Plano Cohen: diferenças entre revisões

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Acréscimos
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Com a aproximação das eleições presidenciais marcadas para 1938, a ausência de um candidato que agradasse ao governo e a impossibilidade de estender o seu mandato, [[Getúlio Vargas]] e o general [[Eurico Gaspar Dutra]] passaram a planejar um golpe de Estado, mas que só funcionaria se aparentasse ser uma questão de necessidade nacional.{{Sfn|Seitenfus|2000|p=84-85}}{{Sfn|McCann|2017|p=22}}{{Sfn|Seitenfus|2000|p=87}} A cúpula militar do governo identificou a necessidade de "revelar" novos fatos que introduzissem um clima de insegurança e instabilidade,{{Sfn|Seitenfus|2000|p=86-87}} e assim surgiu a ideia da fabricação do Plano Cohen.{{Sfn|Seitenfus|2000|p=87}} O documento foi enviado pelo general [[Pedro Aurélio de Góis Monteiro]], chefe do Estado-Maior do Exército, às principais autoridades militares do país{{Sfn|Martins|2012|p=141}}{{Sfn|McCann|2017|p=23}} e, em uma reunião oficial dos membros militares do governo, foi apresentado como se fôra apreendido pelas Forças Armadas.{{Sfn|FGV|1997}} Dutra e os demais presentes expressaram plena convicção quanto à iminência de um golpe comunista e à necessidade das Forças Armadas agirem com vigor.{{Sfn|Brandi|2001}} O Plano Cohen foi então divulgado, desencadeando comoção e uma forte campanha anticomunista.{{Sfn|FGV|1997}} Vargas aproveitou-se da falsa ameaça para pressionar o [[Congresso Nacional do Brasil|Congresso Nacional]] a decretar um [[Estado de guerra#No Brasil|''estado de guerra'']], que lhe deu poderes para remover seus opositores.{{Sfn|FGV|1997}} Em 10 de novembro de 1937, quarenta dias após a divulgação do Plano Cohen, a ditadura do Estado Novo foi implantada no país.{{Sfn|Castro|1972|p=3}}{{Sfn|Brandi|2001}}
 
Com a crise do Estado Novo, em 1945, o mesmo general Góis Monteiro que ajudara a arquitetar o Golpe de 1937 passou a trabalhar para derrubar Vargas.{{Sfn|Martins|2012|p=145}} Ele denunciou a fraude que ocorrera oito anos antes, afirmando que o Plano Cohen fôra entregue ao Estado-Maior do Exército pelo capitão [[Olímpio Mourão Filho]], à época chefe do serviço secreto da [[Ação Integralista Brasileira]] (AIB).{{Sfn|FGV|1997}} Mourão Filho confirmou ser o autor do documento, mas alegou tê-lo elaborado como uma mera simulação e acusou Góis Monteiro de dele ter se apropriado e utilizado indevidamente.{{Sfn|FGV|1997}} Góis Monteiro, por sua vez, afirmou ter sabido da falsidade do documento desde o início, mas eximiu-se de qualquer culpa ao sugerir que um outro membro do governo o havia levado a público e afirmado que era verídico.{{Sfn|Castro|1972|p=5-6}} Questionado sobre seu silêncio durante o golpe de Estado de 1937, Mourão alegou ter respeitado a disciplina militar.{{Sfn|FGV|1997}}
 
A revelação da fraude em torno do Plano Cohen causou consternação e vergonha na sociedade brasileira, que se sentiu ludibriada.{{Sfn|Castro|1972|p=5}} Embora a conspiração e o envolvimento da alta cúpula das Forças Armadas tenham sido rapidamente comprovados, as acusações mútuas e a terceiros, levantadas por Mourão e, principalmente, por Góis Monteiro, dificultaram estabelecer com clareza a parcela de culpa de cada envolvido e que medidas fossem tomadas contra eles.{{Sfn|Castro|1972|p=5}} Como parte do seu legado, o Plano Cohen teve papel decisivo em fenômenos que se estendem até a atualidade, como a institucionalização do anticomunismo como parte central da identidade dos militares brasileiros{{Sfn|Morais|2013|p=11, 18}} e a sedimentação, nos quadros militares, da ideia de que uma ditadura temporária pode servir como instrumento de progresso.{{Sfn|Atassio|2007|p=36-37}} Por analogia, a conspiração em torno do Plano Cohen foi equiparada a eventos como a campanha de atemorização deflagrada às vésperas do [[Golpe de 1964]]{{Sfn|Inácio|2010|p=90}}{{Sfn|Toledo|2014|p=32}} e continua a ser mencionada em análises sobre a política brasileira contemporânea.{{Sfn|Toron|2020}}{{Sfn|Kramer|Moura|5=2018}}{{Sfn|Magalhães|2018}}
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O comunismo já vinha sendo retratado pelas elites conservadoras como um monstro que ameaçava "a ordem social e a moral cristã da família",{{Sfn|Morais|2013|p=18-23}} como, aliás, também vinha ocorrendo na Europa desde o séc. XIX.{{Sfn|Silva|2001|p=13}} Também no Velho Continente o anticomunismo havia servido como aglutinador de toda a sorte de setores conservadores das sociedades{{Sfn|Silva|2001|p=13}}{{Sfn|Silva|2001|p=18-19}} e toda manifestação política que discordava ou ameaçava a ordem vigente era tachada de "comunista".{{Sfn|Silva|2001|p=13}}
 
Contudo, nos anos 1930 o anticomunismo passou a ser institucionalizado no Brasil.{{Sfn|Morais|2013|p=18-23}} Com a aprovação de uma nova [[Lei de Segurança Nacional (Brasil)|Lei de Segurança Nacional]] em abril de 1935, que previa crimes com definições imprecisas, de maneira a permitir enquadrar praticamente toda manifestação que desagradasse ao governo, Vargas passou a prender e torturar membros do operariado organizado{{Sfn|Blay|1989|p=110-111}} e por fim fechou a [[Aliança Nacional Libertadora]] (ANL), cujos membros, ao serem excluídos arbitrariamente dos processos políticos, passaram a planejar [[Intentona Comunista|uma revolta]] sob a liderança da corrente comunista do partido.{{Sfn|Blay|1989|p=111}} Essa revolta falhou rapidamente e seus membros foram punidos de maneira particularmente violenta,{{Sfn|Blay|1989|p=111}} mas ela forneceu um forte pretexto duradouro para justificar o endurecimento do regime Vargas.{{Sfn|Pandolfi|2020}}
 
Assim, o [[Congresso Nacional do Brasil|Congresso Nacional]] passou a aprovar uma série de medidas que cerceavam seu próprio poder, enquanto o Poder Executivo ganhava poderes de repressão praticamente ilimitados.{{Sfn|Pandolfi|2020}} Multiplicaram-se a [[Censura no Brasil|censura]] aos meios de comunicação, a perda de direitos civis, as prisões arbitrárias, as deportações, as torturas e o assassínio de opositores, enquanto se reforçava sistematicamente o medo da sociedade contra supostos inimigos e a figura de Vargas como "líder salvador da pátria".{{Sfn|Blay|1989|p=112}} Em sua fase final, esse mesmo processo envolveu o Plano Cohen, um exemplo eloquente da intersecção entre o [[antissemitismo]] e o [[anticomunismo]] brasileiros{{Sfn|Motta|1998|p=93, 100}}{{Sfn|Dantas|2014|p=127}} e que funcionou como o "arremate do clima anticomunista":{{Sfn|Blay|1989|p=112}} ele culminou no golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, que fechou o Congresso, cancelou eleições e manteve Vargas no poder até 1945.{{Sfn|Pandolfi|2020}} Em parte por conta da farsa em torno do Plano, a ideia de uma conspiração comunista internacional se tornaria "de longe a mais poderosa teoria da conspiração brasileira" dos últimos cem anos, com ramificações que se estendem até a atualidade.{{Sfn|Bevins|2020}}
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=== Revoltas e golpes militares ===
Por fim, o Plano Cohen deve ser situado no contexto das numerosas revoltas nos quadros militares ao longo da década de 1920, como a [[Revolta dos 18 do Forte de Copacabana|Revolta dos Dezoito do Forte]], em 1922, a [[Revolta Paulista de 1924]], a [[Comuna de Manaus]] de 1924 e a [[Coluna Prestes]], entre os anos de 1925 e 1927, revoltas tenentistas que forneceram motivos para o Golpe de 1930: a deposição do governo de [[Washington Luís]], o impedimento da posse do presidente eleito, [[Júlio Prestes]], e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.{{Sfn|Schiavon|2009|p=238-239}} A [[Era Vargas]] continuaria a ver o surgimento de insurgências militares pelo país, notadamente a [[Revolta Constitucionalista]] de 1932]],{{Sfn|Schiavon|2009|p=241}} a Intentona Comunista de 1935,{{Sfn|Schiavon|2009|p=243, 245-246}} a [[Levante Integralista|Intentona Integralista]] de 1938{{Sfn|FGV|1997b}} e o próprio [[Deposição de Vargas|golpe que depôs Vargas]] em 1945, ao passo que a disseminação intencional do medo do comunismo, como instrumento para sustentar golpes e manipular o jogo político, continuaria constantemente presente na realidade brasileira, incluindo no próprio golpe que resultou do Plano Cohen, em 1937, mas também no [[Golpe de 1964]] e em numerosos outros episódios da vida política em pleno séc. XXI.{{Sfn|Silva|2001|p=14-15}}{{Sfn|Bevins|2020}}{{Sfn|Martins|2012|p=139-141}}
 
== Origens ==