Idade Média: diferenças entre revisões

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[[Imagem:2008-05-17-SuttonHoo.jpg|thumb|upright=1.1|Réplica de um [[elmo]] encontrado em [[Sutton Hoo]], na sepultura de um líder [[Anglo-saxões|anglo-saxão]] e datado provavelmente de 620, durante a [[Alta Idade Média]]{{harvrefsfn|Nees|2002|p=109-112}}]]
 
A '''Idade Média''' (adj. '''medieval''') é um [[Periodização da História|período]] da [[história da Europa]] entre os séculos [[século V|V]] e [[século XV|XV]]. Inicia-se com a [[Queda do Império Romano do Ocidente]] e termina durante a transição para a [[Idade Moderna]]. A Idade Média é o período intermédio da divisão clássica da História ocidental em três períodos: a [[Idade Antiga|Antiguidade]], Idade Média e Idade Moderna, sendo frequentemente dividido em Alta e Baixa Idade Média.
 
Durante a [[Alta Idade Média]] verifica-se a continuidade dos processos de despovoamento, regressão urbana, e [[Migrações dos povos bárbaros|invasões bárbaras]] iniciadas durante a [[Antiguidade Tardia]]. Os ocupantes [[bárbaros]] formam novos reinos, apoiando-se na estrutura do [[Império Romano do Ocidente]]. No {{séc|VII}}, o [[Norte de África]] e o [[Médio Oriente]], que tinham sido parte do [[Império Romano do Oriente]] tornam-se territórios [[Islão|islâmicos]] depois da sua conquista pelos sucessores de [[Maomé]]. O [[Império Bizantino]] sobrevive e torna-se uma grande potência. No Ocidente, embora tenha havido alterações significativas nas estruturas políticas e sociais, a rutura com a Antiguidade não foi completa e a maior parte dos novos reinos incorporaram o maior número possível de instituições romanas pré-existentes. O [[cristianismo]] disseminou-se pela [[Europa ocidental]] e assistiu-se a um surto de edificação de novos espaços monásticos. Durante os séculos VII e VIII, os [[Francos]], governados pela [[dinastia carolíngia]], estabeleceram um [[Império carolíngio|império]] que dominou grande parte da Europa ocidental até ao {{séc|IX}}, quando se desmoronaria perante as investidas de [[Víquingues]] do norte, [[Magiares]] de leste e [[Sarracenos]] do sul.
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{{vertambém|Periodização da História}}
 
A Idade Média é um dos três grandes períodos definidos pelo mais comum quadro de análise de [[História da Europa|história europeia]]: a [[Idade Antiga]], ou ''Antiguidade'', a Idade Média e a Era Moderna, que compreende as idades [[Idade Moderna|Moderna]] e [[Idade Contemporânea|Contemporânea]].{{harvrefsfn|name=Power304|Power|2006|p=304}}
 
=== Evolução do conceito ===
Os escritores medievais dividiam a História em períodos como as "[[Seis épocas do mundo|Seis Épocas]]", e consideravam a sua a última época antes do fim do mundo,{{harvrefsfn|Mommsen|1942|p=236-237}} e denominavam-na "moderna".{{harvrefsfn|Singman|1999}} Na década de 1330, o poeta e humanista [[Petrarca]] denominava a era anterior ao cristianismo por "antiqua" (ou "antiga") e o período cristão por "nova".<ref name=idea>Knox "[http://www.boisestate.edu/courses/latemiddleages/renaissance/historyren.shtml History of the Idea of the Renaissance]"</ref> O primeiro historiador a definir a periodização tripartida foi [[Leonardo Bruni]] na sua ''História do Povo Florentino'' em 1442.{{harvrefsfn|name=BruniXVII|Bruni|1442|p=XVII}} Bruni, e historiadores posteriores, argumentaram que Itália se tinha desenvolvido significativamente desde o tempo de Petrarca e acrescentaram um terceiro período à sua divisão. O mais antigo registo conhecido do termo ''Idade Média'' data de 1469, sendo grafado como ''media tempestas'' ou "tempos médios".{{harvrefsfn|Miglio|2006|p=112}} Durante a sua introdução, foi comum a coexistência de várias variantes, como ''medium aevum'', registada em 1604,{{harvrefsfn|Albrow|1997|p=205}} ou ''media scecula'', registada em 1625. A periodização tripartida tornar-se-ia padrão após a publicação em 1683 da obra ''História Universal Dividida nos Períodos Antigo, Medieval e Novo'' da autoria do historiador alemão [[Christoph Cellarius]].{{harvrefsfn|Robinson|1984}}
 
=== Datas de início e fim ===
A data consensual para o início da Idade Média é 476,<ref name=Dictionary /> definida pela primeira vez por Bruni,<ref name=BruniXVII /> e que representa o ano em que é deposto o último [[imperador romano]] do Ocidente.{{harvrefsfn|name=Wickham86|Wickham|2009|p=86}} No contexto europeu, considera-se normalmente o fim da Idade Média no ano 1500,{{NotaNT|Ver as obras ''Making of Polities Europe 1300-1500'' de Watts ; ou ''Economic History of Later Medieval Europe 1000–1500'' de Epstein; ou ainda a data usada em Holmes (ed.) ''The Oxford History of Medieval Europe''. }} embora não haja um consenso universal alargado sobre a data.{{harvrefsfn|name=Davies291|Davies|1996|p=291-293}} Dependendo do contexto, podem ser considerados como eventos de transição a primeira viagem de [[Cristóvão Colombo]] às [[Américas]] em [[1492]], a [[conquista de Constantinopla]] pelos [[Império Otomano|Turcos]] em [[1453]], ou a [[Reforma Protestante]] em 1517.{{harvrefsfn|Bordone|2009}} Por outro lado, os historiadores ingleses normalmente referem-se à [[batalha de Bosworth]] em [[1485]] como referência para o fim do período.{{NotaNT|Ver Saul, ''Companion to Medieval England 1066–1485''.}} Em Espanha, é comum o recurso ao ano de [[1516]], aquando a morte do rei [[Fernando II de Aragão]], ou o ano da morte da rainha [[Isabel I de Castela]] em [[1504]], ou ainda a [[Guerra de Granada|conquista de Granada]] em [[1492]].{{harvrefsfn|Kamen|2005|p=29}}
 
Os historiadores de [[línguas românicas]] tendem a dividir a Idade Média em duas partes: um primeiro período, a [[Alta Idade Média]] e um segundo período, a [[Baixa Idade Média]]. Os historiadores [[Língua inglesa|anglo-saxónicos]] dividem normalmente a Idade Média em três segmentos: "Early Middle Ages", ou "idade média arcaica", definido entre [[476]] e o ano [[1000]]; ''"High Middle Ages"'', ou "alta idade média", entre o ano 1000 e [[1300]]; e ''"Late Middle Ages"'' ou "Idade média tardia" entre 1300 e [[1453]].<ref name=Power304/> Os termos foram popularizados durante o início do {{séc|XX}} pelo historiador belga [[Henri Pirenne]] e pelo holandês [[Johan Huizinga]]. Durante todo o {{séc|XIX}}, a Idade Média era frequentemente referida como a "Idade das trevas", mas com a criação de subdivisões o uso do termo ficou restrito ao período arcaico.{{harvrefsfn|Mommsen|1942}}
 
== Queda do Império Romano ==
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[[Imagem:Bazilika sv Marka tetrarchovia.jpg|thumb|upright|''[[Os Tetrarcas]]'', escultura em [[pórfiro]] do {{séc|IV}}, originalmente alojada em [[Constantinopla]]. Em [[Veneza]] desde a [[Quarta Cruzada]] de 1204]]
 
O [[Império Romano]] atingiu o seu apogeu e máxima extensão territorial durante o {{séc|II}}, mas durante os dois séculos seguintes verificar-se-ia o lento declínio do domínio territorial romano sobre os seus territórios.{{harvrefsfn|Cunliffe|2008|p=391-393}} A crise económica, refletida na inflação, e instabilidade nas fronteiras motivada pela pressão de povos invasores, estiveram na origem da [[crise do terceiro século]], períodos em que um vasto número de imperadores ascendia ao trono apenas para ser rapidamente substituído por novos usurpadores.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=3-5}} O orçamento militar aumentou constantemente ao longo de todo o terceiro século, sobretudo na sequência de [[Guerras romano-sassânidas#A campanha persa de Diocleciano|uma nova guerra]] contra o [[Império Sassânida]], iniciada em meados do século. A necessidade de receitas levou à aplicação de uma sobretaxa fiscal e ao declínio em massa da classe média, proprietária de terrenos e unidades de produção, extinguindo-se assim o financiamento das estruturas administrativas de cada povoação.{{harvrefsfn|Heather|2006|p=111}}
 
No ano de 286, o imperador [[Diocleciano]] divide o império em duas metades, [[Império Bizantino|oriental]] e [[Império Romano do Ocidente|ocidental]], administradas separadamente. No entanto, os próprios cidadãos e administradores públicos não viam o seu império como dividido, e as promulgações legais e administrativas de uma parte eram consideradas válidas na outra. Este sistema, que viria a ter dois coimperadores seniores ([[Augusto (título)|augustos]]) e dois coimperadores juniores ([[César (título)|césares]]), seria conhecido como [[tetrarquia]].{{harvrefsfn|Collins|1999|p=9}} Em 330, depois de um período de [[Guerras Civis da Tetrarquia|guerra civil]], o imperador [[Constantino]] tornar-se-ia imperador único e refundaria a cidade de [[Bizâncio]] como [[Constantinopla]], a nova e renovada capital oriental.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=24}}
 
As reformas de Diocleciano criaram uma administração pública forte, a reforma da cobrança de impostos, e o fortalecimento do exército, o que permitiu ganhar algum tempo mas não resolveu por completo os problemas que enfrentava: tributação excessiva, queda da taxa de natalidade e pressão fronteiriça.{{harvrefsfn|Cunliffe|2008|p=405-406}} Em meados do {{séc|IV}}, tornou-se constante a deflagração de guerras civis entre imperadores rivais, retirando forças das fronteiras e dando espaço à infiltração de [[bárbaro]]s.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=31-33}} No {{séc|IV}}, a sociedade romana era já bastante diferente da do período clássico, assistindo-se ao aumento das desigualdades sociais e ao declínio de vitalidade das cidades pequenas.{{harvrefsfn|Brown|1989|p=34}} O império converte-se também ao [[cristianismo]], um processo gradual que decorreu entre os séculos II e V.{{harvrefsfn|Brown|1989|p=65-68}}{{harvrefsfn|Brown|1989|p=82-94}}
 
[[Imagem:Migração dos Povos Bárbaros.png|thumb|upright=1.2|esquerda|Migrações bárbaras em território romano entre os séculos IV e V]]
[[Imagem:The Byzantine State under Justinian I-pt.svg|thumb|upright=1.2|esquerda|[[Império Bizantino]] com as conquistas de [[Justiniano]] (laranja claro)]]
 
Em 376, os [[Ostrogodos]], em debanda dos [[Hunos]], são autorizados pelo imperador romano [[Valente (imperador)|Valente]] a estabelecer-se na [[província romana]] de [[Trácia (província romana)|Trácia]], nos [[Balcãs]]. O processo não decorreu de forma pacífica, e quando os administradores romanos perderam o controlo da situação, os Ostrogodos deram início a uma série de [[Guerra Gótica (376–382)|pilhagens e vandalismos]] no território. Valente, numa tentativa de fazer cessar a violência, foi morto em combate na [[batalha de Adrianópolis]] em agosto de 378.{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=47-49}} Para além da ameaça bárbara do norte, constituíram também ameaças à estabilidade as divisões internas dentro do próprio império, sobretudo dentro da Igreja Cristã.{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=56-59}} No ano 400, os [[Visigodos]] sob [[Alarico]] invadem o Império do Ocidente e, embora inicialmente repelidos de Itália, em 410 [[Saque de Roma (410)|saqueiam a cidade de Roma]].{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=80-83}} A par destes eventos, [[Alanos]], [[Vândalos]] e [[Suevos]] resolvem [[Travessia do Reno|atravessar o Reno]] em 406, dominando o território da [[Gália]] até 409, quando atravessam os [[Pirenéus]], instalando-se também na [[Península Ibérica]].{{harvrefsfn|Collins|1999|p=59-60}} Vários outros grupos bárbaros tomam igualmente parte nas intensas migrações deste período. Os [[Francos]], [[Alamanos]] e [[Burgúndios]] têm como destino o norte da Gália enquanto que os [[Anglos]], [[Saxões]] e [[Jutos]] se estabelecem nas [[Ilhas Britânicas]]. Os Hunos, liderados pelo rei [[Átila, o Huno]], organizam invasões aos [[Balcãs]] em 442 e 447, à Gália em 451, e a Itália em 452.{{harvrefsfn|James|2009|p=67–68}} A ameaça dos Hunos prolongou-se até à morte de Átila em 453, quando a confederação por si liderada se fragmenta.{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=117–118}} Estes movimentos levados a cabo pelas várias tribos reorganizaram de forma dramática o mapa político e demográfico do que tinha sido o Império Romano do Ocidente.{{harvrefsfn|Cunliffe|2008|p=417}}
 
Por volta do fim do {{séc|V}}, a parte ocidental do império estava já dividida em pequenas unidades políticas, governadas pelas tribos que as haviam ocupado durante o início do século.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=79}} O último imperador do Ocidente, [[Rómulo Augusto]], foi deposto em 476, evento que leva à adoção consensual desse ano como o fim do Império Romano do Ocidente.<ref name=Wickham86/> {{NotaNT|Por vezes é proposta a data de 480, sendo esse o ano da morte do seu antecessor [[Júlio Nepos]], que se continuou a declarar como imperador a partir da [[Dalmácia]].<ref name=Wickham86/>}} O [[Império Romano do Oriente]], referido como ''Império Bizantino'' depois da queda do seu correspondente ocidental, mostrou pouca eficácia no controlo dos territórios ocidentais perdidos. Embora os [[Lista de imperadores bizantinos|imperadores bizantinos]] tenham mantido pretensões territoriais e afirmado que nenhum rei bárbaro podia ousar tornar-se imperador do Ocidente, não conseguiam de forma alguma sustentar qualquer domínio a Ocidente, excetuando-se a reconquista temporária da [[península Itálica]] e da periferia mediterrânea por [[Justiniano I]].{{harvrefsfn|Collins|1999|p=116-134}}
 
== Alta Idade Média ==
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[[Imagem:Theoderic Quarter Siliqua 80000847.jpg|thumb|esquerda|[[Síliqua (moeda)|Síliqua]] de {{lknb|Teodorico,|o Grande}} {{nwrap|r.|474|526}}]]
 
A estrutura política da Europa Ocidental alterou-se significativamente com o fim da união do Império Romano. Embora as atividades dos povos bárbaros sejam frequentemente descritas como "invasões", não se trataram de meras campanhas militares, mas sim migrações de populações inteiras para o território do império. A migração foi facilitada pela recusa das elites romanas em financiar o seu exército.{{harvrefsfn|Brown|1989|p=122-124}} Os imperadores do {{séc|V}} eram na maior parte dos casos controlados por militares influentes como [[Estilicão]], [[Ricímero]], [[Gundebaldo]] ou [[Áspar]], quase sempre estrangeiros ou de ascendência estrangeira. Após a interrupção da linha de sucessão, muitos dos reis que os substituíram provinham igualmente de forças militares. Era também comum o casamento entre os novos reis e as elites romanas locais.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=95}} Isto deu origem a uma incorporação gradual dos hábitos das tribos invasoras na cultura romana, incluindo assembleias populares que permitiram aos líderes tribais ter uma voz ativa em matérias políticas.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=100-101}} Os artefactos deixados por Romanos ou pelos invasores são na sua maioria similares, sendo nítida a inspiração dos objetos tribais nos modelos romanos.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=100}} De igual modo, a maior parte da cultura intelectual dos novos reinos baseava-se directamente nas tradições intelectuais romanas.{{harvrefsfn|name=Collins96|Collins|1999|p=96-97}} No entanto, uma diferença substancial foi a perda gradual de rendimento tributário em função das novas políticas. Muitas das novas instituições governativas já não financiavam os seus exércitos com o dinheiro proveniente de impostos, mas com a atribuição de terras ou senhorios. Isto levou ao desaparecimento do sistema de colecta de impostos, uma vez que deixou de haver necessidade para cobranças ou cálculos de grande envergadura.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=102-103}} O belicismo era comum entre reinos e dentro dos próprios reinos. A escravatura entrou também em declínio, à medida que a oferta se reduzia e a sociedade se tornava cada vez mais rural.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=86–91}}
 
[[Imagem:Europa in 526-pt.svg|thumb|upright=1.2|Europa em 526: a Europa Ocidental, antes controlada majoritariamente pelo [[Império Romano]], neste momento estava dividida entre os povos bárbaros que ali se assentaram durante o século {{séc|V.}}]]
Entre os séculos V e VIII, uma nova vaga de governantes preenche o vazio político deixado pela administração central romana.<ref name=Collins96/> Os Ostrogodos estabelecem-se na [[província romana]] de [[Itália (província romana)|Itália]] no fim do {{séc|V}}, sob o comando de [[Teodorico, o Grande|Teodorico]], e dão início a um reino notável pela cooperação entre Itálicos e Ostrogodos, pelo menos durante o seu reinado.{{harvrefsfn|James|2009|p=82-85}} Os [[Burgúndios]] estabelecem-se na [[Gália]], e depois de um primeiro reino dizimado pelos Hunos em 436, formam um novo na década de 440 entre a atual [[Genebra]] e [[Lyon]], e que durante o início do {{séc|VI}} se viria a tornar num dos mais influentes reinos da região. No norte da Gália, os Francos e os [[Bretões]] formam pequenos reinos. O [[Reino Franco]] centra-se no noroeste da Gália e o primeiro reinante do qual se possui informação relevante é [[Childerico I]], que viria a morrer em 481.{{NotaNT|O túmulo de [[Childerico I]] foi descoberto em 1653 e é notável pelas suas peças fúnebres, nas quais se incluem um grande número de armas e uma imensa quantidade de ouro.{{harvrefsfn|James|2009|p=79-80}}}} Durante o reinado do seu filho, [[Clóvis I]], o reino franco expande-se e converte-se ao cristianismo. Os Bretões, procedentes da [[Britânia (mitologia)|Britânia]], estabelecem-se no que é hoje a [[Bretanha]].{{harvrefsfn|James|2009|p=78-81}} Os [[Visigodos]] estabelecem [[Reino Visigótico|o seu reino]] em grande parte da [[Península Ibérica]], sendo o noroeste peninsular ocupado pelo [[Reino Suevo]] e o norte de África pelo [[Reino Vândalo]].{{harvrefsfn|James|2009|p=77-78}} Durante o {{séc|VI}}, os [[Lombardos]] estabelecem-se no norte de Itália, substituindo o [[Reino Ostrogótico]] por um [[Reino Lombardo|grupo de ducados]] responsáveis pela eleição de um rei comum. Por volta do fim do {{séc|VI}}, este sistema foi substituído por uma monarquia permanente.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=196-208}}
 
A migração europeia significou uma alteração profunda do mapa demográfico da Europa, embora o povoamento não tenha sido homogéneo. Algumas regiões, como a Península Ibérica, albergaram um número de colonos muito maior quando comparado com outras regiões. A ocupação da Gália foi também superior e em maior densidade no noroeste do que no sudeste. Os povos [[Eslavos]] ocuparam a Europa Central e de Leste até à [[Balcãs|península Balcânica]]. Esta migração foi também acompanhada por alterações profundas na língua. O [[latim]], língua oficial do Império Romano do Ocidente, foi gradualmente substituído por várias línguas de raiz latina, embora já bastante distintas, denominadas coletivamente por [[línguas românicas]]. No entanto, a evolução do latim para as novas línguas como o [[Língua francesa|francês]], [[Língua portuguesa|português]] ou [[Língua romena|romeno]] foi um processo que ocorreu ao longo de séculos, e atravessou uma série de fases. O [[Língua grega|grego]] permaneceu como língua oficial do Império Bizantino, mas as [[Invasões eslavas dos Balcãs|migrações dos Eslavos]] permitiram a assimilação de [[línguas eslavas]] no leste europeu.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=235-238}}
 
=== Bizâncio ===
{{AP|Império Bizantino|Dinastia heracliana}}
[[Imagem:Mosaic of Justinian I - San Vitale - Ravenna 2016.jpg|300px|thumb|esquerda|[[Mosaico]] onde se pode observar o imperador [[Justiniano I|Justiniano]] com o bispo [[Maximiano de Ravena|Maximiano]], governador de [[Ravena]], a par com a sua guarda pessoal e membros da corte.]]
 
À medida que a Europa Ocidental assistia à formação de novos reinos, o [[Império Romano do Oriente]] manteve-se intacto, chegando até a verificar-se um renascimento económico que perdurou até ao início do {{séc|VII}}. Na parte oriental houve menos tentativas de invasão, e a maioria centrou-se sobretudo na zona dos [[Balcãs]]. Durante todo o {{séc|V}}, a paz foi constante com o [[Império Sassânida]] (persa), oponente ancestral de Roma no domínio territorial da região. Assistiu-se também ao estreitamento de relações entre a governação política e a Igreja Cristã, tendo no Oriente as questões doutrinais assumido um relevo sem paralelo na Europa ocidental. A nível jurídico, procedeu-se à codificação do [[direito romano]], tendo sido completado o [[Código de Teodósio]] em 438.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=81-83}} No reinado de [[Justiniano]] procede-se a uma compilação ainda mais detalhada, conhecida como ''[[Corpus Juris Civilis]]''.{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=200-202}} Justiniano impulsionou também a edificação da [[Santa Sofia]] em Constantinopla e a [[Guerra Vândala|reconquista do Norte de África]] aos [[Vândalos]] e de Itália aos Ostrogodos, sob o comando de [[Belisário]]. A conquista de Itália sofreu um revés devido à deflagração de uma [[Praga de Justiniano|pandemia em 542]], que levou à concentração dos recursos na defesa do território já conquistado.{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=206-213}}
 
A progressiva infiltração dos [[Eslavos meridionais|povos Eslavos nos Balcãs]] trouxe consigo dificuldades acrescidas. Embora tenha começado por pequenas invasões, por volta de 540 as tribos eslavas encontravam-se já na [[Trácia (província romana)|Trácia]] e na [[Ilíria (região)|Ilíria]], e em 551 viriam a derrotar um dos exércitos imperiais perto de Adrianópolis (atual [[Edirne]]). Durante a década de 560, os [[Ávaros]] iniciam uma expansão territorial a partir da margem Norte do [[rio Danúbio]], e por volta do fim do {{séc|VI}} até ao fim do {{séc|VIII}} são já a força dominante na Europa Central e capazes de exigir aos imperadores Orientais o pagamento de tributos.{{harvrefsfn|James|2009|p=95-99}} Outro dos mais notáveis problemas enfrentados pelo império foi o envolvimento do imperador [[Maurício I]] na política persa, ao intervir numa disputa sucessória. Embora a ascensão de [[Cosroes II]] ao trono persa tenha significado um breve período de paz, a sua subsequente deposição levou a uma nova guerra com os Persas, que, durante o reinado de [[Heráclio]], dominavam já grande parte do império a oriente, incluindo as [[Província romana|províncias]] do [[Egito (província romana)|Egito]], da [[Síria (província romana)|Síria]] e da [[Ásia (província romana)|Ásia]], quando [[Cerco de Jerusalém (614)|Jerusalém caiu]], em 614 . Mais tarde, em 628, Heráclio assinaria um tratado de paz que restauraria as anteriores fronteiras imperiais.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=140-143}}
 
=== Fervor religioso e expansão islâmica ===
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[[Imagem:Caliphate 750-pt.svg|thumb|A expansão do [[Expansão islâmica|Califado Islâmico]]]]
 
Durante os séculos VI e VII é frequente a permeabilidade de credos religiosos entre o [[Império Sassânida]] e o [[Império Bizantino]]. O [[judaísmo]] fora uma fé missionária ativa, e a cristandade possuía [[missões]] que competiam com o [[zoroastrismo]] persa na procura de conversos, sobretudo entre habitantes da [[península da Arábia]]. Com a emergência do [[Islão]] na [[Arábia]] durante a vida de [[Maomé]], assistir-se-ia à unificação religiosa da região.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=143-145}} Depois da morte de Maomé em 632, as forças islâmicas conquistaram grande parte do Império Oriental, bem como o [[Império Sassânida]], começando com a [[Conquista muçulmana da Síria|conquista da Síria em 634-635]] e mais tarde de todo o território até ao [[Conquista muçulmana do Egito|Egito em 640-641]], a própria [[Conquista islâmica da Pérsia|Pérsia entre 637 e 642]], o [[Conquista muçulmana do Magrebe|Norte de África no fim do {{séc|VII}}]] e a [[Invasão muçulmana da Península Ibérica|Península Ibérica em 711]].{{harvrefsfn|Collins|1999|p=149-151}} Em 714, as forças islâmicas controlavam já a maior parte da Península, região que denominaram por [[Al-Andalus]].{{harvrefsfn|Reilly|1993|p=52–53}}
 
A expansão islâmica atingiu o apogeu em meados do {{séc|VIII}}. A derrota das forças muçulmanas na [[Batalha de Poitiers (732)|batalha de Poitiers]] em 732 proporcionou a reconquista do sul de França pelos [[Francos]], embora o principal fator para a interrupção da expansão tenha sido a deposição da [[Califado Omíada|dinastia omíada]] e a sua substituição pela [[Califado Abássida|dinastia abássida]]. Os Abássidas transferiram a capital para [[Bagdad]] e concentraram o seu interesse no Médio Oriente em desfavor da Europa, ao mesmo tempo que perdiam o domínio de uma vasta extensão territorial. Os descendentes dos Omíadas obtiveram o domínio da Península Ibérica, os [[Aglábidas]] do norte de África e os [[Tulúnidas]] passaram a governar o Egito.{{harvrefsfn|Brown|1998|p=15}} Em meados do {{séc|VIII}}, assiste-se ao renascimento a ao aparecimento de novas rotas comerciais no [[Mediterrâneo]], tendo as antigas rotas romanas sido substituídas pelo comércio entre os reinos dos Francos e dos [[Árabes]]. Os reinos Ocidentais exportavam lenha, peles, armamento e escravos para os Árabes em troca de sedas e vários géneros de tecido, especiarias e metais preciosos.{{harvrefsfn|Cunliffe|2008|p=427-428}}
 
=== Comércio e economia ===
As migrações bárbaras dos séculos IV e V interromperam grande parte das rotas comerciais no Mediterrâneo, o que fez cessar a exportação de mercadorias africanas para a Europa. Por volta do início do {{séc|VII}}, apenas em algumas cidades costeiras como Roma e [[Nápoles]] era possível encontrar ainda bens importados, embora ao longo de todo o século as conquistas muçulmanas fizessem cessar em definitivo as trocas comerciais de longo curso, fazendo com que durante a Alta Idade Média aumentasse a procura pela produção local, sobretudo nas áreas afastadas do Mediterrâneo. Os bens importados encontrados nos vestígios arqueológicos são fundamentalmente artigos de luxo. Na Europa do Norte, não só as rotas comerciais eram locais, como os bens transportados eram artigos comuns, com poucos objetos cerâmicos ou produtos transformados. Em redor do Mediterrâneo, contudo, o comércio de cerâmica foi comum e realizado a alguma distância, e não apenas de produção local.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=218–219}}
 
Os vários estados germânicos no Ocidente [[Moeda (peça)|cunhavam]] moeda segundo os modelos romano e bizantino. O ouro continuou a ser usado até finais do {{séc|VII}}, até ser substituído por moedas de prata. A unidade elementar da moeda de prata Franca era o [[dinheiro (moeda)|dinheiro]], enquanto que os anglo-saxões usavam o [[pêni]], moedas que se disseminaram pela Europa entre os séculos VII e X. Nem o bronze nem o cobre eram usados na cunhagem, e o ouro só continuou a ser usado na Europa do Sul. Também não eram cunhadas moedas com valores múltiplos.{{harvrefsfn|Grierson|1989}}
 
=== Igreja e monaquismo ===
{{AP|Grande Cisma do Oriente}}
[[Imagem:Gregory I - Antiphonary of Hartker of Sankt Gallen.jpg|thumb|Ilustração[[Iluminura]] do século {{séc|XI}} representando o {{Lknb|Papa Gregório|I}}]]
 
A cristandade foi o fator determinante de unidade entre a Europa oriental e ocidental antes da conquista árabe; no entanto, a perda do domínio do Mediterrâneo viria a estagnar as rotas comerciais marítimas entre as duas regiões. A própria Igreja Bizantina, que viria a tornar-se na [[Igreja Ortodoxa]], era distinta em termos de práticas, liturgia e língua da sua congénere ocidental, que viria a tornar-se na [[Igreja Católica]]. As diferenças teológicas e políticas tornam-se cada vez mais vincadas, e em meados do {{séc|VIII}} a abordagem de matérias como a [[iconoclastia]], o [[celibato clerical|casamento de sacerdotes]] e a separação de poderes entre a Igreja e o Estado era de tal forma contrastante que as diferenças culturais e religiosas eram já em maior número do que as semelhanças.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=218-233}} A separação formal ocorre em 1054, quando o [[Santa Sé|Papado de Roma]] e o [[Patriarcado Ecumênico de Constantinopla|patriarcado de Constantinopla]] se confrontam abertamente e se [[Excomunhão|excomungam]] mutuamente, facto que está na origem da cisão da cristandade em duas igrejas – a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa Oriental.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=328-332}}
 
A [[Hierarquia católica|estrutura eclesiástica]] do Império Romano no ocidente sobreviveu relativamente intacta às invasões bárbaras, mas o papado pouca autoridade exercia, sendo raros os bispos ocidentais que procuravam no papa liderança religiosa ou política. A maior parte dos papas anteriores a 750 debruçava-se sobretudo sobre questões bizantinas e teológicas orientais. A grande maioria das mais de 850 cartas hoje conservadas do [[papa Gregório I]] dizem respeito a assuntos em Itália ou Constantinopla. A única região da Europa Ocidental onde o papado exercia influência era a [[província romana]] da [[Britânia (província romana)|Britânia]], para onde Gregório envia em 597 a [[missão gregoriana]] com o intuito de converter os [[Anglo-saxões]] ao cristianismo.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=170-172}} Os [[Missão hiberno-escocesa|missionários irlandeses]], que entre os séculos V e VII foram os mais ativos na Europa ocidental, foram autores de várias campanhas de [[cristianização]], primeiro nas [[Ilhas Britânicas]] e depois no continente. Contando entre si monges como [[São Columba]] e [[São Columbano]], não só fundaram um imenso número de [[mosteiro]]s, mas também foram os responsáveis pela divulgação do latim e do grego e autores profícuos de obras seculares e religiosas.{{harvrefsfn|Colish|1997|p=62-63}}
 
Durante a Alta Idade Média assiste-se à implementação do [[monaquismo]] no Ocidente, inspirado sobretudo pela tradição monástica dos [[Padres do Deserto]] Sírios e Egípcios. [[São Pacómio]] foi durante o {{séc|IV}} um dos pioneiros do [[cenobitismo]], o monaquismo praticado em redor de uma comunidade espiritual. Os ideais monásticos são rapidamente difundidos do mediterrâneo para a Europa durante os séculos V e VI através da [[Hagiografia|documentos hagiográficos]] como a ''[[Antão do Deserto|A Vida de Antão]]''.{{harvrefsfn|Lawrence|2001|p=20-13}} [[Bento de Núrsia|São Bento de Núrsia]] foi o autor da [[Regra de São Bento]], extremamente influente no monaquismo ocidental durante todo o {{séc|VI}}, onde são descritas em detalhe as responsabilidades administrativas e espirituais de uma comunidade de monges, liderada por um [[abade]].{{harvrefsfn|Lawrence|2001|p=1-24}} Os mosteiros exerceram uma influência profunda na vida religiosa e política da Alta Idade Média, tutelando vastas regiões em nome de famílias poderosas, atuando como centros de propaganda e de apoio monárquico em regiões recentemente conquistadas, e organizando missões de evangelização.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=185-187}} Eram também o principal, e por vezes único, centro de educação e literacia em determinada região, copiando também muitos dos manuscritos sobreviventes dos [[Arte e cultura clássicas|clássicos]] romanos.{{harvrefsfn|Hamilton|2003|p=43-44}} Os monges, como [[São Beda]], foram também autores de inúmeras novas obras de história, teologia, botânica e vários outros temas.{{harvrefsfn|Colish|1997|p=64-65}}
 
=== A Europa Carolíngia ===
{{AP|Reino dos Francos|Império Carolíngio}}
Sob o domínio da [[dinastia merovíngia]] durante os séculos VI e VII, o reino dos [[Francos]] no norte da Gália segmentar-se-ia nos reinos da [[Austrásia]], da [[Nêustria]] e [[Reino da Borgonha|Borgonha]]. O {{séc|VII}} representou um período instável de guerra civil entre a Austrásia e a Nêustria.{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=246-253}} A situação foi explorada por [[Pepino de Landen]], [[mordomo do palácio]] que se tornaria governante ''de facto'' nos bastidores da coroa. A sua linhagem herdou sucessivamente o cargo, atuando como conselheiros e regentes. Um dos seus descendentes, [[Carlos Martel]], liderou a vitória na [[Batalha de Tours|batalha de Poitiers]] em 732, contendo o avanço muçulmano nos [[Pirenéus]].{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=347-349}} O exército muçulmano tinha já conquistado por completo o [[Reino Visigótico|reino Visigótico de Hispânia]] em 719, depois de derrotar o último monarca visigodo, [[Rodrigo]], durante a [[batalha de Guadalete]] em 711.{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=344}} As Ilhas Britânicas encontravam-se divididas em vários estados de pequena dimensão, dominados pelos reinos da [[Reino da Nortúmbria|Nortúmbria]], [[Reino da Mércia|Mércia]], [[Reino de Wessex|Wessex]] e [[Anglia Oriental]], descendentes dos ocupantes Anglo-saxões. Alguns reinos de menores dimensões, no que é hoje a [[Escócia]] e o [[País de Gales]], encontravam-se ainda sob domínio dos nativos britânicos e dos [[Pictos]].{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=158-159}} A [[Irlanda]] estava dividida em unidades políticas de ainda menor dimensão, controladas por reis locais. Estima-se que tenha havido a determinado ponto cerca de 150 reinos locais apenas na Irlanda, de importância e dimensão variável.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=164-165}}
 
[[Imagem:Aachener Dom BW 2016-07-09 16-20-40.jpg|thumb|esquerda|300px|[[Capela palatina]] em [[Aquisgrano]], concluída em 805.{{harvrefsfn|Stalley|1999|p=73}}]]
 
A [[dinastia carolíngia]], como são referidos os sucessores de Carlos Martel, apoderou-se oficialmente dos reinos da Austrásia e da Nêustria em 753 durante um golpe de Estado liderado por [[Pepino, o Breve|Pepino&nbsp;III]]. Uma crónica contemporânea afirma que Pepino recebeu autorização para o golpe do [[Papa Estêvão II]]. O golpe foi apoiado por propaganda que retratava os [[dinastia merovíngia|Merovíngios]] como governantes cruéis e inaptos, exaltando as virtudes de Carlos Martel e da piedade da sua família. Depois da morte de Pepino, o reino é herdado pelos seus dois filhos, Carlos e [[Carlomano I|Carlomano]]. Quando Carlomano morreu de causas naturais, Carlos impediu a sucessão do seu filho menor e coroou-se a si próprio como rei da Austrásia e Nêustria unidas. Carlos, que viria a ser conhecido como Carlos, o Grande ou [[Carlos Magno]], iniciou em 774 uma série de expansões sistemáticas que unificariam grande parte da Europa, chegando a dominar toda a extensão territorial no que é atualmente a França, norte de Itália e Saxónia.{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=371-378}} Ainda em 774, conquista os lombardos, libertando o papado dos receios de uma conquista lombarda e dando início aos [[Estados Papais]].{{harvrefsfn|Brown|1998|p=20}}{{NotaNT|Os Estados Papais perduraram até 1870, data em que foram absorvidos pelo [[Reino de Itália (1861–1946)|Reino de Itália]]{{harvrefsfn|Davies|1996|p= 824}} }}
 
A coroação de Carlos Magno como imperador, no dia de Natal do ano 800, é vista pelos historiadores como um dos grandes momentos de charneira na história medieval, marcando a restauração do [[Império Romano do Ocidente]], uma vez que o novo imperador governava a maior parte do território anteriormente controlado pelos imperadores ocidentais. Marca também uma alteração significativa na relação de poderes entre Carlos Magno e o [[Império Bizantino]], ao tornar claro que a obtenção do título de imperador afirmava a sua equivalência perante a contraparte oriental.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=117-120}} No entanto, existiam diferenças significativas entre o novo Império Carolíngio e tanto o Império Bizantino como o antigo Império Romano do Ocidente. Os territórios francos eram essencialmente rurais, existindo muito poucos núcleos urbanos, e os existentes eram de pouca dimensão. As técnicas agrícolas eram rudimentares, e a maior parte dos habitantes eram camponeses em explorações minifundiárias. O comércio era incipiente e na sua maioria virado para as Ilhas Britânicas ou para os territórios [[Escandinávia|escandinavos]], ao contrário do antigo [[Império Romano]], que dispunha de uma vastíssima rede de comércio centrada no [[Mediterrâneo]].{{harvrefsfn|Backman|2003|p=109}} A administração do império estava centrada numa corte itinerante que acompanhava o imperador, e o poder local estava nas mãos de cerca de 300 oficiais designados por [[conde]]s, administrando cada um dos [[condado]]s em que o território fora repartido. Os bispos e o próprio clero podiam exercer funções administrativas, e o poder de supervisão estava também delegado nos ''[[missi dominici]]'', homens de confiança da corte que serviam de intermediários entre o poder local e central.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=302}}
 
=== Renascimento Carolíngio ===
{{AP|Renascença carolíngia|Arte carolíngia}}
A corte de [[Carlos Magno]] em [[Aquisgrano]] foi o centro de um movimento de revitalização cultural denominado ''Renascimento carolíngio''. Durante este período assiste-se a um aumento expressivo da literacia, ao florescimento da arte e da arquitectura, a um elevado número de iniciativas legislativas e a uma maior expressão da produção escrita. [[Alcuíno de Iorque]] foi convidado para a corte, trazendo consigo a educação [[Latim clássico|clássica em latim]] dos mosteiros da Nortúmbria. Foi implementada a [[minúscula carolíngia]],{{NotaNT|A [[minúscula carolíngia]] foi criada a partir da [[escrita uncial]] da Antiguidade, um método caligráfico de escrever o [[alfabeto latino]], com caracteres mais pequenos e arredondados do que as formas clássicas.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=241}} }} uma nova forma caligráfica unificada que melhorou substancialmente a comunicação escrita em grande parte do território europeu. Carlos Magno impôs também às igrejas a [[Rito romano|liturgia romana]] e o [[canto gregoriano]] como forma unificada de celebração. A comunidade académica foi autora de muitos trabalhos de cópia, correção e divulgação de obras de referência de temas religiosos e seculares, com o intuito de encorajar a aprendizagem. São também produzidas imensas obras originais, sobretudo livros de ensino e sobre temas religiosas.{{harvrefsfn|Colish|1997|p=66-70}} Os [[Linguística|linguistas]] do período adaptam a língua latina, transformando o [[latim clássico]] do Império Romano numa forma mais flexível. Durante o reino de Carlos Magno, a língua era já tão divergente da forma clássica que mais tarde se convencionaria denominar por [[latim medieval]].{{harvrefsfn|Loyn|1989e|p=204}}
 
=== Desagregação do Império Carolíngio ===
Linha 114:
| width3 = {{#expr: (120 * 497 / 594) round 0}}
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Apesar de Carlos Magno ter previsto manter a tradição [[Francos|franca]] da partilha do reino por todos os herdeiros, apenas um dos seus filhos, [[Luís I, o Piedoso]], se encontrava vivo em 813. No mesmo ano, Carlos Magno coroa Luís como seu sucessor, tendo morrido no ano seguinte. O seu longo reinado de 26 anos seria marcado por várias divisões internas do império entre os seus filhos e, após 829, por várias guerras civis entre grupos de alianças de pais e filhos contra outros herdeiros, em disputa sobre o domínio de várias partes do império. A determinada altura, Luís reconheceu como imperador o seu filho mais velho {{lknb|Lotário|I}} e cedeu-lhe o território de Itália. Luís distribuiu o restante império entre Lotário e {{Lknb|Carlos|II|de França}}, o seu filho mais novo. Lotário assumiu o domínio da [[Frância oriental|Frância Oriental]], a leste do [[Rio Reno|Reno]], deixando a Carlos a [[Reino da França|Frância Ocidental]], o território a oeste da área do Reno e dos [[Alpes]]. Ao filho do meio, [[Luís o Germânico]], que havia iniciado disputas constantes, foi-lhe permitida a regência da [[Baviera]], ainda que sob tutela do seu irmão mais velho. Esta divisão viria mais tarde a ser contestada. {{lknb|Pepino|II da Aquitânia}}, neto do imperador, rebelou-se na tentativa de conquistar a [[Aquitânia]], enquanto que Luís o Germânico tentou anexar a Frância Oriental. Luís I morreria em 840, com o império em convulsão.{{harvrefsfn|name=Bauer427|Bauer|2010|p=427-431}}
 
À sua morte seguiu-se uma guerra civil de três anos, que culminaria com a assinatura do [[Tratado de Verdun]] em 843. O tratado determinou a criação de um reino entre os rios Reno e o [[Rio Ródano|Ródano]] administrado por Lotário em conjunto com as suas posses de Itália, e o reconhecimento do seu título imperial. Luís o Germânico assumiu o controlo da Baviera e das terras orientais da atual Alemanha. Carlos recebeu o território ocidental franco, no que é hoje grande parte da França.<ref name=Bauer427/> Os netos e bisnetos de Carlos Magno dividiriam por sua vez os seus reinos pelos seus descendentes, o que viria a desagregar toda a coesão interna alcançada neste período.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=139}}
 
A desagregação do Império Carolíngio foi acompanhada por invasões, migrações e incursões de forças externas. As costas atlântica e norte foram cobiçadas pelos [[Víquingues]], que já se haviam instalado no norte das [[Ilhas Britânicas]] e na ilha da [[Islândia]]. Em 911, o líder víquingue [[Rollo]] recebeu permissão do rei franco [[Carlos, o Simples]] para estabelecer uma colónia no território que viria a ser a [[Normandia]].{{harvrefsfn|Backman|2003|p=141-144}} Os territórios orientais dos reinos francos, sobretudo a Alemanha e a Itália, estiveram sob constante ataque dos povos [[Magiares]] até à sua derrota na [[batalha de Lechfeld]] em 955.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=144-145}} A fragmentação do [[Califado Abássida]] trouxe consigo a desagregação do mundo islâmico numa série de pequenos estados políticos, alguns dos quais que viriam a expandir-se para a Itália e Sicília, chegando mesmo a instalar colónias nos [[Pirenéus]] e em áreas nas fronteiras a sul dos reinos francos ([[Fraxineto]], por exemplo).{{harvrefsfn|Bauer|2010|p=147-149}}
 
=== Os novos reinos e o renascimento de Bizâncio ===
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[[Imagem:Christ Magdeburg Cathedral Met 41.100.157.jpg|thumb|esquerda|Peça de marfim [[Arte otoniana|otoniana]] do {{séc|X}}, mostrando Cristo a receber a [[Catedral de Magdeburgo]] das mãos do imperador {{lknb|Otão|I}} {{nwrap|r.|936|973}}]]
 
Os esforços dos reinos locais para repelir os invasores levaram à formação de novas entidades políticas. Em [[Inglaterra]], o rei [[Alfredo de Inglaterra|Alfredo]] obteve no final do {{séc|VIII}} um acordo com os invasores Víquingues, que previa o estabelecimento de [[Danelaw|colónias dinamarquesas]] na Nortúmbria, Mércia e partes da Ânglia Oriental.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=378-385}} Em meados do {{séc|X}}, os descendentes de Alfredo tinham já reconquistado a Nortúmbria e restabelecido o domínio inglês sobre a maior parte do Sul da ilha.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=387}} A Norte, [[Kenneth I da Escócia|Kenneth I]] uniu os [[Pictos]] e os [[Escoceses]] no [[Reino da Escócia]].{{harvrefsfn|Davies|1996|p=309}} Durante o início do {{séc|X}}, a [[dinastia otoniana]] dominava já a [[Reino da Germânia|Germânia]] e procurou repelir as invasões magiares. O restabelecimento do território culminou com a coroação de {{lknb|Otão|I}} {{nwrap|r.|936|973}} como imperador em 962.{{harvrefsfn|Collins|1999|p=394-404}} Em 972, Otão garantiu o reconhecimento do título pelo [[Império Bizantino]], e legitimou o facto com o casamento do seu filho {{lknb|Otão|II}} {{nwrap|r.|961|983}} com [[Teofânia Escleraina]], filha do anterior imperador Bizantino {{Lknb|Romano|II}}.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=317}} Depois de um período de instabilidade, o [[Reino Itálico]] seria colocado sob influência otoniana em finais do {{séc|X}}.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=435-439}} A Frância ocidental fragmentou-se ainda mais, e embora ''de jure'' tenha existido uma corte, grande parte do poder estava entregue a senhores locais.{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=439-444}}
 
Ao longo dos séculos IX e X os reinos escandinavos da [[Reino da Suécia|Suécia]], [[Reino da Dinamarca|Dinamarca]] e [[Reino da Noruega|Noruega]] foram conquistando território e influência. Alguns dos monarcas [[Cristianização da Escandinávia|converteram-se ao cristianismo]], fruto do esforço missionário do mesmo período, embora o [[cristianização|processo de cristianização]] só tenha sido completo por volta do ano 1000. Os reinos escandinavos continuaram também a estabelecer colónias ao longo do território europeu; para além das já existentes na Irlanda, Inglaterra e Normandia, colonizaram também a Islândia e em territórios que viriam a fazer parte da [[Rússia]]. Mercadores suecos chegaram a estabelecer-se nos rios das estepes russas e mesmo a tentar cercar Constantinopla em [[Cerco de Constantinopla (860)|860]] e [[Cerco de Constantinopla (907)|907]].{{harvrefsfn|Collins|1999|p=385-389}} A [[Reinos cristãos da Península Ibérica|Espanha cristã]], inicialmente confinada a um pequeno território a norte depois da [[Invasão muçulmana da Península Ibérica|conquista muçulmana]], começou a reconquistar território a sul durante os séculos IX e X, estabelecendo durante o processo os reinos das [[Reino das Astúrias|Astúrias]] e de [[Reino de Leão|Leão]].{{harvrefsfn|Wickham|2009|p=500-505}}
 
Na Europa de Leste, o Império Bizantino assistiu a um novo período de apogeu durante o reinado de {{Lknb|Basílio|I, o Macedônio}} {{nwrap|r.|867|886}} e dos seus descendentes {{Lknb|Leão|VI, o Sábio}} {{nwrap|r.|886|912}} e {{lknb|Constantino|VII|Porfirogénito}} {{nwrap|r.|913|959}}, membros da [[Dinastia macedônica|dinastia macedónica]]. O comércio intensificou-se e implementou-se uma reforma administrativa uniforme a todas as províncias do império. O exército foi reorganizado, o que permitiu aos imperadores {{Lknb|João|I|Tzimisces}} {{nwrap|r.|969|976}} e {{Lknb|Basílio|II Bulgaróctone}} {{nwrap|r.|976|1025}} alargar a sua extensão territorial em todas as frentes. A corte imperial foi o centro do revivalismo clássico, momento que viria a ficar conhecido como [[Renascença macedónica|Renascimento macedónico]].{{harvrefsfn|Davies|1996|p=318-320}} Os esforços missionários tanto de clérigos orientais como ocidentais estiveram na origem da conversão dos [[Morávios]], [[Cristianização da Bulgária|Búlgaros]], [[Reino da Boémia|Boémios]], [[Polacos]], [[Magiares]] e os povos eslavos do [[Cristianização do Principado de Quieve|Principado de Quieve]]. A cristianização destes povos viria a contribuir para a fundação dos estados políticos no território destes povos – a [[Grande Morávia]], o [[Primeiro Império Búlgaro|Império Búlgaro]], a [[Boémia]], [[Polónia]], [[Hungria]] e o próprio Principado de Quieve.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=321-326}}
 
=== Arte e arquitectura ===
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{{Vertambém|Arte pré-românica|Arte dos povos germânicos}}
 
[[Imagem:KellsFol032vChristEnthroned.jpg|thumb|Um folio do [[Livro de Kells]], uma [[iluminura]] do fim do {{séc|VIII}} ou início do {{séc|IX}}{{harvrefsfn|Nees|2002|p=145}}]]
 
Aos programas das grandes [[basílica]]s do {{séc|IV}} sucede-se um período de súbita diminuição de escala nas edificações que se prolongará até ao {{séc|VIII}}, sendo muito raros os programas de grandes edifícios. Por outro lado, verifica-se um surto construtivo de edifícios de pedra de menor escala durante os séculos VI e VII. Por volta do {{séc|VIII}}, a forma basilical é recuperada para os templos religiosos no Império Carolíngio.{{harvrefsfn|Stalley|1999|p=29-35}} A mais significativa inovação formal foi a introdução do [[transepto]],{{harvrefsfn|Stalley|1999|p=43-44}} o corpo saliente perpendicular à [[Nave (arquitetura)|nave]] que confere à planta a sua forma de cruz.{{harvrefsfn|Cosman|2007|p=247}} São também introduzidas as [[Cruzeiro (arquitetura)|torres de cruzeiro]]{{harvrefsfn|Stalley|1999|p=45}} e um pórtico monumental de entrada no templo, normalmente na fachada ocidental do edifício.{{harvrefsfn|Stalley|1999|p=49}}
 
A produção de [[arte carolíngia]] estava restrita a um pequeno grupo de encomendadores na corte, e aos mosteiros e igrejas dos quais eram mecenas ou patronos. Foi marcada por um esforço em fazer reviver a dignidade e classicismo da Roma imperial e da [[arte bizantina]], e influenciada em simultâneo pela [[Arte hiberno-saxónica|arte insular]] das Ilhas Britânicas, conjugando os motivos ornamentais [[Arte celta|celtas]] e [[Arte dos povos germânicos|germânicos]] com formas e suportes mediterrânicos, e definindo já grande parte das formas artísticas que permaneceriam na arte Ocidental até o fim da Idade Média. Até os nossos dias chegaram sobretudo [[iluminura]]s e entalhes em marfim, inicialmente adornos de objetos metálicos.{{harvrefsfn|Kitzinger|1955|p=36-53; 61-64}}{{harvrefsfn|Henderson|1977|p=18-21; 63-71}} As peças em metais preciosos estavam entre as mais prestigiadas formas artísticas, mas fruto sobretudo da necessidade de metal que levou à sua fundição, são poucos os exemplos que chegaram até nós, sendo os mais comuns algumas cruzes como a [[Cruz de Lotário]], vários [[relicário]]s e alguns sítios arqueológicos extremamente ricos em artefactos de metal como [[Sutton Hoo]] em Inglaterra, [[Tesouro de Gourdon|Gourdon]] em França, [[Tesouro de Guarrazar|Guarrazar]] em Espanha e [[Tesouro de Nagyszentmiklós|Nagyszentmiklós]] na fronteira do Império Bizantino. Há ainda vários exemplares de [[broche]]s presentes em [[Fíbula (ornamento)|fíbulas]], peça fundamental de adorno pessoal das elites.{{harvrefsfn|Henderson|1977|p=36–42; 49–55; 103; 143; 204–208}} Os livros com a maior riqueza decorativa eram sobretudo [[evangeliário]]s, tendo chegado até nós uma quantidade assinalável de exemplares, como o [[Livro de Kells]] ou os [[Evangelhos de Lindisfarne]], ou o [[Código Áureo de São Emeram]], um dos poucos a conservar intacta a sua encadernação de ouro cravejado de pedras preciosas.{{harvrefsfn|Benton|2002|p=41-49}} Foi também durante a corte de Carlos Magno que terá sido admitida a escultura monumental na arte cristã,{{harvrefsfn|Lasko|1972|p=16-18}} uma alteração crucial e que se manifestaria já no fim do período na presença comum de estatuária em tamanho real nas igrejas, como a [[Cruz de Gero]].{{harvrefsfn|Henderson|1977|p=233–238}}
 
=== Progresso tecnológico e militar ===
Ao longo do final do Império Romano, os principais progressos militares consistiram na tentativa de criação de uma força de [[cavalaria]] eficiente e no desenvolvimento de grupos altamente especializados no seio das forças militares. A criação de [[cavaleiro]]s protegidos por [[armadura]], semelhantes aos [[catafractário]]s persas, teve lugar no {{séc|V}}. As diversas tribos invasoras possuíam exércitos bastante distintos; por exemplo, os exércitos anglo-saxónicos que invadiram as ilhas britânicas eram constituídos fundamentalmente por [[infantaria]], enquanto que os Vândalos e Visigodos tinham uma percentagem muito grande de cavalaria.{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=28-29}} Durante o início das migrações o [[Estribo (cavalaria)|estribo]] ainda não tinha sido introduzido no exército, o que limitava a utilidade da cavalaria enquanto tropa de choque por não ser possível aplicar a totalidade da força do cavalo e do cavaleiro.{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=30}} A mais profunda alteração militar durante o período das migrações foi a adoção do [[arco composto]] huno em substituição da versão [[cítia]], mais fraca.{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=30-31}} Outra inovação foi a adoção progressiva do [[montante]],{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=34}} da [[cota de malha]] e da [[armadura lamelar]].{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=39}}
 
A infantaria e a cavalaria ligeira perderam progressivamente importância durante o início do período carolíngio. Inversamente, a cavalaria pesada foi ganhando cada vez mais importância nos exércitos. Durante este período, diminuiu também o recurso a [[conscrição|grupos de milícias]], recrutados à força entre a população livre.{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=58-59}} Embora muitos dos exércitos carolíngios fossem montados, pensa-se que uma grande proporção tenha sido apenas infantaria montada, e não verdadeira cavalaria.{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=76}} A nível tecnológico, uma das principais mudanças durante o fim da Alta Idade Média foi o reaparecimento da [[Besta (arma)|besta]] e a introdução do estribo.{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=80}} Outro avanço tecnológico, com implicações muito para além do campo militar, foi a introdução da [[ferradura]], que permitiu usar cavalos em terreno rochoso.{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=88-91}}
 
=== Sociedade ocidental ===
[[Imagem:Frühmittelalterliches Dorf.jpg|thumb|Reconstrução de uma aldeia medieval na [[Baviera]]]]
Na Europa ocidental, grande parte das antigas famílias das elites romanas desapareceu, ao mesmo tempo que outras se envolviam cada vez mais com assuntos religiosos e menos com matérias seculares. Os valores ligados à educação e [[Literatura latina|literacia latinas]] praticamente desapareceram e, embora a literacia continuasse a ser importante, torna-se uma competência prática em vez de um símbolo de estatuto social. No {{séc|IV}}, [[Jerónimo de Estridão|Jerónimo]] sonhou que Deus o tinha repreendido por gastar mais tempo a ler [[Cícero]] do que a [[Bíblia]]. No {{séc|VI}}, [[Gregório de Tours]] afirmava que tinha tido um sonho semelhante, sendo castigado por tentar aprender [[estenografia]].{{harvrefsfn|Brown|1989|p=174-175}} Em finais do século {{séc|VI}}, os principais meios de instrução religiosa são já a música e a arte, em vez do livro.{{harvrefsfn|Brown|1989|p=181}} Grande parte da produção literária reproduzia obras clássicas, embora tenham sido criadas inúmeras obras originais e composições orais, atualmente desaparecidas. Entre as obras proeminentes deste período estão as de [[Sidónio Apolinário]], [[Cassiodoro]] e [[Boécio]].{{harvrefsfn|Brown|1998|p=45-49}}
 
A cultura aristocrática também sofreu alterações. A cultura literária perde significado enquanto estatuto social. Os laços familiares entre as elites eram importantes, assim como os valores de lealdade, coragem e honra. Estes laços estão na origem e prevalência de um grande número de disputas na Europa ocidental, embora muitos terminassem rapidamente contra o pagamento de uma compensação. A nobreza apoiava a formação de grupos de guerreiros ([[comitato]]) destinados a ser a elite dos exércitos.{{Harvrefsfn|Wickham|2009|p=189–193}}
 
A sociedade camponesa está muito menos documentada do que a nobreza. Grande parte do conhecimento atual deve-se à [[arqueologia]], sendo raros os documentos escritos sobre a vida das classes inferiores anteriores ao {{séc|IX}}. As principais fontes são os códigos de direito ou as crónicas das classes superiores.{{Harvrefsfn|Wickham|2009|p=204}} A distribuição de terras no Ocidente não era uniforme, havendo áreas muito fragmentadas enquanto noutras existiam blocos contíguos de grande dimensão. Estas diferenças permitiram o desenvolvimento de sociedades camponesas muito diferentes entre si, umas controladas pela aristocracia, enquanto outras com elevado nível de autonomia.{{Harvrefsfn|Wickham|2009|p=205}} A distribuição populacional também variava significativamente. Algumas comunidades rurais chegavam a ter 700 habitantes, enquanto outras consistiam apenas num pequeno número de famílias ou quintas isoladas.{{Harvrefsfn|Wickham|2009|p=211-212}} Diferente do que ocorria no período romano, não havia um vínculo legal relativo ao estatuto social e era possível a uma família camponesa ascender à aristocracia, por exemplo, ao longo de várias gerações de serviço militar dedicado a um senhor influente.{{Harvrefsfn|Wickham|2009|p=215}}
 
A vida nas cidades e a cultura urbana sofreu um declínio acentuado a partir da queda do Império Romano. Embora as cidades italianas continuassem a ser povoadas, o número de habitantes diminuiu drasticamente. [[Roma]], por exemplo, passou de uma população de centenas de milhar para apenas {{formatnum:30000}} habitantes no final do {{séc|VI}}. Os [[Templo romano|templos]] e basílicas foram convertidos em locais de culto cristãos.{{harvrefsfn|Brown|1998|p=24-26}} Na Europa do Norte, as cidades também se contraíram, ao mesmo tempo que monumentos e espaços públicos eram destruídos para obtenção de materiais de construção. No entanto, a instituição de novos reinos muitas vezes proporcionava o crescimento das cidades escolhidas para capital.{{harvrefsfn|Gies|1973|p=3–4}}
 
== Baixa Idade Média ==
Linha 160:
=== Sociedade e economia ===
{{AP|Feudalismo|Senhorialismo|Mulheres na Idade Média}}
[[Imagem:Cleric-Knight-Workman.jpg|thumb|esquerda|250px|[[Iluminura]] representando três [[Classe social|classes sociais]] da sociedade medieval: o [[clero]] religioso, um [[cavaleiro]] da [[nobreza]] e os [[camponês|camponeses]]. As relações entre estas classes regia-se pelo [[feudalismo]] e [[senhorialismo]].|thumb|esquerda|250px]]
 
Durante toda a Baixa Idade média, e até ao surto epidémico do {{séc|XIV}}, a população Europeia cresceu a um ritmo sem precedentes. As estimativas apontam para um crescimento de 35 para 80 milhões entre os anos 1000 e 1347. Têm sido identificadas como causas prováveis a melhoria nas técnicas agrícolas, a relativa paz e ausência de invasões, o declínio da escravatura e um extenso período de clima moderado e aumento da temperatura média.{{harvrefsfn|Jordan|2004|p=5-12}} Apesar deste crescimento, cerca de 90% da população era ainda eminentemente rural embora, de forma progressiva, as quintas isoladas tenham dado lugar a pequenas comunidades como aldeias ou vilas, e tenha sido comum a agregação em volta de propriedades senhoriais.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=156}} A população urbana, ainda muito escassa durante a Alta Idade Média, cresce assinalavelmente durante os séculos XII e XIII, a par da expansão urbana e da fundação de imensos centros populacionais,{{harvrefsfn|Barber|2004|p=48-49}} embora ao longo de todo o período seja provável que nunca tenha excedido os 10% da população total.{{harvrefsfn|Singman|1999|p=171}}
 
A estrutura social e económica tinha por base as [[Feudalismo|relações feudais]]. Embora não fosse proprietária, a [[nobreza]] detinha os direitos de exploração e tributação de grande parte dos terrenos agrícolas. Os servos obtinham o direito a cultivar e habitar as terras de determinada família nobre mediante o pagamento de uma renda na forma de trabalho, géneros ou moeda. Em troca, recebiam proteção económica e militar.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=164-165}} Ao longo dos séculos XI e XII, estas terras, ou feudos, tornam-se hereditárias. Em muitas regiões, ao contrário do que acontecia na Alta Idade Média, a dificuldade em dividi-las pelos herdeiros faz com que passem a ser herdadas apenas pelo [[Primogenitura|primogénito]].{{harvrefsfn|Barber|2004|p=37-41}} Dentro da própria nobreza, verifica-se a existência de uma hierarquia de [[vassalagem]] através da [[suserania]], onde são concedidas terras ou estruturas de importância económica para exploração a um nobre menor, em troca da sua vassalagem e fidelidade.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=37-41}} O domínio da nobreza durante este período deve-se em grande parte ao controlo das terras agrícolas e dos [[castelo]]s, ao serviço militar na [[cavalaria pesada]] e às várias isenções de impostos ou obrigações de que desfrutavam. A introdução da cavalaria pesada na Europa teve origem nos [[catafractário]]s persas dos séculos V e VI, mas será a introdução do [[Estribo (cavalaria)|estribo]] no {{séc|VII}} que virá permitir fazer uso de todo o potencial de combate destas unidades. Em resposta aos vários tumultos dos séculos IX e X, assiste-se a um surto construtivo de castelos, local de refúgio da população em tempos de ataque.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=311-315}}
 
O [[clero]] dividia-se entre o [[clero secular|secular]], parte da comunidade local, e o [[Clero regular|regular]], que vivia numa comunidade fechada segundo uma ordem religiosa e era normalmente constituído por [[monge]]s.{{harvrefsfn|Hamilton|2003|p=33}} A maior parte dos membros do clero regular, assim como as hierarquias de topo do clero secular, era de origem nobre. Os [[Paróquia|párocos]] locais provinham na maior parte das vezes do povo.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=33-34}}
 
Na [[Flandres]] e no Norte e Centro de Itália, o crescimento de cidades que eram, até certo ponto, autónomas, proporcionou um significativo desenvolvimento económico e criou uma situação favorável ao aparecimento de novos modelos comerciais. As potências económicas ao longo do [[Mar Báltico|Báltico]] estabeleceram uma série de acordos que deram origem à [[Liga Hanseática]], e as [[Cidade-Estado|cidades-Estado]] italianas como [[República de Veneza|Veneza]], [[República de Génova|Génova]] e [[República de Pisa|Pisa]] criaram uma imensa rede de rotas comerciais por todo o [[Mar Mediterrâneo|Mediterrâneo]].{{harvrefsfn|Barber|2004|p=60-67}} Para além do desenvolvimento comercial, as inovações agrícolas e tecnológicas deste período vieram permitir o aumento da produtividade das explorações agrícolas, levando à criação de excedentes em abundância para trocas comerciais.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=160}} Surgem também novos processos financeiros. Procede-se novamente à cunhagem de moeda em ouro, inicialmente em Itália e mais tarde em França e no resto da Europa. Surgem novas formas de contratos comerciais, permitindo a [[Gerenciamento de risco|gestão de risco]] entre os mercadores. São aperfeiçoados os métodos de contabilidade e introduzidas as [[Carta de crédito|cartas de crédito]] que vieram permitir a rápida transação monetária nas redes comerciais.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=74-76}}
 
Ao longo da Idade Média, exigia-se que a mulher assumisse um papel de subordinação a um elemento masculino – o pai, o marido ou outro parente. Embora às viúvas fosse permitida bastante autonomia, existiam ainda algumas restrições legais. O trabalho da mulher era na sua maioria ligado às tarefas domésticas. As camponesas assumiam frequentemente a educação das crianças, a jardinagem e a criação de animais nos arredores da casa, podendo complementar o rendimento familiar com fiação fabrico de cerveja em casa. Durante as colheitas, esperava-se que ajudassem no trabalho de campo.{{harvrefsfn|name=Daily14|Singman|1999|p=14-15}} A mulher urbana, tal como a camponesa, era responsável pela gestão doméstica, podendo também exercer algumas das atividades comerciais, dependendo do país e do período.{{harvrefsfn|Singman|1999|p=177-178}} As mulheres nobres tinham permissão para governar as terras na ausência do elemento masculino, embora normalmente lhes fosse vedada a participação em assuntos militares e governativos. Entre o clero, apenas podiam assumir o papel de [[freira]]s, uma vez que só os Homens se podiam tornar padres.<ref name=Daily14/>
 
=== Formação de Estados ===
A Baixa Idade Média representa o período determinante na formação dos [[estado]]s ocidentais europeus. Os reinos de França, Inglaterra e Espanha consolidam o seu poder e definem centros de poder duradouros.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=283-284}} Surgem também novas potências na Europa Central como a Hungria e Polónia, após sua conversão ao cristianismo.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=365-380}} O [[Reino da Hungria]] teve origem nos [[Magiares]], que se estabeleceram no território por volta do ano 900 durante o reinado de [[Árpád]], depois do período de conquista do {{séc|IX}}.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=296}} O [[papado]], que até então sempre se manifestara independente dos reis [[secularismo|seculares]], começa a afirmar a sua [[Poder temporal|autoridade temporal]] sobre a totalidade do mundo cristão. A monarquia papal atinge o seu apogeu durante o início do {{séc|XIII}} durante o pontificado do [[Papa Inocêncio III]].{{harvrefsfn|Backman|2003|p=262-279}} As [[Cruzadas do Norte]] e o avanço dos reinos cristãos e ordens militares para regiões [[paganismo|pagãs]] no Báltico e no norte da [[Escandinávia]] levou à assimilação forçada de inúmeros povos autóctones na Europa.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=371-372}}
 
Durante o início da Baixa Idade Média, a Alemanha foi dominada pela [[Dinastia otoniana|dinastia saxónica]], que lutava ainda pelo controlo dos poderosos ducados locais formados durante as migrações bárbaras dos séculos anteriores. Em 1024, assume o poder a [[dinastia saliana]], que tinha já entrado em confronto aberto com o papado acerca de nomeações eclesiásticas durante o reinado do imperador {{Lknb|Henrique|IV|(sacro imperador romano-germânico)}}. Os seus sucessores continuaram o clima de confronto, estendendo-o a parte da nobreza Germânica.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=181-186}} Depois da morte do imperador {{lknb2|Henrique|V|, Sacro Imperador Romano-Germânico}}, o qual não havia deixado descendência, seguiu-se um período de instabilidade até ao reinado de {{lknb2|Frederico|I|, Sacro Imperador Romano-Germânico}}, que toma posse do trono imperial durante o fim do {{séc|XII}}.{{harvrefsfn|Jordan|2004|p=143-147}} Embora o seu reinado tenha sido estável, os seus sucessores enfrentam o mesmo clima de instabilidade ainda durante o {{séc|XIII}}.{{harvrefsfn|Jordan|2004|p=250-252}} Um dos fatores de maior instabilidade foi a constante ameaça e invasão dos [[Mongóis]] no território europeu em meados do {{séc|XIII}}, desde as primeiras incursões no [[Principado de Quieve]] até às invasões da Europa de Leste em 1241, 1259 e 1287.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=364}}
 
[[Imagem:Bayeuxtapestrywilliamliftshishelm.jpg|thumb|upright=0.4|{{Lknb|Guilherme,|o Conquistador}} representado na [[Tapeçaria de Bayeux]]]]
 
Dominada pela [[dinastia capetiana]], a corte francesa aumenta gradualmente a sua influência sobre a nobreza, permitindo-lhe exercer maior controlo nos territórios para além da [[Ilha de França]] do que durante os séculos XI e XII.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=187-189}} No entanto, encontrariam resistência por parte dos [[Duque da Normandia|Duques da Normandia]], que em 1066 tinham já subjugado grande parte de Inglaterra e criado um império em ambas as margens do canal que duraria até ao fim da Idade Média.{{harvrefsfn|Jordan|2004|p=59-61}}{{harvrefsfn|Backman|2003|p=189-196}} Durante a [[dinastia Plantageneta]] do rei {{lknb|Henrique|II|de Inglaterra}} e dos seus sucessores, o reino dominaria a totalidade de Inglaterra e grande parte de França.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=263}} No entanto, viria a perder a Normandia e a maior parte das possessões do Norte de França durante o reinado de [[João de Inglaterra|João]] em 1204. Isto esteve na origem de divergências entre a nobreza Inglesa, ao mesmo tempo que as obrigações financeiras decorrentes da tentativa de reconquista da Normandia obrigaram o rei a assinar em 1215 a ''[[Magna Carta]]'', um documento que limitaria o poder absoluto do rei e foi o primeiro passo de um longo processo que levaria ao [[parlamentarismo]]. Durante o reinado de {{lknb|Henrique|III|de Inglaterra}}, foram feitas ainda mais concessões de poder à nobreza e diminuído o poder da corte.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=286-289}} A monarquia francesa, no entanto, continuaria a fortalecer a sua influência perante a nobreza durante o {{séc|XIII}}, centralizando a administração e aumentando o número de territórios que directamente controlava.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=289-293}} Além da sua expansão para Inglaterra, os [[Normandos]] chegaram a estabelecer colónias na [[Sicília]] e no sul de Itália, depois de [[Roberto de Altavila]] ter desembarcado no território em 1509 e estabelecido um ducado que mais tarde se tornaria o [[Reino da Sicília]].{{harvrefsfn|Davies|1996|p=294}}
 
Na [[Península Ibérica]], os estados cristãos confinados à região noroeste do território iniciam o processo de [[Reconquista]] dos estados islâmicos no sul.{{harvrefsfn|name=Davies345|Davies|1996|p=345}} Por volta de 1150, o norte cristão estava dividido em cinco reinos principais – [[Reino de Leão|Leão]], [[Reino de Castela|Castela]], [[Reino de Aragão|Aragão]], [[Reino de Navarra|Navarra]] e [[Reino de Portugal|Portugal]].{{harvrefsfn|Barber|2004|p=341}} O sul da Península continuava dominado pelos estados islâmicos, inicialmente pelo [[Califado de Córdova]], que no entanto se viria a fragmentar em 1031 numa série de pequenos estados voláteis denominados [[taifa]]s,<ref name=Davies345/> que continuaram a combater os reinos cristãos até o [[Califado Almóada]] restabelecer o governo central no sul durante a década de 1170.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=350-351}} As forças cristãs fazem novos avanços durante o início do {{séc|XIII}}, culminando na captura de [[Sevilha]] em 1248.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=353-355}}
 
=== Cruzadas ===
{{AP|Cruzadas|Reconquista|Cruzadas do Norte}}
[[Imagem:Crac des chevaliers syria.jpeg|thumb|esquerda|300px|O [[Krak des Chevaliers]], uma fortaleza construída durante as Cruzadas para a [[Ordem Soberana e Militar de Malta|Ordem dos Cavaleiros Hospitalários]]{{harvrefsfn|Kaufmann|2001|p=268-269}}]]
 
Durante o século {{séc|XI}}, aos [[dinastia seljúcidaseljúcidas]] viria a dominar grande parte do [[Médio Oriente]], conquistando os antigos territórios persas na década de 1040, a [[Arménia]] na década de 1060, e a cidade de [[Jerusalém]] em 1070. Em 1071, o [[Império Seljúcida|exército turco]] derrotou o exército bizantino durante a [[batalhaBatalha de Manziquerta]], capturando o imperador bizantino {{Lknblknb|Romano|IV Diógenes}}. Isto possibilitou aos Turcos a invasão da [[Ásia Menor]], o que constituiu um golpe severo no [[Império Bizantino]] ao retirar-lhe grande parte da população e o seu centro económico. Embora o exército bizantino se tenha reorganizado, nunca chegaria a recuperar a Ásia Menor e só efetuaria ações defensivas. Os próprios Turcos vieram a enfrentar dificuldades na manutenção do território, perdendo o domínio de Jerusalém para o [[Califado Fatímida]] do Egito e assistindo ao despoletar de várias guerras civis no seu interior.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=332-333}}
[[Imagem:CRUZADAS.JPG|thumb|upright=1.2|O percurso dos exércitos cruzados em direção ao [[Levante (Mediterrâneo)|Levante]]]]
 
As Cruzadas pretendiam libertar Jerusalém do domínio muçulmano. A [[primeira Cruzada]] foi promovida pelo [[Papa Urbano II]] durante o [[Concílio de Clermont]] em 1095 como resposta a um pedido de ajuda do [[imperador bizantino]] {{Lknb|Aleixo|I Comneno}} para conter o avanço muçulmano na região. O papa prometeu [[indulgência]]s a todos os que tomassem parte, tendo sido mobilizadas milhares de pessoas na Europa, de todas as classes sociais. Jerusalém foi [[Cerco de Jerusalém (1099)|conquistada pelos cruzados]] em 1099, tendo também sido estabelecidos vários [[estados cruzados]] na região. Durante os séculos XII e XIII, houve uma série de conflitos entre estes estados e os territórios islâmicos circundantes, o que levou à convocação de novas cruzadas em seu auxílio,{{harvrefsfn|name=MACrusades|Riley-Smith|1989|p=106-107}} ou para reconquistar Jerusalém, que entretanto tinha sido [[Batalha de Hattin|novamente capturada]] por [[Saladino]] em 1187.{{harvrefsfn|Payne|2000|p=204-205}} As ordens religiosas militares, como os [[Ordem dos Templários|Templários]] ou os [[Ordem Soberana e Militar de Malta|Hospitalários]], são formadas durante esta época, e viriam a desempenhar um papel fundamental na consolidação e estabilização dos territórios reconquistados.{{harvrefsfn|Lock|2006|p=353-356}} No ano de 1204, a [[Quarta Cruzada]] [[Cerco de Constantinopla (1204)|conquista]] a cidade de Constantinopla estabelecendo o que viria a ser o [[Império Latino|Império Latino de Constantinopla]]{{harvrefsfn|Lock|2006|p=156-161}} e enfraquecendo consideravelmente a posição do Império Bizantino que, embora voltasse a [[Reconquista de Constantinopla|conquistar Constantinopla em 1261]], nunca chegaria a restabelecer o glória dos séculos anteriores.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=299-300}} No entanto, em 1291 todos os estados cruzados tinham já sido capturados ou forçados a deslocar-se para territórios insulares.{{harvrefsfn|Lock|2006|p=122}}
 
O poder papal convocou também cruzadas para outras regiões além da [[Palestina]], tendo sido proclamadas para a Península Ibérica, sul de França e ao longo do [[Báltico]].<ref name=MACrusades/> As cruzadas na Península Ibérica estão interligadas com o processo de [[Reconquista]] do território aos muçulmanos. A participação da Ordem dos Templários e da Ordem dos Hospitalários serviu como modelo para a fundação de várias ordens militares locais, a maior parte delas mais tarde integradas nas duas ordens que viriam a ser dominantes no início do {{séc|XII}}, a [[Ordem de Calatrava]] e de [[Ordem de Santiago|Santiago]].{{harvrefsfn|Lock|2006|p=205-213}} A Europa do Norte, que tinha permanecido fora da influência do mundo cristão até ao {{séc|XI}}, foi também palco de movimentos de conquista entre os séculos XII e XIV que viriam a ser conhecidos como [[Cruzadas do Norte]]. Este movimento deu também origem a várias ordens militares, entre elas os [[Irmãos Livônios da Espada]] e a [[Ordem Teutónica|Ordem dos Cavaleiros Teutónicos]]. Esta última, apesar de fundada nos estados cruzados, foi sobretudo ativa na área do Báltico a partir de 1225, mudando em 1309 a sua sede para o [[Castelo de Malbork]] na [[Prússia]].{{harvrefsfn|Lock|2006|p=213-224}}
 
=== Cultura ===
{{AP|Renascimento do século XII|Filosofia medieval|Literatura medieval}}
[[Imagem:Richard of Wallingford.jpg|thumb|Iluminura representando um académico medieval efectuando medições sobre um manuscrito.|thumb]]
 
Ao longo do século {{séc|XI}}, as novas obras publicadas nos campos da filosofia e da teologia começam a estimular o pensamento intelectual. É notório o debate entre [[Realismo filosófico|realistas]] e [[Nominalismo|nominalistas]] sobre o conceito da [[Universal (metafísica)|universalidade]]. O discurso filosófico é bastante influenciado pela redescoberta de [[Aristóteles]] e da sua ênfase no [[empirismo]] e no racionalismo. Alguns intelectuais como [[Pedro Abelardo]] e [[Pedro Lombardo]] introduzem a [[lógica aristotélica]] na teologia. A transição do século {{séc|XI}} para oao XII marca também o momento de afirmação das [[Escola catedral|escolas catedrais]] por toda a Europa Ocidental e a transição do ensino dos espaços monásticos para as catedrais e centros urbanos.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=232-237}} As escolas catedrais viriam por sua vez a ser substituídas por [[Universidade medieval|universidades]] nas cidades de maiores dimensões.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=247-252}} A filosofia e a teologia são reunidas na [[escolástica]], uma tentativa dos intelectuais dos séculos XII e XIII em reconciliar a teologia cristã consigo própria, que viria a dar origem a um sistema de pensamento que procurou abordar de forma sistémica a verdade e a razão.{{harvrefsfn|name=MASchol|Loyn|1989a|p=293–294}} A escolástica teve o seu auge em [[Tomás de Aquino]], autor da influente ''[[Suma Teológica|Summa Theologica]]''.{{harvrefsfn|Colish|1997|p=295-301}}
 
É nas cortes da nobreza que surge a cultura da [[Cavalaria medieval|cavalaria]] e do [[amor cortês]], expressa em [[Vernáculo|língua vernacular]] em vez de [[latim]], e materializada em poemas, contos, lendas e canções populares divulgadas por [[trovador]]es e escritas muitas vezes sob a forma de [[Canção de gesta|canções de gesta]] e poemas épicos, como a ''[[A Canção de Rolando|Canção de Rolando]]'' ou a ''[[Canção dos Nibelungos|Saga dos Nibelungos]]''.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=252-260}} Surge também a literatura de género escrita para o público letrado fora dos meios académicos, sobretudo na forma de crónicas e de grandes narrativas com temas seculares ou religiosos. Entre as mais notáveis estão a ''[[Historia Regum Britanniae]]'', um conjunto de lendas pseudo-históricas sobre a fundação da Grã-Bretanha, e outras obras mais rigorosas do ponto de vista histórico, como as de [[Guilherme de Malmesbury]] ou de [[Otão de Frisinga]].{{harvrefsfn|Davies|1996|p=349}}
 
Acentua-se o debate em torno das questões de [[direito]], tanto secular como [[direito canónico|canónico]]. O direito secular sofreu um grande impulso depois da descoberta do ''[[Corpus Juris Civilis]]'' no {{séc|XII}}. Em 1100, o [[direito romano]] fazia já parte do programa da [[Universidade de Bolonha]], e o seu ensino e disseminação viria a contribuir para o registo e padronização de códigos legais por toda a Europa Ocidental. Em 1140, surge uma obra intitulada ''[[Decreto de Graciano]]'', da autoria de Graciano, monge advogado e professor em [[Bolonha]], e que seria o primeiro de seis textos que estariam na base do ''[[Corpus Juris Canonici]]'', documento que manteve força jurídica na Igreja Católica até 1918.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=237-241}}
 
=== Ciência e tecnologia ===
Linha 208:
[[Imagem:Vitrail Chartres 210209 30.jpg|thumb|esquerda|300px|[[Vitral]] da [[Catedral de Chartres]], ilustrando um ferreiro a aplicar uma ferradura num cavalo]]
 
Uma das maiores influências das culturas grega e islâmica durante este período manifestou-se na substituição da [[numeração romana]] pelo [[sistema de numeração decimal]] e na introdução da [[álgebra]], fundamentais para o avanço das ciências matemáticas. A tradução do [[Almagesto]] de [[Ptolomeu]] do [[Língua grega|grego]] para o [[latim]] no final do {{séc|XII}} foi fundamental no progresso da astronomia. Um dos maiores pólos de desenvolvimento da medicina deu-se no sul de Itália, na [[Escola Médica Salernitana|Escola de Salerno]], influenciada pela medicina islâmica.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=241-246}}
 
Ao longo dos séculos XII e XIII, assiste-se na Europa e uma série de inovações na gestão dos meios de produção económica, que se reflectiram num crescimento económico muito acentuado. Entre os maiores avanços tecnológicos conta-se a invenção do [[moinho de vento]], os primeiros [[relógio]]s mecânicos, as primeiras investigações no campo da [[Óptica|ótica]] com a criação de [[lente]]s rudimentares, a [[destilação]] e o uso do [[astrolábio]].{{harvrefsfn|Backman|2003|p=246}} A produção de vidro foi impulsionada sobretudo pela descoberta de um processo para a criação de vidro transparente durante o início do {{séc|XIII}}, e esteve na origem da ciência ótica, onde se destacou [[Roger Bacon]], ao qual é atribuída a invenção dos primeiros óculos.{{harvrefsfn|name=Davies369|Davies|1996|p=369}}{{NotaNT|Uma das mais antigas imagens onde podem ser vistos óculos encontra-se num vitral da [[Catedral de Estrasburgo]], onde se pode observar o [[Lista de imperadores do Sacro Império Romano-Germânico|imperador]] [[Henrique VII, Sacro Imperador Romano-Germânico|Henrique VII]] com seus óculos.<ref name=Davies369/>}}
 
Uma das principais inovações agrícolas foi o desenvolvimento do sistema de [[rotação de culturas]] de três campos para as plantações,{{harvrefsfn|Backman|2003|p=156}} o que permitiu aumentar o cultivo do solo de apenas metade em cada ano, no antigo sistema de dois campos, para dois terços com o novo sistema, aumentando significativamente a produção. O desenvolvimento do [[arado]] pesado permitiu que solos mais pesados fossem cultivados eficientemente, um avanço que foi ajudado com a disseminação do [[colar de cavalo]] e a [[ferradura]], ambas que levaram ao uso de [[trabalho animal|animais de tração]] no lugar do boi. Os cavalos são mais rápidos que os bois e requerem menos pasto, fatores que ajudaram a utilização do sistema rotativo de três campos.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=156-159}}
 
O surto construtivo de [[catedral|catedrais]] e fortificações militares foi também motor de inovações técnicas na área da construção, permitindo a edificação generalizada em pedra de edifícios civis.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=68}} A construção naval progrediu com a introdução do sistema de vigas e pranchas em substituição do método romano de [[caixa e espiga]], bem como a introdução da [[vela latina]] e do leme de proa, que possibilitaram um aumento significativo da velocidade de navegação.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=73}}
 
Entre os exércitos generalizou-se o recurso à [[infantaria]] com funções especializadas. A par da ainda dominante [[cavalaria pesada]], surgem [[Besta (arma)|besteiros]] montados, [[sapador]]es e [[Engenharia militar|engenheiros]].{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=125}} A [[Besta (arma)|besta]], usada já desde a Antiguidade, volta a tornar-se de uso generalizado como resposta ao grande número de [[cerco]]s durante os {{séc|X}} e XI.{{harvrefsfn|Nicolle|1999|p=80}}{{NotaNT|As bestas são lentas a recarregar, o que limita o seu uso em batalhas de campo aberto. Em cercos, esta fator não é uma desvantagem significativa já que os besteiros se podem esconder ao recarregar a arma.}} O recurso cada vez maior à besta durante os séculos XII e XIII levou ao aumento do uso de [[elmo]]s, [[armadura]]s pesadas e [[barda]]s.{{Harvrefsfn|Nicolle|1999|p=130}} Em meados do {{séc|XIII}} era já conhecido o uso da [[pólvora]], embora meramente como explosivo e não como arma. Em 1320, eram já usados [[canhão|canhões]] durante os cercos, e na década de 1360 está documentado o uso de fuzis em batalha.{{harvrefsfn|name=Nicolle296|Nicolle|1999|p=296-298}}
 
=== Arquitetura e arte ===
Linha 222:
{{AP|Arte da Idade Média|Arte românica|Arte gótica|Música medieval}}
 
Ao longo do século {{séc|X}}, a edificação de igrejas e mosteiros é feita sobretudo através da mimetização e aperfeiçoamento dos modelos estéticos vernaculares romanos, o que estaria na origem da designação ''[[Arquitetura românica|românica]]''. As próprias construções romanas eram muitas vezes demolidas e recicladas, aproveitando-se o material disponível e integrando-se métodos e motivos ornamentais antigos nas novas construções. A partir das primeiras experiências durante o que se convencionou designar por [[arte pré-românica]], o estilo desenvolveu-se e propagou-se pela Europa de forma notavelmente homogénea, motivado por um surto sem precedentes a nível de construção de novos espaços religiosos.{{harvrefsfn|Benton|2002|p=55}} Praticamente todos estes espaços foram decorados com pinturas murais,{{harvrefsfn|Dodwell|1993|p=37}} embora hoje em dia sejam muitíssimo poucos os exemplos sobreviventes.{{harvrefsfn|Dodwell|1993|p=36-40}} Entre as características mais distintivas do românico conta-se os paramentos de grande espessura, o uso do [[arco de volta perfeita]], aberturas de pequena dimensão, e o uso de arcaria cega nas paredes.{{harvrefsfn|Adams|2001|p=181-189}} Os grandes [[Portal (arquitetura)|portais]] profusamente decorados com escultura e [[alto-relevo]]s, quase sempre pintados, tornam-se um dos elementos centrais das fachadas, sobretudo em França. Os [[capitel|capitéis]] são na sua maioria decorados com motivos animalistas e figuras de [[bestiário]].{{harvrefsfn|Benton|2002|p=58–60; 65–66; 73–75}} Desenvolve-se também a forma característica da fortaleza Europeia, crucial para a política e guerra.{{harvrefsfn|Benton|2002|p=295-299}}
 
A [[ourivesaria]] românica atinge um dos seus períodos áureos durante [[arte mosana]], onde se destacam artistas como [[Nicolas de Verdun]] e obras de matriz clássica como a [[pia batismal da igreja de São Bartolomeu]], que contrastam com as figuras distorcidas de grande parte da figuração contemporânea.{{harvrefsfn|Lasko|1972|p=240-250}} As [[iluminura]]s de maior riqueza artística encontram-se normalmente em bíblias e [[Saltério (Bíblia)|saltérios]]. A pintura mural no interior das igrejas está quase sempre presente, e segue na sua maioria um esquema narrativo fixo, mostrando o [[Juízo Final]] no lado ocidental e [[Cristo em Majestade]] no lado oriental, com várias narrativas bíblicas ao longo da [[Nave (arquitetura)|nave]] ou, mais raramente, a pintura do próprio tecto como na [[Abadia de Saint-Savin-sur-Gartempe]].{{harvrefsfn|Benton|2002|p=91-92}}
 
A partir do início do século {{séc|XII}}, desenvolve-se em França a [[arquitetura gótica]], distinta sobretudo pelo recurso a [[Abóbada em cruzaria|abóbadas de cruzaria]], [[Arco quebrado|arcos quebrados]], [[arcobotante]]s e aberturas de maiores dimensões, preenchidas com [[vitral|vitrais]]. O gótico permaneceu uma opção estética comum até ao século {{séc|XVI}} em grande parte da Europa, e está presente sobretudo em igrejas e catedrais de grandes dimensões, como a [[Catedral de Chartres]] ou a [[Catedral de Reims]].{{harvrefsfn|Adams|2001|p=195-216}}
 
Durante a Baixa Idade Média, a prática da iluminura e da cópia literária passa gradualmente dos mosteiros para oficinas especializadas, e já durante o início do {{séc|XIV}} a maior parte dos monges comprava livros nas livrarias.{{harvrefsfn|Benton|2002|p=250}} Surgem também os [[livro de horas|livros de horas]] enquanto forma de devoção para os leigos. A ourivesaria continua a ser a mais prestigiada forma de arte, e o [[esmalte de Limoges]] uma das técnicas mais usadas em [[relicário]]s e cruzes.{{harvrefsfn|Benton|2002|p=245-247}} Em Itália, durante o {{séc|XIV}}, o pioneirismo de mestres como [[Giotto di Bondone|Giotto]] e [[Duccio]] contribui para uma cada vez maior sofisticação da [[pintura de painel]] e da técnica do [[fresco]].{{harvrefsfn|Benton|2002|p=264-278}} A arte secular desenvolve-se sobretudo a partir do {{séc|XII}}, fruto da prosperidade crescente das classes abastadas, chegando até nós imensos exemplares de entalhes de [[marfim]], como peças de jogo, pentes e pequenas figuras religiosas.{{harvrefsfn|Benton|2002|p=248-250}}
 
=== Igreja e sociedade ===
{{AP|Reforma gregoriana}}
[[Imagem:Bonaventura Berlinghieri Francesco.jpg|esquerda|thumb|[[São Francisco de Assis]], fundador da [[Ordem Franciscana]], aqui representado por [[Bonaventura Berlinghieri]] (1235){{harvrefsfn|Hamilton|2003|p=47}}]]
 
A reforma monástica é um tema central ao longo do {{séc|XI}}, à medida que cresce a inquietação entre a elite da Igreja relativamente ao facto dos monges não aderirem por completo a uma forma de vida estritamente religiosa, ao poder excessivo detido por bispos locais e à diversidade de cultos existente de região para região. A [[Abadia de Cluny]], fundada em [[909]], dá origem a um amplo movimento de reforma monástica, chegando a unir na sua ordem, no seu apogeu, mais de um milhar de mosteiros na Europa.{{harvrefsfn|name=Rhino|Rosenwein|1982|p=40-41}} A ordem obtém reputação de austeridade, rigor e de independência económica e política em relação aos poderes locais, ao não permitir a interferência e participação de leigos nas suas eleições e colocando-se a si própria sobre proteção do papado.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=143-144}}
 
A reforma monástica de Cluny inspirou mudanças na própria hierarquia da Igreja. Os seus princípios foram adotados durante o papado do próprio {{lknb|Papa Leão|IX}}, e contribuíram para a ideologia independentista que levaria à [[Questão das investiduras|controvérsia das investiduras]] no fim do {{séc|XI}}. A controvérsia envolveu o {{lknb|Papa Gregório|VII}} e o Imperador {{lknb|Henrique|IV|(sacro imperador romano-germânico)}}, inicialmente sobre nomeações episcopais, mas que se tornou numa disputa acesa sobre questões de [[investidura]], matrimónio dentro do clero e [[simonia]]. O imperador, que via como obrigação a proteção da Igreja, pretendia escolher os próprios bispos no seu território, enquanto que o papado insistia na sua independência face ao poder secular. A questão permaneceu por resolver mesmo depois da [[Concordata de Worms]] em 1122. O conflito é um dos mais significativos episódios que esteve na base da criação de uma monarquia papal independente e equivalente às autoridades leigas.<ref name=Rhino/>
 
A Baixa Idade Média foi também palco para inúmeros movimentos religiosos. Para além dos cruzados e dos reformadores monásticos, a vida religiosa abriu-se a novas formas de organização. Foram fundadas novas ordens monásticas, como a [[Ordem dos Cartuxos]] ou a [[Ordem de Cister|Cisterciense]], esta última expandindo-se rapidamente sob a liderança de [[Bernardo de Claraval]], e novas ordens militares como a [[Ordem dos Templários]]. Muitas destas ordens são fundadas como resposta ao sentimento generalizado que o [[Regra de São Bento|monaquismo Beneditino]] estava já desajustado das necessidades dos leigos, sobretudo dos que pretendiam uma comunidade monástica próxima do modelo hermético e fechado paleocristão ou viver de forma [[Apóstolo|apostólica]].{{harvrefsfn|Barber|2004|p=145-147}} A [[peregrinação]] religiosa era também encorajada. Os antigos locais de peregrinação, como Roma, Jerusalém e [[Santiago de Compostela]], acolhiam um número cada vez maior de peregrinos, ao mesmo tempo que novos locais ganham destaque, como [[Santuário do Monte de São Miguel Arcanjo|Monte Gargano]] e a [[Basílica de San Nicola]].{{harvrefsfn|Morris|1998|p=199}}
 
Durante o {{séc|XIII}}, o papado aprova as [[ordens mendicantes]] dos [[Ordem Dominicana|dominicanos]] e [[Ordem Franciscana|franciscanos]], cujos membros fazem juras de pobreza e de mendicidade como única fonte de rendimento.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=155-167}} Para além das ordens reconhecidas oficialmente, surgem ao longo dos séculos XII e XIII vários outros grupos como os [[valdenses]] ou os [[Catarismo|cátaros]], embora tenham sido decretados [[Heresia|hereges]] pelo papa. Os cátaros chegaram mesmo a ser o alvo da [[Cruzada Albigense]] e extintos durante a [[inquisição]] medieval.{{harvrefsfn|Barber|2004|p=185-192}}
 
== Os séculos XIV e XV ==
=== Fome e peste ===
[[Ficheiro:Burying Plague Victims of Tournai.jpg|thumb|250px|right|Doentes de [[Peste negra]]. [[Iluminura]]. ({{nwrap|c.|1272-|1352)}}. MS 13076-77, f. 24v.]]
{{AP|Crise do século XIV}}
Os primeiros anos do século {{séc|XIV}} são marcados por várias [[carestia]]s, que culminariam na [[Grande fome de 1315-1317 na Europa|Grande fome de 1315-1317]].{{harvrefsfn|Loyn|1989b|p=128}} Para além da transição climática abrupta do período quente medieval para a [[pequena Idade do Gelo]], as várias carestias são o resultado de uma especialização excessiva em [[monocultura]]s, que deixaram a população vulnerável às devastações causadas por condições meteorológicas desfavoráveis.{{harvrefsfn|Backman|2003|p=373-374}}
 
No seguimento destas catástrofes, surge em 1347 a [[Peste Negra]], uma epidemia altamente contagiosa e mortal que se disseminou por toda a Europa entre 1348 e 1350.{{harvrefsfn|name=MAPlague|Schove|1989|p=269}} A cifra de mortes é estimada em 35 milhões de pessoas, cerca de um terço da população, e atingiu sobretudo as cidades em virtude da elevada concentração populacional. Grandes porções do território ficaram inabitadas e os terrenos abandonados. Em função da escassez de mão de obra, o preço dos salários na agricultura subiu significativamente, o que, no entanto, seria contrabalançado pela queda abrupta da procura de géneros alimentares. A luta por salários iguais por parte dos trabalhadores urbanos esteve na origem de uma [[Revoltas populares do século XIV|série de revoltas populares]] por toda a Europa,{{harvrefsfn|Backman|2003|p=374-380}} entre elas a ''[[Jacquerie]]'' em França, a [[Revolta camponesa de 1381|revolta de 1381]] em Inglaterra, e várias revoltas nas cidades de [[Florença]], na atual [[Itália]], e [[Gent]] e [[Bruges]], ambas localizadas na atual [[Bélgica]]. O trauma infligido pela peste provocou um fervor religioso por toda a Europa, que se manifestaria na fundação de novas caridades, na culpabilização extrema dos [[flagelante]]s e na acusação dos [[Judeus]] como bodes expiatórios.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=412-413}} A peste regressaria, ainda que esporadicamente e em surtos menores, ao longo de todo o {{séc|XIV}}.<ref name=MAPlague/>
 
=== Sociedade e economia ===
As deslocações e diminuição da população em consequência da peste reflectiram-se em toda a estrutura social e económica europeia. As terras pouco produtivas foram abandonadas, uma vez que os sobreviventes puderam adquirir terras mais férteis.{{harvrefsfn|nome=Epstein184|Epstein|2009|p=184–185}} Embora a [[servidão]] tenha diminuído na Europa ocidental, tornou-se mais comum na Europa de leste à medida que os senhorios a impunham nos inquilinos anteriormente livres.{{harvrefsfn|nome=Epstein246|Epstein|2009|p=246-247}} Muitos dos camponeses no Ocidente puderam converter o pagamento em trabalho para uma renda monetária. A percentagem de servos entre os camponeses desceu de um máximo 90 % para 50 % em finais da Idade Média.{{harvrefsfn|Singman|1999|p=8}} Os senhorios tornaram-se também mais conscientes de interesses em comum entre si, agrupando-se de forma a exigir mais privilégios dos governos.{{harvrefsfn|Keen|1988|p=234}} A literacia tornou-se mais comum fora do clero e a população urbana começa a demonstrar interesse pela cavalaria, à semelhança da nobreza.{{harvrefsfn|Vale|1998|p=346–349}}
 
As comunidades judaicas foram expulsas de Inglaterra em 1290 e de França em 1306. Embora a alguns tivesse sido permitido regressar, à maioria não foi, tendo emigrado em direção a leste para a [[Polónia]] e [[Hungria]].{{harvrefsfn|Loyn|1989f|p=192}} Os judeus [[Decreto de Alhambra|expulsos de Espanha em 1492]] dispersaram-se pela [[Turquia]], França, Itália, [[Holanda]]{{harvrefsfn|Loyn|1989f|p=191}} e Norte de África.{{HarvRefsfn|Maziane|2009|p=4}} O assinalável crescimento da [[Banco|banca]] em Itália durante os séculos XIII e XIV foi em parte motivado pela necessidade de financiamento dos constantes conflitos bélicos deste período e pela necessidade do papado em transferir dinheiro entre reinos. Muitas das instituições financeiras emprestavam dinheiro à realeza com riscos acrescidos, tendo muitas entrado em [[bancarrota]] quando os reis não saldavam as dívidas.{{harvrefsfn|Keen|1988|p=237-239}}
 
=== O renascer do Estado ===
A Baixa Idade Média também testemunhou a ascensão por toda a Europa de [[Estado-nação|Estados-nação]] monárquicos fortes, particularmente na [[Reino da Inglaterra|Inglaterra]], [[Reino da França|França]] e nos reinos cristãos da [[Península Ibérica]] — [[Coroa de Aragão|Aragão]], [[Coroa de Castela|Castela]] e [[Reino de Portugal|Portugal]]. Os longos conflitos do final da Idade Média vieram fortalecer o domínio real sobre o próprio território, ainda que tenham sido extremamente pesarosos com os camponeses. Os reis obtinham benefícios com os conflitos através do aumento territorial e da extensão da legislação real por todos os seus reinos.{{harvrefsfn|Watts|2009|p=201-219}} O financiamento da guerra exigiu métodos de cobrança de impostos e, na maior parte das vezes, aumentos significativos na taxa de impostos.{{harvrefsfn|Watts|2009|p=224-233}} A necessidade de obter o consentimento daqueles que eram taxados levou a que corpos representativos, como o [[Parlamento da Inglaterra]] ou a [[Assembleia dos Estados Gerais]], ganhassem algum poder e autoridade.{{harvrefsfn|Watts|2009|p=233-238}}
 
[[Imagem:Joan of Arc miniature graded.jpg|thumb|esquerda|upright|[[Joana d'Arc]] numa ilustração do {{séc|XV}}]]
 
Ao longo do século {{séc|XIV}}, a monarquia francesa procurou alargar a sua influência por todo o reino, sacrificando as possessões da nobreza.{{harvrefsfn|Watts|2009|p=166}} Esta expansão foi alvo de resistência quando tentou confiscar as possessões da coroa inglesa no sul de França, o que levou à deflagração da [[Guerra dos Cem Anos]],{{harvrefsfn|Watts|2009|p=169}} que se prolongaria até 1453.{{harvrefsfn|Loyn|1989c|p=176}} O próprio reino francês esteve na iminência da desagregação durante os primeiros anos do conflito devido ao esforço de guerra,{{harvrefsfn|Watts|2009|p=180-181}} situação que se voltaria a repetir durante os primeiros anos do século {{séc|XV}} e apenas invertida no fim da década de 1420, com as sucessivas vitórias militares de [[Joana d'Arc]] e a vitória final do reino francês ao capturar a última colónia inglesa no sul de França em 1453.{{harvrefsfn|Watts|2009|p=317-322}} No entanto, estima-se que a população francesa no final do conflito tinha diminuído para metade. Paradoxalmente, a guerra viria a contribuir significativamente na formação da identidade nacional inglesa, proporcionando a união de várias identidades locais numa identidade cultural única e distinta da influência cultural francesa dominante até ao início da Guerra dos Cem Anos.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=423}} A guerra marcou também a introdução de nova tecnologia de combate, como o [[arco longo]]{{harvrefsfn|Nicolle|1999|p=186}} e do canhão de combate na [[batalha de Crécy]] em 1346.<ref name=Nicolle296 />
 
Apesar de o [[Sacro Império Romano-Germânico]] continuar a existir, a [[Monarquia eletiva|natureza electiva]] da coroa imperial impediu a formação de qualquer dinastia estável capaz de manter um estado forte.{{harvrefsfn|Watts|2009|p=170-171}} Mais a leste, os reinos da [[Reino da Polônia (1385–1569)|Polónia]], [[Reino da Hungria|Hungria]] e [[Reino da Boémia|Boémia]] ganharam poder e influência.{{harvrefsfn|Watts|2009|p=173-175}} Na Península Ibérica, continuava o processo de reconquista dos reinos muçulmanos do sul,{{harvrefsfn|Watts|2009|p=173}} embora Portugal se tenha concentrado ao longo do {{séc|XV}} na expansão ultramarina, enquanto os restantes reinos lidavam com problemas sucessórios e instabilidade social no mesmo período.{{harvrefsfn|Watts|2009|p=327-332}} A Inglaterra, após a derrota na Guerra dos Cem Anos, entraria num longo período de guerra civil conhecido como [[Guerra das Rosas]], que duraria até ao fim da década de 1490{{harvrefsfn|Watts|2009|p=340}} e que só terminou após a vitória de {{lknb|Henrique|VII|de Inglaterra}} sobre {{lknb|Ricardo|III|de Inglaterra}} na [[batalha de Bosworth Field]] em 1485.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=426}} Os reinos escandinavos da Noruega, Dinamarca e Suécia foram brevemente unificados durante a [[União de Kalmar]], no final do {{séc|XV}} e nas primeiras décadas do {{séc|XVI}}, mas voltariam a desagregar-se depois da morte da rainha {{lknb|Margarida|I|da Dinamarca, Noruega e Suécia}}. As maiores potências do [[mar Báltico]] continuavam a ser as [[Cidade-Estado|cidades-Estado]] da Liga Hanseática. cujas rotas comerciais se estendiam da Europa Ocidental até à Rússia.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=431}} A [[Escócia]], liderada por {{lknb|Roberto|I|da Escócia}}, viu reconhecida pelo papa a sua independência do domínio Inglês em 1328.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=408}}
 
=== Colapso de Bizâncio ===
Linha 269:
[[Imagem:ByzantinischesReich1265-pt.svg|thumb|upright=1.2|O Império Bizantino em 1265, ano que foi restabelecido, após permanecer desde a [[Quarta Cruzada]] (1204) dividido em vários estados]]
 
Embora os imperadores [[Dinastia paleóloga|paleólogos]] tivessem conseguido recapturar [[Constantinopla]] em 1261, nunca conseguiram recuperar o domínio sobre as antigas terras do [[Império Bizantino]]. Controlavam apenas uma pequena parte da [[península Balcânica]] perto de Constantinopla, a própria cidade, e algumas terras costeiras no [[mar Negro]] e no [[mar Egeu]]. As antigas terras bizantinas nos Balcãs foram divididas entre o [[Reino da Sérvia]], o [[Império Búlgaro]] e a [[República de Veneza]]. O poder imperial bizantino seria ameaçado por uma nova tribo oriunda da Ásia, os [[Império Otomano|Otomanos]], que tinham ocupado a Anatólia durante {{séc|XIII}}, expandido-se progressivamente ao longo do {{séc|XIV}}. Em 1366, subjugam a Bulgária à vassalagem e conquistam a Sérvia após a derrota desta na [[batalha do Kosovo]] em 1389. Os reinos ocidentais reuniram-se em auxílio dos cristãos balcânicos e declararam uma nova cruzada em 1396, enviando um numeroso exército, que viria no entanto a ser derrotado na [[batalha de Nicópolis]].{{harvrefsfn|Davies|1996|p=385-389}} Constantinopla acabaria por ser finalmente capturada pelos Otomanos em 1453.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=446}}
 
=== Controvérsia dentro da Igreja ===
Uma das mais significativas manifestações da instabilidade do {{séc|XIV}} foi o [[Papado de Avinhão]], de 1305 a 1378,{{harvrefsfn|Thomson|1998|p=170-171}} e o [[Grande Cisma do Ocidente]] que se lhe seguiu, entre 1378 e 1418, momento em que coexistiram dois, e depois três, papas rivais, cada um apoiado por estados diferentes.{{harvrefsfn|Loyn|1989d|p=153}} No início do {{séc|XV}}, depois de um {{séc|de}} instabilidade, os oficiais eclesiásticos reuniram-se no [[Concílio de Constança]] em 1414, depondo no ano seguinte um dos papas rivais, deixando apenas dois pretendentes. Seguiram-se várias deposições até que, em novembro de 1417, o concílio elege [[Papa Martinho V|Martinho&nbsp;V]] {{nwrap||1417|1431}}.{{harvrefsfn|Thomson|1998|p=184-187}}
 
Além do cisma, a igreja ocidental estava divida por controvérsias teológicas, algumas das quais viriam a ser consideradas [[heresia]]s. [[John Wyclif]] (m. 1384), um teólogo inglês, foi condenado por heresia em 1415 por defender o acesso dos laicos ao texto da [[Bíblia]] e por assumir posições sobre a [[Eucaristia]] contrárias à doutrina da igreja.{{harvrefsfn|Thomson|1998|p=197-199}} Os ensinamentos de Wyclif influenciaram os dois maiores movimentos hereges da Idade Média – o [[Lollardismo]] na Inglaterra e os [[Hussitas]] na Boémia.{{harvrefsfn|Thomson|1998|p=218}} Os boémios foram também influenciados por [[Jan Hus]], sentenciado à fogueira em 1415 depois de ter sido condenado como herege pelo Concílio de Constança. A Igreja hussita, embora sujeita a uma cruzada contra si, sobreviveria até ao fim da Idade Média.{{harvrefsfn|Thomson|1998|p=213-217}} Entre outras heresias criadas estão também as acusações contra a Ordem dos Templários, que estiveram na origem da sua supressão em 1312 e da divisão do seu vasto espólio entre {{Lknb|Filipe|IV de França}} e os [[Ordem Soberana e Militar de Malta|Hospitalários]].{{harvrefsfn|Loyn|1989f|p=201–202}}
 
O papado refinou o conceito de [[transubstanciação]] durante o fim da Idade Média, afirmando que apenas o clero regular podia partilhar o vinho da Eucaristia. Isto viria a distanciar ainda mais o clero secular do clero regular. Os leigos mantiveram as práticas de peregrinação, veneração de relíquias e a crença no poder do Diabo. Místicos como [[Mestre Eckhart]] (m. 1327) ou [[Thomas à Kempis]] (m. 1471) foram autores de obras que ensinavam aos leigos a focarem-se na sua própria espiritualidade, uma interpretação que viria a contribuir para a [[Reforma Protestante]]. A crença em bruxaria generalizou-se de tal forma que, no fim do {{séc|XV}}, a igreja cedeu à pressão do medo e da paranoia populista, iniciando em 1484 uma série de julgamentos pela prática de bruxaria, sendo também publicado em 1486 o ''[[Malleus Maleficarum]]'', o mais popular manual de caçadores de bruxas.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=436-437}}
 
=== Académicos, intelectuais e descobrimentos ===
[[Imagem:Meeting of doctors at the university of Paris.jpg|thumb|upright|Reunião de doutorados na [[Universidade de Paris]]]]
 
[[John Duns Scotus]] (n. 1308){{NotaNT|A palavra "dunce" na língua inglesa, significando "burro" ou "ignorante" em língua portuguesa, deriva do nome Duns Scotus.<ref name=Davies433/>}} e [[Guilherme de Ockham]] (n. ''circa'' 1348),<ref name=MASchol/> lideraram uma das mais notáveis reações contra a [[escolástica]] medieval, rejeitando a aplicação da razão na fé. Os seus esforços, aliados aos de vários outros autores, levariam à renúncia do [[idealismo platônico|ideal platónico]] do "universal". A persistência de Ockham em que a razão opera de forma independente da fé permitiu à ciência separar-se em definitivo da teologia e filosofia.{{harvrefsfn|name=Davies433|Davies|1996|p=433-434}} O Direito pautou-se pelo avanço sólido do [[direito romano]] em áreas de jurisprudência anteriormente governadas pelo [[direito consuetudinário]]. A única exceção foi a Inglaterra onde prevaleceu o [[direito comum]]. Vários países fizeram um esforço no sentido de codificar as leis, tendo sido promulgados códigos jurídicos em estados tão diversos como Castela, Polónia e [[Grão-Ducado da Lituânia|Lituânia]].{{harvrefsfn|name=Davies438|Davies|1996|p=438-439}}
 
A educação permanecia ainda direccionada ao futuro clero. A aprendizagem básica de letras e aritmética podia ser feita na própria província da família ou através do clero local, mas os assuntos secundários do [[trivium (educação)|trivium]] — [[gramática]], [[retórica]] e [[lógica]] — eram estudados nas escolas catedrais presentes nas grandes cidades. Difundiram-se também as escolas comerciais, chegando algumas cidades de Itália a ter mais do que um destes empreendimentos. Durante os séculos XIV e XV apareceram também uma série de novas universidades por toda a Europa. Surgem grandes autores da literatura vernacular, como [[Dante]], [[Francesco Petrarca|Petrarca]] e [[Giovanni Boccaccio]] na Itália do ''[[Quatrocento|quattrocento]]'', [[Geoffrey Chaucer]] e [[William Langland]] em Inglaterra e [[Cristina de Pisano]] na França. A literatura continuou a ser sobretudo de natureza religiosa, mas embora muitas destas obras continuassem a ser escritas em latim, aumentou a procura de textos que se debruçassem sobre santos e outros temas religiosos em línguas vernaculares. No teatro, surge o género de [[Mistério (teatro)|peças miraculosas]] patrocinadas pela Igreja.<ref name=Davies438/> A invenção da [[prensa móvel]] por volta de 1450, trouxe consigo a democratização e facilidade na impressão de livros, e deu origem a inúmeras editoras em toda a Europa.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=445}} A percentagem de alfabetizados cresceu, embora continuasse baixa; as estimativas apontam para que por volta de 1500 a taxa de literacia fosse de apenas 10 % entre os Homens e 1 % entre as mulheres.{{harvrefsfn|Singman|1999|p=224}}
 
Durante o início do século {{séc|XV}}, os reinos da Península Ibérica começaram a financiar explorações além das fronteiras da Europa. O [[Infante D. Henrique]] de Portugal (m.1460) foi o impulsionador de expedições que viriam a descobrir as [[Ilhas Canárias]], [[Açores]] e [[Cabo Verde]] ainda durante a sua vida. Em 1486, [[Bartolomeu Dias]] (m.1500) navegou ao longo da costa ocidental africana até ao [[cabo da Boa Esperança]], ponto de difícil passagem que seria superado em 1498 por [[Vasco da Gama]] (m.1524), abrindo assim a rota marítima para a Índia.{{harvrefsfn|Davies|1996|p=451}} Os reinos de Aragão e Castela financiaram a viagem expedicionária de [[Cristóvão Colombo]] {{nwrap|m.|1506}} que em 1492 viria a [[Primeira Viagem de Colombo|descobrir a América]].{{harvrefsfn|Davies|1996|p=454-455}} A coroa inglesa, na figura do rei {{lknb|Henrique|VII|de Inglaterra}} {{nwrap|r.|1485|1509}} financiou a viagem de [[Giovanni Caboto]] {{nwrap|m.|1498}}, que em 1497 chegaria à [[Ilha Cape Breton|ilha de Cape Breton]].{{harvrefsfn|Davies|1996|p=511}}
 
=== Progressos tecnológicos ===
O uso crescente de ovelhas com [[lã]] de fibras longas permitiu a obtenção de fio com maior resistência. As [[Roca de fiar|rocas de fiar]] tradicionais foram progressivamente substituídas por [[Roda de fiar|rodas de fiar]], triplicando a sua capacidade produtiva.{{harvrefsfn|nome=Epstein193|Epstein|2009|p=193–194}}{{NotaNT|Esta roda de fiar continuava a ser simples, uma vez que não incorporava ainda uma roda a pedal para torcer e repuxar o fio. Esta característica só viria a ser inventada no {{séc|XV}}.{{harvrefsfn|Singman|1999|p=36}} }} Um dos avanços técnicos com maior impacto na vida quotidiana foi a introdução de [[Botão|botões]] para fechar as peças de roupa, permitindo a criação de peças com corte adequado sem a necessidade de as atar.{{harvrefsfn|Singman|1999|p=38}}
 
Os [[Moinho de vento|moinhos de vento]] foram melhorados com a implementação de torres giratórias em função da direção do vento.{{harvrefsfn|nome=Epstein200|Epstein|2009|p=200-201}} O [[alto-forno]] aparece na Suécia por volta da década de 1350, melhorando a qualidade do ferro e aumentando a capacidade de produção.{{harvrefsfn|nome=Epstein203|Epstein|2009|p=203-204}} A primeira [[Patente|lei de patentes]], criada em [[Veneza]] no ano de 1447, passou a proteger os direitos dos inventores.{{harvrefsfn|nome=Epstein213|Epstein|2009|p=213}}
 
=== Arquitetura e arte no século {{séc|XV}} ===
[[Imagem:Les Très Riches Heures du duc de Berry février.jpg|upright|thumb|esquerda|Ilustração do [[livro de horas]] ''[[Les très riches heures du duc de Berry]]'', {{séc|XV}}]]
 
A arte do fim do período medieval na generalidade da Europa contrasta com a arte italiana do mesmo período. Enquanto que em Itália o contexto artístico mostrava já sinais de que se preparava o [[Renascimento]], no norte da Europa e na Península Ibérica manteve-se o gosto e a preferência pela estética [[Arte gótica|gótica]] praticamente até o fim do {{séc|XV}}, culminando na exuberância e complexidade características do [[gótico internacional]].{{harvrefsfn|Benton|2002|p=253-256}} A encomenda de arte secular aumentou significativamente em quantidade e qualidade, muito impulsionada pelo patronato das classes mercadoras da Itália e [[Flandres]], fazendo encomendas de retratos de si próprios em óleo e comprando imensa joalharia, cofres, arcas e [[majólica]]. Entre os objetos muito apreciados e encomendados encontrava-se também a [[cerâmica mourisca]] produzida pelos ceramistas [[mudéjar]]es em Espanha. Embora entre a realeza prevalecesse o gosto por peças de prata, são poucos os exemplares que sobreviveram até aos nossos dias, como a [[Taça de Santa Inês]].{{harvrefsfn|Lightbown|1978|p=78}} O desenvolvimento da manufatura de seda em Itália veio tornar a Europa menos dependente das importações de Bizâncio ou do mundo islâmico. Na França e na Flandres, os conjuntos de [[tapeçaria]] como a ''[[A Dama e o Unicórnio]]'' tornar-se-iam num dos mais cobiçados objetos de luxo.{{harvrefsfn|Benton|2002|p=257-262}}
 
As complexas gramáticas decorativas do alto gótico, até aí visíveis sobretudo no exterior dos templos, são progressivamente adaptadas a vários elementos do interior, sobretudo em túmulos e [[púlpito]]s, como o [[Púlpito de Santa Andreia]] em [[Pistoia]]. Os [[retábulo]]s pintados ou de madeira [[entalhe|entalhada]] tornam-se comuns, sobretudo à medida que se começa a criar capelas laterais nas igrejas. A própria [[Pintura flamenga (séculos XV e XVI)|pintura flamenga]] dos séculos XV e XVI, através de artistas como [[Jan van Eyck]] {{nwrap|m.|1441}} ou [[Rogier van der Weyden]] {{nwrap|m.|1464}}, rivaliza em qualidade com o próprio ''quattrocento'' italiano. Os [[manuscrito iluminado|manuscritos iluminados]] e os livros de temática secular, sobretudo [[conto]]s, começam a ser coleccionados em larga escala pela elite no {{séc|XV}}. A partir de 1450 e ainda que caros, os livros impressos tornam-se extraordinariamente populares, havendo já cerca de {{formatnum:30000}} [[incunábulo]]s impressos no ano 1500.<ref name=Incunabula /> A impressão tornou também obsoleta a iluminura, fazendo destas obras, no {{séc|XVI}}, um objeto com valor meramente artístico e encomendado apenas pela elite. Embora as pequenas [[xilogravura]]s, quase sempre de temas religiosos, fossem acessíveis até a camponeses, as [[gravura]]s eram mais caras e destinadas a um mercado mais abastado.{{harvrefsfn|Griffiths|1996|p=17–18; 39–46}}
 
== Imagem moderna ==
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{{Artigo principal|[[Idade das trevas (historiografia)|Idade das Trevas]]}}
 
O período medieval é frequentemente caricaturado enquanto "tempo de ignorância e superstição", que "sobrepunha sempre os mandamentos religiosos em relação à experiência pessoal e racionalismo."{{harvrefsfn|Lindberg|2003|p=8}} Esta noção é um legado da [[Renascimento|Renascença]] e do [[Iluminismo]], períodos em que os intelectuais estabeleciam sempre a comparação da sua cultura com a cultura medieval de forma preconceituosa. Os intelectuais renascentistas viam a civilização clássica como uma época de imensa cultura e civilização, e a Idade Média como um progressivo declínio dessa cultura. Por seu lado, os iluministas encaravam a razão como sendo sempre superior à fé e, por conseguinte, a Idade Média como um tempo de ignorância e superstição.<ref name=Davies291 />
 
Uma corrente de pensamento defende, no entanto, que a razão e a lógica era normalmente tida em conta durante a Idade Média. O historiador da ciência [[Edward Grant]], escreveu que "o facto de o raciocínio lógico ter sido expresso [no {{séc|XVIII}}]{{NotaNT|No original a expresão usada é: ''"expressed in the Age of Reason"''.}}, só pode ter sido possível devido à longa tradição medieval que definiu o uso da razão como a mais importante das atividades humanas".{{harvrefsfn|Grant|2001|p=9}} Também, ao contrário do que é comum acreditar-se, [[David C. Lindberg|David Lindberg]] escreve que "o intelectual medieval raramente era pressionado pela força coercitiva da igreja e muito provavelmente considerava-se livre (sobretudo na ciência natural) para seguir a razão e observação até onde quer que isso os conduzisse".{{NotaNT|Citado em Peters "Science and Religion" ''Encyclopedia of Religion''}}
 
A caricatura do período reflete-se também em várias crenças populares. Por exemplo, uma das especulações que começou a ser difundida durante o {{séc|XIX}} e que ainda é muito comum na cultura popular, é a suposição, errada, de que todas as pessoas na Idade Média acreditavam no mito da [[Terra plana]].{{harvrefsfn|Russell|1991|p=49-58}} Na verdade, o próprio corpo das universidades medievais propunha evidências que demonstravam que a Terra seria esférica,{{harvrefsfn|Grant|1994|p=629-630}} Lindberg e Numbers afirmam mesmo que seria muito rara a existência de qualquer académico cristão medieval que não tivesse conhecimento da esfericidade da Terra ou que não soubesse até a sua [[circunferência]] aproximada.{{harvrefsfn|Lindberg|1986}} Entre outros equívocos comuns sobre o período medieval está a noção de que "a Igreja proibia as [[autópsia]]s e a [[dissecação]]" ou que "o avanço do Cristianismo impediu o progresso da ciência", mitos populares que ainda são vistos como verdades históricas apesar de não serem apoiados pela historiografia contemporânea.<ref name="Numberslect" />
 
== Notas ==