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== Vida ==
===Primeiros anos em Eisenach===
[[Ficheiro:BachhausEisenach-1-.jpg|thumb|leftdireita|180px210px|Casa de Bach em Eisenach]]
Johann Sebastian Bach ({{IPA2|joˈhan}} ou {{IPA2|ˈjoːhan zeˈbastjan ˈbax|}}) nasceu em [[Eisenach]], pequena localidade da [[Turíngia]], em 21 de março de 1685. Era o filho caçula de [[Johann Ambrosius Bach]] e [[Maria Elisabetha Lämmerhirt]]. Foi batizado na Igreja de São Jorge dois dias depois, tendo como padrinhos o músico Sebastian Nagel e o guarda-caça Johann Georg Koch. Os Bach eram uma família [[luterana]] integrada por músicos e compositores há várias gerações, entre eles [[Veit Bach]] (o fundador da [[Família Bach|dinastia Bach]]), [[Heinrich Bach|Heinrich]], [[Johann Michael Bach|Johann Michael]], o próprio pai de Sebastian e muitos outros. A sua mãe era de uma família de peleteiros e agricultores, também com alguns músicos, todos profundamente religiosos, seguidores de uma doutrina [[anabatista]] de inclinação [[mística]].<ref>Geiringer, p. 21-24</ref>
[[Ficheiro:BachhausEisenach-1-.jpg|thumb|left|180px|Casa de Bach em Eisenach]]
[[Ficheiro:Bachohrdruf.jpg|thumb|left|180px|Catálogo de alunos matriculados na escola de Ohrdruf, 1700. Bach é o quarto da segunda lista. Stadtarchiv Ohrdruf]]
 
Pouco se conhece sobre sua primeira infância, salvo que desde cedo seu talento musical foi reconhecido, sendo instruído em [[instrumentos de cordas]] por seu pai e em [[Órgão (instrumento musical)|órgão]] e [[Instrumento de teclas|teclado]] possivelmente por seu primo [[Johann Christoph Bach|Johann Christoph]].<ref name="Geiringer, p. 24">Geiringer, p. 24</ref> Com oito anos de idade ingressou na ''Lateinschule'' (escola latina) de Eisenach, a mesma escola onde [[Lutero]] havia estudado dois séculos antes. Ali o núcleo do aprendizado era a doutrina luterana, acompanhada de [[gramática]], [[história]] e [[aritmética]]. Os níveis superiores incluíam [[latim]], [[Língua grega|grego]], [[Língua hebraica|hebreu]], [[lógica]], [[filosofia]] e [[retórica]].<ref name="Smith1">[http://janus.ucc.nau.edu/tas3/eisenach.html#protestant Smith]{{Ligação inativa|1={{subst:DATA}} }}</ref> Graças à educação musical que recebeu em casa, pôde logo ser aproveitado pelo coro da escola e também da congregação de São Jorge, destacando-se pela sua bela voz de [[soprano]] infantil.<ref name="Geiringer, p. 24"/>
 
===Ohrdruf===
[[Ficheiro:Bachohrdruf.jpg|thumb|leftesquerda|180px175px|Catálogo de alunos matriculados na escola de Ohrdruf, 1700. Bach é o quarto da segunda lista. Stadtarchiv Ohrdruf]]
Contudo, as condições de vida na [[Turíngia]] naquela época eram precárias, seguidamente assolada por guerras e epidemias. Estando com apenas nove anos perdeu a mãe e, meses depois, o pai, depois de ter já perdido dois irmãos.<ref name="Smith1"/> Órfão, foi entregue aos cuidados de seu irmão mais velho, também chamado [[Johann Christoph Bach (1671–1721)|Johann Christoph]], que era organista em [[Ohrdruf]]. Sua adaptação à nova vida não parece, segundo Geiringer, ter sido fácil. Sebastian mal conhecia seu irmão, que saíra de casa pouco anos antes de ele nascer e a esta altura estava casado e esperava um filho, contando com um salário magro. Por outro lado, Christoph parece ter sido hospitaleiro e atencioso. Em seguida Bach conseguiu um emprego de cantor no coro local, contribuindo para cobrir as despesas domésticas, e ingressou na escola local para continuar seus estudos gerais, onde revelou-se um ótimo aluno, ultrapassando colegas mais velhos. Ao mesmo tempo, se aperfeiçoava na música com o irmão, que fora aluno de [[Pachelbel]], e iniciava na composição, dedicando uma de suas primeiras peças para teclado ao seu irmão e mentor.<ref>Geiringer, p. 24-27</ref>
 
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Em fevereiro de 1713 participou em [[Weissenfels]] de uma celebração que incluiu uma performance da sua primeira cantata secular, ''Was mir behagt'' BWV 208, também chamada ''Cantata da Caça''.<ref name="Britannica"/> No final do ano abriu-se-lhe a oportunidade de suceder [[Friedrich Wilhelm Zachow]] como organista da Liebfrauenkirche, em Halle, e supervisionar a construção de um gigantesco novo instrumento, mas o duque aumentou seu salário e ele desistiu da ideia. Em 2 de março de 1714 assumiu o cargo adicional de Konzertmeister (Mestre de Concertos), devendo compor e apresentar uma nova cantata por mês, a um salário de 268 florins. Isso lhe permitiu trabalhar com os instrumentistas, o coro e os solistas vocais do duque, todos profissionais de gabarito, aptos a executar obras difíceis, e lançar os fundamentos de sua habilidade como regente.<ref>Geiringer, p. 46-51</ref>
 
[[Ficheiro:Wilhelm Ernst, Herzog von Sachsen-Weimar-Eisenach.jpg|thumb|left220px|esquerda|O duque Wilhelm Ernst; abaixo, imagem de Weimar, c. 1713]]
[[Ficheiro:Coethen.jpg|thumb|left|Projeção aérea do palácio de Köthen, gravura de 1650]]
 
Organista aplaudido, apoiado pelo patrão e bem pago, sua vida estava em uma fase auspiciosa, animada pela chegada dos primeiros filhos: Catharina Dorothea (1708–1774), [[Wilhelm Friedemann Bach|Wilhelm Friedemann]] (1710–84) e [[Carl Philipp Emanuel Bach|Carl Philipp Emanuel]] (1714–88). Os dois últimos viriam a se tornar compositores importantes, especialmente Carl Philipp. Também dava aulas para os sobrinhos do duque e desenvolveu uma estreita amizade com outro excelente músico ativo na cidade, seu parente distante [[Johann Gottfried Walther]], organista, compositor e [[lexicógrafo]] musical. Outras relações amistosas que entabulou foram com o vice-diretor do ''Gymnasium'' de Weimar, [[Johann Matthias Gesner]], e com o celebrado compositor [[Telemann]], que residia em [[Frankfurt]]. Da mesma forma, alguns alunos talentosos estimulavam sua vocação como professor, estando entre eles um dos sobrinhos do duque, Johann Ernst, mais [[Johann Tobias Krebs]], [[Johann Martin Schubart]] e [[Johann Caspar Vogler]], além de seus próprios filhos.<ref>Geiringer, p. 51-53</ref>
 
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===Köthen===
[[Ficheiro:Coethen.jpg|thumb|left230px|direita|Projeção aérea do palácio de Köthen, gravura de 1650]]
Em 1 de dezembro de 1716, [[Johann Samuel Drese]], diretor musical de Weimar, morreu, e foi sucedido por seu filho, que era incompetente para o cargo, quando de acordo com o costume o nomeado deveria ser Bach. Presumivelmente ressentido, Bach aceitou então uma nomeação como diretor musical do príncipe [[Leopoldo de Anhalt-Köthen]], que foi confirmada em agosto de 1717, com um salário substancialmente mais elevado do que em Weimar. O duque Wilhelm, no entanto, se recusou a aceitar sua renúncia, em parte, talvez, por causa da amizade de Bach com seus dois sobrinhos, com quem o duque estava no pior dos termos. Depois de várias solicitações de dispensa, que irritaram seu patrão, Bach acabou preso. Como Wilhelm aparentemente não estava interessado em um atrito aberto com a corte de [[Köthen]], acabou cedendo e libertou o músico menos de um mês depois, mas com uma notificação de "exoneração indecorosa". Poucos dias depois Bach mudou-se para Köthen.<ref name="Britannica"/><ref>Geiringer, p. 55-57</ref>
 
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[[Ficheiro:Bach's apartment in the Thomasschule.jpg|thumb|Edifício da Thomasschule em Leipzig, onde morou Bach]]
 
Ao contrário das facilidades administrativas que encontrara em Köthen, onde devia responder apenas ao príncipe, em Leipzig Bach tinha duas dúzias de superiores, incluindo o reitor (a autoridade docente), o conselho municipal (a autoridade civil) e o consistório (a autoridade eclesiástica), que raro estavam em harmonia, o que se complicava com a pouca inclinação de Bach aos modos diplomáticos.<ref name="Geiringer, p. 67-69"/> Outra fonte de atribulações era o fato de Bach ter de morar no edifício superlotado da escola, junto com alunos e outros professores. Seu apartamento, ainda que tivesse uma entrada independente, ficava ao lado das salas de aula, o que lhe roubava privacidade, além de o barulho dos alunos se estender pela noite adentro. Também por força de seu contrato devia desempenhar funções extramusicais, tais como dar aulas de latim ou pagar um professor para substitui-lo, e de quatro em quatro semanas, durante uma semana inteira, atuava como inspetor disciplinar das 4h ou 5h da manhã até às 8h da noite, numa escola desorganizada cheia de alunos irresponsáveis e turbulentos.<ref>Geiringer, p. 72-73</ref>
 
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====Anos finais====
{{AP|[[Família Bach]]}}
Depois de uma década de trabalho duro e intermináveis disputas, Bach parecia cansado e progressivamente se retirou da vida pública, negligenciando algumas de suas obrigações. Em 1740 a escola se viu na contingência de ter de contratar um outro professor de [[teoria musical]]. Bach passou a se dedicar então mais à música instrumental, revisando obras antigas ou produzindo novas, com destaque para a compilação de corais para órgão ''Clavier-Übung III'' (Exercícios de Teclado) e o segundo volume de ''O Cravo Bem Temperado'', bem como à preparação de peças para publicação. Enquanto seu estilo se firmava nas fórmulas consagradas do Barroco, a nova geração já transitava para a órbita do [[Rococó]] e desgostava da produção do Kantor de São Tomás, que lhe aparecia como antiquada e excessivamente complexa.<ref name="Grove"/><ref>Geiringer, p. 103</ref>
 
[[Ficheiro:Bach Grave Thomas Kirche.jpg|thumb|Tumba de Bach na Igreja de S. Tomás em Leipzig]]
 
Em maio de 1747 Bach visitou seu filho Emanuel, empregado na corte de [[Potsdam]], e tocou diante de [[Frederico II da Prússia]], que era compositor de algum mérito e imediatamente ficou impressionado com as habilidades de Bach, levando-o a testar todos os [[pianoforte]]s do palácio. Em julho improvisou sobre um tema proposto pelo rei, obra que tomou forma definitiva como a ''[[Oferenda Musical]]''. Na mesma altura viu nascer seu primeiro neto, Johann August, e se filiou à distinguida Correspondirende Societät der Musicalischen Wissenschaften (Sociedade de Ciências Musicais), fundada por seu antigo aluno [[Lorenz Christoph Mizler]], apresentando como peça de prova as variações canônicas sobre o coral ''Vom Himmel hoch da komm' ich her''. Ainda era assiduamente requisitado para dar pareceres sobre órgãos em outras cidades e passava muito tempo na corte de [[Dresden]], onde era apreciado.<ref name="Britannica"/>
 
Por outro lado, a casa de Bach ficava cada vez mais vazia. Sofreu o infortúnio de levar vários de seus filhos para o túmulo ainda pequenos, e os sobreviventes cresciam e deixavam o lar. Sua visão diminuía sensivelmente; em 1749 ele já quase não enxergava, e logo ficou cego.<ref>Geiringer, p. 103-105</ref> Tentou operar-se sem sucesso por duas vezes com o médico charlatão itinerante John Taylor, que ainda teve [[Händel]] entre seus fracassos. Da última doença de Bach pouco se sabe, exceto que durou vários meses e o impediu de terminar ''[[A Arte da Fuga]]''. Seus empregadores não esperaram sua morte para procurarem um sucessor. Faleceu em 28 de julho de 1750, em Leipzig e foi enterrado dois ou três dias depois no cemitério da Igreja de S. João. Seu filho Carl Philipp e seu antigo aluno [[Johann Friedrich Agricola]] escreveram em conjunto um [[obituário]], importante como fonte de informações em primeira mão, ainda que incompleto e algo inexato. Anna Magdalena ficou em má situação. Por algum motivo, seus [[enteado]]s não fizeram nada para ajudá-la, ao contrário, avançaram sobre sua herança, e seus próprios filhos eram muito jovens para tomarem qualquer atitude. Quando ela faleceu, dez anos depois, recebeu um funeral de indigente.<ref name="Britannica"/>
 
Bach gerou com sua primeira esposa sete filhos, mas somente quatro sobreviveram, e, destes, dois fizeram carreira musical destacada: [[Wilhelm Friedemann Bach|Wilhelm Friedemann]] (1710–1784) e [[Carl Philipp Emanuel Bach|Carl Philipp Emanuel]] (1714–1788). De segunda esposa nasceram mais treze crianças, sendo que [[Gottfried Heinrich Bach|Gottfried Heinrich]] (1724–1763), [[Johann Christoph Friedrich Bach|Johann Christoph Friedrich]] (1732–1795) e [[Johann Christian Bach|Johann Christian]] (1735 - 17821735–1782) foram também músicos de talento. Três filhas chegaram até a idade adulta: Elisabeth Juliane Friederica (1726-17811726–1781) que se casou com o aluno de Bach [[Johann Christoph Altnikol]], Johanna Carolina (1737-17811737–1781) e Regina Susanna (1742-18091742–1809).<ref>Wolff et al., p. 98-111</ref>
{{AP|[[Família Bach]]}}
 
==Personalidade e iconografia==
[[Ficheiro:Seffner - Busto de Bach - 1895.jpg|thumb|180px|Busto de Bach criado por Carl Seffner em 1895]]
O estudo da personalidade e do cotidiano de Bach é frustrante, pois há escassa documentação. Conhecem-se apenas poucas cartas autógrafas, e nenhuma delas pode ser considerada verdadeiramente autobiográfica. Isso não impediu que se publicasse um extenso e fantasioso folclore a seu respeito nas biografias que começaram a aparecer a partir do século XIX. Ao que parece ele nunca abandonou inteiramente traços psicológicos definidos em sua infância numa pequena e provinciana aldeia alemã, mas também não parece ter cultivado conscientemente uma personalidade original, embora ela fosse sem dúvida forte, como se percebe nos relatos de seus atritos explosivos com as autoridades de Leipzig. Também é nítida sua sincera inclinação à religiosidade e sua tendência a opiniões inabaláveis, mas provavelmente era uma pessoa sociável e em geral bem-humorada.<ref>[http://books.google.com/books?id=N1zSVDYTCXgC&pg=PR11 Butt (2003), p. i-xii]</ref> O que mais se destaca em sua personalidade, contudo, é a completa dedicação à música. No obituário escrito por seu filho isso fica devidamente assinalado, louvando o seu zelo invariável, bem como sua tendência a seguir um caminho independente.<ref>[http://books.google.com/books?id=uvc8AAAAIAAJ&pg=PA162 Hill, p. 162-163]</ref>
 
Durante muito tempo a localização exata de sua tumba permaneceu desconhecida, mas sobrevivia uma tradição oral localizando-a próxima da porta sul da Igreja de S. João. Em torno de 1880 pesquisas nos arquivos da igreja revelaram um documento que dizia o músico ter sido enterrado em um caixão de carvalho, o que limitou as buscas a apenas seis tumbas. Enfim, um corpo foi exumado em 1894, e a investigação anatômica conduzida pelo professor Wilhelm His confirmou a identidade de Bach. Após a exumação, seus restos mortais foram reenterrados na Igreja de S. João, então reconstruída e ampliada. Quando a igreja foi destruída na [[II Guerra Mundial]], foram transferidos para uma tumba na Igreja de S. Tomás, onde ainda estão. Entretanto, entre os pesquisadores recentes não há uma certeza absoluta de que a identificação dos restos mortais exumados tenha sido correta.<ref>[http://books.google.com/books?id=2ZejFiq2lQAC&pg=PA211 Yearsley, p. 211]</ref><ref>[http://books.google.com/books?id=wX-rF2_k_S8C&pg=PA194 Williams (2004), p. 193]</ref>
 
[[Ficheiro:BachMeiningenPastel.jpg|thumb|leftesquerda|160px180px|Suposto retrato de Bach, pastel atribuído a Gottlieb Friedrich ou Johann Philipp Bach]]
[[Ficheiro:Jsb.jpg|thumb|left|160px|Retrato recentemente descoberto por Towe e proposto como autêntico]]
 
A partir da pesquisa de His, [[Carl Seffner]] criou em 1895&nbsp;um busto,<ref>[http://books.google.com/books?id=wX-rF2_k_S8C&pg=PA194 Williams (2004), p. 194]</ref> que mostra grande semelhança com o único retrato indubitavelmente autêntico que chegou aos nossos dias, aquele pintado por [[Elias Gottlob Haussmann]], que existe em duas versões, uma que data de 1746 (Museum für Geschichte der Stadt Leipzig; propriedade da Thomasschule) e outro de 1748 (William H. Scheide Library, [[Princeton]]). O primeiro, assinado ''E.G. Haussmann pinxit 1746'', foi apresentado à Thomasschule em 1809 pelo então Kantor, August Eberhard Müller. Não se sabe onde Müller conseguiu a pintura, mas é muito provável que ela tivesse permanecido na posse de um dos descendentes diretos de Bach. Supõe-se amiúde que este retrato seja aquele que os membros da sociedade de Mizler eram obrigados a doar para a sociedade em sua admissão, mas isso é apenas suposição. Com o passar do tempo a pintura foi severamente danificada e repintada várias vezes. Restaurada em 1912-1913, voltou mais ou menos à sua condição original, mas permanece inferior à excelente réplica de 1748, que ilustra a abertura deste artigo. Esta, por sua vez, tem uma origem segura, pois pertencera a seu filho Carl Philipp e dele passou para a família Jenke, antes de ser exibido em público por Hans Raupach em 1950. O retrato Haussmann foi repetidamente copiado em várias técnicas ao longo dos anos.<ref name="Grove"/>
 
A autenticidade de um retrato anônimo a pastel, provavelmente pintado depois de 1750, de autoria atribuída a Gottlieb Friedrich ou Johann Philipp Bach, e conservado pelo ramo Meiningen da família, não é totalmente garantida, assim como a de um retrato de um grupo de músicos, executado em c. 1733 por [[Johann Balthasar Denner]] (Internationale Bachakademie, [[Stuttgart]]), que mostra o que se supõe sejam Johann Sebastian e três de seus filhos. Uma cópia em melhores condições deste quadro de grupo está em uma coleção particular no [[Reino Unido]].<ref name="Grove"/>
 
[[Ficheiro:Jsb.jpg|thumb|leftdireita|160px180px|Retrato recentemente descoberto por Towe e proposto como autêntico]]
Sobre todos os outros retratos que sobrevivem pairam dúvidas ainda mais sérias, incluindo um óleo de [[Johann Jacob Ihle]] (Bachhaus, Eisenach) datando de 1720 e pretendendo mostrar Bach como mestre de capela em Köthen, identificado como uma "imagem de Bach" apenas em 1897; o de [[Johann Ernst Rentsch]] (Städtisches Museum, Erfurt), alegadamente representando Bach aos 30 anos, que veio à luz somente em 1907 e não tem nenhuma documentação credível, e o chamado "retrato na velhice" descoberto por [[Fritz Volbach]] em [[Mogúncia]] em 1903 (coleção privada em [[Fort Worth]]), que é pouco semelhante aos outros retratos. De acordo com Gerberl, retratos provavelmente autênticos mas que não sobreviveram foram os de propriedade da Condessa de Weissenfels e de [[Johann Nikolaus Forkel]]. Um outro pastel possuído por Carl Philipp também foi perdido.<ref name="Grove"/> Outro retrato, que alegadamente pertenceu a seu antigo aluno [[Johann Christian Kittel]], foi redescoberto em 2000 por Teri Noel Towe, que o apresentou ao púbico como autêntico.<ref>{{Citar web |url=http://www.npj.com/thefaceofbach/QCL00.html |titulo=Towe |acessodata=2010-12-21 |arquivourl=https://web.archive.org/web/20110714203832/http://www.npj.com/thefaceofbach/QCL00.html |arquivodata=2011-07-14 |urlmorta=yes }}</ref> Em 2008 a antropóloga Caroline Wilkinson reconstruiu digitalmente o rosto do compositor, a pedido da Casa Museu de Bach em Eisenach, usando medidas de seu crânio e outras técnicas [[legista]]s.<ref>[http://musica.uol.com.br/ultnot/efe/2008/02/28/ult1819u1225.jhtm Agência EFE]</ref>
 
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Os ingredientes do gênio são de análise problemática, mas as fontes do seu estilo são bem conhecidas. A primeira delas é, naturalmente, a tradição de música [[polifonia|polifônica]] alemã do século XVII, que para muitos de seus contemporâneos - adeptos do novo "estilo galante", como também é apelidado o [[Rococó]] - era já ultrapassada e por demais complexa e impopular. Entre os autores alemães que lhe foram forte referência se contam Buxtehude, [[Reincken]], [[Nicolaus Bruhns|Bruhns]], [[Vincent Lübeck|Lübeck]], [[Georg Böhm|Böhm]], [[Pachelbel]], [[Adam Krieger|Krieger]], [[Johann Kuhnau|Kuhnau]], [[Friedrich Wilhelm Zachow|Zachow]], [[Johann Jakob Froberger|Froberger]] e [[Johann Kaspar Kerll|Kerll]]. Embora o contraponto seja um elemento fundamental em seu estilo, Bach conseguiu, segundo Hindley, uma notável e inigualada síntese entre a polifonia e a [[homofonia]].<ref name="Grove"/><ref name="Hindley">Hindley, p. 198-199</ref> Outras fontes vitais para Bach foram a produção francesa e a italiana, em particular através das obras de [[Marin Marais|Marais]], [[André Raison|Raison]], [[François Couperin|Couperin]], [[Nicolas de Grigny|Grigny]], [[Albinoni]], [[Frescobaldi]], [[Luigi Battiferri|Battiferri]] e [[Francesco Antonio Bonporti|Bonporti]].<ref name="Britannica"/><ref name="Grove"/> Além de um grande dom para a [[melodia]], suas [[harmonia]]s são ricas, audaciosas e sutis, e ele tinha um poderoso senso de arquitetura e forma, possibilitando-lhe construir estruturas de largo fôlego, com impressionante capacidade de controlar a evolução do discurso musical para conduzi-lo a um clímax impactante e expressivo, muitas vezes conseguido por uma sucessão cumulativa de pequenos elementos repetidos e variados.<ref name="Hindley"/> Seu interesse em novos resultados sonoros ficou patenteado em inúmeras ocasiões, quando transcreveu e arranjou obras suas ou de outros compositores de um meio para outro muito diferente.<ref name="Butt (1992)">Butt (1992), p. 4</ref>
[[Ficheiro:Bachsiegel.svg|thumb|left|160px|Monograma pessoal de Bach, entrelaçando as iniciais de seu nome]]
 
[[Ficheiro:Bachsiegel.svg|thumb|leftesquerda|160px|Monograma pessoal de Bach, entrelaçando as iniciais de seu nome]]
O teclado foi a base do aprendizado de Bach, e também o meio preferencial pelo qual instruiu seus alunos. Tornou-se um requisitado professor ainda em Weimar, e em Leipzig suas atividades docentes se aprofundaram. H. N. Gerber, que estudara com ele, disse que seu método de ensino introduzia gradualmente uma enorme variedade de técnicas de composição geral, ao mesmo tempo em que educava o gosto e aperfeiçoava as capacidades de interpretação do aluno. Costumava, segundo este relato, iniciar o ensino com suas ''[[Invenções]]'' e ''[[Suítes Francesas]]'' e ''[[Suítes Inglesas|Inglesas]]'', e concluía o curso com os prelúdios e fugas do ''[[Cravo Bem Temperado]]''. Estas coleções constituem o núcleo estilístico da música bachiana.<ref name="Grove"/>
 
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<div style="padding:0.5em; text-align:left">{{multi-escuta item|nomearquivo=Prelude and Fugue in E-flat major BWV 552 (fugue).ogg|titulo=''Clavier-Übung III'': Fuga do ''Prelúdio e Fuga em mi bemol maior'' BWV 552|descricao=<small>Interpretado por Leo Fuhr</small>|format=[[ogg]]}}</div>
 
[[Ficheiro:Schubler.png|thumb|Capa da ''Coleção Schübler'']]
 
Os ''Corais Schübler'' são uma transcrição para órgão de cinco [[ária]]s de cantatas, e mais uma peça cuja origem é incerta. A versão publicada deixou o [[baixo contínuo]] incompleto. Todas as peças fazem uso do recurso do ''cantus firmus'', e sua organização, segundo Williams, sugere um propósito ilustrativo de um conceito de vida cristã, já que os títulos apresentados narram sequencialmente a preparação para o [[Advento]], uma profissão de fé, uma declaração de esperança, a expressão de júbilo da alma por seu Salvador, uma expressão de confiança diante da morte e uma súplica pela salvação contra as ameaças do [[Inferno]]. Estudiosos têm encontrado na partitura indícios de simbologias numéricas associadas, mas isso é objeto de disputa, embora uma progressão orgânica e sua estrutura simétrica sejam claramente discerníveis. O resultado é uma coleção de características únicas em sua produção, um tanto difícil de tocar mas de melodismo mais acessível ao grande público, pelo que foi louvada pelos críticos da época, e é possível que sua intenção com ela tivesse sido de fato oferecer um produto popular e rendoso.<ref>[http://books.google.com/books?id=JPE6AAAAIAAJ&pg=PA103 Williams (1980), p. 103-106]</ref> O retorno não foi tão bom quanto o esperado, mas a coleção teve um profundo impacto sobre a geração seguinte, sendo imitada por muitos outros organistas até o fim do século XVIII.<ref>Geiringer, p. 253</ref>
 
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[[Ficheiro:Rincgk 01.jpg|thumb|Capa autógrafa da ''Tocata e Fuga em ré menor'' BWV 565]]
 
As peças de livre inspiração ocupam um lugar igualmente importante no conjunto de sua produção, compreendendo os tipos [[tocata]], [[canzona]], [[passacalha]], fantasia, [[prelúdio]] e [[fuga]], mas como ocorre com grande parte de suas obras, a datação é difícil, e várias delas sobrevivem em versões diferentes. De modo geral apresentam um estilo rapsódico típico dos mestres alemães da geração anterior a ele, mas suas características individuais são extremamente variadas e é impossível analisá-las como um conjunto unificado em termos de estilo e abordagem. As atribuídas à sua primeira fase criativa são, de acordo com Geiringer, fruto de um iniciante ávido por experimentações e em busca de um caminho seu, e se revelam como obras imaturas, com inconsistências na estrutura e estilo e às vezes alguns erros técnicos. Mesmo assim, são obras exuberantes e de grande efeito. Destacam-se desta fase entre outras o ''Prelúdio e Fuga em sol menor'' BWV 535, com uma conclusão poderosamente dramática; o ''Prelúdio e Fuga em sol maior'' BWV 550, com uma extraordinária passagem para solo de pedal, e sobretudo a célebre ''Tocata e Fuga em ré menor'' BWV 565, iniciando e encerrando com trechos rapsódicos que emolduram uma fuga no centro; seu caráter é de improvisação brilhante e fogosa, cheia de passagens virtuosísticas e técnica impecável. Da fase madura são notáveis, por exemplo, a ''Tocata em dó maior'' BWV 564, que mostra a influência italiana e contém entre as passagens de bravura uma longa e melodiosa cantilena; a ''Tocata e Fuga Dórica'' BWV 538, toda elaborada em torno de um único motivo simples, enunciado no início; a ''Tocata e Fuga em fá maior'' BWV 540, de grande extensão e efeito fulgurante, que levou [[Mendelssohn]] a dizer, ao ouvi-la, que parecia que a igreja iria desmoronar; o ''Prelúdio e Fuga em sol maior'' BWV 541, que surpreende com uma pausa e um episódio homofônico no meio da fuga, seguido de uma passagem duramente dissonante, mas da sua maturidade talvez a peça mais conhecida seja a ''Passacalha em dó menor'' BWV 582, que consiste em vinte variações sobre um baixo ''[[ostinato]]'', obra de arquitetura poderosa que parece esgotar as possibilidades do gênero da [[variação (música)|variação]]. Também se incluem entre as obras de livre inspiração arranjos para órgão de obras orquestrais de outros compositores, onde amiúde transformou tanto a escrita original que passam a ser obras quase inteiramente suas.<ref>Geiringer, p. 212-228</ref>
 
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Sua veia experimental levou-o a tomar o modelo da trio-sonata e introduzir-lhe uma modificação simples, mas fundamental, atribuindo ao teclado uma das duas vozes solistas, confiada à mão direita, enquanto a esquerda realizava todo o baixo contínuo, prescindindo de um instrumento melódico adicional para reforço da linha do baixo, tais como os costumeiramente usados, o violoncelo, gamba ou fagote. Com isso adaptou uma forma originalmente concebida para pelo menos quatro instrumentos - dois solistas melódicos, um teclado para recheio harmônico e um baixo melódico - para uma formação enxuta de apenas dois executantes. Não foi ele, na verdade, o inventor dessa nova fórmula, mas a levou a um grau de perfeição sem precedentes. Além disso, introduziu nesta trio-sonata modificada elementos do concerto e expandiu a sua textura adicionando outras vozes, sem requisitar instrumentos adicionais. Pertencem a este gênero, por exemplo, as sonatas para violino e teclado BWV 1014-1019, as sonatas para flauta e teclado BWV 1030 e 1032, e a ''Sonata para viola da gamba e cravo obbligato'' BWV 1027.<ref>Geiringer, p. 305-308</ref>
 
[[Ficheiro:Ricercare a 6 from The Musical Offering.jpg|thumb|leftesquerda|Manuscrito do ''Ricercare a seis vozes'' da ''Oferenda Musical'']]
 
Suas obras de câmara mais importantes são duas coleções de seus anos finais. A primeira é a ''[[Oferenda Musical]]'' BWV 1079. O conjunto nasceu em sua visita ao rei Frederico II da Prússia, em 1747, quando o rei deu ao compositor um sujeito de fuga para que improvisasse em torno. Bach tocou então, diante da augusta presença, em um pianoforte, o que veio a ser conhecido como o ''Ricercare a 3'' da coleção, prometendo mandá-lo imprimir. De volta à sua casa em Leipzig, escreveu não somente a obra prometida mas uma série de peças: dez [[cânone]]s, dois [[ricercare]]s e uma trio-sonata nos moldes tradicionais, todas a partir do mesmo tema régio. A partitura que foi finalmente publicada e oferecida ao rei, porém, mostra sinais evidentes de ter sido elaborada às pressas, e contém somente parte do conjunto atualmente conhecido. O restante foi impresso como suplemento mais tarde. O original manuscrito não sobreviveu, salvo uma versão antiga do ''Ricercare a 6''. Disso, e dos erros da versão impressa, deriva a grande confusão que até hoje reina entre os estudiosos, principalmente a respeito da ordem das peças e da instrumentação que Bach pretendia para o conjunto. O primeiro aspecto é o mais problemático e já deu origem a uma considerável bibliografia especulativa. Sobre o segundo há menos dúvidas, pois para a trio-sonata ele deixou indicação explícita - flauta, violino e baixo contínuo - e para um dos ricercares também - dois violinos - o que autoriza a suposição de que todo o conjunto pode ser executado por um grupo de flauta, dois violinos e contínuo integrado por cravo e gamba. A ''Oferenda Musical'' é em síntese uma coletânea de variações sobre o tema régio, de incomum força expressiva, trabalhado de várias maneiras contrapontísticas eruditas, tais como movimento retrógrado, aumento, ''cantus firmus'' e outras, incluindo dois "cânones enigmáticos", em que Bach não deu indicações de entrada das vozes sucessivas, ficando a decisão a cargo do intérprete. A peça central da coleção é a trio-sonata, que segue o modelo da [[sonata de igreja]], com quatro movimentos e ricas texturas contrapontísticas.<ref>Kohlhase, p. 1-2</ref><ref>[http://books.google.com/books?id=8WFNr4EZk2cC&pg=PA239 Wolff, p. 239-258]</ref>
 
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::''"Nada é mais difícil de definir ou explicar que o estilo vocal de Bach. É claro, contudo, que o cerne de seu estilo reside no seu compromisso de ilustrar expressivamente os textos, as palavras individuais desses textos, e os afetos que veiculam. Suas linhas vocais raramente são apenas líricas, e não guardam a menor semelhança com o estilo ''cantabile'' dos italianos. Quase sempre são altamente dramáticas e amiúde cheias de complexos motivos rítmicos, com um desenho anguloso de saltos amplos. Passagens melismáticas, algumas de enorme extensão, ocorrem às vezes para emprestar mais ênfase retórica ou para simbolizar determinada palavra, mas noutras ocasiões são parte integral do desenvolvimento melódico"''.<ref name="Buelow, p. 533"/>
[[Ficheiro:BWV 248 Autograph.jpg|thumb|Página autógrafa do ''Oratório de Natal'']]
 
[[Ficheiro:BWV 248 Autograph.jpg|thumb|Página autógrafa do ''Oratório de Natal'']]
As cantatas sacras são peças de ocasião, e por regra eram ouvidas apenas uma única vez. Obras muito elaboradas artisticamente, o que o ouvinte não conseguia entender em termos estéticos, como disse Chafe, era compensado por seu conhecimento de uma rede de intenções que ligavam a experiência religiosa de cada um ao seu contexto cultural e religioso maior. A principal dentre essas intenções era apresentar o caráter dinâmico da experiência religiosa num programa didático sequencial de [[doutrina dos afetos|afetos]] e formas com que o ouvinte comum pudesse se identificar, criando uma ponte entre as [[Bíblia|Escrituras]] e a fé, à luz, naturalmente, da tradição [[hermenêutica]] fundada por [[Lutero]]. Para conseguir esse objetivo, além do conteúdo explícito dos textos, Bach recorria a um rico repertório de elementos puramente musicais para ilustrar e enfatizar o texto, elementos que por sua vez estavam associados a uma série de convenções [[símbolo|simbólicas]] e [[alegoria|alegóricas]] então de domínio público, um procedimento típico do Barroco em geral, no caso aplicado aos propósitos do Protestantismo.<ref>[http://books.google.com/books?id=wVXP165e-uEC Chafe, p. ix-xv]</ref>
 
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<div style="padding:0.5em; text-align:left">{{multi-escuta item|nomearquivo=Bach - cantata 140. 7. chorale.ogg|titulo=Coro de encerramento da Cantata ''Wachet auf, ruft uns die Stimme'' BWV 140|descricao=<small>Interpretado pelo MIT Concert Choir</small>|format=[[ogg]]}}</div>
[[Ficheiro:Passionhandschrift.jpg|thumb|Trecho autógrafo da ''Paixão segundo São Mateus'']]
 
[[Ficheiro:Passionhandschrift.jpg|thumb|Trecho autógrafo da ''Paixão segundo São Mateus'']]
As suas paixões podem ser descritas como cantatas sacras expandidas ou [[oratório (música)|oratório]], que narram a [[Paixão de Cristo]] segundo os [[evangelistas]]. Nas obras de Bach o texto bíblico é frequentemente interpolado com versos modernos que fazem meditações sobre cada cena. Registram-se cinco obras neste gênero, mas só sobreviveram duas, a ''[[Paixão segundo São João]]'' e a ''[[Paixão segundo São Mateus]]''.<ref>[http://books.google.com/books?id=aw1TTtpp4FwC&pg=PA528 Buelow, p. 540]</ref> Ambas são obras-primas de grande envergadura e possuem vários aspectos em comum, mas a última delas, de grande impacto dramático, é a sua obra vocal mais complexa e tem sido louvada por muitos como a sua criação mais sublime, e de qualquer forma surge como a culminância da tradição de paixões luteranas. É difícil destacar algum de seus movimentos, mas serve de exemplo a peça de abertura, uma vasta fantasia-coral para coro duplo, cada parte vocal dobrada por seu próprio naipe de instrumentos, que canta o verso ''Vinde, oh filhas, fazei coro ao meu lamento'', formando um denso tecido contrapontístico sobre o qual paira, após o 30º compasso, uma linha para sopranos infantis cantando o hino ''Oh, Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo'', com grande efeito.<ref>[http://books.google.com/books?id=YiJKHGxrYzsC&pg=PA86 Leaver, p. 103-108]</ref>
 
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[[Ficheiro:Thomaskirche Choir.jpg|thumb|Órgão da Igreja de S. Tomás em Leipzig]]
 
::''"Todas essas notáveis realizações, meu Fábio, considerarias deveras triviais se pusesses erguer-te dos mortos e ver nosso Bach... como ele, com ambas as mãos e usando todos os dedos, toca um cravo que parece consistir em numerosas cítaras, ou corre sobre as teclas do instrumento dos instrumentos (o órgão)...; e como ele, usando por um lado as mãos, e por outro, com extrema rapidez, os pés, faz surgir por encanto, e sem a ajuda de ninguém, sucessivas revoadas de sons harmoniosos; eu digo, se pudesses vê-lo, como ele consegue o que muitos citaristas e seiscentos executantes de instrumentos de sopro jamais poderiam conseguir, não meramente entoando e tocando ao mesmo tempo suas próprias partes mas dirigindo trinta ou quarenta músicos, todos ao mesmo tempo, controlando este com um aceno de cabeça, aquele outro com um batida do pé, um terceiro com um dedo de advertência, mantendo o tempo e a afinação, dando uma nota aguda a um, uma grave a outro, e notas intermédias a alguns. Este homem, sozinho, de pé em meio ao harmônico turbilhão de sons, tendo a mais árdua de todas as tarefas, pode discernir a todo momento se um executante ameaça extraviar-se, e manter todos os músicos em ordem, recuperar qualquer vacilação, incutir-lhes segurança e impedi-los que cometam erros. O ritmo está em todos os seus membros, ele absorve todas as harmonias em seu ouvido sutil e profere todas as diferentes vozes por intermédio de sua própria boca. Grande admirador como sou da Antiguidade em outros aspectos, considero que este meu Bach engloba em si numerosos [[Orfeu]]s e vinte [[Anfião]]s"''.<ref>Geiringer, p. 90</ref>
 
Outro mito é de que a obra de Bach havia caído no olvido imediatamente após sua morte, e assim permanecera até ser ressuscitada no início do século XIX por alguns entusiastas alemães. A pesquisa recente, porém, afirma que essa visão não é inteiramente correta. Realmente a maior parte de sua produção desapareceu de vista junto com o compositor, mas de diversos modos sua memória permaneceu e pôde ser transmitida à posteridade imediata.<ref>[http://books.google.com/books?id=VoSWN-OXjdIC&pg=PA206 Applegate, p. 200]</ref> Vários de seus filhos se tornaram compositores reputados, e embora em sua maioria tivessem adotado outras estéticas, mantiveram o nome Bach em evidência; Carl Philipp regeu apresentações de algumas peças vocais do pai a partir de 1768, incluindo o ''Credo'' da ''Missa em si menor'', e Wilhelm Friedemann fez o mesmo, com ainda maior assiduidade, ambos encontrando boa resposta do público.<ref name="Geck, p. 27-29">[http://books.google.com/books?id=OvSeGvRFm-YC&pg=PA5 Geck, p. 27-29]</ref> Pouco depois Fasch começou uma tradição de interpretações de seus motetos, e em seguida se tornaram acessíveis edições de ''O Cravo Bem Temperado'', de ''A Arte da Fuga'' e de algumas cantatas. Seus muitos alunos também contribuíram legando às gerações seguintes sua metodologia de ensino e com ela suas peças didáticas para teclado, como o ''Cravo'', as ''Invenções'' e outras. Críticos respeitados como [[Friedrich Wilhelm Marpurg|Marpurg]], [[Ernst Ludwig Gerber|Gerber]] e [[Johann Nikolaus Forkel|Forkel]] publicaram notas favoráveis, e colecionadores e amadores de "música antiga", como [[Gottfried van Swieten|Van Swieten]], [[Georg Poelchau|Poelchau]] e [[Christian Gottlob Neefe|Neefe]], buscaram seus manuscritos, dispersos entre seus filhos e alunos, e os divulgaram entre um seleto grupo de conhecedores, onde estavam incluídos [[Haydn]], [[Mozart]] e [[Beethoven]], que manifestaram sua admiração pelo velho mestre e foram por ele influenciados. Graças principalmente à intermediação de Poelchau, um grande número de partituras manuscritas pôde ser preservado da destruição, acabando por encontrar abrigo na biblioteca da Singakademie e na Biblioteca Real de Berlim (atualmente depositadas na [[Biblioteca Estatal de Berlim]], que até hoje é o maior repositório de fontes originais da música bachiana). Mesmo assim, o número daqueles que conheciam algo da obra bachiana no fim do século XVIII era reduzido, e não dispunha de meios para disseminá-la em larga escala.<ref name="Geck, p. 27-29"/><ref>[http://books.google.com/books?id=VoSWN-OXjdIC&pg=PA206 Applegate, p. 200-206]</ref><ref>Geiringer, p. 339-340</ref>
 
[[Ficheiro:Felix Mendessohn Bartholdy.jpg|thumb|leftesquerda|180px|Felix Mendelssohn, um dos grandes divulgadores de Bach no início do século XIX]]
[[Ficheiro:Bundesarchiv Bild 183-18891-0004, Eisenach, Bach-Denkmal.jpg|thumb|180px|left|Monumento a Bach erguido em Eisenach em 1884, criado por [[Adolf von Donndorf]]]]
 
Com o progressivo acúmulo de apreciações críticas e invocações públicas à sua memória que apareceram até o fim do século a situação começou a mudar, embora sua música continuasse longe dos ouvidos do grande público e mesmo de grande parte dos conhecedores. Nos últimos anos do século XVIII Bach passou a ser considerado um grande músico e uma honra para a Alemanha, sendo chamado por [[Rochlitz]] em 1798 de "o patriarca da música germânica" e "a fonte de toda a verdadeira sabedoria musical". Em 1802 apareceu a primeira biografia aprofundada sobre o compositor, de autoria de Forkel, que usou muito material manuscrito e informações obtidas em primeira mão de seus filhos, constituindo o primeiro marco crítico importante na completa ressurreição de Bach, embora ele o apresentasse num viés claramente patriótico. Forkel também desenvolveu decisiva atuação em prol de Bach incentivando a publicação de obras para teclado e divulgando-as no exterior. Ao mesmo tempo, outros escritores como Thibaut e Reichert teciam críticas ao estilo "antiquado" de Bach, ainda que reconhecessem sua grande inventividade, e à biografia excessivamente nacionalista de Forkel, alegando que ela não acrescentava nada de novo ao que já se conhecia sobre ele. Por outro lado, em torno de 1807 o organista [[Samuel Wesley]] iniciou na [[Inglaterra]] um movimento bachiano,<ref>[http://books.google.com/books?id=VoSWN-OXjdIC&pg=PA206 Applegate, p. 206-214]</ref> enquanto que suas obras começavam a ser ouvidas nos [[Estados Unidos]].<ref>[http://books.google.com/books?id=Np8JMOlCW2sC&pg=PA215 Owen, p. 1-4]</ref>
 
[[Carl Friedrich Zelter]], diretor da Singakademie de Berlim, foi o responsável pelos passos seguintes. Grande conhecedor da obra vocal de Bach, tinha acesso à rica coleção de partituras que havia pertencido a [[Johann Kirnberger|Kirnberger]] e [[Johann Friedrich Agricola|Agricola]], alunos de Bach. Sendo professor de [[Mendelssohn]], recomendou-lhe um estudo da coleção, suscitando seu entusiasmo. Em 1829 Mendelssohn regeu em Berlim a primeira audição completa da ''Paixão segundo São Mateus'' desde sua estreia um século antes. A recepção da obra foi extremamente favorável, coincidindo com a expectativa da comemoração do tricentenário da [[Confissão de Augsburgo]], um marco do Luteranismo, a ser celebrada no ano seguinte. Como resultado imediato, ambas as paixões e a grande missa foram reimpressas e o evento colocou Bach definitivamente de volta nas salas de concerto. Com o ativo apoio de [[Robert Schumann]], em 1850 foi fundada a Bach Gesellschaft (Sociedade Bach), que se impôs a ambiciosa tarefa de providenciar a edição completa da obra bachiana com comentários críticos, terminada cerca de cinquenta anos depois e dando a público 46 volumes de música.<ref>[http://books.google.com/books?id=VoSWN-OXjdIC&pg=PA228 Applegate, p. 228-230]</ref><ref name="Geiringer, p. 340-341">Geiringer, p. 340-341</ref>
 
[[Ficheiro:Bundesarchiv Bild 183-18891-0004, Eisenach, Bach-Denkmal.jpg|thumb|180px|leftdireita|Monumento a Bach erguido em Eisenach em 1884, criado por [[Adolf von Donndorf]]]]
Entrementes, surgiam outras alentadas biografias. Em 1865 Carl Heinrich Bitter publicou uma análise detalhada e compreensiva de sua vida e obra, colocando na sombra o trabalho de Forkel. Era, contudo, um ensaio de diletante, e foi por sua vez obscurecido pela contribuição fundamental de [[Philipp Spitta]], publicada entre 1873 e 1880, o primeiro estudo de perfil acadêmico, que permanece até hoje como uma referência, apesar de em muitos pontos estar ultrapassado e idolatrar Bach como o modelo de tudo o que a música deveria ser. Mas foi o primeiro a introduzir em seu estudo as abordagens filológica, histórica, estética, teológica e intelectual, tentando, até aonde a mentalidade [[romantismo|romântica]] de seu tempo permitiu, colocar a obra bachiana no seu correto contexto histórico. Em contrapartida, alimentou o mito de Bach como o músico supremo, transcendente e quintessencial.<ref>[http://books.google.com/books?id=OvSeGvRFm-YC&pg=PA10 Geck, p. 10-17]</ref>
 
Outras forças em ação durante o século XIX contribuíram para a difusão e o enraizamento desses mitos. O Romantismo, entre outras coisas, estimulou uma redescoberta da música de séculos passados no contexto da formação do nacionalismo germânico, atribuindo a Bach uma função política, tanto quanto cultural. Além disso, uma ressurgência do [[Pietismo]] protestante também cobrou do músico, visto como um [[místico]], uma participação, e os vários compositores que foram influenciados por sua obra fizeram leituras dela antes de tudo pessoais e subjetivas, bem de acordo com a tendência romântica do culto ao gênio e ao individualismo e independentemente do avanço dos estudos críticos, e deram nova circulação e interpretação a declarações muitas vezes não documentadas do próprio compositor sobre seu trabalho e suas intenções, com o resultado de proliferar o folclore em seu redor. Expressões extremadas se tornaram comuns quando falando a seu respeito. Beethoven disse que seu nome não deveria ser ''Bach'', que em alemão significa "riacho", mas sim ''Meer'', que significa "mar"; [[Wagner]] imaginava que Bach era a expressão do mais íntimo espírito germânico e associou sua música a uma [[esfinge]], às esferas celestes e a um mundo anterior ao nascimento da humanidade; [[Brahms]] disse que se toda outra música do mundo se perdesse ele ficaria triste, mas se se perdesse a música de Bach ele ficaria inconsolável,<ref>[http://books.google.com/books?id=BKMx7o0Gty4C Finscher, p. 1-6]</ref> e o crítico William Apthorp declarou que não podia abrir um volume de música bachiana sem sentir um arrepio de terror supersticioso, pois ela aniquilava a obra de todos os outros compositores.<ref>[http://books.google.com/books?id=wUdYh0kUCfMC&pg=PA61 Apthorp, p. 61]</ref> As apreciações podiam ser extravagantes ao ponto de ler a obra de Bach como um exemplo de [[Classicismo]]. No final do século Bach se tornara um gigante aos olhos do mundo musical não apenas germânico, e suas peças para teclado, o fundamento de toda a arte pianística.<ref>[http://books.google.com/books?id=BKMx7o0Gty4C Finscher, p. 8]</ref><ref name="Orledge">[http://books.google.com/books?id=vkwm4NnRuA4C&pg=PA249 Orledge, p. 249]</ref> Sua influência sobre outros compositores se tornou, com isso, tão onipresente que nenhum outro músico podia ombrear com ele, sendo comparado a outros nomes imortais da arte ocidental como [[Shakespeare]] e [[Dante]].<ref>[http://books.google.com/books?id=wUdYh0kUCfMC&pg=PA70 Apthorp, p. 59; 71]</ref>
[[Ficheiro:Leipzig 09.jpg|thumb|Monumento a Bach diante da Igreja de S. Tomás em Leipzig, obra de [[Carl Seffner]]]]
 
[[Ficheiro:Leipzig 09.jpg|thumb|220px|esquerda|Monumento a Bach diante da Igreja de S. Tomás em Leipzig, obra de [[Carl Seffner]]]]
Com o encerramento da edição crítica da Bach Gesellschaft, em 1900 foi fundada a Neue Bach Gesellschaft (Nova Sociedade Bach), com o objetivo de iniciar a publicação de uma edição prática. A sociedade também inaugurou a tradição dos Festivais Bach e iniciou a publicação de um anuário bachiano, o ''Bach Jahrbuch'', responsável pela divulgação de uma enorme quantidade de ensaios críticos particularizados. Durante mais de trinta anos o anuário foi editado por [[Arnold Schering]], grande estudioso de Bach, que deu contribuições pessoais importantes ao tema.<ref name="Geiringer, p. 340-341"/> Entre as biografias, em 1905 surgiu a de [[Albert Schweitzer]], que introduziu uma nova abordagem, enfocando principalmente aspectos estéticos, simbólicos e a associação entre a música bachiana e imagens pictóricas e poéticas, bem como analisando o conteúdo expressivo dos textos de suas cantatas e sua tradução musical e a inter-relação entre as várias artes daquele tempo. Esta biografia, cujo título, ''J. S. Bach, Le Musicien-Poète'' (J. S. Bach, o músico-poeta), é indicativo de suas intenções, marcou época e assinalou uma reorientação nas pesquisas, que passaram a estudar os princípios da teoria barroca da [[retórica]] musical a fim de melhor compreender as suas obras, o que constituiu uma conquista importante. O livro também tomou uma posição na polêmica que então corria entre os advogados da dita "música absoluta", desvinculada de programas extra-musicais, e a música poética e expressiva, inclinando-se a favor da última proposição, mas alertando que tal dicotomia era prejudicial à apreciação da [[música barroca]].<ref>[http://books.google.com/books?id=OvSeGvRFm-YC&pg=PA5 Geck, p. 18-22]</ref><ref>Geiringer, p. 341-342</ref> Schweitzer também foi importante por ter sido o campeão do ''Orgelbewegung'', um movimento que pretendeu resgatar a antiga tradição barroca de construção de órgãos, influenciando a moderna tendência de interpretações historicamente corretas.<ref>Joy, p. 127-165</ref> A esta altura diversos grupos e sociedades já se dedicavam ao estudo e execução da música bachiana em vários pontos da Europa,<ref>Seaver, p. 20.</ref> e em 1928 Charles Terry reexaminou toda a documentação biográfica disponível e publicou um colorido relato sobre a vida de Bach.<ref>Geiringer, p. 342</ref>