatura média global observada em relação à média de 1850-1900, conforme relatado no Sumário para os Criadores de Políticas

O relatório do Grupo de Trabalho 1, The Physical Science Basis of Climate Change, focou no consenso fundamental da ciência do clima sobre as causas e os efeitos das emissões humanas de gases de efeito estufa. Este volume teve sua publicação iniciada em 9 de agosto de 2021.[4]

Em comparação com avaliações anteriores, o 6º Relatório se valeu de um melhor entendimento das relações entre as emissões e seus efeitos; pôde realizar com mais qualidade e segurança as previsões de aquecimento futuro;[6][3] incluiu muito mais detalhes sobre os efeitos regionais da mudança climática,[17] embora mais pesquisas sejam necessárias sobre a mudança climática no leste e centro da América do Norte.[18]

Foi revista a estimativa de aumento do nível do mar por volta de 2100, provavelmente será de meio a um metro, mas o aumento de dois a cinco metros não está descartado, pois os processos de instabilidade da camada de gelo ainda são mal compreendidos.[18] Foram refinados os modelos climáticos usados para análise; atualizou as medições do aumento de temperatura na série histórica;[11] refinou a estimativa das possibilidades de emissão de carbono (orçamento global de carbono) para o aquecimento ser contido abaixo de 1,5º C, sendo estimadas em 500 bilhões de toneladas a mais de gases de efeito estufa, o que exigiria que as emissões globais fossem zeradas antes de 2050.[19][1] A atribuição à atividade humana do aumento na frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos como ondas de calor, secas, inundações e chuvas torrenciais foi reforçada, é considerada agora virtualmente certa, e prevê-se que esses eventos devem continuar piorando e aumentando seus impactos sobre a sociedade.[3][5][18] As ameaças de impactos diferentes combinados são classificadas como mais altas do que em relatórios anteriores.[18]

O relatório estreitou a sensibilidade climática de 1,5–4,5° C para 2,5-4° C para cada duplicação do dióxido de carbono na atmosfera.[17] A geopolítica foi incluída nos modelos climáticos pela primeira vez, como cinco caminhos socioeconômicos compartilhados,[20] com o modelo SSP1-1.9 sendo um novo caminho para prever como as pessoas poderiam manter o aquecimento abaixo de 1,5º C.[18] O famoso gráfico do "taco de hóquei" foi ampliado,[18] e foi dada uma importância significativamente maior às emissões de metano em relação ao dióxido de carbono no total do aquecimento observado.[21] Pela primeira vez foram feitas avaliações das possibilidades de pontos de ruptura no clima global levando a mudanças catastróficas no sistema do clima,[22] e pela primeira vez foi incluído um capítulo sobre os poluentes climáticos de vida curta, como aerossóis, partículas e outros gases reativos como o ozônio.[1]

A publicação do resumo do volume The Physical Science Basis of Climate Change ocorreu durante o verão do hemisfério norte, onde houve uma quantidade notável de eventos climáticos extremos, como uma onda de calor no oeste da América do Norte, inundações na Europa, chuvas extremas na Índia e na China, e outros eventos, como incêndios florestais.[2][23] Alguns cientistas estão descrevendo esses eventos climáticos extremos como eventos que levam à dúvida sobre a taxa de emergência de eventos extremos nos modelos usados para escrever o relatório, com a realidade se mostrando mais severa do que o consenso científico.[23]

Reações editar

A publicação recebeu ampla cobertura da imprensa internacional[7] e será um dos principais subsídios científicos para a Conferência do Clima de 2021.[5] Após a publicação do relatório do Grupo de Trabalho 1, o vice-presidente da UE, Frans Timmermans, disse que não é tarde demais para evitar uma mudança climática descontrolada.[24] O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disse que a próxima década será crucial para o futuro do planeta.[25] Rick Spinrad, administrador da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) dos EUA, afirmou que "é um relatório preocupante que conclui que a influência humana está, inequivocamente, causando as mudanças climáticas, e confirma que os impactos estão se espalhando e intensificando rapidamente". A NOAA "usará os novos insights deste relatório do IPCC para informar o trabalho que faz com as comunidades para se preparar, responder e se adaptar às mudanças climáticas".[26] John Kerry, enviado especial dos EUA para o clima, disse que "o relatório do IPCC ressalta a urgência avassaladora deste momento. Podemos chegar à economia de baixo carbono de que tão urgentemente precisamos, mas o tempo não está do nosso lado. Esta é uma década crítica para a ação".[3]

Nigel Arnell, autor principal de um dos capítulos, disse que "o último relatório do IPCC confirma que as atividades humanas mudaram nosso clima e levaram a ondas de calor, inundações, secas e incêndios florestais mais frequentes que estamos vendo recentemente. A evidência é incontestável. O relatório também mostra que os impactos continuarão a aumentar virtualmente em todos os lugares". Segundo Corinne Le Quéré, colaboradora de um dos capítulos, "se ainda faltava uma prova de que as mudanças climáticas são causadas por atividades humanas, este é o relatório que a fornece. O relatório vai muito além da avaliação anterior do IPCC de 2013 e resolve todas as grandes incertezas, para fornecer uma imagem ainda mais clara do efeito das atividades humanas no clima e nos extremos do tempo".[21]

Para Richard Black, conselheiro da Energy and Climate Intelligence Unit, este relatório é "uma chamada massiva para todos os governos que ainda não apresentaram planos realistas para reduzir as emissões durante o próxima década".[5] Xuebin Zhang, climatologista da Environment Canada, disse que o relatório mostra que com o aumento das temperaturas os eventos climáticos extremos se tornarão cada vez mais severos, e que deve-se esperar mais eventos compostos, como ondas de calor e secas de longa duração ocorrendo simultaneamente. "A mudança climática está acontecendo e as pessoas realmente sentem isso. O relatório apenas fornece validação científica para o público em geral de que, sim, o que você sente é realmente verdade".[11] Abdalah Mokssit, secretário do IPCC, afirmou que "a menos que haja reduções imediatas rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, limitar o aquecimento a 1,5º C estará além do nosso alcance".[22]

Para António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas, o documento é um "alerta vermelho para a humanidade. Os alarmes são ensurdecedores: as emissões de gases de efeito estufa provocadas por combustíveis fósseis e o desmatamento estão sufocando o nosso planeta. Se unirmos forças agora, podemos evitar a catástrofe climática. Mas, como o relatório de hoje indica claramente, não há tempo e não há lugar para desculpas".[9]

Ver também editar

Referências

  1. a b c d "IPCC AR6 WGI – Síntese principais conclusões do relatório". Eco Debate, 09/08/2021
  2. a b «UN climate science talks open amid heatwaves, floods and drought». UN News (em inglês). 26 de julho de 2021. Consultado em 2 de agosto de 2021 
  3. a b c d Irfan, Umair & Leber, Rebecca. "The devastating new UN report on climate change, explained". Vox, 09/08/2021
  4. a b c d Angelo, Claudio & Marengo, José Antonio. "IPCC AR6, WG1: resumo comentado". Observatório do Clima, 09/08/2021
  5. a b c d e "Climate change: UN to reveal landmark IPCC report findings". BBC, 09/08/2021
  6. a b c "IPCC Press Release". IPCC, 09/08/2021
  7. a b "Novo relatório do IPCC: limitar aquecimento em 1,5°C ainda é possível, mas ação precisa ser muito mais rápida e ampla". Clima Info, 10/08/2021
  8. Plumer, Brad; Fountain, Henry (9 de agosto de 2021). «A Hotter Future Is Certain, Climate Panel Warns. But How Hot Is Up to Us.». The New York Times (em inglês). ISSN 0362-4331. Consultado em 9 de agosto de 2021 
  9. a b "ONU: relatório sobre clima é alerta vermelho". Agência Brasil, 09/08/2021
  10. "IPCC Press Conference". Intergovernmental Panel on Climate Change, 09/08/2021
  11. a b c Tollefson, Jeff. "IPCC climate report: Earth is warmer than it’s been in 125,000 years". Nature News, 09/09/2021
  12. IPCC. «"Sixth Assessment Report"» 
  13. IPCC. «"The IPCC and the sixth Assessment cycle"» (PDF) 
  14. IPCC. «"Tentative IPCC AR6 WGI schedule for 2020-2021 (11 June 2020)"» (PDF) 
  15. «IPCC opens meeting to approve physical science report». Consultado em 28 de julho de 2021 
  16. IPCC. «IPCC reschedules report approval sessions» 
  17. a b Plumer, Brad; Fountain, Henry (9 de agosto de 2021). «A Hotter Future Is Certain, Climate Panel Warns. But How Hot Is Up to Us.». The New York Times (em inglês). ISSN 0362-4331. Consultado em 9 de agosto de 2021 
  18. a b c d e f Henson, Bob. "Key takeaways from the new IPCC report » Yale Climate Connections". Yale Climate Connections, 09/09/2021
  19. «The IPCC delivers its starkest warning about the world's climate». The Economist. 9 de agosto de 2021. ISSN 0013-0613 
  20. Coren, Michael J. «Scientists have finally added world politics to their climate models». Quartz (em inglês). Consultado em 9 de agosto de 2021 
  21. a b "Expert reaction to the IPCC’s Working Group 1 contribution to the Sixth Assessment Report". Science Media Centre, 09/08/2021
  22. a b Carrington, Damian. "Climate crisis ‘unequivocally’ caused by human activities, says IPCC report". The Guardian, 09/08/2021
  23. a b Clark, Pilita. "Commentary: We are living through a new, horrible phase of climate change". CNA, 30/07/2021
  24. «'Not too late' to prevent 'runaway climate change': EU». WION (em inglês). Consultado em 9 de agosto de 2021 
  25. Dunne, Daisy & Boyle, Louise. "World's 1.5C goal slipping beyond reach without urgent action, warns landmark UN climate report". The Independent, 09/08/2021
  26. Smullen, Scott. "Statement from NOAA Administrator Rick Spinrad on new IPCC report". National Oceanic and Atmospheric Administration, 09/08/2021

Ligações externas editar