As consequências da guerra (Rubens)

pintura de Peter Paul Rubens

As consequências da guerra é uma pintura a óleo sobre tela do mestre flamengo Peter Paul Rubens realizada cerca de 1637-38 e que se conserva na Galeria Palatina do Palácio Pitti, em Florença, na chamada Sala de Marte.

As consequências da guerra
As consequências da guerra (Rubens)
Autor Peter Paul Rubens
Data 1637-1638
Técnica óleo sobre tela
Dimensões 206 cm × 345 cm 
Localização Galeria Palatina

A pintura expõe um assunto mitológico-alegórico ligado às reflexões do autor durante as suas missões diplomáticas na Guerra dos Trinta Anos, quando tomou consciência da inutilidade da guerra e lançou uma mensagem pacifista ante litteram.

As consequências da guerra faz par com a Alegoria da Paz, ou Minerva protege a Paz da fúria de Marte (imagem seguinte), pintada esta em 1630 para Carlos I da Inglaterra.

As consequências da guerra revela um grande pessimismo: nem mesmo o amor é capaz de conter a brutalidade cega da guerra, evitando que a Europa seja submersa pelo luto e veja destruída a sua prosperidade.

História

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Rubens enviou As consequências da guerra para ser integrada na colecção do duque da Toscânia, Fernando de Medici, em março de 1638. A pintura foi acompanhada de uma carta dirigida a Justus Sustermans em que Rubens dava instruções para a reparação dos danos sofridos pela obra durante a viagem e onde faz uma descrição detalhada da obra.[1]

A partir de 1691 a obra consta em todos os inventários do Palácio Pitti, encontrando-se reproduzida na pintura Tribuna dos Uffizi de Johann Zoffany de 1772.[2]

Em 1799, como muitas obras de arte de Florença, As consequências da guerra foi confiscada pelos franceses e levada para Paris, de onde regressou apenas em 1815, com intervenção de Antonio Canova e Karcher.[2]

 
Alegoria da Paz, 1629

Descrição

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Na carta que enviou a Justus Sustermans, Rubens descreve bem o que quis representar:[1]

"A figura principal é Marte que, deixando aberto o templo de Jano (que, segundo o costume dos romanos, permanecia fechado durante os tempos de paz), avança com o escudo e a espada ensanguentada, ameaçando os povos com uma grande ruína, sem cuidar de Vénus, sua esposa, que, acompanhada de amores e cupidos, tenta sustê-lo com carícias e abraços.
"Marte é arrastado pela fúria de Alecto que carrega uma tocha na mão e é acompanhada por dois monstros, a peste e a fome, consequências inevitáveis da guerra. No chão, jaz de costas uma mulher sobre os restos de um alaúde quebrado, um símbolo de harmonia, incompatível com a discórdia da guerra; e ao seu lado está uma mãe com o filho nos braços para demonstrar que a fertilidade, a procriação e a caridade são destruídas pela guerra que corrompe tudo e destrói tudo.
 
Europa, detalhe de As Consequências da Guerra
Também aparece caído por terra um arquitecto com os seus instrumentos na mão, para significar que tudo o que foi construído durante a paz para o conforto dos homens é destruído pela violência das armas. Também julgo, se as minhas memórias estão correctas, que se vê no chão, aos pés de Marte, um livro e alguns desenhos sobre papel, para simbolizar de que maneira são pisadas as letras e qualquer tipo de beleza;
"Também se encontram dispersas algumas setas ou flechas que foram o emblema da Concórdia quando se encontravam unidas por uma cinta que se desprendeu; e o mesmo acontece com o caduceus e o ramo de oliveira, símbolos da paz, que jazem no chão ao lado de uma mulher triste, vestida de preto e despojada de todas as suas jóias e adornos. É a infeliz Europa, que durante tanto tempo vem sendo vítima dos estupros, ultrajes e misérias tão evidentes que não precisam de mais explicação."

Europa

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À esquerda está a personificação da Europa, vestida de luto e com roupa rasgada, erguendo os olhos e os braços para o céu, submetida pela tristeza, como que a implorar a ajuda divina. Pode ser reconhecida pela criança ao seu lado que segura o globo sobreposto pela cruz, um símbolo do cristianismo. Parece assim desesperada pós tantos anos de saques, ultrajes e misérias invocando a paz do céu. Tal simboliza a necessidade urgente que o continente tinha de uma trégua duradoura e do retorno esperançoso à vida quotidiana pacífica.[3]

Vénus, Cupido e Marte

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Vénus e Marte, detalhe

Ao centro Vénus, deusa do amor identificada pela nudez e por ser tradicionalmente acompanhada por putti, procura em vão com as artes da sedução suster Marte, seu amante e deus da guerra. Cupido é provavelmente o amorino loiro e alado que se agarra às pernas da deusa, no qual se reconhecem os traços do filho amado do pintor que foi assim chamado a personificar o jovem deus do amor.[3]

Marte, perfeitamente correspondente à iconografia clássica, aparece solene com escudo e espada desembainhada ameaçando a ruína e a destruição. No centro da cena, representa assim a fúria selvagem, cega e implacável que se desprende quando a batalha se torna mais acesa e, ofuscando as mentes dos lutadores, retira aos seus corações qualquer sentimento de humanidade. Portanto, a guerra surge representada como a rejeição da razão, como o afastamento de qualquer valor ético.

A escolha da loura Vénus, preferida entre as deusas do Olimpo, está alegoricamente ligada ao espírito de "Humanitas" que tenta eliminar a guerra ou simboliza a vitória do amor e da paz sobre as atrocidades da guerra. A presença de crianças que acompanham a deusa também remete para a serenidade quotidiana que será paralisada pelo conflito.

A Discórdia

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A Discórdia/Alecto

A Discórdia representada pela fúria Alecto está afastar Marte do abraço de Vénus, puxando com um braço o deus para si e com o outro segurando uma tocha. Na mitologia clássica, "a irreprimível" não concedia tréguas às suas vítimas e era por isso representada com uma tocha na mão, que era brandida sobre a cabeça daqueles que pretendia punir. Após Virgílio, a literatura recorreu a esta figura sempre que era necessário enfatizar o aspecto feroz e imparável dos conflitos.[3]

Mas raramente aparece nas pinturas. Os antigos consideravam-na a mestre das emboscadas e das transformações, tão terrível a intimidar como o deus dos Infernos. Portanto, pode-se supor que o pintor quisesse sublinhar a natureza enganosa de uma escolha militar como solução para conflitos políticos, aludindo à fúria das lutas e à incompatibilidade entre "guerra oportuna" e "guerra justa".

Atrás da Fúria, quase imersos na fumaça dos incêndios ou das lutas, apercebem-se monstros que simbolizam a Peste e a Carestia, duas calamidades que sempre acompanham a guerra, contribuindo para dar-lhe efeitos ainda mais devastadores, com consequências muito mais duradouras do que somente as dos combates.

As Artes subjugadas

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As Artes e a Caridade subjugadas, detalhe

Ao marchar para a batalha, Marte pisa os livros, destruindo com isso simbolicamente todas as formas de expressão intelectual e esmaga as personificações das Artes, como a música e a arquitetura, personificadas respectivamente pela mulher e pelo homem caídos na parte inferior direita: a mulher, de costas, tem um alaúde quebrado na mão e mostra que a harmonia não pode sobreviver ao lado da desordem da guerra; o homem, um arquitecto, empunha os seus instrumentos, a significar que aquilo que é construído em tempo de paz é depois destruído em tempo de guerra. Na representação da mulher, é provável que o pintor invoque a iconografia da mousiké, o conjunto de artes presidido pelas Musas, que incluia a poesia, a literatura, a música em sentido estrito, o teatro, o canto, a dança; compreendia, em particular, a poesia como era "representada" no mundo grego, isto é, por meio do canto acompanhado por um instrumento musical.[3]

A Caridade

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Marte também está a subjugar uma mulher que protege junto ao peito o seu bebê, como se tentasse livrá-lo do perigo. Na arte figurativa, os artistas apresentaram frequentemente o tema da violência sobre as crianças, referindo-se ao conhecido episódio bíblico da Matança dos inocentes. Também Rubens, nesta pintura, invoca a iconografia clássica da mãe e o sentimento materno como um instinto natural de protecção, que se traduz no topos da mulher caritativa e, por extensão, da Caridade. É, portanto, uma referência clara à crueldade dos conflitos que não poupam inocentes e desamparados.[3]

As flechas soltas no canto inferior esquerdo representam a ruptura do símbolo da Concórdia, estando próximas do caduceus, um símbolo do comércio, atirado ao chão.[2]

O fundo

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Detalhe

Em fundo, à esquerda, o edifício com as portas abertas é o Templo de Jano, inaugurado de acordo com o mito do rei Numa Pompílio. O templo ficava aberto em tempo de guerra para permitir ao deus sair e ajudar os seus soldados, ficando fechado em tempo de paz para que o protector da cidade não pudesse escapar. As portas abertas significam, portanto, que o quadro foi pintado em tempo de guerra.[3]

Análise

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Rubens coloca vários personagens numa cena agitada. Ele viveu grande parte da sua vida enquanto decorriam guerras terríveis na Europa (Guerra dos Trinta Anos e a Guerra civil inglesa), viajando entre várias cortes como diplomata e quis com este quadro representar uma alegoria de advertência contra os efeitos destrutivos da guerra. A forma alegórica era eficaz e imediata, mas ao mesmo tempo sem qualquer referência aos exércitos que se combatiam naquele tempo. A escolha do Olimpo grego é, portanto, motivada por um objectivo simbólico preciso.

Obra-prima tardia do mestre flamengo, As Consequências da Guerra destaca-se pelo extraordinário dinamismo, a complexidade das poses das figuras e a fluência da pincelada, em que se presta uma clara homenagem à pintura italiana do Renascimento, desde logo a Ticiano.[3]

Esclarecedor é o julgamento estético de Charles-Nicolas Cochin, em 1796: "A pintura é muito poética na composição e cheia de uma bela vivacidade. A cor é admirável, tal como a pincelada, a cabeça da mulher é de grande beleza, tal como as luzes e o efeito geral é muito vivo pelo contraste de luzes e sombras. É uma pintura fundamental que apresenta ainda assim algumas falhas de desenho, especialmente nas pernas da mulher que parecem torcidas demais".[2]

Notas e referências

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  1. a b Nota informativa sobre a obra no sítio ArteHistoria
  2. a b c d Ficha técnica do catálogo do Polo Museale Fiorentino
  3. a b c d e f g Marco Chiarini, Galleria palatina e Appartamenti Reali, Sillabe, Livorno 1998. ISBN 978-88-86392-48-8, pag. 62.
 
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Ligação externa

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