Tradição Aratu é uma cultura material flexível presente no território brasileiro desde o século IX, tendo sido moldada e difundida principalmente por agricultores sedentarizados que se instalavam nas proximidades de matas fluviais, cuja principal atividade, além da agricultura, era a produção de artefatos de cerâmica. A tradição alcançou relevante grau de dispersão territorial, difundindo, através dos anos, as diferentes atividades e costumes inerentes ao grupo por diferentes estados do atual Brasil.

Os povos da Tradição Aratu habitavam sítios a céu aberto, os quais são qualificados por incidências de terra preta. Os Aratu são também caracterizados por serem e solos férteis ligados geralmente a zonas de mata, a fim de garantir a manutenção de sua cultura de subsistência.[1]

Características editar

Os principais elementos que compõem essa tradição consistem na cerâmica de tipologia simples, sem decoração interna ou externa, além de sítios a céu aberto caracterizados por grandes manchas de terra preta, com alta concentração de material cerâmico, bem como a disposição das manchas (habitações) em formato circular no entorno de um espaço (praça) central vazio de vestígios arqueológicos.[1] Há contato desses grupos com outros povos e tradições, o que faz com que possa variar a composição da cultura material. Dentre os principais grupos, estão os Uru (GO, MT) e os Tupi-Guarani (MG, SP).

A Tradição Aratu foi oficializada pelo Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) na década de 1970, quando o pesquisador Valentin Calderón desenvolveu ampla bibliografia sobre o assunto ao encontrar diversos sítios ancestrais na Bahia.[2]


Cerâmica Aratu editar

A cerâmica Aratu é abundante em formatos e tamanhos, tal padrão é perceptível também em outros grupos sedentarizados agricultores brasileiros. Elementos minerais - grafite, hematita - e vegetais - cariapé - podiam ser usados na preparação da pasta que compunha as cerâmicas em questão.[2]

Na morfologia dos vasilhames predominando os contornos simples, com formas em meia calota, hemisféricas, ovoides, elipsóides e periformes, presença de vasos geminados. Havia grandes urnas periformes chegando a um metro de diâmetro, podendo servir como receptáculo funerário ou como recipiente de armazenagem.[1]

História editar

Fase Mossâmedes editar

Fase Mossâmedes é a fase da Tradição Aratu em que estão os sítios mais antigos dessa tradição, recebe esse nome uma vez que Mossâmedes (GO) é o nome de um dos municípios em que se encontraram os materiais mais antigos da Tradição.[3]

Os sítios encontrados nessa região permitem concluir que a região central do Brasil como a zona central de dispersão de grupos Aratu.[3] Esse momento é caracterizado por cerâmicas mais antigas, compostas de antiplástico de areia grossa. Também, cerâmicas compostas por uma mistura de areia glossa com cariapé vegetal.[1] Os maiores sítios circulares são parte da Fase Mossâmedes, existindo inclusive aldeias com dois anéis concêntricos.[1]

Fase Itaúna editar

A Fase Itaúna é caracterizada por cerâmicas decoradas. As pinturas são muito marcantes nessa fase, influência da cultura material Tupi-Guarani. Característica das regiões do Espirito Santo e São Paulo, as quais são marcadas pela convivência entre a Tradição Aratu e Tupi-Guarani. O nome dessa Fase homenagem à cidade de Itaúna (MG), localidade encontrada esse tipo de cerâmica.[1]

Fase Sapucaí editar

A fase Sapucaí é caracterizada pela sua cerâmica de simplicidade decorativa, urnas periformes e vasilhames globulares. O nome dessa Fase é homenagem à cidade de Sapucaí (MG), que fica na porção sul do estado de Minas Gerais, localidade onde foi encontrada esse tipo de cerâmica.[1]


Dispersão Territorial editar

A dispersão da Tradição Aratu é caracterizadas por um processo logo e gradual.[4] Goiás como a mais antiga datação da tradição Aratu até o momento.[1] A dispersão da Tradição Aratu, a partir da região central - envolvendo Mato Grosso e Goiás - se deu pela ordem cronológica, estendendo-se gradualmente pelos estados contíguos: Bahia, Tocantins, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Espirito Santo.

A dispersão territorial da Tradição Aratu para o sul do território brasileiro pode indicar o esgotamento dos recursos naturais que seriam necessários para esses povos nos locais até então ocupados, forçando a migração dessa população para outras regiões.[1]

Região Central do Brasil (GO) - 810 DC - 1055 DC editar

Os Estados de Mato Grosso e Goiás são colocados como o principal ponto de presença Aratu no território brasileiro: expressivo desenvolvimento da cerâmica, com significativa concentração de sítios,[4] o que permite deduzir também alta densidade demográfica.[1]

Devido à sua ocupação antiga e central, tem-se a existência de uma complexa rede de trocas com outros grupos de outras tradições que habitam as proximidades.[1]

É principalmente nessa porção do território brasileiro que os povos de Tradição Aratu tiveram contato expressivo com a Tradição Uru. Como resultado desse contato, há uma mudança substancial nas cerâmicas Aratu, como a introdução do cariapé e a utilização de pratos assadores.[1]

Esse contato, que a partir de certo ponto deixa de ser apenas de contato intercâmbios culturais mas também de disputas territoriais, favoreceu a migração de povos da tradição Aratu para o norte, no estado do Tocantins, por volta do século XII.[1]

Bahia (BA) - 870 AD - 1360 DC editar

Segunda ocupação mais antiga da Tradição Aratu.

Região com concentração de grandes conjuntos de sepultamentos e urnas funerárias da Tradição Aratu, estruturas exclusivas aos assentamentos baianos dessa tradição.[1] Essas estruturas não eram construídas necessariamente associadas às localidades de habitação, isto é, podiam estar isoladas das porções habitacionais desses povos. Pode-se associar essa dispersão como uma estratégia de ocupação do território.[1]

Essa elevada incidência de estruturas de campos de urnas na Bahia indica que não era um local de sepultamento de um único grupo Aratu que habitava a região, mas um espaço único de sepultamento compartilhado por vários grupos Aratu.[1]

Tocantins (TO) - Século XII editar

Em Tocantins, observa-se a presença da Tradição Aratu ao longo do córrego Brejo Comprido, junto às matas de galeria. Os sítios encontrados são de formato circular, mas não aparecem em grande quantidade.[1]

Minas Gerais (MG) - Século XIII editar

A Tradição Aratu em Minas Gerais possui um traço particular: elementos Tupi-guarani em sua cultura material, uma vez que há, entre esses povos, o intercâmbio de práticas e culturas devido à proximidade geográfica. Dessa forma, encontra-se elementos ornamentais nas cerâmicas Aratu tipicamente Tupi.[1]

Em Minas Gerais, há menos assentamentos quando em comparação com as regiões centrais e a Bahia. Há, em Minas Gerais, a concentração da Tradição Aratu sobretudo na região do Triângulo Mineiro.[1] Não há, nesse momento, a presença de grandes aldeias circulares.[1]

Espirito Santo (ES) - 1345 DC - 1780 DC editar

No Espírito Santo, os artefatos Aratu e suas datações permitem concluir que as populações dessa localidade deviam estar associadas a um fluxo migratório oriundo dos territórios baianos. Não há grandes aldeias, há o contato com grupos Tupi e influência na composição de seus artefatos.[1]

São Paulo (SP) - Século XIII editar

Em São Paulo, houve menos assentamentos Aratu, assim como em Minas Gerais e no Espírito Santo. Nessa localidade, também com a cultural material marcada pela interação da cultura Tupi-Guarani e Tradição Aratu.[1]

Paraná (PR) - Século XIV editar

Essa datação permite concluir que se pode traçar um progressivo fluxo migratório da região central do Brasil em direção ao sul.[1] Essa migração por todo o país evidencia que as populações da Tradição Aratu tiveram grande adaptabilidade ambiental aos diferentes biomas brasileiros.[2] Sítio de Apucarana - tigelas típicas em meia calota. As cerâmicas desse sítio remetem aos vasilhames da Tradição Itararé. As cerâmicas Aratu do Sítio de Apucarana tem pequena capacidade volumétrica.[1]

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x Soares, Juliana (26 de dezembro de 2013). «Discussing the Aratu tradition: proposal of a dispersion model and implementation in zones of ecological tension». Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia (em inglês) (23): 61–77. ISSN 2448-1750. doi:10.11606/issn.2448-1750.revmae.2013.107025. Consultado em 24 de junho de 2022 
  2. a b c Schmitz, Pedro Ignácio; Rogge, Jairo Henrique (9 de dezembro de 2008). «Um sítio da tradição cerâmica Aratu em Apucarana, PR». Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia (18): 47–68. ISSN 2448-1750. doi:10.11606/issn.2448-1750.revmae.2008.89828. Consultado em 25 de junho de 2022 
  3. a b Asnis, Gabriel Zissi Peres; Mano, Marcel (30 de junho de 2020). «Continuidades e descontinuidades: a Arqueologia Aratu-Sapucaí e a história indígena 'Cayapó'». Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia (34): 154–173. ISSN 2448-1750. doi:10.11606/issn.2448-1750.revmae.2020.163394. Consultado em 24 de junho de 2022 
  4. a b Robrahn Gonzalez, Erika Marion; Meneses, Ulpiano Toledo Bezerra de (1996). «A ocupação ceramista pré-colonial do Brasil Central: origens e desenvolvimento». Consultado em 24 de junho de 2022