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Bioinvasores na América do Sul e seu impacto na Biota nativa

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Artigo introdutório sobre o tema bioinvasão na América do Sul, com enfoque em bioinvasão continental.


Introdução

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As espécies, com relação à sua situação populacional, podem ser consideradas (Lopes, 2009) nativas, exóticas ou criptogênicas. Espécies nativas são aquelas que vivem em seu local de origem, ao passo que as exóticas são as registradas fora de sua área de distribuição original. As espécies criptogênicas possuem origem biogeográfica incerta ou desconhecida e são classificadas assim apenas quando não há informação suficiente para saber se a espécie é nativa ou exótica (Carlton, 1996).

As espécies exóticas podem ainda ser classificadas em quatro categorias: contida, detectada em ambiente natural, estabelecida ou invasora. Uma espécie exótica é considerada contida quando é detectada apenas em ambientes artificiais controlados, total ou parcialmente isolados do ambiente natural (e.g. aquários). Quando uma espécie exótica é detectada em ambiente natural, porém sem aumento de sua abundância ou de sua dispersão (ou sem que essas informações tenham sido levantadas), sendo, portanto, um registro isolado, ela é considerada como “detectada em ambiente natural”. A espécie exótica é considerada estabelecida quando o seu registro torna-se recorrente, com ciclo de vida completo na natureza e com indícios de aumento populacional, todavia, sem apresentar impactos ambientais ou econômicos. Por fim, a espécie é considerada invasora quando ela já está estabelecida em ambiente natural e possui abundância e/ou dispersão geográfica capaz de interferir na capacidade de sobrevivência de espécies nativas ou é capaz de gerar prejuízos econômicos mensuráveis (Lopes, 2009, Elliot, 2003). É válido ressaltar, todavia, que as definições sobre a situação populacional de espécies não nativas são variáveis e sujeitas à controvérsias, podendo variar de acordo com a área de conhecimento ou de aplicação (Lopes, 2009). Segundo Silva & Souza (2004), espécies exóticas, alienígenas, não nativas, não indígenas, invasoras ou indesejáveis são organismos ou qualquer material biológico capaz de propagar espécies, incluindo sementes, ovos, esporos, e que entram em um ecossistema sem registro anterior. Todavia, os termos acima citados não devem ser interpretados como sinônimos. “Espécie invasora” é uma categoria na qual uma espécie exótica pode ser classificada. Sendo assim, nem toda espécie exótica é invasora, mas toda espécie invasora é exótica.

Com base nisso, espécie invasora pode ser definida como aquela que teve um estabelecimento fora de seu alcance histórico por meio de vias naturais ou humanas e que em condições ambientais favoráveis e livres de predadores, parasitas e competidores naturais, sua presença e sua abundância podem interferir na capacidade de sobrevivência das demais espécies no local afetado ou trazer algum dano econômico, para a saúde humana ou ambiental, representando assim uma ameaça relevante para a conservação das espécies nativas (Carlton, 1985, Elliot, 2003, Silva & Souza, 2004, Lopes, 2009, Ignacio et al., 2010, Lambertini, 2011).

O estabelecimento de uma espécie exótica no novo ambiente, de tal forma que ela possa se tornar invasora, depende de certos fatores como (Silva & Souza, 2009): (i) características biológicas da espécie; (ii) condições do meio no qual a espécie está sendo introduzida (e.g. clima); (iii) número de indivíduos introduzidos; (iv) competição com as espécies nativas; (v) disponibilidade de alimento. Esses fatores estão ligados, principalmente, aos pontos de descarga, sendo esses locais cruciais para o bom desenvolvimento da espécie exótica.

Uma vez exótica, para que a espécie seja classificada como invasora, ela precisa atingir ao menos uma das condições (Hilliard et al., 1997, Lopes, 2009): (i) deslocar espécies nativas por meio de competição por espaço, luz ou alimento; (ii) ser predadora de espécies nativas e reduzir sua densidade ou biomassa; (iii) parasitar ou causar doenças em espécies localmente e/ou economicamente importantes; (iv) produzir toxinas que se acumulam ao longo da cadeia alimentar; (v) causar danos à saúde humana; (vi) causar significativas perdas econômicas decorrentes de modificações da infra-estrutura.

O tempo de permanência de uma espécie em determinada categoria pode variar de acordo com o transporte, inoculação, sobrevivência, crescimento no ambiente receptor e, principalmente, com a resposta das pesquisas e programas de prevenção e controle. Ou seja, espécies estabelecidas podem mudar de categoria apenas quando seus impactos econômicos ou sobre a saude humana tornam-se consideráveis, ao passo que alterações ambientais anteriores passam despercebidas (Lopes, 2009). Além disso, uma espécie exótica pode se tornar prejudicial em algumas áreas, mas não em outras. Isso diz respeito à biologia, ecologia e limites naturais das espécies envolvidas, dependendo também de variáveis ambientais como a áreas de origem e a de destino e o padrão de transporte. Assim, com relação à definição de espécie invasora, podemos concluir que ela é variável e subjetiva, o que permite diferentes interpretações de acordo com a área que está realizando o estudo.


Estudos de casos de bioinvasão continental

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Plantas invasoras associadas a herbívoros introduzidos

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Exotic herbivores as drivers of plant invasion and switch to ecosystem alternative states (Homlgrem, 2002)

Em tempos pré-colombianos, as florestas cobriam amplamente o Chile. Atualmente, os remanescentes destas florestas podem ser encontrados apemas em encostas úmidas da faixa costeira. Este trabalho discute a evidência da forma como herbívoro acoplado a plantas invasoras alterou a estrutura e funcionamento dos ecossistemas na região chilena, e compara esses padrões com os resultados de outros ecossistemas mediterrâneos do mundo. O artigo sugere que o gados introduzidos têm contribuído na promoção da mudança do bioma de floresta para savana, e que coelhos europeus introduzidos impedem a recolonização de clareiras pelas espécies florestais. Tal como em outras regiões do mundo, a perda de florestas no Chile é compromete o armazenamento de carbono, reduz a capacidade de reciclagem de nutrientes, há o aumento de erosões e o clima da região tende à aridez. Numerosas ervas e gramíneas exóticas dominam as áreas abertas, sendo que a ausência de cobertura florestal leva à perda de fertilidade do solo. O trabalho diz, ainda, que a pastagem por mamíferos introduzidos tende a empurrar o equilíbrio competitivo a favor de espécies exóticas. Estas mudanças são, provavelmente, muito difíceis de serem revertidas, pois mesmo que pastagem seja drasticamente reduzida, a seca impede a recuperação de espécies florestais. No entanto, o trabalho sugere que se a redução de pastagens é programada para coincidir com período do El Niño, as florestas originais podem ser recuperadas, devido à grande umidade trazida por este fenômeno climático.


Bioinvasão causada por lacunas na legislação

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The slippery slope of exporting invasive species: the case of Himalayan tahr arriving in South America (Flueck, 2010)

O trabalho foca no caso da invasão biológica de tahr (Hemitragus jemlahicus), originários do Himalaia, provenientes da Nova Zelândia.

A causa para o tráfico desses animais da Nova Zelândia para a Argentina é que as leis existentes na época não poderiam impedir as exportações e as importações destes ungulados, embora na Nova Zelândia autoridades não recomendem o tráfico desses animais. A legislação nacional foi, possivelmente, muito complexa, contraditória ou incompleta para ser executada, sendo que devido a tais falhas muitos tahr foram importados para a Argentina. As paisagens da Argentina são muito semelhantes aos ambientes da Nova Zelândia sendo, portanto, um ambiente muito viável para as espécies de H. jemlahicus. Como a erradicação ou controle são inviáveis​​, o manejo do tahr do Himalaia na América do Sul se articula unicamente sobre a prevenção de solturas ou fugas destes ungulados para outras regiões da América do Sul.

Situação na Nova Zelândia: Controle populacional por meio da caça e por capturas por meio de helicópteros. No entanto, a caça tem se mostrado ineficiente e os tahr aprenderam a se esquivar da captura por meio de helicópteros, escondendo-se em áreas cobertas por vegetação.

Potenciais impactos dos tahr para a América Latina: Tomando como base o que tem ocorrido na Nova Zelândia, os tahr liberados no sul dos Andes provavelmente impactariam a flora, a fauna associada, solos e hidrologia. O impacto iria além da experimentada na Nova Zelândia, que não possui mamíferos terrestres nativos, exceto morcegos. No sul dos Andes, os bodes provavelmente impactariam camelídeos nativos e cervídeos, como o huemul (Hippocamelus bisulcus).

Bioinvasores que impactam a estrutura do ecossistema

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Beaver invasion alters terrestrial subsidies to subantarctic stream food webs (Anderson & Rosemond, 2010)
Using assembly rules to measure the resilience of riparian plant communities to beaver invasion in subantarctic forests (Wallem, et al., 2010)

A invasão de castores canadenses (Castor canadensis) nas florestas subantárticas da Terra do Fogo, arquipélago do sul do Chile e Argentina, extremo sul da América do Sul, tem tido uma grande influência sobre a biota e ecossistemas do arquipélago. Por 60 anos, estes castores impactam a mata ciliar ao removerem as árvores próximas de rios, destruindo o dossel dessas margens, liberando espaços para plantas invasoras se desenvolverem. Com o passar do tempo, esses ambientes modificados pelos castores se tornam diferentes o suficiente para que a resiliência do ambiente seja ultrapassada, ou seja, o ambiente perde sua capacidade de voltar a ser o que era antes.

Além disso, esses castores influenciam na dinâmica e estrutura de ambientes aquáticos próximos de onde vivem, causando alterações na cadeia alimentar e o fluxo de energia para os seres vivos.

Bioinvasão de predador

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Identifying native and exotic predators of ground-nesting songbirds in Subantartic Forests in Southern Chile (Maley, et al., 2011)

A invasão de martas americanas (Neovision vision) nas florestas subantárticas do sul do Chile, causam uma grande desestruturação do ambiente, principalmente devido ao seu hábito. As martas predam ninhos de aves que nidificam no solo. Além disso, as martas podem influenciar outros habitats além de florestas como matagais e pradarias.

Bioinvasão de herbivoro

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Introduced deer reduce native plant cover and facilitate invasion of non-native tree species: evidence for invasional meltdown (Relva, et al., 2010)

A invasão de cervos (Cervus elaphus) no Nahuel Huapi National Park, Argentina, tem causado grande impacto sobre a flora da Ilha Victoria, pois estes cervos realizam uma pastagem seletiva, na qual preferem se alimentar de plantas nativas às plantas invasoras. Outro fator que contribui para o impacto é que estes grandes herbívoros dispersam muitas especies invasoras da flora ao carregar sementes de locais infestados para não infestados. Ao impactar um ambiente, seja pelo pastejo selecionado, seja pelo pisoteio, estes grandes herbívoros acabam facilitando a invasão de espécies exóticas. Não existe programa de controle destes animais, porém acredita-se que a remoção dos cervos terá um resultado inesperado, graças a possíveis novas relações ecológicas que esses animais possam ter construído no ambiente.

Bioinvasão dulciaquícola

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Golden Mussel - Limnoperna fortunei (Crosier et al.)
Population dynamics of Limnoperna fortunei, an invasive fouling mollusc, in the lower Parana river (Argentina) (Boltovskoy & Cataldo, 2009)

O mexilhão dourado (Limnoperna fortunei) foi introduzido na Argentina a partir da Ásia, em 1991, e, em uma década, se espalhou para outros países sul-americanos. O mexilhão dourado apresenta uma grande tolerância ecológica, sendo capaz de sobreviver em habitats distintos; possuindo, dessa forma, grande potencial de ocupar águas de outras localidades, principalmente pela sua alta facilidade de dispersão na forma larval (véliger) planctônica.

A provável introdução desses organismos na América do Sul se deu pelo aportamento de cargueiros no continente, que disseminou L. fortunei por meio dos estágios larvais presentes nas águas de lastro.

Este bivalve possui altas taxas de filtração de suspensão, reduzindo os estoques de fitoplâncton e de biomassa, suprimindo de populações de zooplânctons. Além disso, este molusco acarreta no aumento da competição por alimento com as espécies nativas. Resultando numa alteração do ciclo de nutrientes.

Em regiões habitadas por humanos, estes bivalves podem obstruir tubulações devido ao seu alto nível de dispersão, comprometendo o abastecimento de água, além do fato de que estes moluscos, ao morrerem, exalam odor putrefato.

Como forma de controle, tem-se utilizado o peixe Leporinus obtusidens, que tem reduzido as populações de mexilhões dourados. Muitos produtos químicos, incluindo cloro, são eficazes no controle de larvas do mexilhão dourado nas instalações humanas. Além disso, também é feita a remoção física do bivalve.


Ecology of the invasive Asian clam Corbicula fluminea (Müller, 1774) in aquatic ecosystems: an overview (Sousa et al., 2008)
The occurrence of the Asian clam Corbicula fluminea in the lower Amazon basin (Beasley et al., 2003)

O trabalho de Beasley, et al. registra pela primeira vez a presença de Corbicula fluminea na bacia amazônica brasileira. Este bivalve exótico foi encontrado nos rios Amazonas, Pará e Tocantins. A densidade e a estrutura em tamanho da população foram medidas em alguns locais. A densidade média é entre 6.66 e 7.3 indivíduos por m² . A estrutura da população e as datas dos primeiros registros sugerem que os moluscos foram introduzidos entre 1997 e 1998.

As introduções talvez tenham sido causadas por navios em visita aos portos de Manaus e Belém. Corbicula fluminea não é tão agressivaa quanto Limnoperna fortunei, no entanto tem grande potencial na competição por espaço e alimento com bivalves nativos.

Os métodos de controle e remoção de C. fluminea são variados, incluindo o uso de filtros, descargas elétricas, tratamentos com cloro, venenos, eletromagnetismo, altas temperaturas e ultrassom. Entretanto muitos desses métodos são caros e deixam resíduos tóxicos ao meio ambiente. O uso de cloros associados ao uso de filtros tem sido o método mais apropriado para o controle de C. fluminea das águas de lastro.

Apesar de tudo, C. fluminea tem sido utilizado como bioindicador, pois pode ser encontrado em ambientes poluídos; é fácil de mantê-los em laboratórios; este organismo possui uma grande capacidade de filtração, inclusive de poluentes; é possível dessecar os adultos e realizar análises por meio de histologia, em cujos tratos podem ser observados contaminantes acumulados, servindo de modelos para a ecotoxicologia.


Considerações finais

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Apesar de poucos estudos trabalharem bioinvasão do ponto de vista biogeográfico (biogeografia histórica) - a maioria traz dados de distribuição geográfica - fica clara a importância de se ter um conhecimento sobre espécies bioinvasoras. As espécies bioinvasoras podem causar confusões se utilizadas para reconstrução da história evolutiva de determinada área, uma vez que elas a sua história evolutiva não é capaz de reconstruir a história da área. Além disso, espécies bioinvasoras podem representar extinguir espécies nativas, as quais podem estar sendo utilizadas em diversos estudos, como os biogeográficos.


Referências Bibliográficas

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BOLTOVSKOY, D.; CATALDO, D. H. Population Dynamics of Limnoperna fortunei, an Invasive Fouling Mollusc, in the Lower Paraná River (Argentina). Biofouling, v. 14 (3), p. 255-263, 1999.

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