Antigo Egito: diferenças entre revisões

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O '''Antigo Egito''' foi uma [[civilização]] do [[Antigo Oriente Próximo]] do [[Norte de África]], concentrada ao longo ao curso inferior do [[rio Nilo]], no que é hoje o país moderno do [[Egito]]. Era parte de um complexo de civilizações, as [[Civilizações do Vale do Nilo]], do qual também faziam parte as regiões ao sul do Egito, atualmente no [[Sudão]], [[Eritreia]], [[Etiópia]] e [[Somália]]. Tinha como fronteiras o [[Mar Mediterrâneo]], a norte, o [[Deserto da Líbia]], a oeste, o [[Deserto Oriental Africano]] a leste e a primeira catarata do Nilo a sul. Foi umas das primeiras grandes civilizações da [[Antiguidade]] e manteve durante sua existência uma continuidade nas suas formas políticas, [[Arte|artísticas]], [[Literatura do Antigo Egito|literárias]] e [[religião no Antigo Egito|religiosas]], explicável em parte devido aos condicionalismos geográficos, embora as influências culturais e contactos com o estrangeiro tenham sido também uma realidade.
 
A civilização egípcia se aglutinou em torno de {{AC|3100|x}} com a unificação política do [[Alto Egito|Alto]] e [[Baixo Egito]], sob o primeiro [[faraó]] ([[Narmer]]), e se desenvolveu nos três milênios seguintes.{{sfn|Dodson|2004|p=46; 320}} Desenvolveu-se historicamente em três grandes reinos marcados pela estabilidade política, prosperidade económica e florescimento artístico, separados por períodos de relativa instabilidade conhecidos como [[História do Antigo Egito|Períodos Intermediários]]. Atingiu seu auge no [[Império Novo]] {{-nwrap|ca.|1550|1069}}, uma era cosmopolita na qual, graças às campanhas militares do faraó {{lknb|Tutmés|III}}, o Egito dominou uma área que se estendia desde a [[Núbia]], entre a quarta e quinta cataratas do rio Nilo, até o [[rio Eufrates]], tendo entrado numa fase denum lento declínio depois disso. O Egito foi conquistadodominado por uma sucessão de potências estrangeiras neste período final. O governo dos faraós terminou oficialmente em {{AC|30|x}}, quando o Egito caiu sob o domínio do [[Império Romano]] e se tornou uma [[Egito (província romana)|província]], após a derrota da faraó [[Cleópatra]] {{-nwrap|r.|51|30}} na [[Batalha de Alexandria (30 a.C.)|Batalha de Alexandria]].
 
O sucesso egípcio deve-se em parte à sua capacidade de se adaptar às condições do vale do Nilo. A inundação previsível e a [[irrigação]] controlada do vale fértil produziam colheitas excedentárias, o que alimentou o [[desenvolvimento social]] e cultural. Com recursos excedentários, o governo patrocinou a exploração mineral do vale e regiões do deserto ao redor, o desenvolvimento de um [[Hieróglifo|sistema de escrita]], a organização de construções coletivas e projetos de [[agricultura]], [[comércio]] com vizinhos e guerras para derrotar inimigos estrangeiros e afirmar o domínio egípcio. Motivar e organizar estas atividades foi uma tarefa [[burocracia|burocrática]] dos [[escriba]]s de elite, dos líderes religiosos, e dos administradores sob o controle de um faraó que garantiu a cooperação e a unidade do povo egípcio, no âmbito de um elaborado sistema de [[Religião no Antigo Egito|crenças religiosas]].{{sfn|James|2005|p=8}}{{sfn|Manuelian|1998|p=6-7}}
 
As muitas realizações dos antigos egípcios incluem o desenvolvimento de técnicas de [[Mineração|extração mineira]], topografia e construção que permitiram a edificação de monumentais [[pirâmides do Egito|pirâmides]], [[templo]]s e [[obelisco]]s; um sistema de [[matemática]], um sistema prático e eficaz de [[Medicina do Antigo Egito|medicina]], sistemas de [[irrigação]] e técnicas de produção agrícola, os primeiros [[navios]] conhecidos, [[faiança egípcia|faiança]] e tecnologia com [[vidro]], novas formas de [[Literatura do Antigo Egito|literatura]] e o mais antigo [[tratado de paz]] conhecido, o chamado [[Tratado de Cadexe]]. O Egito deixou um legado duradouro. Sua [[Arte do Antigo Egito|arte]] e [[Arquitetura do Egito Antigo|arquitetura]] foram muito copiadas e suas antiguidades levadas a várias partes do globo. Suas ruínas monumentais inspiraram a imaginação dosde viajantes e escritores ao longo de séculos e o fascínio por antiguidades e escavações no início do [[Idade Contemporânea]] esteve na origem da [[egiptologia|investigação científica]] da civilização egípcia e levou a uma maior valorização do seu legado cultural.
 
== Etimologia ==
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Nos períodos pré-dinástico e dinástico, o clima do Egito, e do [[Deserto do Saara|Saara]] como um todo, sofreu repentinas variações que causaram períodos de extrema [[seca]] e [[desertificação]] e períodos de clima favorável e úmido: em fases úmidas o Saara era dominado por [[savana]] rica em [[fauna]] ([[aves]] e [[mamíferos]]) e [[flora]].{{sfn|Byrnes|2005}}{{sfn|Riemer|2003|p=74}} A [[caça]] era muito importante entre os egípcios, pois fornecia carne.{{sfn|Ikram|1992|p=5}} Os primeiros sinais de [[domesticação]] animal são do [[Deserto da Líbia|Deserto Ocidental]] e datam de {{fmtn|8800}}-{{AC|6800|n}}: eram criados com base no modelo de [[pastoreio]] africano, no qual fornecem leite e sangue, mas não carne.{{sfn|Wendorf|1992|p=156}} Cerca de {{AC|5500|n}}, pequenos grupos que viviam no vale evoluíram para aglomerados culturais complexos caracterizados por amplo domínio da agricultura (os vestígios mais antigos dessa foram achados em [[Oásis de Faium|Faium]]{{sfn|name=Ra2004|Raffaele|2004}}), [[pecuária]], [[manufatura]] de objetos e [[cerâmica]] e um primitivo comércio: [[Cultura de Faium|Faium]] ({{fmtn|5400}}-{{AC|4400|n}}) desenvolveu pleno domínio em [[tecelagem]];{{sfn|Gardiner|1964|p=388}}{{sfn|Byrnes|2005b}} [[Cultura de Merinde|Merinde]] ({{fmtn|5000}}-{{AC|4100|n}}) construiu os primeiros túmulos egípcios conhecidos, situados no interior do sítio, e talvez desenvolveu práticas rituais;{{sfn|Byrnes|2005c}}{{sfn|Hoffman|1979|p=177}}{{sfn|Hayes|1964|p=112}} [[Cultura de Omari|Omari]] ({{fmtn|4600}}-{{AC|4400|n}}) fez os mais antigos artefatos em [[cobre]] do Egito;{{sfn|Byrnes|2005d}} e [[Cultura de Badari|Badari]] ({{fmtn|4400}}-{{AC|4000|n}}) produziu os primeiros exemplos de [[faiança]] e [[vidro]] à base de [[esteatita]].{{sfn|Hayes|1964|p=220}}{{sfn|Grimal|1988|p=24}}{{sfn|Grajetzki|2000c}}
 
[[cultura de Maadi-Buto|Maadi-Buto]] ({{fmtn|3800}}-{{AC|3200|n}}) produziu os primeiros cemitérios bem definidos{{sfn|Grajetzki|2000d}} e intensificou o comércio: importava produtos do [[Oriente Próximo]] (madeira de [[Cedro-do-líbano|cedro]],{{sfn|Parsons|2017}} nódulos de [[sílex]], cerâmica, ferramentas líticas, [[resina]]s, óleos, [[vinho]], cobre, [[basalto]]), Alto Egito (pentes, cerâmica, [[marfim]], [[paleta cosmética|paletas cosméticas]], cabeças de [[clava]]) e [[Deserto Oriental Africano|Deserto Oriental]] ([[malaquita]], [[manganês]], [[pérola]]s, [[concha]]s, [[cornalina]]); e exportava cerâmica, conchas e cereais para o Oriente, cobre, basalto e sílex para o Alto Egito.{{sfn|Byrnes|2005e}} Sítios como [[Saís]] e [[Buto]] tornaram-se centros de propagação cultural.{{sfn|Wildung|1984|p=265}} [[Cultura de Nacada|Nacada]] ({{fmtn|4000}}-{{AC|3000|n}}) foi caracterizada pelo surgimento de elites regionais mercantis centradas em grandes centros de poder ([[Nacada]], [[Hieracômpolis]], [[Gebeleim]], [[Abadia (Egito)|Abadia]], [[Abidos (Egito)|Abidos]]). Tais centros evoluíram para estadosEstados regionais belicosos que disputaram o poder, terras mais férteis e controle das [[Rota de comércio|rotas comerciais]]. {{sfn|Wenke|1999|p=445}}{{sfn|Krzyzaniak|1984|p=223}}{{sfn|Hassan|1988|p=152}} Possivelmente estes Estados delinearam a divisão administrativa egípcia conhecida como [[nomo]]s.{{sfn|Friedman|1992|p=310}}{{sfn|Helk|1974|p=199}}{{sfn|Butzer|1976|p=93-94}} Durante os {{fmtn|1000}} anos de existência dessa cultura, os centros regionais variaram em tamanho e poder: em {{lknb|Nacada|I}} ({{fmtn|4000}}-{{AC|3500|n}}) o maior centro era Nacada; em {{lknb|Nacada|II}} ({{fmtn|3500}}-{{AC|3200|n}}) era Hieracômpolis; em {{lknb|Nacada|III}} ({{fmtn|3200}}-{{AC|3000|n}}) eram Abidos e [[Tinis]].{{sfn|Carneiro|1981|p=50}}{{sfn|Kemp|2005|p=32}}{{sfn|Byrnes|2007}}{{sfn|Byrnes|2007b}}{{sfn|name=Shaw479|Shaw|2002|p=479}} Os centros tiveram seus cemitérios, onde as elites eram sepultadas com rico espólio tumular.{{sfn|name=By2011b|Byrnes|2011b}}{{sfn|Byrnes|2011}}{{sfn|name=By2011c|Byrnes|2011c}} No fim de Nacada&nbsp;II e em Nacada&nbsp;III surgem as primeiras evidências de chefes regionais e, depois, os primeiros [[faraó]]s.<ref name=Ra2004 />{{sfn|name=Ke25|Kemp|2005|p=25}}
 
[[Imagem:Egyptian predynastic grave.JPG|thumb|esquerda|Ginger, uma das [[múmias pré-dinásticas de Gebeleim]] ({{AC|3400|x}}). Museu Britânico, Londres]]
[[Imagem:British Museum Egypt 029.jpg|thumb|esquerda|[[Paleta do Campo de Batalha]]. Museu Britânico, Londres]]
 
Nacada fabricou uma gama diversificada de bens materiais, reflexo do crescente poder e riqueza da elite: vasos (em basalto, [[marfim]], cobre, osso e cerâmica), adornos pessoais (em osso, [[lápis-lazúli]], conchas, [[faiança]], madeira, [[ouro]], [[prata]] e cobre), paletas antropo e zoomórficas (em [[grauvaque]] e [[ardósia]]), esteatita vítrea, figurinhas zoo e antropomórficas (em [[terracota]] e marfim), cabeças de clava discoides e depois peroides;<ref name=By2011b />{{sfn|Byrnes|2005f}} e esferas de [[ferro]] [[Siderito|meteorítico]], o mais antigo uso de ferro no mundo.;{{sfn|Tylecote|1992|p=3}}{{sfn|Grajetzki|2000e}}{{sfn|Geerlings|2000}} Emem Nacada&nbsp;I, há os primeiros exemplos de habitações feitas com [[tijolo]]s.{{sfn|Redford|1992|p=7}}{{sfn|Reynes|2000|p=183}}{{sfn|Hoffman|1979|p=159}}{{sfn|Hassan|1988|p=155}} Durante Nacada, há transformações socioeconômicas importantes: intensa importação ([[obsidiana]], cobre, vasos, lápis-lazúli, marfim, [[ébano]], [[incenso]], pele de gatos selvagens, óleos, pedras e conchas) e exportação ([[alabastro]], [[Miçanga|contas]] de ouro, faiança, lâminas, [[amuleto]]s de "cabeças [[Bovídeos|bovídeas]]");{{sfn|Aston|2000|p=46-47}}{{sfn|Aston|1994|p=23-26}}<ref name=By2011c />{{sfn|Grimal|1988|p=28}}{{sfn|Byrnes|2005g}} aparecimento de costumes religiosos (uso de [[estela]]s e [[sarcófago]]s) e alguns deuses do [[Religião no Antigo Egito|panteão]] ([[Hórus]], [[Bat (deusa)|Bate]], [[Seti (divindade)|Seti]], [[Necbete]] e [[Min (mitologia)|Mim]]);{{sfn|Byrnes|2005h}} os [[escrita hieroglífica|hieróglifos]] (quiçá com base na escrita [[Antiga civilização mesopotâmica|mesopotâmica]]{{sfn|Trigger|1983|p=37}});{{sfn|Allen|2000|p=1}}{{sfn|Kemp|1989|p=37}} arte e [[iconografia]], ambas representadas em paletas;{{sfn|Wilkinson|2000|p=31}} acentuada elevação da produção agrícola devido maior número de áreas cultivadas e melhoria das habilidades empregadas.{{sfn|Butzer|1976|p=103}} Muitos sítios deltaicos dedicaram-se só ao comércio com o Oriente, enquanto nômades do Deserto Oriental, porventura devido à degradação das condições ambientais locais, foram ativos mediadores do comércio.{{sfn|Friedman|1992|p=232}}{{sfn|Hoffman|1979|p=247}}
 
Um termo contextual (dinastia 0) é usado para agrupar os reis conhecidos de Nacada&nbsp;IIIb-IIIc, embora não formaram uma dinastia;<ref name=Ke25 /> apesar de não totalmente aceito, o termo dinastia 00 por vezes é usado para distinguir reis atestados entre Nacada&nbsp;IIc-&nbsp;IIIa2. {{ref label2|a}}<ref name=Ra2004 /> Até Nacada&nbsp;IIIa2, há em Nacada ([[Cemitério T]]), Gebeleim, Abidos ([[Cemitério U]]), Hieracômpolis ([[Tumba 100|T100]] e [[Tumba 11|11]]), [[Custul]] (L24) e [[Seiala]] (137.1) túmulos provavelmente atribuíveis a chefes regionais que emergiam do seio das famílias da elite.{{sfn|Wilkinson|1999|p=52}} Cerâmicas incisas, paletas (em especial a [[Paleta Líbia]]) e um grafite inciso nos [[Colossos de Copto]] forneceram os nomes de possíveis reis locais que governaram até a ascensão dos reis tinitas: ''Órix'', ''Concha'', ''Peixe'', ''Elefante'', ''Touro'', ''Cegonha'', ''Canídeo'', ''Padrão Cabeça de Gado'', ''Escorpião&nbsp;I'', ''Falcão&nbsp;I'', ''padrão Mim + planta'', ''?'' (perdido), ''Falcão&nbsp;II'', ''Leão'' ... ''Iri-Hor'', ''Ká'', ''Escorpião&nbsp;II'', ''Narmer''; talvez houve dois reis ''Touro'', um identificado nos Colossos de Copto (''Touro I'') e outro identificado na [[Paleta do Touro]] (Touro&nbsp;II).{{sfn|Dreyer|1998|p=178}} Na tumba de {{lknb|Escorpião|I}} ([[Túmulo U-j]], Abidos) havia muitos bens e os primeiros hieróglifos conhecidos; também foi identificado num grafite inciso de Gebel Tjauti, no deserto entre Abidos e Nacada, que representa possível vitória sua sobre outro chefe.{{sfn|name=Ra2002|Raffaele|2002}} Alguns dos primeiros líderes da dinastia 0 foram identificados através de seus [[sereque]]s: [[Falcão Duplo]] ([[Sinai]] e delta), [[Hate-Hor]] (túmulo 1702 em [[Tarcã]]), [[Ni-Hor]] ([[Tora (Egito)|Tora]] e Tarcã), [[Pe-Hor]] (cerâmica de Custul, perto de [[Armante]] e num grafite de Gebel Xeique Solimão, na segunda catarata), [[Hedju-Hor]] (delta Oriental e Tora) e [[Crocodilo (faraó)|Crocodilo]] (túmulos 315, 414 e 1549 de Tarcã); possivelmente Crocodilo foi um usurpador durante o governo de Narmer.{{sfn|Raffaele|2004a}} Alguns dos primeiros faraós tiveram seus jazigos localizados: [[Iri-Hor]] (túmulo B1-B2, Abidos), [[Ka (faraó)|Ká]] (túmulo B7-B9, Abidos), {{lknb|Escorpião|II}} (talvez 4ª camada do túmulo B50 em Abidos ou túmulo 1 do local 6 em Hieracômpolis) e [[Narmer]] (túmulo B17-B18, Abidos).{{sfn|Wilkinson|1999|p=68}}