Código Pomare (1819)

O Código Pomare (Reo Tahiti, no original) foi o primeiro código de leis escrito do Reino do Taiti, sendo estabelecido em 1819 pelo rei Pomare II.

Preâmbulo do Código Pomare (1819).

Contexto

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Rei Pomare II do Taiti (1830).

Pomare II, reconhecidamente o monarca taitiano desde 1782, anteriormente regente do reino, passou boa parte de sua juventude em guerra com chefes tribais rivais e ilhas inimigas na Polinésia oriental. Porém, após vitórias decisivas em 1815, ele passou a se dedicar à construção de um Estado taitiano moderno, a exemplo do que acontecia no mundo de sua época, como os feitos de Napoleão Bonaparte na França e em várias partes da Europa, de Toussaint Louverture no Haiti e de Simón Bolívar na América do Sul. O monarca também foi influenciado pelos missionários euro-americanos (incluindo algumas mulheres não brancas) que se estabeleceram na região e ajudaram no estabelecimento da imprensa local e na expansão da alfabetização para praticamente toda a pequena população do Taiti, começando pelo próprio Pomare.[1]

Após a construção de sua imensa capela real no norte da ilha, o monarca reuniu ali uma assembleia de cerca de 6 mil pessoas, a quase totalidade da população não branca e cristã do Taiti, para a leitura de seu novo código de leis, cláusula por cláusula. Após a leitura e uma manifestação de apoio da assembleia, o "Código Pomare", como ficou conhecido, foi assinado pelos chefes locais presentes e enviado para todos os magistrados das ilhas, sendo também impresso e publicado em todos os locais públicos do reino.[1]

Código

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Original do Código Pomare (1819).

Embora não seja propriamente uma constituição moderna, o Código Pomare de 1819 foi o primeiro código de leis escrito a ser estabelecido naquela região do Pacífico, sendo considerado um documento jurídico de efeito constitucional. Segundo os missionários que auxiliaram o rei na escrita de seu código, “as leis que o rei leu para o povo foram escritas por ele e depois disso ele mesmo escreveu numa caligrafia bonita, legível e excelente uma cópia para a máquina de imprensa”.[2]

O documento deixava claro que o Taiti era oficialmente uma entidade política soberana e cristã, ressaltando o status de Pomare II como rei constitucional de um Estado unificado e em expansão, estabelecendo novos sistemas de tributação e justiça, com penas contra a rebelião e o adultério, por exemplo, além de proteger formalmente a língua e a cultura taitiana. Segundo o preâmbulo[3] do Código:

A quem Deus deu como rei do Taiti e de todas as ilhas vizinhas. A todos os seus fiéis súditos, saudações em nome do Deus verdadeiro. Na bondade que tem para conosco, Ele nos fala sua palavra. Nós a acatamos para nossa salvação. Queremos que as pessoas observem rigorosamente Seus mandamentos. Para que agora sigamos o caminho dos homens de Deus, damos-lhes a conhecer:

De forte inspiração missionária cristã, o preâmbulo era seguido de 19 pontos gerais[3] da nova constituição:

  1. Daqueles que matam pessoas;
  2. Do roubo;
  3. Dos porcos;
  4. Dos objetos roubados;
  5. Dos objetos perdidos;
  6. Das trocas e do comércio;
  7. Da não observância do sábado;
  8. Dos desordeiros;
  9. De duas mulheres para um homem;
  10. Da mulher já abandonada;
  11. Do adultério;
  12. Do abandono do marido e do abandono da esposa;
  13. Daquele que não alimenta a esposa;
  14. Do casamento;
  15. Da mentira;
  16. Dos Juízes;
  17. Sobre a forma dos julgamentos;
  18. Sobre os estabelecimentos de Justiça;
  19. Leis em geral.

Posteridade

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Bandeira do Reino do Taiti.

Em 1824, com o Taiti já sob o governo de Pomare III, o Código Pomare passou por uma ampla revisão, prevendo a criação de uma assembleia legislativa taitiana, visando à aprovação e emenda de novas leis para o reino, sendo formada por chefes e proprietários eleitos, além de governadores distritais. O Código passava, assim, a se basear na ideia de tributação em troca de representação, prevendo (ao menos na teoria) um amplo sufrágio aos homens taitianos. Em 1842, o Código seria novamente revisado, após o estabelecimento do protetorado francês nas ilhas. Contudo, o processo de expansão colonial no Taiti foi lento, sendo anexado pela Polinésia Francesa somente na década de 1880. Isso se deu, em grande medida, graças a existência dessa espécie de constituição, que organizou e estruturou o Taiti como um Estado moderno e deu a seus habitantes um senso de cidadania.[1]

Embora não tenha sido aplicado de modo efetivo e integral, alguns autores afirmam que o pioneirismo do Código Pomare de 1819 inspirou a Constituição das Ilhas Pitcairn de 1838 e até mesmo a Constituição Havaiana de 1840, dispositivos legais importantes para a história da região.[4]

Referências

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  1. a b c Colley, Linda (12 de setembro de 2022). A letra da lei: Guerras, constituições e a formação do mundo moderno. [S.l.]: Editora Schwarcz - Companhia das Letras. pp. 279–290 
  2. Oliver, Douglas L. (1974). Ancient Tahitian Society: Rise of the Pomares (em inglês). [S.l.]: University Press of Hawaii 
  3. a b Taram, N. L. (16 de agosto de 2009). «LE CODE POMARE de 1819». Te Hoa No Te Nunaa (em francês). Consultado em 17 de julho de 2024 
  4. Kosaki, Richard H. (1978). «Constitutions and Constitutional Conventions of Hawaii» (em inglês). Consultado em 17 de julho de 2024