A dory (do grego δόρυ) é uma lança de madeira, usada como arma principal pelos hoplitas (tropas de infantaria pesada) na Grécia Antiga, durante os séculos III e II a.C.[1][2]

Combate de hoplitas, empunhando dorys e hoplos

As primeiras abonações conhecidas da palavra dory são-nos dadas por Homero, na Ilíada e na Odisseia, em que emprega a palavra com tanto com o sentido de "graveto" , "galho", "madeiro" , "pértigo" e "lança".[3] Os heróis homéricos empunhavam duas dorys (Il. 11,43, Od. 1, 256), tratando-se por isso de doríforos.[4] O termo doríforo foi usado amplamente na antiguidade clássica para classificar lanceiros, por exemplo, é esse o termo empregue por Heródoto nas suas crónicas (t.III l.139), para qualificar o posto militar ocupado por Dário I, quando aquele ainda integrava a guarda real de Cambises II, na campanha egípcia (528–525 a.C.), antes de se ter arvorado na condição de imperador anos mais tarde.[5]

Nos épicos homéricos, e no período clássico em geral, a dory era encarada como um símbolo do poder militar, presuntivamente com um valor emblemático mais preponderante do que a espada (o xifo).[6] Este entendimento depreende-se, com base nalgumas expressões da época como «Tomar Tróia pela dory» (Ilíada tomo 16, l. 708[7]) e δορίκτητος "dorictetos" (o que vence pela dory/lança)[6] e δορυάλωτος "dorialotos" (lit. "captivo da lança"; "aquele que foi feito cativo de guerra à força da lança"), encontrando-se uma abonação desta última expressão, na peça de Eurípedes, «Andrómaca», quando se fala a respeito da personagem Hermíone, filha de Menelau, que é qualificada como cativa de guerra, usando exactamente este termo "δορυάλωτος", na l. 155.[8]

Feitio editar

A dory é composta por três peças:

  1. a pértiga ou pértigo, que é uma vara estreita, normalmente de freixo ou cornizo;[9][10]
  2. a ponta, que é uma peça foliforme e perfurante, geralmente de bronze, por ser mais resistente à corrosão e por ainda ser, rematadamente, uma arma da Idade do Bronze, se bem que posteriormente também se começaram a fazer de ferro;[9][10]
  3. e a contraponta, também chamada sauróter (σαυρωτήρ[11][12] lit. "mata-lagartos" do étimo grego sauro- "lagarto"), onde estava ou um espigão ou um pomo esférico, também ele metálico, que assentava normalmente no chão e que podia ser usada, em último recurso, para combater, caso a ponta se partisse ou inutilizasse durante o batalha.[10][9]

O pértigo era revestido por uma tira de pano, na pega, para facilitar e incrementar a aderência às mãos do hoplita.[13]

 
Soldados Hoplitas com dory em riste. Nota-se bem tanto a ponta, que está à frente, como o sauróter (ou contraponta), que está na parte de trás.

A dory teria cerca de 2 a 3 metros de comprimento, 5 centímetros de diâmetro, com uma ponta de ferro de 20 a 30 centímetros e uma contraponta de bronze de cerca de dez centímetros, ambas encaixadas na madeira com aplicações de metal e resina.[14][15]

Neste ensejo, é relevante contrapô-la à sarissa, lança grega bimanual que, por torno do século II a.C, foi substituindo a dory e que exibe características semelhantes.[2]

O sauróter editar

A contraponta da lança era revestida por um esporão ou, mais raramente, uma esfera, que dava pelo nome de sauróter (σαυρωτήρ).[16] Funcionalmente, servia de contrapeso da lança.[17] No entanto, também podia ter outros préstimos, como sendo auxiliar a arrimar a dory ao alto ou ser usada para fins bélicos, como arma (fosse ela perfurante, no caso de ser um esporão, ou contundente, no caso de ser uma esfera) secundária ou de recurso, caso a ponta da dory quebrasse ou ficasse inutilizável.[18]

As dimensões e a distribuição de massa desta lança minimizavam as probabilidades de que a pértiga se rachasse em duas metades tão curtas que não se pudesse usar, de todo, pelo menos uma das pontas.[10]

Havia ainda a vantagem de se poder usar o sauróter, dentro da formação da falange, para chuçar inimigos caídos, sem ter de virar a ponta à dory, que à partida estaria na vertical, o que, pelas suas grandes dimensões, tornaria o acto de revirar a lança maljeitoso e pouco prático, especialmente dentro da formatura, com outros camaradas hoplitas ao pé.[19]

Uso editar

Apesar do seu alcance ser reduzido, porquanto a dory era pesada demais para poder ser considerada uma arma de arremesso, o comprimento da pértiga era grande o suficiente para garantir que era possível impor a distância sobre o adversário, minimizando o contra-ataque à queima-roupa, por parte do inimigo.[20]

 
Cavalaria persa aqueménida em confronto com Hoplitas gregos, relevo de um Stoa Pecile

Tal como o xifo, a dory era uma arma monomanual, empunhada na mão direita, para deixar livre a mão esquerda, que segurava o escudo (áspide), o chamado hóplon.[21]

A lança usada no Império Aqueménida, quer sob o comando de Dário I, quer sob o comando de Xerxes I, na pendência das suas respectivas campanhas contra os gregos, era mais curta do que a dory grega.[22][23]

Por este motivo, os hoplitas, quando lutaram contra os persas, puderam valer-se da dory para poder defrontar diferentes frentes de combate em simultâneo, ao impor distância sobre os adversários.[23]

A dory não era um dardo, pelo que não é considerada uma lança de arremesso, era demasiado pesada para que pudesse ser destinada a esse fim.[24] Foi antes ideada para o combate entre falanges, para ser usada por tropas de infantaria pesada, escudada com áspides e elmos de bronze.[25]

A dory era também de grande proveito para repelir as investidas da cavalaria,[26] com efeito, encontra-se uma grande profusão de representações artísticas da época, como a dos relevos do Stoa Pecile, que mostram hoplitas gregos a enfrentar tropas da cavalaria persa, servindo-se de dorys.[21]

Os hoplitas, regra geral, figuravam no campo de batalha mais couraçados do que outras tropas bárbaras (não-gregas) suas contemporâneas.[22]

Referências

  1. Hanson, Victor Davis (2009). The Western Way of War: Infantry Battle in Classical Greece. California, United States: University of California Press. p. 77. 320 páginas 
  2. a b Hanson, Victor Davis (1993). Hoplites. The Classical Greek Battle Experience. Routledge. Londres: Routledge. 286 páginas 
  3. «Cunliffe». stephanus.tlg.uci.edu. Consultado em 15 de novembro de 2020 
  4. «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de doríforo». aulete.com.br. Consultado em 15 de novembro de 2020 
  5. Abbott, Jacob (2009), History of Darius the Great: Makers of History, ISBN 978-1-60520-835-0, Cosimo, Inc. 
  6. a b Barbantani Silvia (2010 [2007])]. "The glory of the spear—A powerful symbol in Hellenistic poetry and art. The case of Neoptolemus 'of Tlos' (and other Ptolemaic epigrams)". Studi Classici e Orientali, vol. LIII. ISSN 0081-6124.
  7. «Homer, The Iliad, Scroll 16, line 658». www.perseus.tufts.edu. Consultado em 15 de novembro de 2020 
  8. «Euripides, Andromache, line 147». www.perseus.tufts.edu. Consultado em 15 de novembro de 2020 
  9. a b c M. C. Costa, António Luiz (2015). Armas Brancas- Lanças, Espadas, Maças e Flechas: Como Lutar Sem Pólvora Da Pré-História ao século XXI. São Paulo: Draco. p. 108. 176 páginas 
  10. a b c d «Newsletter (Abril de 2007)» (PDF). The Academy of European Swordsmanship. 3 (2): 1. 2007. Consultado em 15 de novembro de 2020. Cópia arquivada (PDF) em 7 de outubro de 2008. A arma principal do hoplita, a dory, uma lança de 2 a 3 metros de comprimento, que pesava entre um a dois quilos, tendo uma pértiga de madeira com cinco centímetros de diametro. Tinha uma ponta e uma contraponta de ferro ou bronze. A ponta era folíforme e a contraponta, chamada 'sauroter' (lit. mata-lagartos), servia de tanto de contrapeso como de arma secundária de recurso. Este contrapeso era essencial, porque a dory era empunhada com uma só mão, no âmbito da formação grega de falange. 
  11. «Henry George Liddell, Robert Scott, A Greek-English Lexicon, σαυρ-ωτήρ». www.perseus.tufts.edu. Consultado em 15 de novembro de 2020 
  12. «Henry George Liddell, Robert Scott, An Intermediate Greek-English Lexicon, σαυρωτήρ». www.perseus.tufts.edu. Consultado em 15 de novembro de 2020 
  13. Bailly, Dictionnaire Grec Francais. [S.l.: s.n.] 1935 
  14. «The Dori». Spartan Weapons. Consultado em 10 de abril de 2008. Cópia arquivada em 29 de maio de 2008 
  15. Cartledge, Paul. Thermopylae: The Battle That Changed the World. New York: The Overlook Press, 2006, p. 145.
  16. «Georg Autenrieth, A Homeric Dictionary, σαυρωτήρ». www.perseus.tufts.edu. Consultado em 15 de novembro de 2020 
  17. «Cunliffe». stephanus.tlg.uci.edu. Consultado em 15 de novembro de 2020 
  18. Hanson, Victor Davis (1991). Hoplites: The Classical Greek Battle Experience. [S.l.]: Routledge. p. 72. ISBN 0-415-09816-5 
  19. http://www.ancientmilitary.com/spartan-weapons.htm
  20. M. C. Costa, António Luiz (2015). Armas Brancas- Lanças, Espadas, Maças e Flechas: Como Lutar Sem Pólvora Da Pré-História ao século XXI. São Paulo: Draco. p. 72. 176 páginas 
  21. a b Barbantani, Silvia (2007). «THE GLORY OF THE SPEAR* - A POWERFUL SYMBOL IN HELLENISTIC POETRY AND ART. THE CASE OF NEOPTOLEMUS «OF TLOS» (AND OTHER PTOLEMAIC EPIGRAMS)». Studi Classici e Orientali (SCO) (em italiano): 67–138. ISSN 0081-6124. Consultado em 26 de janeiro de 2023 
  22. a b Lazenby, JF (1995). The Defence of Greece 490–479 BC. Oxford: Aris & Phillips Ltd. 205 páginas 
  23. a b Cook, J. M. (1985), «The Rise of the Achaemenids and Establishment of their Empire», The Median and Achaemenian Periods, Cambridge History of Iran, 2, London: Cambridge University Press 
  24. Hanson, Victor Davis (2009). The Western Way of War: Infantry Battle in Classical Greece. California, United States: University of California Press. p. 93. 320 páginas 
  25. Holland, Tom (2006). Persian Fire: The First World Empire and the Battle for the West. Victoria Embankment London, EC4 United Kingdom: Abacus. p. 74 
  26. «300 Strong». web.archive.org. 29 de maio de 2008. Consultado em 26 de janeiro de 2023