Glicogenose (também chamada de doença do armazenamento de glicogênio) é qualquer doença relacionada a erros inatos do metabolismo, resultantes de deficiências enzimáticas, que afetam o processamento da síntese do glicogênio ou sua quebra nos músculos e fígado.

Glicogenose
Glicogenose
Glicogênio
Especialidade endocrinologia
Classificação e recursos externos
CID-10 E74.0
CID-9 271.0
CID-11 1187107383
MeSH D006008
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Doenças de armazenamento do glicogênio resultam da incapacidade do indivíduo metabolizar o glicogênio decorrente de defeitos nas enzimas envolvidas no metabolismo do mesmo. É um nome genérico que engloba pelo menos diversas doenças hereditárias raras de armazenamento de glicogênio nos tecidos

Metabolismo normal do glicogênio: a síntese e degradação do glicogênio envolvem conjuntos separados de enzimas, funcionando de forma irreversível, ou seja, o processo de degradação não é o inverso da síntese. Pelo menos 8 enzimas estão envolvidas neste processo. Basta a ausência de uma para que a síntese ou a degradação fique comprometida, ou a molécula de glicogênio pode ser anormal. Além disso, há enzimas que têm formas distintas em órgãos diferentes.

Na década de 70 os pacientes com glicogenose apresentavam um mortalidade elevada e danos neurológicos permanentes com grande atraso no desenvolvimento mental e crescimento. O tratamento atual tem alterado significativamente o curso clínico, e houve notável melhora do prognóstico nos pacientes com glicogenose tipo I, com expectativa de vida ultrapassando a terceira década.[1]

Tipos de Glicogenoses

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Existem doenças que geralmente são consideradas como glicogenoses, conforme o defeito enzimático específico e os órgãos afetados. Cada tipo de glicogenose é causado por diferentes genes e diferentes enzimas, que acarretam em variações nas manifestações clínicas e nas formas de tratar as doenças.

Tipos Enzima Deficiente Gene Características

Clínicas

Tratamento Nome da Doença
Glicogenose Tipo 0 Glicogênio sintetase (hepática) GYS2 Hipoglicemia cetótica ao jejum;

Hiperglicemia;

Hiperlactacidemia;

Hiperlipidemia pós-prandial; e

Ausência de hepatomegalia.

Dieta hiperproteica e com carboidratos complexos de baixo índice glicêmico;

Uso noturno de amido de milho cru.

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Glicogenose Tipo Ia Glicose-6-fosfatase G6PC Hipoglicemia;

Hepatomegalia;

Retardo do crescimento;

Acidose lática;

Hiperuricemia; e

Hiperlipidemia.

Uso de amido de milho cru;

Restrição de galactose, frutose, lactose e sacarose.

Doença de Von Gierke
Glicogenose Tipo Ib Transportador de Glicose-6-fosfato SLC37A4 Hipoglicemia;

Hepatomegalia;

Retardo do crescimento;

Acidose lática;

Hiperuricemia;

Hiperlipidemia.

Acompanhado de neutropenia (diminuição do número de neutrófilos no hemograma);

Infecções bacterianas recorrentes; e

Pode ocorrer doença inflamatória intestinal.

Uso de amido de milho cru;

Restrição de galactose, frutose, lactose e sacarose.

Uso de estimulador de colônia de neutrófilos e tratamento da doença inflamatória intestinal.

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Glicogenose Tipo II Alfa-glicosidase GAA Pode ter apresentação infantil, com hipotonia, dificuldade de sucção e cardiomiopatia; ou

Apresentação adulta com doença muscular progressiva, cardiomiopatia e dificuldades respiratórias.

Fisioterapia motora e respiratória; e

Terapia de reposição enzimática.

Doença de Pompe
Glicogenose Tipo IIIa e IIIb Enzima desramificadora de glicogênio AGL Hepatomegalia;

Hipoglicemia cetótica;

Retardo do crescimento;

Hiperlipidemia;

Elevação da AST e ALT, CPK.

Fraqueza muscular e cardiomiopatia ocorrem no subtipo III a.

Uso de amido de milho cru;

Dieta hiperproteica; e

Restrição de sacarose.

Doença de Cori ou Doença de Forbe
Glicogenose Tipo IV amilo-1,4-1,6-glicosidase

Enzima ramificadora de glicogênio

GBE1 Hepatomegalia;

Retardo do crescimento; e

Cirrose.

Transplante de fígado nos casos graves. Doença de Andersen
Glicogenose Tipo V glicogênio fosforilase muscular --- Intolerância ao exercício, mialgias e crises de mioglobinúria por rabdomiólise. Exercício físico controlado. Doença de McArdle
Glicogenose Tipo VI glicogênio fosforilase hepática PYGL Hepatomegalia;

Retardo do crescimento;

Hipoglicemia;

Hiperlipidemia e hipercetose leves.

Se sintomático, aumento de carboidrato e alimentação frequente e dieta hiperproteica. Doença de Hers
Glicogenose Tipo VII fosfofrutoquinase muscular

Phosfofrutoquinase-1

PFKM Miopatia, contraturas articulares, epilepsia, atraso de desenvolvimento, catarata. Na forma adulta, pode se apresentar com fraqueza muscular progressiva. Dieta rica em proteínas e vitamina B6; evitar exercício extenuante. Doença de Tarui
Glicogenose Tipo IXa Fosforilase quinase (subunidade alfa) PHKA2 Hepatomegalia;

Hipoglicemia cetótica ao jejum;

Retardo do crescimento;

Elevação de AST/ALT, hiperlipidemia leves e cetonas aumentadas no sangue e urina. Podem haver sintomas musculares e elevação da enzima muscular CpK.

Uso de amido de milho cru; dieta rica em proteínas; evitar grandes quantidades de sacarose. ---
Glicogenose Tipo IXb Fosforilase quinase (subunidade beta) PHKB Hepatomegalia, hipoglicemia cetótica ao jejum, retardo do crescimento, elevação de AST/ALT e hiperlipidemia leves. Uso de amido de milho cru; dieta rica em proteínas; evitar grandes quantidades de sacarose. ---
Glicogenose Tipo IXc Fosforilase quinase (subunidade gama) PHKG2 Hepatomegalia, hipoglicemia cetótica ao jejum, retardo do crescimento, elevação de AST/ALT e hiperlipidemia leves. Cirrose hepática pode se desenvolver. Uso de amido de milho cru; dieta rica em proteínas; evitar grandes quantidades de sacarose. ---
Glicogenose Tipo X Fosfoglicerato mutase --- Intolerância aos exercícios, cãibras, mioglobinúria e fraqueza --- ---
Glicogenose Tipo XI transportador de glicose

Transportador de glicose-2

GLUT2 Hipoglicemia, déficit de crescimento, raquitismo e abdome protuberante devido ao aumento do tamanho do fígado e rins. Restrição da ingestão de galactose, suplementação de água, amido de milho, eletrólitos e vitamina D. Doença de Fanconi-Bickel
Glicogenose Tipo XII Aldolase A --- Intolerância ao exercício e fraqueza após doença febril.

Fraqueza muscular precoce e febre;

Episódios de rabdomiólise com elevações da creatina quinase, aspartato aminotransferase, alanina

aminotransferase, lactato desidrogenase e bilirrubina; diminuição na concentração de hemoglobina e hematócrito (relatos)

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Glicogenose Tipo XIII Beta-enolase (ENO3) --- Intolerância ao exercício, cãibras. --- ---
Glicogenose Tipo XV Glycogenin-1 (GYG1) --- Atrofia muscular --- ---


HERANÇA GENÉTICA

Todas as glicogenoses hepáticas (exceção da IX alfa) possuem um padrão de herança autossômico recessivo, com risco de recorrência de 25% para as próximas gerações, independentemente do sexo da criança ou de já ter outros filhos que tenham a doença. A transferência do gene para os filhos independe também dos pais serem parentes.

A chance de uma pessoa com glicogenose ter um filho/filha também com glicogenose vai depender se o outro genitor possui ou não o gene da glicogenose. Se o outro genitor também possuir glicogenose, a recorrência é de 100% do filho/filha ter glicogenose. Se o outro genitor não possuir nenhum gene afetado, todos os filhos receberão um gene afetado e um normal, sendo portadores de um gene, mas sem desenvolver a doença. Mas se o outro genitor possuir um gene afetado e um normal, a chance é de 50% receberem um gene normal e um afetado, sendo portadores somente, e 50% de receber os dois genes afetados, possuindo glicogenose.

A exceção ocorre com a glicogenose tipo IX, que possui um padrão de herança ligado ao cromossomo X, em que a mãe portadora passa o cromossomo X afetado para o filho. Nesse caso, se for menina, ela tem 50% de chance de não receber o gene afetado e ser normal e 50% de chance de receber o X afetado da mãe e ser também portadora. Já se for menino, ele tem 50% de chance de ser normal, e 50% de chance de receber o X afetado da mãe, e possuir glicogenose.


DIAGNÓSTICO

Variam de acordo com o tipo de glicogenose. O diagnóstico é clínico, baseado nos sintomas, contudo para confirmação do diagnóstico e definição do tipo de Glicogenose, relevante para o planejamento da terapia, torna-se importante a realização do teste genético.

Cada tipo de glicogenose possui características e tratamentos diferentes. É de extrema importância conhecer o tipo específico para não realizar o tratamento de forma errada e agravar o quadro de saúde.

Exames

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Glicose;

Lactato;

Ácido Úrico;

Triglicérides;

Colesterol; e

Ultrassom do Fígado.

O teste do Glucagon não é indicado e pode ser perigoso, pois não elevará o nível de glicose e vai elevar significativamente o ácido lático, podendo provocar hipoglicemias graves e crise convulsiva.

EPIDEMIOLOGIA

No geral, de acordo com um estudo na Colúmbia Britânica, aproximadamente 2,3 crianças a cada 100.000 nascimentos têm alguma forma de doença de armazenamento de glicogênio. Nos Estados Unidos, estima-se que ocorram em 1 a cada 20.000 - 25.000 nascimentos. A taxa de incidência holandesa é estimada em 1 em cada 40.000 nascimentos.

As glicogenoses são consideradas doenças raras, considerando a frequência estimada global de 1/20.000 a 1/25.000 nascidos vivos.

Os tipos mais comuns são os I, II, III e IX. No Brasil não há um levantamento preciso da incidência de cada tipo, mas acredita-se que os tipos mais comuns sejam os tipos I e III (dados obtidos de levantamento dos pacientes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e da Universidade de Campinas).



Ver também

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Referências

  1. Penna, Francisco J.; Oliveira, Maria Cristina C.; Roquete, Mariza L.V. Glicogenose tipo I. Jornal de Pediatria, (227-236); Vol. 75, Nº4, 1999 PDF Arquivado em 23 de março de 2012, no Wayback Machine. Jul. 2011
  1. ABGLICO. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GLICOGENOSE: o que é glicogenose. O que é Glicogenose. 2019. Disponível em: https://abglico.com.br/. Acesso em: 02 maio 2021.
  2. Kishnani, P.S., Goldstein, J., Austin, S.L. et al. Diagnosis and management of glycogen storage diseases type VI and IX: a clinical practice resource of the American College of Medical Genetics and Genomics (ACMG). Genet Med 21, 772–789 (2019). https://doi.org/10.1038/s41436-018-0364-2.
  3. CENTER, University Of Pittsburgh Medical. DEPARTMENT OF PATHOLOGY: case 751 -- a 3 year old male with fatigue and hepatomegaly. Case 751 -- A 3 year old male with fatigue and hepatomegaly. 2020. Disponível em: https://path.upmc.edu/. Acesso em: 02 maio 2021.