Escravidão no Brasil: diferenças entre revisões

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[[FileImagem:A Brazilian family in Rio de Janeiro by Jean-Baptiste Debret 1839.jpg|300px|miniatura|direita|Uma família brasileira do [[século XIX]] sendo servida por escravos]]
{{História do Brasil}}
 
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=== Escravidão entre os indígenas ===
[[Imagem:Famille d’un Chef Camacan se préparant pour une Fête.jpg|direita|thumbminiatura|"Família de um chefe camacã se prepara para uma festa", de [[Jean Baptiste Debret]] - Os índios foram os primeiros escravos no Brasil]]
[[Imagem:Recibo Compra venda escravos.jpg|thumbminiatura|Recibo de compra e venda de escravos. Rio de Janeiro, 1851.]]
 
No que viria a ser o Brasil a escravidão já era praticada pelos índios na sua forma mais primitiva bem antes da chegada dos europeus. Entre os [[tupinambá]]s, que eram [[antropófagos]], a maioria dos escravos eram capturados nas tribos inimigas e acabavam sendo devorados.<ref name = "social">PATTERSON, Orlanda. ''Escravidão e Morte Social''. Editoria EDUSP, 2008.</ref> Porém, entre a captura e a execução, eles poderiam viver como escravos durante anos. Entre os tupinambás a escravidão não tinha nenhum valor econômico. Os cativos apenas serviam para serem exibidos como troféus de valor militar e honra ou como carne a ser devorada em rituais canibalescos que poderiam acontecer até quinze anos após a captura. Os escravos eram incorporados à comunidade sendo que algumas escravas se casavam com os homens da tribo. Os cativos reconheciam-se como escravos e como homens derrotados e o sentimento de degradação entre eles era forte. Mesmo se escapassem não seriam aceitos pela sua tribo de origem, tamanho era o estigma em ter sido reduzido à escravidão, fazendo com que servissem ao seu senhor fielmente, sem a necessidade de serem vigiados. Embora os escravos fossem geralmente bem tratados entre os tupinambás, eles tinham consciência que estavam condenados e que, a qualquer tempo, poderiam ser executados e devorados em orgias canibalescas, inclusive as mulheres incorporadas à tribo como esposas.<ref name="social"/>
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O cargo de governador dos índios, primeiramente atribuído a [[Filipe Camarão]], um grande guerreiro e hábil estratega da tribo dos [[Potiguaras|potiguares]] tinha, também, como função organizar os aldeamentos indígenas e o recrutamento dos [[Terço (militar)|terços]] dos índios, onde tinha servido como capitão-mor.<ref>[http://www.klepsidra.net/klepsidra22/felipecamarao.htm O Terço de Antônio Filipe Camarão: sua cooptação e evolução militar durante a invasão holandesa ]</ref><ref>[http://tribunadonorte.com.br/especial/histrn/hist_rn_5a.htm O Governador dos Índios. Tradição de Bravura Vai de Pai Para Filho]</ref><ref>[http://www.ifch.unicamp.br/ihb/SNH2011/TextoJeanPaulGM.pdf O Governador dos Índios. RESSIGNIFICANDO A SAGA DO GOVERNADOR DOS ÍNDIOS ANTÔNIO DOMINGOS CAMARÃO – 1721-17321]</ref><ref>[http://www.ufpe.br/revistaanthropologicas/internas/volume16(2)/Artigo%205%20(Juliana%20Lopes).pdf A visibilidade do primeiro Camarão no processo de militarização indígena na capitania de Pernambuco no século XVII]</ref>
 
{{quote2|Essa situação é reveladora de uma "política indigenista" que era aplicada aos índios aldeados e aliados e outra aos considerados inimigos. Ambos foram importantes no projeto de colonização, fossem como mão de obra cativa ou como povoadora do território.<ref>[http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/378/287 A guerra justa contra os Payaguá (1.ª metade do século XVIII)]</ref>}}
 
Os índios não só guardavam as fronteiras como também controlavam os escravos africanos, propensos a se insurgir ou fugir e se juntarem aos europeus inimigos dos portugueses. Por serem exímios em seguirem pistas os índios eram também contratados pelos proprietários de engenhos para capturar e resgatar escravos fugidos dos engenhos e fazendas, neste processo também auxiliavam os [[capitão do mato|capitães do mato]] (negros ou mulatos livres).<ref>[http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/html/770/77003001/77003001.html Apanhuns, negros da terra e curibocas: causas comuns e confrontos entre negros e indígenas]</ref><ref>[http://www.escravidao.xpg.com.br/I%20Simp%F3sio/marciaamantino.pdf A convivência entre Índios e negros nas danças folclóricas brasileiras: uma análise histórico-antropológica]</ref><ref>[http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/uma%20historia%20do%20negro%20no%20brasil_cap05.pdf Uma história do negro no Brasil, 2006 - Capítulo V. Fugas, quilombos e revoltas escravas]</ref>
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== Escravização africana ==
=== Escravidão nas ''[[plantation]]s'' ===
[[Imagem:Slaves resting by Rugendas 01.jpg|thumbminiatura|Escravos descansando na casa de um senhor, no caminho para outra fazenda, 1830, por [[Johann Moritz Rugendas|Rugendas]]]]
[[FileImagem:Recibo de venda da escrava nagô Francisca a Maria Antônia Teixeira.jpg|thumbminiatura|Recibo de venda da escrava nagô Francisca a Maria Antônia Teixeira, no valor de 430 mil réis, em 9 de setembro de 1848. [[Arquivo Nacional (Brasil)|Arquivo Nacional]].]]
 
A instituição da escravidão no Brasil toma forma com a grande propriedade monocultura, na década de 1530. Portugal contava com pouco mais de 2 milhões de habitantes na época e mal podia arcar com a perda de mão de obra para as expedições para o [[Oriente]], que viviam o seu auge. E, assim como para qualquer outro colono europeu, não era interessante para o português migrar para os trópicos para ser um simples trabalhador do campo. "A escravidão torna-se, assim, uma necessidade: o problema e a solução foram idênticos em todas as colônias tropicais e mesmo subtropicais da América. Nas inglesas, onde se tentaram, a princípio, outras formas de trabalho, aliás uma semiescravidão de trabalhadores brancos, os ''[[indentured servant]]s'', a substituição pelo negro não tardou muito."<ref>Prado Jr. Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 2008. Página 34.</ref>
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O trabalho indígena já era utilizado na extração do [[Caesalpinia echinata|pau-brasil]] e, no princípio, foram também utilizados nas lavouras de cana mais ou menos benevolentemente. Mas o arranjo não funcionou por muito tempo por duas classes de motivos: os de natureza cultural e os de mercado. "Em primeiro lugar, à medida em que afluíam mais colonos e, portanto, aumentavam as solicitações de trabalho, ia decrescendo o interesse dos índios pelos insignificantes objetos com que eram dantes pagos pelo serviço. Tornam-se aos poucos mais exigentes e a margem de lucro do negócio ia diminuindo em proporção. Chegou-se a entregar-lhes armas, o que foi rigorosamente proibido, por motivos que se compreendem. Além disso se o índio, por natureza [[Nomadismo|seminômade]], se dera mais ou menos bem com o trabalho esporádico e livre da extração de pau-brasil, já não acontecia o mesmo com a disciplina, o método e os rigores de uma atividade organizada e sedentária como a agricultura. Aos poucos foi-se tornando necessário forçá-lo ao trabalho, manter vigilância estreita sobre ele e impedir sua fuga e abandono da tarefa em que estava ocupado. Daí para a escravidão pura e simples foi apenas um passo."<ref>Prado Jr. Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 2008. Página 35.</ref><ref>O mesmo assinala Boxer: "De início, os colonos pioneiros dependeram significativamente do comércio de troca com o ameríndios locais (...). Porém, quando os colonos passaram a ocupar lotes de terra e fazer roças onde cultivavam plantas alimentícias (principalmente mandioca) e planejar extensas plantações de cana-de-açúcar, como ocorrera em Pernambuco e na Bahia, tiveram muita dificuldade em obter mão de obra indígena suficiente. Os aborígenes estavam dispostos a trabalhar intermitentemente pelos utensílios e quinquilharias que desejavam, mas não tinham disposição para labutar durante muito tempo, e menos ainda para passar o resto da vida no trabalho exaustivo da lavoura, das pastagens e da grande propriedade agrícola". O Império Marítimo Português. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. Páginas 101-102.</ref>
 
[[Imagem:Johann Moritz Rugendas in Brazil.jpg|thumbminiatura|Escravo sendo açoitado, em pintura de Rugendas]]
A aquisição de mão de obra escrava tornou-se imperativa para o sucesso da [[Nova Holanda|colonização holandesa]]. Os holandeses passaram a importar escravos para trabalhar nas plantações. A [[Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais]] começou a traficar escravos da África para o Brasil.<ref>[http://books.google.com/books?id=dzI8C0Vka7IC&pg=PA18&dq=slaves+dutch+brazil+colony+new+holland&sig=TxUCyWRGsyPxFZpctOJRtkeGedE Postma, Johannes . The Dutch in the Atlantic Slave Trade, 1600-1815: : 1600-1815]</ref>
 
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=== Tráfico atlântico de escravos africanos ===
{{Artigo principal|Comércio atlântico de escravos|Tráfico de escravos para o Brasil}}
[[Imagem:Slavery in Brazil, by Jean-Baptiste Debret (1768-1848).jpg|thumbminiatura|[[Jean-Baptiste Debret]] (1768-1848) foi um dos principais pintores das condições dos escravos no Brasil Imperial]]
A mais antiga forma de escravidão no Brasil foi dos "gentios da terra" ou "negros da terra", os [[Povos indígenas do Brasil|índios]]. A escravização de índios foi proibida pelo [[Marquês de Pombal]]. Eram considerados pouco aptos ao trabalho.{{Carece de fontes|Brasil=sim|data=abril de 2017}}
 
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Os portugueses, brasileiros e, mais tarde, os holandeses, traziam os negros africanos de suas colônias na [[África]] para utilizar como [[mão de obra]] escrava nos [[engenho]]s de [[cana-de-açúcar]] do [[Região nordeste do Brasil|Nordeste]]. Os comerciantes de escravos vendiam os africanos como se fossem mercadorias, adquirindo-os de tribos africanas que os haviam feito prisioneiros. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos. Eram mais valorizados, para os trabalhos na agricultura, os negros [[Bantos]], [[Benguela]], Banguela ou do [[Congo (região)|Congo]], provenientes do sul da África, especialmente de [[Angola]] e [[Moçambique]], e tinham menos valor os vindo do centro-oeste da África, os negros [[Mina (etnia)|Mina]] ou da Guiné, que receberam este nome por serem embarcados no porto de São Jorge de Mina, na atual cidade de [[Elmina]], e que eram mais aptos para a [[mineração]], trabalho ao qual já se dedicavam na [[África Ocidental]]. Por ser a Bahia mais próxima da Costa da Guiné (África Ocidental) do que de Angola, a maioria dos negros baianos são Minas.
[[Imagem:Navio negreiro - Rugendas 1830.jpg|thumbminiatura|Quadro de [[Johann Moritz Rugendas]] (1802-1858) retratando o interior de um [[navio negreiro]]]]
[[Imagem:Juliao14.JPG|thumbminiatura|Escravo sendo açoitado em [[Minas Gerais]], no [[Brasil]], durante o auge do [[ciclo do ouro]]]]
[[Imagem:Capitao-mato.jpg|thumbminiatura|"O caçador de recompensas procurando por escravos fugitivos", 1823, por [[Rugendas]]]]
 
Como eram vistos como [[mercadoria]]s ou mesmo como animais, eram avaliados fisicamente sendo melhor avaliados, e tendo preço mais elevado, os escravos que tinham [[dente]]s bons, [[canela]]s finas, quadril estreito e calcanhares altos, em uma avaliação eminentemente [[Racismo|racista]]. O preço dos escravos sempre foi elevado quando comparado com os preços das terras, esta abundante no Brasil. Assim, durante todo o período colonial brasileiro, nos [[inventário]]s de pessoas falecidas o lote (plantel) de escravos, mesmo quando em pequeno número, sempre era avaliado por um valor, em [[mil-réis]], muito maior que o valor atribuído às [[terra]]s do [[fazendeiro]]. Assim, a morte de um escravo ou sua fuga representava, para o fazendeiro, uma perda econômica e financeira imensa.
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=== Cotidiano do escravo ===
[[Imagem:Family and slave house servants by Klumb 1860.png|thumbminiatura|Uma família brasileira e sua escravas domésticas, ''[[c.]]''&nbsp;1860]]
[[Imagem:Slaves in coffee farm by marc ferrez 1885.jpg|thumbminiatura|Escravos (incluindo seus filhos) reunidos em uma fazenda de café no Brasil, ''c.''&nbsp;1885 ([[Marc Ferrez]])]]
[[Imagem:Scenas da escravidão patrocinadas pelo partido da Ordem, sob o glorioso e sábio reinado do Senhor D. Pedro 11 o Grande... Revista Ilustrada, Rio de Janei- ro, n. 427, 18 fev. 1886 restored.png|thumbminiatura|Cenas da escravidão, desenhadas por Agostini e publicadas em 1886]]
[[Imagem:Tipos Populares (escravos).jpg|miniaturadaimagem|Tipos Populares (Carlos Julião, 1740-1811) — Acervo Digital Afro-Brasileiro]]
Foram múltiplas as experiências de escravidão no Brasil. Enquanto nas grandes propriedades os escravizados costumavam viver em [[senzala]]s coletivas, não era incomum ver em pequenas propriedades escravizados morando na mesma casa de seus senhores. Desta forma pode-se pensar em diferentes relações entre senhores e escravizados.<ref>SLENES, Robert. Na senzala uma flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava. Brasil sudeste, século XIX. 2.ª edição corrigida. São Paulo: Campinas, Editora UNICAMP, 2011. [1999]</ref>
 
Os escravizados trabalhavam nos mais diferenciados ofícios como [[carpinteiro]]s, sapateiros, [[pedreiros]], cortadores de cana, carneadores nas [[charqueadas]] e trabalhos domésticos, como cozinheiras, [[ama-de-leite]], engomadeiras, entre outros. De forma geral, quanto mais especializado era considerado o ofício, mais alto era o preço do trabalhador escravizado. Muitos eram alugados ou trabalhavam para si e eram obrigados a pagar um jornal (espécie de taxa mensal previamente estipulada) para seus senhores.<ref name="CHALHOUB, Sidney 2011">CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade. Uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. [1.ª ed. 1990]. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011.</ref>
 
Em função da diversidade de experiências de cativeiro, não é possível generalizar o trabalho nos [[Cafeeiro|cafezais]] do sudeste<ref>MATTOS, Hebe. As cores do silêncio. Significados da liberdade no sudeste escravista – Brasil, século XIX. [1.ª ed. 1993]. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995.</ref> ou nos [[engenhos de açúcar]] no nordeste para o resto do país. Apesar de a violência ser um fator importante de manutenção do sistema escravista, a negociação era igualmente importante e acontecia constantemente entre os senhores e os escravizados. A resistência violenta costumava acontecer apenas quando não existia mais a possibilidade de negociação. Por mais violentas que fossem as ações dos senhores, os escravizados resistiram de diversas formas (ver tópico de resistência à escravidão, neste mesmo artigo). Muitos escravizados conseguiram formar famílias e economizar dinheiro para a compra da sua própria [[alforria]] ou de seus familiares.<ref name="REIS, João José 1989">REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.</ref>
 
Sobre as formas de punição a lei número 4 de 10 de junho de 1835 proibia os escravos de causar qualquer tipo de ofensa ou agressão ao patrão e aos companheiros que com ele moravam, punindo-os com acoites ou, na maioria dos casos, com a pena de morte [http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/colecoes/Legislacao/Legimp-20/Legimp-20_3.pdf#page=7 (Lei número 4 de 10 de junho de 1835- pág. 5)]. Esta lei só seria parcialmente revogada em 1886 pela lei número 3 310, de 15 de outubro de 1886, dois anos antes da abolição da escravatura, quanto à imposição da pena de açoites. [http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/Conteudo/Colecoes/Legislacao/Leis1886/L1886_06.pdf#page=8 (Lei número 3.310 de 15 de outubro de 1886- pág. 52)].
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=== Papel dos africanos ===
[[Imagem:Alberto Henschel - Baba com o menino Eugen Keller.jpg|thumbminiatura|Escrava [[babá]] e [[ama de leite]] com o menino Eugen Keller na província de [[Pernambuco]], 1874]]
Por muito tempo, a historiografia brasileira ignorou o papel de africanos e seus descendentes na manutenção da escravidão, tanto no Brasil como na África. Apenas a partir da [[década de 1990]] é que historiadores passaram a dar importância à influência africana nesse sistema, deixando as pessoas de origem africana de serem tratadas apenas como vítimas da escravidão, mas também como agentes ativos.<ref name=guia>{{citar livro | título = Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil|autor=Leandro Narloch|páginas =317–317|ano = 2010|editora = Leya}}</ref> A escravidão já era praticada na África muitos séculos antes da chegada dos europeus. Desde o [[século VIII]] reinos africanos ao sul do [[deserto do Saara]] promoviam a captura de pessoas para serem vendidas aos [[árabes]] ao norte do deserto. Seis grandes rotas ligavam nações ao sul do Saara aos povos árabes do norte. Os negros africanos atravessavam o deserto para vender aos [[islamismo|islâmicos]] [[algodão]], [[ouro]], [[marfim]] e sobretudo escravos. Voltavam com [[sal]], [[joia]]s, objetos metálicos e tecidos para serem entregues à nobreza africana. Quando os portugueses chegaram ao reino de [[Kano]], na atual [[Nigéria]] em [[1471]], encontraram um império enriquecido há pelo menos um século graças a venda de ouro, escravos, couro e sal. Em algumas regiões africanas a escravidão já estava tão enraizada que escravos eram usados como forma de pagamento de [[tributo]]s.<ref name="guia"/>
 
A chegada dos europeus ao Continente Africano só fez aumentar um sistema pré-existente. Os reinos africanos, que já se enriqueciam com a venda de seus cidadãos ou de inimigos vizinhos como escravos para os árabes, lucraram ainda mais com a demanda de mão de obra dos europeus. Os africanos monopolizavam praticamente todo o sistema escravagista dentro da África. A participação europeia se limitava a fortes situados no litoral onde os escravos seriam embarcados para as Américas. A tarefa de capturar os futuros escravos e levá-los ao litoral para serem vendidos para os europeus era feita pelos próprios africanos, a mando da nobreza africana, que enriquecia seus reinos com esse comércio de pessoas. O rei africano Osei Kwame, do [[Império Ashanti]], era conhecido por viver em palácios luxuosos construídos graças ao dinheiro que lucrava com a escravidão.<ref name="guia"/>
[[Imagem:Congado in Minas Gerais 1876 alt.png|thumbminiatura|Um grande grupo de escravos reunidos em uma fazenda na província de [[Minas Gerais]], 1876]]
 
O repúdio organizado e documentado à escravidão não surgiu na África, mas na [[Europa]]. Isso se deu a partir do [[século XVIII]], através do [[iluminismo]] e suas ideias de liberdade e igualdade entre os homens. A escravidão só foi abolida no [[século XIX]] graças ao poder de intervenção da [[Inglaterra]].<ref name="guia"/> O movimento abolicionista inglês surgiu em 1787, liderado por 22 líderes religiosos ingleses. Os abolicionistas se organizavam em comitês, que visavam espalhar para a sociedade inglesa as imagens dos horrores da escravidão, que causaram grande comoção na população. Esses grupos conseguiram conquistar muitos aderentes e simpatizantes, que passaram a promover boicotes no País. No ano de [[1787]], 300 mil ingleses aderiram ao boicote ao [[açúcar]] produzido por escravos. Para pressionar o Parlamento Britânico, os abolicionistas entravam com petições na Câmara dos Comuns para forçar a feitura de uma lei que protegesse o direito dos negros. Foram em média 170 petições por ano, entre 1788 e 1800, chegando a 900 petições em 1810. No ano de 1807, depois de anos de pressões populares, a Inglaterra extinguiu o tráfico de escravos, e em 1833 a escravidão foi abolida em território britânico. Durante todo esse período, foram mais de 5 mil as petições com milhares de assinaturas enviadas à Câmara dos Comuns por cidadãos britânicos pedindo o fim da escravidão.<ref name="guia"/> No século XIX, a Inglaterra, a [[superpotência]] da época, passou a pressionar o Brasil a abolir o tráfico negreiro e a escravidão, e esse poder de pressão foi decisivo para o fim da escravatura no Brasil.<ref>[http://www.historia.uff.br/polis/files/texto_19.pdf OS NEGOCIANTES DE ESCRAVOS E A PRESSÃO INGLESA PELA ABOLIÇÃO DO TRÁFICO TRANSATLÂNTICO (1830-1850)]</ref>
 
=== Africanos e descendentes como senhores de escravo ===
[[Imagem:Pelourinho.jpg|thumbminiatura|A flagelação pública de um escravo no [[Rio de Janeiro (cidade)|Rio de Janeiro]], por [[Jean-Baptiste Debret]], ''Voyage pittoresque et Historique au Brésil'' (1834-1839)]]
[[Imagem:Debret casa ciganos.jpg|thumbminiatura|Escravos domésticos no Brasil em 1820, por [[Jean-Baptiste Debret]]]]
 
No Brasil, a participação de africanos e seus descendentes como agentes ativos do sistema escravista também foi crucial. Em determinados momentos da História brasileira era comum que, após conseguirem a liberdade, ex-escravos adquirissem um ou vários escravos. Isso se fez notar especialmente em [[Minas Gerais]] no [[século XVIII]]. A sociedade mineira era essencialmente urbana e isso proporcionava uma grande oportunidade de ascensão social para as pessoas, inclusive escravos. A extração do ouro enriqueceu a região e agitava a economia. Sapateiros, ferreiros, alfaiates, tecelões e chapeleiros conseguiam enriquecer. Mulheres escravas vendiam doces e refeições para os mineradores a mando de seu senhor e muitas vezes conseguiam comprar sua liberdade com o dinheiro que sobrava. A [[carta de alforria]] na época custava 150 mil [[réis]], equivalente ao preço de uma casa simples. Também era comum que senhores estipulassem em seu [[testamento]] que seus escravos deveriam ser libertos após a sua morte. A participação de negros entre a população livre brasileira e entre os senhores de escravos era notável.<ref name="guia"/>
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== Resistência à escravidão ==
{{Artigo principal|Quilombo}}
[[Imagem:Slave Dance.jpg|thumbminiatura|Pintura do {{séc|XVIII}} de Dirk Valkenburg mostrando escravos durante uma dança cerimonial.]]
A resistência escrava pode ser entendida não apenas através de formas violentas de ruptura com o sistema, como as fugas, [[quilombo]]s e revoltas. Um conceito estendido de resistência inclui as diversas possibilidades de oposição no interior do sistema, como as pequenas faltas, crimes cometidos por escravizados, o trabalho malfeito, a construção de famílias e laços de solidariedade. Muitos escravizados negociaram com seus senhores, em busca de trabalhar para si para acumular dinheiro, visando a compra posterior de sua liberdade. Esta ampliação do conceito foi proposta e vem sendo utilizada por autores como Genovese,<ref>GENOVESE. A Terra Prometida: o mundo que os escravos criairam. Rio de Janeiro/Brasília: Paz e Terra, 1988.</ref> Machado,<ref>MACHADO, Maria Helena Toledo. Crime e escravidão. Trabalho, luta e resistência nas lavouras paulistas (1830-1888). São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.</ref> [[Sidney Chalhoub|Chalhoub]],<ref name="CHALHOUB, Sidney 2011"/> Lara,<ref>LARA, Silvia. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro (1750-1808). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.</ref> [[João José Reis|Reis]] e Silva.<ref name="REIS, João José 1989"/> Para Machado, a resistência no interior da escravidão, como parece ter optado a maior parte dos escravizados, também pressupunha a aceitação de normas de convivência mútua entre senhores e escravizados.<ref>MACHADO. Opus cit. p. 20.</ref> A partir desta perspectiva, torna-se necessário analisar a relação senhor-escravo como não pautada apenas na violência e no conflito, mas também em diferentes formas de negociação.
 
Esta interpretação é possível partindo de um entendimento de agência escrava, a partir da qual os mesmos são percebidos como agentes de suas histórias, lutando para transformar suas realidades. A teoria do “escravo-coisa”, defendida por autores como [[Fernando Henrique Cardoso|Cardoso]],<ref>CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 5.ª ed. [1.ª ed. 1977]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.</ref> Fernandes<ref>FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. SP: Ática, 1978.</ref> e Gorender,<ref>GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. SP: Ática, 1978.</ref> negava a possibilidade de ação dentro do sistema escravista. O escravo era percebido apenas como uma mercadoria, inserido em um regime pautado na violência e brutalidade. Para estes autores, a ação do escravismo sobre os negros fora tão danosa que os reduzira à condição de coisas, deixando-os em estado de anomia e retirando-lhes todos os traços de humanidade.
 
Em contraposição a esta teoria, foi feita uma revisão historiográfica na década de 1980, a partir da qual são ressaltadas a negociação, a agência dos escravizados e suas diferentes formas de resistência. Para [[Sidney Chalhoub|Chalhoub]], a violência do sistema escravista não os transformava em seres passivos e receptores automáticos dos valores senhoriais.<ref>CHALHOUB. Opus cit. p. 49.</ref> Esta nova historiografia, portanto, ressalta a agência escrava, inserindo o escravizado em um mundo de estratégias de sobrevivência.
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== Abolição da escravatura ==
{{Artigo principal|Abolicionismo no Brasil|Lei Áurea|Indenização aos ex-proprietários de escravos no Brasil}}
[[FicheiroImagem:Lei Áurea (Golden Law).tif|miniaturadaimagem|upright|esquerda|[[Lei Áurea]], 1888. Documento sob guarda do [[Arquivo Nacional (Brasil)|Arquivo Nacional]].]]
Em [[1845]], o parlamento inglês aprovou a chamada [[Lei Bill Aberdeen]] (em [[Língua inglesa|inglês]], ''Aberdeen Act''), que concedia à [[Marinha Real Britânica]] poderes de apreensão de qualquer navio envolvido no tráfico negreiro em qualquer parte do mundo. Como consequência da pressão inglesa, em 1831 foi promulgada [[Lei Feijó|a primeira lei]] que proibia o tráfico transatlântico de escravizados para o Brasil. Esta lei teve como consequencia a redução do [[comércio atlântico de escravos]] nos primeiros anos. Entretanto, ficou conhecida como a "lei para inglês ver", pois o comércio transatlântico não foi efetivamente extinto, tendo retornado com força alguns anos depois. O comércio transatlântico foi, assim, oficialmente extinto, com a [[Lei Eusébio de Queirós]] em 1850. Esta lei teve como consequência o aumento do preço dos escravizados e a intensificação do tráfico interno de escravizados dentro do território brasileiro.
 
A partir da década de 1870, a sociedade brasileira e o Exército passam a apoiar cada vez menos o sistema escravista. Desta forma, podemos falar em uma quebra do paradigma escravista, em grande parte impulsionada pela resistência cotidiana dos escravizados. Em [[1871]], foi promulgada a [[Lei do Ventre Livre]], a partir da qual toda criança nascida de mãe escravizada seria considerada automaticamente livre. Além disto, esta lei permitia o acúmulo de pecúlio pelos mesmos (pecúlio era o dinheiro que o escravizado podia guardar para si, com vistas à compra da [[alforria]] ).
[[Imagem:Missa 17 maio 1888.jpg|thumbminiatura|Missa campal no [[Rio de Janeiro (cidade)|Rio de Janeiro]] reúne a [[Princesa Isabel]] e cerca de vinte mil pessoas para celebrar a [[Lei Áurea]].]]
 
Nesta década, se intensifica o movimento abolicionista, do qual participavam intelectuais e políticos, como [[José do Patrocínio]] e [[Joaquim Nabuco]].<ref>["o movimento começou na Câmara em 1879, e não, como se tem dito, na Gazeta da Tarde de Ferreira de Menezes, que é de 1880": Nabuco, Joaquim. Minha Formação]</ref>
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* [www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde.../TAMIS_PEIXOTO_PARRON.pdf Política da escravidão no Império do Brasil]
 
{{Problemas Brasileiros|estado=expanded}}
{{Portal3|Brasil|História|Direitos humanos|Escravidão}}
 
{{DEFAULTSORT:Escravidao Brasil}}
[[Categoria:Escravidão no Brasil| ]]