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Pretuguês

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O pretuguês é uma expressão criada pela antropóloga e intelectual mineira Lélia González (1935-1994) para denotar a influência das matrizes culturais africanas na língua portuguesa, seja em forma de palavras, fonemas, na maneira de falar ou mesmo na prosa literária. Foi primeiramente citado em seu célebre texto Racismo e sexismo na cultura brasileira (1984), sendo este um de seus conceitos mais reconhecidos ao longo de sua extensa carreira de produtora de conhecimento.

Para a autora, o pretuguês é a expressão singular da linguagem brasileira, pois demonstra o protagonismo exercido por africanos escravizados na sua luta por liberdade; com a finalidade de organizar este movimento, um dos instrumentos utilizados era a própria comunicação. Através do sincretismo - fenômeno comum em outras práticas culturais e sociais, como a religião - entre a matriz cultural africana e a matriz lusitana, nasce um novo código de fala, que se destaca e se diferencia de ambas. O pretuguês é a base comum de linguagem entre os primeiros brasileiros, descendentes da cultura indígena, negra e europeia.

Pretuguês e o preconceito linguístico

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Através do Decreto Nº 6.583, de 29 de setembro de 2008, foi promulgado o acordo ortográfico da língua portuguesa, um conjunto de normas legais que estabelecem o que é conhecido como português formal ou popularmente chamado de “português correto”. Esse português formal é amplamente ensinado em ambientes acadêmicos e socialmente aceito. No entanto, ao se considerar a língua como uma forma de identificação e resistência cultural, a rejeição de outras variantes linguísticas faladas pela população como formas válidas de comunicação acaba resultando no apagamento cultural, marginalização de culturas e alimentando preconceitos linguísticos.

Como ocorre no caso do pretuguês, que frequentemente é considerado um português incorreto e alvo de atitudes preconceituosas. Onde as pessoas que o utilizam são muitas vezes rotuladas como não letradas ou ignorantes, sem considerar que a formação das palavras é realizada com base em dialetos que apresentam distinções em relação ao padrão da língua portuguesa, conforme citado por Lélila Gonzalez em seu texto Racismo e sexismo na cultura brasileira (1984).

Construção das palavras em pretuguês  

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A gramática do pretuguês abrange uma diversidade de variações em relação à fonética e à morfossintaxe das palavras. Alguns exemplos a seguir mostram as variações que as palavras utilizadas no pretuguês podem apresentar.

  • Substituição da letra “L” pela “R”, “N” ou “T”

Exemplo: “framengo” em vez de “flamengo”, “probrema” em vez de “problema”.

  • Pronúncia dos fonemas das palavras de forma cantada

As palavras são pronunciadas com uma entonação melódica ou cantada.

  • Variação de número no sintagma nominal

A concordância entre os elementos que compõem o sintagma nominal apresenta variação quanto ao número (singular e plural), não sendo acrescentada a letra “s” em algumas palavras.

Exemplo: “Essas moça é tudo prendada” em vez de “Essas moças são todas prendadas”.

  • Variação de número no sintagma verbal

O sujeito em número (plural ou singular) não está em concordância com o número do verbo.

Exemplo: “Nós comeu nada o dia inteiro” em vez de “Nós comemos nada o dia inteiro”.

  • Variação de gênero gramatical

Algumas palavras podem apresentar variações de gênero gramatical, não concordando necessariamente com os gêneros masculino e feminino que são impostos.

Exemplo: “cada filho tem seu cama pra dormir” em vez de “cada filho tem sua cama pra dormir”.

  • Dupla negação

Duas formas de negação são utilizadas em uma mesma oração, de forma a enfatizar a negação feita.

Exemplo: “Eu não vi ninguém não”.

  • Primazia das vogais ou vogalidade

As vogais exercem um papel central, enquanto as consoantes exercem um papel secundário na pronúncia e estrutura das palavras.

  • Aportes

Palavras ou expressões provenientes de outras línguas que são incorporadas ao vocabulário de uma língua, podendo ser decalques ou híbridos:  

  1. Decalques

Ocorre quando o Português adota um termo ou estrutura gramatical de outra língua, traduzindo-o literalmente.

  1. Híbridos

Palavras formadas pela combinação de elementos de diferentes origens linguísticas.

Pretuguês na Cultura Brasileira.  

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A referência da língua africana no dialeto português, está presente em todo Brasil, no cotidiano, na cultura e religião. Na periferia Brasileira, O pretuguês é expresso na Arte Urbana como grafite e Pichação, Movimento Hip Hop nas batalhas de rima, e nas ruas como forma de manifestação e afirmação de pertencimento nas periferias, pixo com frases; “A rua é nois” entre outras, mostra a presença do pretuguês nessas comunidades.  

Nas religiões brasileiras de matriz Africana, mais populares a Umbanda e o Candomblé que são uma religiões afro-brasileira que sintetiza o culto aos Orixás e aos demais elementos das religiões africanas Que teve forte impacto na formação do Brasil. A comunidade da Umbanda em suas Giras, se usa palavras especificas nos cantos em sua linguagem, palavras como, Atotô, omulu, oke aro usado para  cumprimentar as entidades  como os Cablocos, sarava e parrei  para cumprimentar Oxóssi.  

“A eparrei ela é Oyá, ela é Oyá  

A eparrei é Iansã, é Iansã  

A eparrei  

Quando Iansã vai pra batalha  

Todos os cavaleiros param  

Só pra ver ela passar. "

Música Ela é Oyá, Letra feita por Sandro Luiz.  

Pajubá, e o pretugês na cultura Trans e Movimento LGBTQIA+  

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  O pajubá (ou bajubá) nasceu através da combinação de termos da língua portuguesa com termos extraídos dos grupos étnico linguísticos nagô e iorubá. Conhecido como dialeto LGBTQIA+, o pajubá possui raízes históricas e de resistência. Surgindo dentro das práticas de religiões afro-brasileiras, ele pode ser definido como um repertório vocabular e performativo de certa parcela da comunidade LGBTQIA+ e evidencia a influência da cultura africana na língua portuguesa. Criado dentro dos terreiros de candomblé o pajubá era usado como código entre pessoas transgênero (pessoas que não se identificam com o gênero imposto no nascimento) durante o período da ditadura militar.  

Operação Tarântula  
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Em 27 de fevereiro de 1987 a polícia civil de São Paulo abriu uma operação que tinha como objetivo “combater a aids”, conhecida como operação Tarântula essa ação da polícia serviu como justificativa para a perseguição de pessoas transgênero e travesti, que eram presas acusadas de “ultraje ao pudor público e crime de contágio venéreo”.  

Neon Cunha, ativista transgênero fluente em pajubá nos exemplifica a forma como esse dialeto foi usado como código entre pessoas LGBTQIA+ durante o período da Operação Tarântula. Quando perguntada qual foi a expressão mais marcante dessa linguagem em sua vida, Cunha pronunciou a frase:  

“Mona erê aquenda os ojus, se os alibans cosicarem no corre cosica as endacas pras monas acá deaquendarem.”  

A frase pode ser traduzida como “Novinha, fica de olho, se os policiais entrarem no ônibus avise para a gente sumir” e evidencia como o pajubá era usado como código e meio de sobrevivência entre grupos marginalizados.