Fuga de Varennes

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A chamada Fuga de Varennes foi a tentativa frustrada de evasão de Luís XVI de França e sua família, de 20 a 21 de junho de 1791. Episódio à primeira vista menor, em realidade é cheio de significado e determinante dentro do curso da Revolução Francesa.

Detenção de Luís XVI e sua família, Varennes-en-Argonne, 1791.

A fuga da família real, cujos planos já eram arquitetados por certos conselheiros desde os acontecimentos de 6 de Outubro de 1789, e retomados diversas vezes depois disso, é desta vez minuciosamente preparado por Hans Axel von Fersen. O séquito do Rei Luís XVI e de Maria Antonieta, sua esposa, tendo à frente Axel de Fersen, favorito da rainha, tenta organizar uma fuga para Montmédy, para lá encontrar o Marquês de Bouillé, general em chefe das tropas do Meuse, Sarre e Moselle, co-organizador do plano de evasão.

Plano de Fuga editar

 
Luís XVI de França

Os detalhes da fuga foram preparados com certa frivolidade, quase ingénua. Por exemplo: o plano tinha previsto disfarçar o rei em intendente, sem que ninguém notasse que um verdadeiro empregado jamais se sentaria numa berlinda face a face com sua patroa, Mme de Korff. A escolha da libré dos três cavalheiros (antigos guardas do corpo licenciado de 1789: Senhores de Moustier, de Valory et de Malden) não foi das mais judiciosas, já que a cor escolhida era as dos príncipes de Condé, que partiram para o estrangeiro no início da Revolução, e só podendo gerar suspeitas. Juntando a isso o fato de que a partida da equipagem na noite de 20 para 21 de Junho não fora feita dentro do mais completo segredo, compreende-se então que a notícia da fuga da família real tenha precedido a berlinda camuflada. esta berlinda era pintada na cor verde-garrafa e as rodas em amarelo-limão. No entanto, é conveniente afastar a ideia muito presente no imaginário popular: a berlinda da família real não era de forma alguma uma miniatura do Palácio de Versalhes, e sim um veículo de viagem totalmente de acordo com os usados para longos trajetos (esta berlinda serviu ainda como diligência até 1795, data em que foi destruída por um incêndio). Não se pode esquecer que o suposto destino da "Baronesa de Korff" era a Rússia. No entanto, pode-se, sim, questionar a escolha de um veículo puxado por seis cavalos, privilégio dormido apenas ao rei.

Identidades editar

Para que passassem despercebidos, a berlinda que os transportava estava registrada como sendo da Baronesa de Korff e cada membro do comboio possuía uma identidade emprestada:

Partida de Paris - 20 de Junho de 1791 editar

22 horas e 30 minutos editar

Duas camareiras de Maria Antonieta, Madame Brunier e Madame Neuville, as primeiras damas de Madame e do Delfim, saem das Tulherias para Claye-Souilly onde devem se juntar à berlinda real.

22 horas e 50 minutos editar

Axel de Fersen tira das Tulherias o Delfim (futuro Luís XVII de França), sua irmã, Maria Teresa de França e sua governanta, Louise Elisabeth de Croÿ de Tourzel.

23 horas e 30 minutos editar

Luís XVI e Maria Antonieta simulam recolher-se conforme o cerimonial habitual.

Fuga da Família Real: 21 de Junho de 1791 editar

Meia-noite e 10 minutos editar

 
Maria Antonieta

Luís XVI, disfarçado como valete de quarto, sobe em uma "citadina" (veículo para a cidade), estacionada próximo às Tulherias, na rua de l'Échelle. Ele aí encontra sua irmã, Madame Elisabeth, e Maria Antonieta junta-se a eles, às 0 horas e 35 minutos.

1 hora e 50 minutos editar

A família real alcança a berlinda com uma hora e meia de atraso sobre o horário previsto.

2 horas e 30 minutos editar

Primeira parada em Bondy: Axel de Fersen, que havia acompanhado a família real até aí, a deixa.

4 horas editar

Um cabriolé com as duas camareiras junta-se à berlinda real em Claye-Souilly.

7 horas editar

O valete de quarto descobre que Luís XVI não está em seu quarto nas Tulherias. O Conde de Provence (futuro Luís XVIII de França) deixa Paris de manhãzinha com seu amigo d'Avaray e chega sem a menor dificuldade, por Maubeuge e Avesnes, a Mons, na Bélgica. Daí ele ganha Marche, onde toma conhecimento da detenção de seu irmão, Luís XVI.

8 horas editar

A notícia da partida de Luís XVI espalha-se por Paris. A Assembleia Constituinte, após hesitar em decidir-se pela fuga ou pelo rapto do rei, declara que este fora "raptado".

10 horas editar

Sessenta hussardos chegam a Varennes.

11 horas editar

Os veículos reais param em Montmirail, Marne. Estão três horas atrasados com relação ao horário previsto. Em Paris, o general La Fayette envia correios em todas as direções para deter a família real. Em Sainte-Menehould e Clermont-en-Argonne, a população inquieta-se com a chegada de cavaleiros; a Guarda Nacional pega em armas.

16 horas editar

A berlinda real chega a Châlons-sur-Marne, com quatro horas de atraso. Os cavaleiros destacados em Pont-de-Somme-Vesle, cansados de esperar a passagem dos veículos reais e ameaçados pelos camponeses, recebem ordem de seu jovem chefe, o Duque de Choiseul, de se deslocar através dos campos e de ganhar Varennes, evitando as estradas.

19 horas e 55 minutos editar

O cabriolé, seguido pela berlinda real, para em frente ao posto de troca de equipagem de Sainte-Menehould. O chefe do posto, Jean-Baptiste Drouet, que já passara por Versalhes e que, segundo a lenda, compara o rosto do "valete de quarto" com a efígie real de um escudo, reconhece o rei, mas não reage ao fato. Ele só se lança em perseguição à berlinda real quando a municipalidade o obriga a fazê-lo, após deliberação.

20 horas e 10 minutos editar

Os dois veículos deixam o posto em direção a Clermont-en-Argonne onde os espera um destacamento de dragões comandado pelo coronel Damas. Estes, compactuando com a população, recusam suas ordens e deixam passar a berlinda.

21 horas editar

Jean-Baptiste Drouet e seu amigo Jean-Chrisosthome Guillaume montam a cavalo. Eles rumam, pela floresta de Argonne, para Varennes-en-Argonne, para onde pensam que os veículos reais se dirigem. Em Sainte-Menehould, os dragões são desarmados sem resistência pela população.

22 horas e 50 minutos editar

A berlinda para na entrada de Varennes, enquanto um cocheiro procura o ponto para troca de equipagem. Os viajantes estão espantados por não encontrar nenhum dos cavaleiros que deviam escoltá-los. Batem à porta de Monsieur de Préfontaines que diz ignorar qualquer plano para troca de equipagem no local. De fato, vendo que ninguém chegava, a troca havia sido transferida para a cidade baixa, do outro lado da ponte sobre o Rio Aire.

22 horas e 55 minutos editar

Jean-Baptiste Drouet e Jean-Chrisostome Guillaume chegam a Varennes, passam em frente à berlinda estacionada e advertem o procurador-síndico, o vendeiro Jean-Baptiste Sauce, que os veículos da família real em fuga estão parados no alto da vila. Eles decidem barricar a ponte sobre o rio, passagem obrigatória. A Guarda Nacional de Varennes se mobiliza e seu comandante, o futuro general Radet, faz colocar dois canhões em bateria, perto da ponte.

23 horas e 10 minutos editar

 
A fuga de Varennes.

Os dois veículos da família real são imobilizados bem antes da barricada, sob a abóbada da igreja Saint-Gégout, que abrange a rua. Jean-Baptiste Sauce, sob pressão dos patriotas que se encontram na taverna do "Bras d'or" ("Braço de Ouro" (em português), obriga os viajantes a descer dos carros e os faz entrar na casa que está a alguns passos. O toque-de-sinos soa, a Guarda Nacional é posta em alerta.

A Noite em Varennes editar

22 de Junho de 1791 - Meia-noite e meia editar

O juiz Destez, que viveu bastante tempo em Versalhes, e que Jean-Baptiste Sauce faz buscar, reconhece formalmente o rei. Os hussardos, que não foram reunidos por seus oficiais, pactuam com a multidão. O cirurgião Mangin monta a cavalo para levar a notícia da detenção do rei até Paris.

O toque-de-sinos continua a soar e mais e mais camponeses e membros da Guarda Nacional chegam a Varennes.

7 horas e 45 minutos editar

Os patriotas de Varennes, com os enviados da Assembleia Nacional, Bayon e Romeuf, oficiais da Guarda Nacional de Paris, chegam às 7 horas e decidem retornar com a família real para a capital. Alertada pelos sinos que tocam por todos os lados, uma multidão enorme vem ladear a rota seguida pelo cortejo de "prisioneiros", enquadrado pela Guarda Nacional de Varennes e pelos dragões aliados dos patriotas.

Volta da Família Real a Paris editar

22 de Junho de 1791 - 22 horas editar

Em Paris, a Assembleia Nacional, alertada por Mangin da detenção da família real, nomeia três comissários, Antoine Barnave, Jérôme Pétion de Villeneuve e Charles César de Fay de La Tour-Maubourg, para trazer de volta a família real para a capital francesa.

23 horas editar

A comitiva chega a Châlons-sur-Marne, onde passa a noite no Hotel da Intendência.

23 de Junho de 1791 - 9 horas editar

O cortejo deixa Châlons-sur-Marne.

13 horas editar

 
Placa Comemorativa do encontro de 23 de Junho de 1791 em Boursault

Os três deputados da Assembleia Constituinte, acompanhados do coronel Mathieu Dumas, alcançam a família real em Boursault, entre Épernay et Dormans. Eles dormem em Dormans. Em Paris, o Clube dos Cordeliers pede o estabelecimento da República.

24 de Junho de 1791 - 6 horas editar

O cortejo parte para Paris e passa a noite em Meaux. Em Paris, uma petição, assinada por 30.000 nomes, exige a República.

25 de Junho de 1791 - 7 horas editar

A família real deixa Meaux. Em Paris, desde a aurora, uma multidão imensa toma a direção de Meaux. A cidade é inundada por panfletos violentos, injuriosos para o Rei e a Rainha.

14 horas editar

Os primeiros parisienses alcançam a família real em Villeparisis. A Assembleia Nacional decreta a suspensão

18 horas editar

O cortejo real chega aos "novos boulevards" (atuais boulevards de La Chapelle, Rochechouart, Clichy, etc.). Para evitar manifestações muito violentas, a municipalidade decide que os fugitivos contornarão Paris e reentrarão nas Tulherias pelos Champs-Élysées e Praça da Concórdia. É ordenado o silêncio: "Qualquer um que aplaudir o rei será linchado, qualquer um que o insultar, será enforcado". São 22 horas.

19 horas editar

 
Volta de Varennes. Chegada de Louis XVI em Paris, 25 de Junho de 1791 (Duplessi-Bertaux a partir de um desenho de J-L Prieur).

Na passagem da berlinda real e de sua dupla fileira de guardas nacionais, precedidos por La Fayette, a multidão era imensa, porém silenciosa, ou quase: ouviam-se alguns gritos de "Viva Drouet! Viva a Nação! Viva a brava Guarda Nacional!". Realmente, La Fayette havia proíbido qualquer manifestação de apoio ou de ódio.

22 horas editar

Quando o veículo real chega às Tulherias, o furor da multidão explode. Pouco faltou para que Maria Antonieta não fosse estrangulada. O duque d’Aiguillon e Louis-Marie de Noailles salvaram a rainha na hora.

A volta para as Tulherias iria, na verdade, selar o destino trágico da família real. A submissão de Luís XVI à Constituição e seu juramento de fidelidade, proferido em 14 de Setembro, teriam pouco peso frente a suas supostas traições, sendo esta fuga seu símbolo inquestionável.

Consequências editar

Acima das falhas de organização que cercaram esta empreitada, a detenção do Rei marca verdadeiramente uma virada na Revolução. A confiança entre o soberano e seu povo é definitivamente quebrada e esta partida inclusive faz parte do processo de acusação aberto pela Convenção em dezembro de 1792 e que culminaria com a morte de Luís XVI na guilhotina. Mas é conveniente assinalar que o rei não estava deixando o Reino e sim desejava criar um "lugar-forte" na fronteira (o projeto de constituição de 1791 dava-lhe este direito). Precisamente quinze meses após estes acontecimentos, o rei seria destituído de seu título real com a proclamação da República, em 21 de setembro de 1792, depois disso julgado frente à Convenção Nacional, condenado à morte e guilhotinado, em 21 de janeiro de 1793, sorte compartilhada posteriormente por sua mulher, Maria Antonieta, e por sua irmã, Madame Elisabeth. Quanto ao jovem delfim, « Luís XVII », este morreria de doença em condições particularmente atrozes, dentro da Prisão do Templo, em 8 de junho de 1795.

Convém notar que esta detenção de um rei em fuga seguida por sua decapitação lembra estranhamente o que aconteceu na Inglaterra, 140 anos antes, com o rei Carlos I.

Filmografia editar

Notas

Fontes editar

Vários participantes diretos ou indiretos dos fatos envolvendo a fuga do Rei Luís XVI escreveram suas Memórias. Podem-se citar as de François Claude de Bouillé e de Marquis de Choiseul, que ajudaram na fuga, e as do Conde de Moustier, assim como as da Marquesa de Tourzel, que participaram da fuga.

Muitos historiadores da época narraram igualmente os fatos. Dentre estes os mais conhecidos são Charles de Lacretelle e Jules Michelet.

O escritor Alexandre Dumas interessou-se pela fuga de Varennes quando escrevia seu romance "A Condessa de Charny", parte final da série "Memórias de um Médico", abordando a Revolução Francesa. Ele então documentou-se abundantemente sobre o assunto e refez o trajeto, mais de meio século depois, reconstituindo os lugares, procurando testemunhas visuais e apontando então imprecisões históricas. Ele relata sua pesquisa em "La Route de Varennes", publicada em 1860.

Bibliografia editar
  • Varennes: la mort de la royauté de Mona Ozouf, Gallimard, 2005 (da coleção "Les journées qui ont fait la France")
  • Le roi s’enfuit - Varennes et l’origine de la Terreur de Timothy Tackett, La Découverte, 2004 (tradução de When the King Took Flight, Harvard University Press, 2003)
  • Sur la route de Varennes de Paul e Pierrette Girault de Coursac, La Table Ronde, 1984; F. X. de Guibert, 2000, 2007
  • La route de Varennes de Alexandre Dumas, Les Mille et une nuits, 2005.