Fundação de Roma: diferenças entre revisões

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[[Imagem:Řím, kapitolská vlčice.jpg|thumb|[[Loba capitolina]]: Segundo a lenda, o animal teria amamentado os gêmeos [[Rômulo e Remo]]]]
 
A '''Fundação de Roma''' é um evento ainda pesquisado por [[arqueólogo]]s e [[historiador]]es, uma vez que as fontes literárias sobre o assunto datam de centenas de anos após sua ocorrência, de forma que cada descoberta arqueológica demanda novas formas de analisar as citadas fontes. Os [[Roma Antiga|romanos]] elaboraram um complexo conto [[mitologia|mitológico]] sobre a origem da cidade e do [[Estado]], que se uniu à obra histórica de [[Tito Lívio]] e às obras poéticas de [[Virgílio]] e [[Ovídio]], todos da era do imperador [[Augusto]].{{HarvRefsfn|name=Pedro69|Pedro|2005|p=69}} Naquela época, as lendas oriundas de textos mais antigos foram trabalhadas e fundidas num conto único, no qual o passado mítico foi interpretado em função dos interesses do [[Império Romano|império]]. Os modernos estudos históricos e arqueológicos, que se baseiam nestas e em outras fontes escritas, além de objetos e restos de construções obtidos em vários momentos das escavações, tentam reconstruir a realidade que existe no conto mítico, no qual se reconhecem alguns elementos de verdade.{{HarvRefsfn|name=Salles112|Salles|2008|p=112}}
 
Por muito tempo postulou-se que os verdadeiros fundadores da cidade propriamente dita teriam sido os [[etruscos]] que instalaram-se na região no {{-séc|VI}}, no entanto, evidências arqueológicas recentemente descobertas questionam a veracidade desta afirmação.{{
NotaNT|
1=Segundo Francis Owen, os fundadores de Roma teriam sido imigrantes possivelmente aparentados com os [[celtas]] ou [[povos germânicos|germânicos]], pois, segundo ele, na aparência física, a aristocracia romana diferia da maioria da população do resto da península: os registros históricos ressaltam uma grande quantidade de personalidades históricas como louras, além disso, 250 indivíduos são registrados com o nome de Flávio, que significa "loiro", e há muitos chamados Rufo e Rutílio, que significam cabelo vermelho ou avermelhado; muitos deuses romanos possuem madeixas loiras.{{HarvRefsfn|Owen|1960|p=49}}
}} A data da fundação é, a rigor, desconhecida, embora autores como Tim Cornell argumentem que teria sido no {{-séc|VIII}}, {{ca.|{{AC|800|nl}}}}{{harvrefsfn|Cornell|2008|p=6}} Durante o reinado de Augusto, o historiador [[Marco Terêncio Varrão]] {{nwrap|116|27 a.C.}} estabeleceu a data como [[21 de abril]] de {{AC|753}} com base em estudos do astrólogo [[Lúcio Tarúcio Firmano]].{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=XII.2}}{{HarvRefsfn|Jannuzzi|2005|p=80}} Outro ponto conflitante em relação a Roma é a [[etimologia]] de seu nome. Embora associado pela tradição com Rômulo, diversos autores, tanto clássicos como modernos, associaram diversas origens para o nome "Roma".
 
== Contexto histórico e localização ==
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}} {{ilc|Velho Lácio||Latium Vetus}}{{
NotaNT|
1=Velho Lácio, segundo [[Plínio, o Velho]], dividia-se em 30 comunidades latinas que se uniram nos chamados [[povos albenses]] ({{langx|la|''populi albenses''}}), uma confederação de estados latinos.{{harvrefsfn|Plínio, o Velho|77-79|p=III.69}}}} era o antigo território dos latinos, atualmente o sul do [[Lácio]]. Estes indo-europeus divergiam em origem, língua, tradições, estágios de desenvolvimento e extensão territorial. Por se dispersarem por toda a península Itálica, entraram em contato com outros dois povos que habitavam a região, os [[etruscos]] e os [[gregos]]. Os etruscos assentaram-se e floresceram a norte de Roma na [[Etrúria]] (moderno norte do Lácio, [[Toscana]] e parte de [[Úmbria]]), a partir do {{-séc|VIII}} onde fundaram cidades como [[Tarquinia]], [[Veios]] e [[Volterra]] e influenciaram profundamente a cultura romana.{{harvrefsfn|Cornell|2008|p=34}} Suas origens são desconhecidas{{
NotaNT|
1=Não há consenso entre os estudiosos quanto às origens etruscas. Mesmo entre os antigos havia divergências na interpretação: [[Heródoto]] imaginava-os como [[lídios]], enquanto [[Dionísio de Halicarnasso]] como autóctones. Estudos modernos, baseados em resultados genéticos, apontam para uma origem oriental,<ref name=Etruscos /> porém muitos estudiosos, ao considerarem afinidades de cultura material entre etruscos e a [[cultura Vilanoviana]], veem a possibilidade duma origem italiana.<ref name=Origins />}} e muito do que se sabe sobre eles é derivado de achados arqueológicos em suas necrópoles.{{harvrefsfn|Bonfante|1986|p=67}} Os gregos haviam se estabelecido na chamada [[Magna Grécia]] e fundaram colônias tais como [[Síbaris]], [[Tarento]], [[Crotona]], [[Cumas]] e [[Nápoles]] entre {{AC|750-550|nl}}<ref name=Religion /><ref name=Burning /> Estes, assim como os etruscos, exerceram nítida influência nos [[povos itálicos]] e em Roma.<ref name=Britannica />
 
Roma cresceu na margem esquerda do [[rio Tibre]], a cerca de 25 quilômetros de sua [[foz]], num trecho navegável do rio, portanto com acesso fácil ao [[mar Tirreno]]. Esta região, de clima temperado, em vista da sua [[topografia]] acidentada, possui entre as colinas circundantes alguns importantes vales que, no processo de desenvolvimento da cidade, tornaram-se úteis para a mesma.{{HarvRefsfn|Lívio|27-25 a.C.|p=I.19}}{{HarvRefsfn|Eutrópio|século IV|p=I.6}} Além disso, por estes vales serem, no geral, vales vulcânicos, a produtividade do solo, em vista da presença de fertilizantes naturais como [[potássio]] e [[fosfato]]s, é elevada.{{harvrefsfn|name=Corn14|Cornell|2008|p=14}} A cidade tinha as vantagens de uma posição ao mesmo tempo marítima e do interior.{{HarvRefsfn|Pallottino|1993|p=61; 65-68}} Situada a cerca de 20 km das [[colinas Albanas]], que constituem uma defesa natural, e numa planície suficientemente afastada do mar, a cidade não precisaria temer incursões dos piratas. Além disso, tanto o próprio rio (e a [[ilha Tiberina]]{{
NotaNT|
1=Posteriormente, durante o reinado de [[Anco Márcio]], foi erigida uma ponte que permitiu a travessia da margem esquerda para a direita do [[rio Tibre]].<ref name=Corn14 />
}}) como os montes [[Monte Capitolino|Capitólio]] e [[Palatino]] operavam como [[cidadela]]s naturais facilmente defensáveis.{{HarvRefsfn|name=Havell544|Havell|2003|p=544}}{{HarvRefsfn|name=Stob10|Stobart|1978|p=10}}
 
O maior trunfo de Roma quanto a sua localização foi a proximidade com o rio Tibre. Este desempenhou papel fundamental no desenvolvimento econômico da cidade, pois as mercadorias que provinham do mar Tirreno tinham que subir pelo curso do rio para serem dirigidas quer para a [[Etrúria]], quer para a [[Campânia]] grega (Magna Grécia). Desse modo era capaz de monopolizar o tráfego terrestre, uma vez que estava situada na intersecção das principais estradas do interior da península Itálica.<ref name=Havell544 /><ref name=Stob10 /> Por haver importantes [[salina]]s nas proximidades da cidade, conseguiu transformar-se em ponto de mercado perfeito da "via do sal", futuramente conhecida como [[via Salária]],<Ref name=Salles112 /><ref name=Durando107 /> da mesma forma que os rebanhos desempenharam papel primário na economia romana deste período formativo.{{HarvRefsfn|Coarelli|2008|p=129-134}}
 
== Arqueologia ==
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[[Imagem:Rome-Palatin-fonds de cabanes.JPG|thumb|upright=1|Cabanas primitivas encontradas no monte [[Palatino]] ({{-séc|VIII}})]]
 
Pesquisa arqueológica na área de Roma detectou presença humana datável de {{formatnum:fmtn|14000}} anos, havendo restos cerâmicos, ferramentas e armas de pedra de {{formatnum:fmtn|10000}} anos. Estas evidências mostram o quão precoce se deu a ocupação do [[Lácio]], embora atualmente não seja possível estabelecer uma visão panorâmica, pois sítios [[paleolítico]]s e [[neolítico]]s foram obscurecidos pela densa camada de detritos provenientes de fases mais tardias.<ref name=History /> As primeiras evidências concretas de povoamento nas colinas de Roma são ossos de animais e fragmentos cerâmicos datados dos séculos {{AC|XIV-XIII|nl}} que foram encontrados na área do [[Fórum Boário]], no [[sítio de Santo Omobono]].{{HarvRefsfn|Coarelli|2008|p=127}}{{
NotaNT|
1=O [[Fórum Boário]] ({{langx|la|''Forum Boarium''|||lit. mercado do gado}}), mesmo antes da fundação de Roma, era utilizado como lugar de encontro pelos latinos.<ref name=Corn17 /> Desde pelo menos o {{-séc|VIII}} desempenhou um papel de [[empório]], onde nativos ([[etruscos]], [[latinos]], [[sabinos]]), [[Grécia Antiga|gregos]] e [[fenícios]] se reuniam para trocar mercadorias, em especial gado e sal. Por conveniência destes encontros, articularam-se na região santuários com evidentes conotações de empório, como o [[Bosque de Ferônia]] ({{langx|la|''Lucus Feroniae''}}), no qual etruscos, latinos e sabinos se reuniam para prestar oferentes à deusa [[Ferônia]] e para comercializar, o [[Grande Altar de Hércules]] ({{langx|la|''Ara Maxima''}}), que foi associado com a figura do Hércules Itálico, protetor do gado transumante, as "salinas" ({{langx|la|''salinae''}}; não são salinas verdadeiras) do Fórum Boário, que foram associadas com o culto de Hércules, e o Bosque de ''[[Dea Dia]]''. Além disso, esse prolongado contato foi evidenciado, para além de achados arqueológicos (restos cerâmicos etc.), pelo sincretismo de divindades (associação de [[Astarte]] com [[Uni (mitologia)|Uni]]) e a incorporação, no [[Lácio]], do alfabeto euboico proveniente dos gregos de [[Cumas]], uma colônia [[eubeia]] da [[Campânia]].<ref name=Coarelli151 />
}} Resquícios de habitações datadas do {{-séc|XI}} foram encontrados na área do [[Fórum Romano]], bem como uma [[necrópole]] (datada do {{-séc|X}}) com reminiscências de fossas de [[cremação]] (os indo-europeus incineravam seus mortos);{{HarvRefsfn|Peroni|2008|p=11}} no Palatino detectaram-se habitações do {{-séc|IX}}{{HarvRefsfn|Coarelli|2008|p=135-136}}
 
Antes do {{-séc|VIII}} existiam aldeias dispersas nas colinas e ocupadas por latinos que, em caso de perigo confederavam para enfrentar os inimigos.{{
NotaNT|
1=Na época clássica os romanos festejavam no dia 11 de dezembro o [[Septimôncio]], festividade associada à arcaica Liga Septimoncial (''Septimontiale'' ou ''Septomoncial''), que agrupava as comunidades de sete montes: Palatual, Germal (que fazem parte do [[Palatino]]), Císpio, Fagutal, Ópio (que fazem parte do [[Esquilino]]), [[Vélia (Roma)|Vélia]] e [[Célio]]; os montes [[Monte Quirinal|Quirinal]], [[Viminal]], [[Monte Capitolino|Capitólio]] e [[Aventino]] não foram incorporados à liga.<ref name=Salles114 /> Supõe-se que Roma originou-se através do [[sinecismo]] de tais aldeias.{{HarvRefsfn|Pallottino|1993|p=130}}
}} No centro de Roma três recintos muralhados sucessivos sobrepostos foram datados, dois dos {{AC|séculos VIII-VII|nl}}{{notaNT|Um deste é representado por vestígios de uma muralha de [[tufa calcária]] datada de ca. {{AC|730|nl}} que foi encontrada nas imediações da basílica de Constantino.{{harvrefsfn|Carandini|2007|p=22-24}}}} e um dos {{AC|séculos VII-VI|nl}}{{HarvRefsfn|name=Salles114|Salles|2008|p=113-114}} As habitações deste período eram cabanas de planta circular sobre um soclo (base) de madeira (para isolá-las da umidade) e tinham uma única porta, precedida por um pórtico;{{HarvRefsfn|name=Durando107|Durando|2006|p=106-107}} urnas funerárias encontradas em escavações representam estas moradias primitivas. A população do assentamento girava em torno de poucas centenas de habitantes que baseavam sua economia na [[agricultura]] ([[trigo]], [[cevada]], [[ervilha]], [[feijão]]), [[pecuária]] ([[Capra aegagrus hircus|cabra]]s, [[porco]]s), [[pesca]], [[caça]] e coleta; objetos [[Cerâmica|cerâmicos]], [[Tecelagem|roupas]] e outros artigos de uso doméstico eram produzidos pelas famílias para consumo interno; não havia estratificação social definida.{{harvrefsfn|name=Corn20|Cornell|2008|p=19-20}} A partir de {{AC|ca. 770|nl}} as necrópoles da região começaram a apresentar maior números de restos humanos, que mostra crescimento da população, bem como artefatos arqueológicos mais elaborados, que indicam contatos com culturas externas, em especial com as [[Colônia grega|colônias gregas]] da [[Campânia]] (objetos de origem grega foram encontrados entre as escavações), maior especialização artesanal (emprego de [[roda de oleiro]]) e o aparecimento de classes sociais economicamente diferenciadas.<ref name=Corn20 />
 
== Lenda ==
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[[Imagem:Aineias Ankhises Louvre F118.jpg|thumb|upright=0.6|esquerda|Eneias carregando [[Anquises]] ([[enócoa]] [[Registro de pintura negra em cerâmica grega|com pintura negra ática]] {{nowrap|{{ca.}} 520-510 a.C.}}), [[Museu do Louvre]]]]
 
Na [[Eneida]] de Virgílio e na ''[[Ab Urbe condita libri]]'' de [[Tito Lívio]], [[Eneias]], filho da deusa [[Vênus (mitologia)|Vênus]], foge de [[Troia]] com seu pai [[Anquises]], seu filho [[Ascânio]], e os sobreviventes da cidade. Com este realiza diversas peregrinações que o levam, por fim, ao [[Lácio]], na [[península Itálica]]. Lá ele é recebido pelo rei local, [[Latino (mitologia)|Latino]], que oferece a mão de sua filha, [[Lavínia]]. Isto provoca a fúria do rei dos [[rútulos]], [[Turno]], um poderoso monarca itálico que havia se interessado por ela. Uma terrível guerra entre as populações da península eclode e, como resultado, Turno é morto. Eneias, agora casado, funda a cidade de [[Lavínio]] em homenagem à sua esposa. Seu filho [[Ascânio]] governa na cidade por trinta anos até que resolve se mudar e fundar sua própria cidade, [[Alba Longa]].<ref name=Pedro69 />{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=I.2}}{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=I.2}}
 
[[Imagem:Cr 20-1-Reverse.jpg|thumb|esquerda|upright=0.6|Verso de uma moeda romana, autor anônimo {{nowrap|({{ca.}} 269-266 a.C.)}}]]
 
Cerca de 400 anos depois, o filho e legítimo herdeiro do décimo-segundo rei de Alba Longa, [[Numitor]], é deposto por um estratagema de seu irmão [[Amúlio]]. Para garantir o trono, Amúlio assassina os descendentes varões de Numitor e obriga sua sobrinha [[Reia Sílvia]] a tornar-se [[vestal]] (sacerdotisa virgem, consagrada à deusa [[Vesta]]),{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=III.2}} no entanto esta engravida do deus [[Marte (mitologia)|Marte]] e desta união foram gerados os irmãos Rômulo e Remo (nascidos em março de {{AC|771}}<ref name=Plutarc />).{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=III.4}}<ref name=romanem /> Como punição, Amúlio prende Reia em um calabouço e manda jogar seus filhos no [[rio Tibre]]. Como por um milagre, o cesto onde estavam as crianças acaba atolando-se em uma das margens do rio no sopé do monte [[Palatino]], onde são encontrados por uma loba que os amamenta;{{HarvRefsfn|Lívio|27-25 a.C.|p=I.4}} perto das crianças estava um pica-pau, ave sagrada para os latinos e para o deus Marte, que os protege.{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=IV.2-3}} Tempos depois, um pastor de ovelhas chamado [[Fáustulo]] encontra os meninos próximo à [[Figueira Ruminal]] (''Ficus Ruminalis''), na entrada de uma caverna chamada [[Lupercal]].{{HarvRefsfn|Varrão|século I a.C.|p=V.54}}{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=IV.1}} Ele os recolhe e leva para sua casa, onde são criados por sua mulher [[Aca Laurência]].{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=III.5-6}}{{HarvRefsfn|Lívio|27-25 a.C.|p=I.5-7}}
 
Rômulo e Remo crescem junto dos pastores da região praticando caça, corrida e exercícios físicos; saqueavam as caravanas que passavam pela região à procura de espólio. Em um dos assaltos, Remo é capturado e levado para Alba Longa. Fáustulo, então, revela a Rômulo a história de sua origem. Este parte para a cidade de seus antepassados, liberta seu irmão, mata Amúlio, devolve Numitor ao trono e dá à sua mãe todas as honrarias que lhe eram devidas.{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=7-8}}Ao perceber que não teriam futuro na cidade, os gêmeos decidem partir, junto com todos os indesejáveis, para então fundar uma nova cidade no local onde foram abandonados.{{HarvRefsfn|Lívio|27-25 a.C.|p=I.6}}{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=IX.1-2}} Rômulo queria chamá-la Roma e edificá-la no Palatino, enquanto Remo desejava nomeá-la Remora e fundá-la sobre o [[monte Aventino|Aventino]]. Como forma de decidir foi estabelecido que se deveria indicar, através dos [[auspício]]s, quem seria escolhido para dar o nome à nova cidade e reinar depois da fundação. Isto gerou divergência entre os espectadores e uma acirrada discussão entre os irmãos, que terminou com a morte de Remo.{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=IX.5; X.1-3}} Uma versão alternativa afirma que, para surpreender o irmão, Remo teria escalado o recém-construído [[pomério]] [[Roma quadrata|quadrangular]] da cidade e,{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=IX.4; XI.1}} tomado em fúria, Rômulo o teria assassinado.{{HarvRefsfn|Salles|2008|p=111}}{{limpar}}
 
=== Outras lendas ===
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[[Imagem:Roma saeculum VIII.png|thumb|upright=1|Mapa das [[Sete colinas de Roma]]]]
 
Com relação à fundação de Roma muitas tradições foram estabelecidas para retratar o surgimento da cidade, algumas advindas de modificações do mito oficial, outras de diversas origens. Uma delas conta que o deus [[Saturno (mitologia)|Saturno]], após ser derrotado pelos deuses olímpicos, refugiou-se no Lácio, onde construiu uma vila à beira do Tibre, no local onde Roma seria fundada; ensinou aos habitantes locais como melhor [[Arado|lavrar]] o solo e cultivar [[Vitis vinifera|parreiras]] para produzir [[vinho]]. A palavra "Lácio", segundo alguns autores como Philip Wilkinson, originou-se da palavra grega ''latio'' que significa refúgio, em referência à fuga de Saturno.{{HarvRefsfn|Kaltner|2009|p=31}}{{HarvRefsfn|Wilkinson|2010|p=84}}
 
Outra tradição, transmitida por autores clássicos como [[Estrabão]] e Tito Lívio, afirma que Roma teria se originado da cidade de [[Palanteu]], fundada por [[Evandro (mitologia)|Evandro]] no Palatino; esta cidade é mencionada na Eneida de Virgílio. Evandro teria dado hospitalidade a [[Hércules]] quando este fugia com o rebanho recém-roubado do [[Gigantes (mitologia grega)|gigante]] [[Gerião]], em um de seus [[Doze trabalhos de Hércules|doze trabalhos]].{{harvrefsfn|Brandão|1986|p=155}}{{HarvRefsfn|Lívio|27-25 a.C.|p=I.7}} Diz-se que, durante sua estadia, os rebanhos foram roubados pelo gigante [[Caco]], filho de [[Vulcano (mitologia)|Vulcano]]. Hércules então luta com o gigante e, em sua homenagem, os habitantes locais construíram o [[Grande Altar de Hércules]], local onde futuramente se situaria o [[Fórum Boário]].{{harvrefsfn|name=Corn17|Cornell|2008|p=17}}
 
== Historiografia ==
 
Já no {{-séc|V}} autores gregos, como [[Helânico de Mitilene]], associaram a fundação de Roma ao herói Eneias. Por volta de {{AC|200|nl}}, [[Quinto Fábio Pictor]] criou a primeira história de Roma, onde associava a criação da cidade a Rômulo, tendo sua versão dos fatos sido aprimorada por outros autores romanos como Tito Lívio, [[Ovídio]], Virgílio,<ref name=Corn17 /> [[Plutarco]] e [[Dionísio de Halicarnasso]]. Tais autores tentaram encontrar explicações racionais para passagens improváveis do mito de criação da cidade, como por exemplo a [[loba capitolina]]. Os romanos designavam pela mesma palavra, ''lupa'', a fêmea do lobo e a prostituta. Dessa forma, historiadores afirmam que na realidade a ama dos gêmeos teria sido [[Aca Laurência]], mulher de [[Fáustulo]], que teria exercido o ofício de prostituta.<Ref name=Salles112 /><ref name=dictio />{{notaNT|O mito de Aca Laurência, tal como grande parte da [[mitologia romana]], passou por transformações ao longo do tempo. Inicialmente esteve vinculada com o mito do nascimento de Rômulo, no qual aparece como esposa de Fáustulo. No período histórico, seu culto heroico foi celebrado às margens de [[Velabro]], um vale ligado ao setor da [[Porta Romanula]] (quarto ângulo do [[pomério]] de Rômulo), e esteve vinculado com cultos proto-históricos de [[Fauno]] e dos [[Lupercais]]. Mais tarde, num mito bem mais tardio, Aca Laurência foi associada ao [[Hércules]] do [[Grande Altar de Hércules]], no qual aparece como uma prostituta sagrada cuja atividade parecia desenvolver-se na área do Fórum Boário.{{harvrefsfn|name=Coarelli151|Coarelli|1996|p=127-151}}
}}
 
O historiador Dominique Briquel afirma que muitos elementos encontrados no mito de fundação são resquícios de rituais etruscos que foram incorporados pelos romanos.{{HarvRefsfn|Briquel|1999|p=133}}{{harvrefsfn|Grimal|1990|p=20-21}} Tim Cornell reforça essa ideia, afirmando que a explicação racional para a correlação entre a cidade e o herói troiano Eneias seria resquício do contato entre a Itália primitiva e os [[Civilização Micênica|micênicos]]. A importância de Lavínio e Alba Longa no mito criador de Roma reflete o importante papel religioso que estes centros desempenhavam na região. Além disso, alguns dos mais proeminentes achados arqueológicos do período foram encontrados precisamente em Lavínio e nas [[colinas Albanas]], havendo hoje a teoria de que Roma fosse contemporânea a estes centros,{{HarvRefsfn|Cornell|1996|p=112}} tendo ela sido uma colônia de Alba Longa.<ref name=Corn17 />
 
Na história de [[Rômulo]], o [[rapto das sabinas]] e a [[diarquia]] de Rômulo e [[Tito Tácio]] (governante sabino) são eventos que, segundo autores como Tim Cornell, devem ter elementos verossímeis, e igualmente podem ser entendidos como indicativos da influência sabina na Roma primitiva. Muitos elementos sabinos são detectáveis, por exemplo palavras de origem sabina: ''bos'' (boi), ''scrofa'' (porca), ''popina'' (cozinha). Além disso, a diarquia de Rômulo e Tito Tácio é possivelmente uma indicação de que Roma surgiu através da fusão de duas comunidades, uma no [[Palatino]] e outra no [[Monte Quirinal|Quirinal]], ou ao menos da incorporação da segunda à primeira. Outro ponto forte desta interpretação está em uma citação de Tito Lívio, I.13.4, onde se refere a Roma como ''geminata urbs'' ("a cidade dupla"), bem como na raiz da palavra ''quirites'' (singular: ''quires''), o gentílico dos cidadãos romanos,{{harvrefsfn|Cornell|2008|p=18}} que segundo autores romanos deriva de [[Cures (sabinos)|Cures]], a capital dos sabinos; autores modernos questionam esta associação.{{harvrefsfn|Zoch|2000|p=13}}
 
[[Imagem:Italic - Urn in the Shape of a Hut and a Door - Walters 482312.jpg|thumb|esquerda|Urna funerária de [[terracota]] datada do {{-séc|VIII}} encontrada no [[Lácio]]. Sua forma seria uma representação artística das habitações do período]]
 
Durante os períodos [[República Romana|republicano]] e [[Império Romano|imperial]], muitas datas foram atribuídas à fundação da cidade, no intervalo entre {{AC|758-728|nl}}: [[Censorino]] atribuiu {{AC|758|nl}};{{HarvRefsfn|Censorino|268|p=13}} [[Marco Terêncio Varrão]], {{AC|753|nl}}; os [[Fastos Capitolinos]] do [[Arco de Augusto (19 a.C.)|Arco de Augusto]], {{AC|752|nl}}; Dionísio de Halicarnasso, {{AC|751|nl}};{{HarvRefsfn|Halicarnasso|30-8|p=74-75}} Quinto Fábio Pictor, {{AC|748|nl}}; e [[Lúcio Cíncio Alimento]] e Solino no ano da décima-segunda olimpíada ({{AC|728|nl}}). Seja como for, todas as versões concordam que o dia é [[21 de abril]], data do festival de [[Pales]], deusa do pastoreio.<ref name=pari /> Entre a data convencional da [[Guerra de Troia]] ({{AC|1182|nl}}) e a data aceite para a fundação de Roma ({{AC|753|nl}}) há um intervalo de quatro séculos, razão pela qual os romanos, durante a [[República Romana|República]], criaram a lenda da dinastia dos reis de [[Alba Longa]], de forma a preencher o vazio de 400 anos entre [[Eneias]] e [[Rômulo]].<ref name=Corn17 />
 
O nome da cidade habitualmente é relacionado ao de Rômulo, porém diversos autores clássicos e modernos fizeram interpretações adversas quanto a sua etimologia. Segundo Plutarco havia diversas hipóteses quando à origem do nome: pode ser a derivação do nome de personagens mitológicos como a filha do rei dos [[enótrios]] ou então de [[Télefo]], filho de Hércules, que havia se casado com Eneias ou então com seu filho Ascânio; Romano, o filho de [[Odisseu]] com [[Circe]]; Romo, habitante de Troia, que veio à Itália em busca do herói [[Diomedes]]; Romide, um tirano do Lácio que repeliu uma incursão etrusca;{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=II.1}} e uma filha de Ascânio que se casou com o rei [[Latino (mitologia)|Latino]], com quem teve um filho chamado Rômulo que fundou uma cidade com o nome de sua mãe.{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=II.3}} Ainda segundo Plutarco o nome Roma pode derivar do nome de uma cidade fundada pelos [[pelasgos]] no Lácio{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=I.1}} ou então de outra fundada por Eneias no Palatino.{{HarvRefsfn|Plutarco|século I|p=I.2-3}}
 
[[Jean-Jacques Rousseau|Rousseau]] sugeriu que o nome derive da palavra [[Etruscos|etrusca]] ''rhome'', que significa "duro", cognata da palavra grega ''rhōmē'', que significa força, vigor.{{HarvRefsfn|Rousseau|1792|p=IV, c. IV}} Outros, como Patrícia Ramos Braick, argumentam que possa derivar da palavra etrusca ''rumor'', que significa barulho, o que seria uma analogia ao barulho das águas do Tibre, ou então da palavra ''rumon'', que significa "a cidade do rio".{{HarvRefsfn|Braick|2006|p=195}} Em última análise, a [[Figueira Ruminal]] (''Ficus Ruminalis''), árvore dedicada à deusa [[Rumina]], que presidia a amamentação, poderia estar indiretamente relacionada com o nome da cidade: em [[latim]] a palavra "teta" significa ''Ruma''.<ref name=dictio />
 
{{limpar}}