Sudário de Guntário

tapeçaria bizantina datada de 1064

Sudário de Guntário (em alemão: Gunthertuch) é uma tapeçaria de seda bizantina que representa o retorno triunfal de um imperador bizantino de uma campanha vitoriosa. A peça foi comprada, ou possivelmente recebida como um presente, pelo bispo Guntário de Bamberga, durante sua peregrinação de 1064-1065 para a Terra Santa através do Império Bizantino. Guntário morreu em seu retorno, e foi enterrado na Catedral de Bamberga. O tecido foi redescoberto em 1830 e atualmente está exposto no Museu Diocesano de Bamberga.

Sudário de Guntário

Originalmente foi interpretado que o imperador representado no Sudário de Guntário seria Basílio II Bulgaróctono (r. 976–1025) no contexto de seu retorno triunfal da conquista bizantina da Bulgária. Contudo, estudiosos modernos reinterpretaram a cena, alegando na verdade tratar-se de João I Tzimisces (r. 969–976), que em 971 realizou um retorno triunfal para Constantinopla após sua bem-sucedida campanha contra os Rus' que tinham invadido e ocupado a Bulgária. Além disso, variadamente interpretou-se as figuras apresentadas ao lado da figura imperial como Tiques.

História editar

 
Santa Sofia, local onde possivelmente o Sudário de Guntário estava originalmente

Em novembro de 1064, Guntário tomou parte da chamada Grande Peregrinação Germânica de 1064-1065 para Jerusalém, sob a liderança do arcebispo Sigurdo I de Mogúncia, o bispo Guilherme I de Utreque e o bispo Otão de Ratisbona. Os peregrinos, contabilizados cerca de 7 000, que viajaram através da Hungria e então através do Império Bizantino para a Terra Santa.[1] Em Constantinopla, a estatura imponente de Guntário e suas roupas elegantes levaram as pessoas a acharem que fosse o imperador Henrique IV (r. 1084–1105), viajando incógnito.[2] É desconhecido como Guntário adquiriu a seda. O bizantinista Günter Prinzing teoriza que o sudário era na verdade utilizado como uma tapeçaria de parede em Santa Sofia.[3]

Guntário morreu em 23 de julho de 1065, durante seu retorno da peregrinação em Székesfehérvár, Hungria, devido a uma grave doença. Os outros peregrinos levaram seu corpo de volta para Bamberga, envolto no tecido. Lá, o sudário seria enterrado e permaneceria desconhecido até ser redescoberto em 1830, quando o túmulo de Guntário foi aberto como parte de extensos trabalhos de restauração da catedral.[4] Hoje, o sudário de Guntário está em exibição ao lado das túnicas, as relíquias e vestimentas imperiais do papa Clemente II (r. 1046–1047) e outros itens do século XI no Museu Diocesano de Bamberga.[5]

Descrição editar

O tecido fora produzido mediante o uso de uma técnica de tapeçaria.[6] Possui 218 centímetros de altura e 211 de comprimento, mostrando um imperador bizantino sobre fundo modelado. Ele está cavalgando sobre um cavalo branco, trajando uma coroa imperial de estilo bizantino, e portando uma lábaro em miniatura em sua mão direita. O imperador é flanqueado por duas figuras de Tiques, personificações femininas da fortuna da capital. Elas estão coradas com coroas murais e vestidas com longas roupas de baixo amarelas até os tornozelos e túnicas coloridas transparentes. A Tique direita, com a túnica verde, provavelmente presenteia o imperador com uma coroa, enquanto a esquerda, trajada em azul, segura a tufa, uma chapeleira reservada exclusivamente para triunfos. Ambas as figuras estão descalças, uma convenção simbólica típica de escravos, significando a submissão delas ao imperador, ou representando a divindade delas como deusas da fortuna.

Interpretação editar

 
Histameno de João I Tzimisces (r. 969–976) e Basílio II Bulgaróctono (r. 976–1025)
 
Retorno triunfal de João Tzimisces para Constantinopla em 971 segundo o Escilitzes de Madrid

O imperador foi inicialmente identificado, pelo bizantinista francês André Grabar, com Basílio II (r. 976–1025), e seu retorno triunfal de suas guerras contra os búlgaros.[7] A pesquisa moderna, contudo, concluiu que o tecido represente João I Tzimisces (r. 969–976) e seu retorno em 971 de sua campanha contra os Rus' que tinham invadido e ocupado a Bulgária.[3][4]

Segundo o historiador Leão, o Diácono, durante a procissão triunfal de Tzimisces, o imperador cavalgou sobre um cavalo branco atrás de uma carroça carregando um ícone da Virgem Maria e a regalia búlgara, com o cativo Bóris II (r. 969–971) e sua família seguindo atrás.[8] O relato posterior de João Escilitzes difere em alguns detalhes na descrição da procissão, mas ambas as fontes concordam que nesta ocasião, Tzimisces cavalgou um cavalo branco, e que duas coroas búlgaras desempenharam um papel importante no processo. Ambos os autores também concordam que uma destas coroas era uma tiara, ou seja, a tufa, em concordância com a descrição do Sudário de Guntário.[4]

Autores mais antigos interpretam as duas Tiques como representando Roma e Constantinopla (Nova Roma),[9][10] ou mesmo Atenas e Constantinopla, as duas cidades onde Basílio II celebrou sua vitória sobre a Bulgária.[7] Uma proposta diferente, baseada na coloração das roupas, considera que representem os Azuis e Verdes, os dois partidos tradicionais das corridas do Hipódromo da capital.[3] Os estudiosos modernos, por outro lado, sugerem que elas podem representar as duas grandes cidades capturadas durante a campanha de Tzimisces, Preslav e Dorostolo. Isso é significante no contexto que estas cidades foram renomeadas para Joanópolis (em honra ao imperador) e Teodorópolis (por os bizantinos acreditarem que São Teodoro, o Estratelate interveio na batalha final contra os Rus' diante de Dorostolo) respectivamente.[4][8]

Referências

  1. Holder-Egger 1894.
  2. Schmugge 1894.
  3. a b c Prinzing 1993.
  4. a b c d Stephenson 2003, p. 62-65.
  5. «Exponate im Haus» (em alemão). Flags of the World. Consultado em 22 de maio de 2015 
  6. Muthesius 2003, p. 350-351.
  7. a b Grahar 1956, p. 227.
  8. a b Stephenson 2000, p. 53-54.
  9. Deér 1966, p. 59.
  10. Schramm 1922-23, p. 159-161.

Bibliografia editar

  • Deér, Josef (1966). Die heilige Krone Ungarns (em alemão). Viena: Österreichische Akademie der Wissenschaften 
  • Grabar, André (1956). «La soie byzantine de l'eveque Gunther a la Cathedrale de Bamberg». Münchener Jahrbuch (em francês). 7 
  • Holder-Egger, Oswald (1894). Lamperti monachi Hersfeldensis Opera. Annales Weissenburgenses. Hanôver: [s.n.] pp. 1–304 
  • Muthesius, Anna (2003). «Silk in the Medieval World». In: Jenkins, David. The Cambridge History of Western Textiles. Cambridge: Cambridge University Press. ISBN 0-521-34107-8 
  • Prinzing, Günter; Vavrínek, Vladimír (1993). «Byzantium and Its Neighbours, from the Mid-9th till the 12th Centuries». Byzantinoslavica (em alemão). 54: 218–231 
  • Schmugge, Ludwig (1894). «Über "nationale" Vorurteile im Mittelalter». Deutsches Archiv für Erforschung des Mittelalters (em alemão). 38: 439–459 
  • Schramm, Percy Ernst (1922–1923). «Das Herrscherbild in der Kunst des frühen Mittelalters». Vorträge der Bibliothek Warburg (em alemão). 2 
  • Stephenson, Paul (2003). The Legend of Basil the Bulgar-Slayer. Cambridge: Cambridge University Press. ISBN 978-0-521-81530-7 
  • Stephenson, Paul (2000). Byzantium's Balkan Frontier: A Political Study of the Northern Balkans, 900–1204. Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press. ISBN 0-521-77017-3