Igreja de São Lourenço dos Índios

igreja em Niterói, Brasil

A Igreja de São Lourenço dos Índios está localizada no bairro homônimo na cidade de Niterói,[1] destacando-se por ser um dos primeiros assentamentos da ordem jesuítica no Brasil. Tombada em 1922, a igreja tem linhas arquitetônicas marcadamente associadas ao estilo das construções da ordem jesuíta. Para além do seu valor arquitetônico, pesquisas históricas e arqueológicas têm evidenciado a sua importância como um patrimônio capaz de demonstrar as relações sociais de seus construtores: indígenas, negros e colonos de origem portuguesa.[2]

História editar

 
Fachada da Igreja São Lourenço dos Índios, localizada no bairro de São Lourenço, em Niterói.

A Igreja de São Lourenço dos Índios é considerada o “marco da fundação do primeiro aldeamento jesuítico da capitania do Rio de Janeiro”[2]. Antes da construção da igreja, a localidade já era ocupada por diversas produções agrícolas e espaços onde posteriormente se tornaram as regiões de São Domingos e Praia Grande. O aldeamento, atual Niterói, foi uma sesmaria concedida e registrada no nome de Martim Afonso de Souza (Arariboia)[3], em retribuição pelos seus esforços na guerra contra os franceses e os tamoios. Fazia fronteira com: São Gonçalo, São João de Icaraí e São Sebastião de Itaipu. Por ordem régia de 8 de maio de 1758, o aldeamento de São Lourenço dos Índios foi incorporado ao patrimônio da Coroa portuguesa. Ademais, analisando o entorno da freguesia de São Lourenço, o aldeamento era inferior economicamente a outras freguesias vizinhas tendo sido extinta em 1866. Todavia, as fontes da época ainda se referiam a aldeia de São Lourenço dos Índios. Além de ser um marco de fundação, a igreja também presidia as “tradicionais missas de comemoração do aniversário de Niterói”[2] no dia 22 de novembro .

No início do século XX, em 14 de fevereiro de 1908, um projeto foi enviado à Câmara por José Luiz de Arariboia Cardoso, fundador da Comissão Glorificadora a Martim Afonso Arariboia, com a finalidade de transferir a Igreja para o domínio municipal. Neste documento também, havia uma passagem onde relatava que nesta igreja estão “sepultados os primeiros defensores do nosso [sacro] Brazil”[4], referindo-se ao Arariboia e também a exaltação da memória de possíveis missas celebradas por Manoel da Nóbrega, José de Anchieta, entre outros. Em 1915, o prefeito de Niterói da época, Octávio Carneiro, demonstrou interesse em incorporar a Igreja como Patrimônio Municipal da cidade em consonância com o projeto anterior de Araribóia Cardoso. Já na gestão de outro prefeito, Gustavo Lira da Silva, em 1933, estes processos se concretizaram.

A igreja de São Lourenço dos Índios é de suma importância para a cidade de Niterói e para a preservação da memória dos povos indígenas da época e de seus descendentes. Além disso, os elementos que fizeram composição com a memória indígena além da Igreja, como o Chafariz Martim Afonso e o Busto do Arariboia, também foram importantes para a construção da cidade e reconhecimento de sua história.

Arquitetura editar

 
Tapete da igreja São Lourenço dos Índios
 
Altar da Igreja São Lourenço dos Índios

Em uma carta datada de 21 de maio de 1570, o padre Gonçalo de Oliveira refere-se a uma igreja construída no local onde hoje é São Lourenço. Ao que tudo indica, essa primeira construção era provisória e sua estrutura foi feita em taipa. Já na inauguração, em 1586, a igreja é reconstruída, mas também com taipa. Em 1627 os jesuítas substituem a estrutura por uma mais duradoura, feita de pedra e cal. Em 1729, a capela é reconstruída na sua atual forma. No ano de 1769 é finalizada a construção da torre do sino. Em 1794, uma visita da Pastoral Monsenhor Pizarro[2] descreve a situação deteriorada da igreja. A partir de sua descrição, sabe-se que as paredes eram feitas de pedra e cal, que ainda resistiam, mas que o madeiramento da estrutura estava arruinado e tomado por cupim. A fachada simples reflete o estilo arquitetônico das edificações jesuítas do século XVI. Algumas relíquias de extremo valor se encontram na igreja: um lavabo de pedra portuguesa, um púlpito de madeira, e um retábulo de madeira, considerado pelo arquiteto Lúcio Costa como o mais belo exemplar brasileiro da arte jesuítica, com a imagem de São Lourenço.[5] Há também, na entrada da igreja, um tapete contendo as datas importantes para a igreja:1568 / 1570 / 1586 / 1627 / 1729 / 1769. Faz parte também da arquitetura da igreja tijoleiras indígenas, que são como assinaturas deixadas pelos indígenas no momento em que o altar foi construído.



Tombamento editar

Após mudanças que ocorreram sobre a modernização da preservação do patrimônio brasileiro, nos anos de 1950 e 1960, sob a gestão de Renato Soeiro, o SPHAN passa a exigir nova dimensão de valores, iniciando uma fase de referência cultural, não mais apenas uma referência heróica. Também se inicia nesse período, o envolvimento dos governos estaduais e municipais na novas atividades de proteção ao patrimônio, por meio dos chamados Encontros de Brasília e Salvador, realizados em 1970 e 1971 por iniciativa do MEC. Essa mudança se baseou na proposta de uma tradição que estivesse viva a partir do patrimônio, começando a se formar uma ideia de bem cultural e com foco naqueles que foram excluídos das representações culturais do país.[2]

No caso da Igreja de São Lourenço dos Índios, o que ocorreu foi o tombamento municipal realizado pela prefeitura em 28 de fevereiro de 1992, conforme a Lei n° 1.038/92 (ibid., p. 59), uma vez que o federal havia sido feito já nas primeiras décadas do século XX. Dessa forma, no âmbito municipal, a Igreja passa a ser reconhecida pelo seu marco como a fundação do primeiro assentamento lusitano do lado oriental da Baía de Guanabara, além de seu valor artístico. Assim, o arquiteto Cyro Lyra justifica “Ao tombar São Lourenço dos Índios, Niterói reconhece que, além do significado excepcional que possui esse bem para a história da arte e de arquitetura - razão principal do tombamento federal - há outro que mais diretamente fala à população niteroiense: o de ser esse sítio o núcleo gerador da cidade".[2]

 
D. Carmem com as chaves da igreja.

A igreja de São Lourenço dos Índios, durante o século XX, passou por diversas intervenções, registradas a partir do seu primeiro tombamento pelo IPHAN, em 1938. Segundo o jornal O Globo, D. Carmem Lourenço Werneck foi uma das maiores responsáveis pela manutenção da igreja além de organizadora da festa do padroeiro São Lourenço, todo dia 10 de agosto, onde a renda das barracas eram transferidas para a igreja. A festa acontece na praça que se localiza em frente à igreja e foi inaugurada em 1953, onde foram encontrados esqueletos e peças indígenas. Assim, mesmo que hajam os responsáveis legais pela manutenção da igreja, apontados pela 6°SR, a pessoa que cuida da igreja, a mantém limpa e arejada, é D. Carmem. Em novembro de 1982, a igreja foi reaberta devido aos esforços do padre Brás e da Arquidiocese de Niterói que, com apoio da prefeitura e da Enitur, D. Carmem veio a conseguir a zeladoria da igreja, mesmo que apenas em 1990, mas mesmo assim, ainda enfrentou dificuldades em cuidar dela. D. Carmem veio a falecer 7 anos depois de conseguir a zeladoria, não podendo ver a reforma e restauração que foi feita em 1999. Após sua morte, quem cuidou da igreja foi Maria Auxiliadora Ferreira da Silva, aos 73 anos, com a ajuda de dois jovens da paróquia, e expôs que ocorriam alagamentos até o altar quando chovia, que as portas estavam quebradas e as janelas já haviam despencado, uma vez que a igreja, apesar de ser tombada pelo patrimônio, as autoridades não a preservam ou a valorizam.[2]

Restauração editar

Em 1999, a Prefeitura Municipal de Niterói, com apoio do Ministério da Cultura, promoveu obras de revitalização da Igreja e, em março dos anos 2000, foram iniciadas as obras civis, a restauração artística e arqueológica, além da pesquisa histórica do local.

 
Antes e depois do Altar

Pela arqueologia, o primeiro local a ser escavado foi a parte lateral da igreja, chamado de pátio da sineira, onde foram encontrados restos de ossos humanos sem caixão, roupas ou adereços. De acordo com a documentação levantada pela pesquisa histórica, comos as Atas e os Documentos da Câmara Municipal de Niteroi, ocorreu um aproveitamento do terreno à direita da igreja, que seria usado como cemitério para escravizados negros ao longo da existência da igreja, devido a falta de cemitérios anexos à matriz. Do outro lado, na área que fica a sacristia, também foram evidenciados aterramentos, mas esses possuíam caixões, o que leva a crer que pessoas de classes sociais superiores eram enterradas ali. Estudos também mostram que a igreja possuía uma parte anterior a entrada de fato da Igreja, onde foram encontrados cachimbos de cerâmica e isso mostra a possibilidade da presença de escravizados negros.[2]

 
Restos de cachimbos de cerâmica encontrados pela arqueologia.

A interdisciplinaridade no projeto de restauração da igreja possibilitou muitos estudos e descobertas acerca da história daquela região, possibilitando enxergar e entender a igreja não apenas como algo produzido pela Companhia de Jesus, mas também produzido pelos agentes sociais de sua construção, os indígenas, africanos/negros e colonos, e também como produtora das relações sociais destes. [2]

Com indícios de que a pesquisa arqueológica poderia ter elaborado mais a fundo seus trabalhos, a possibilidade de um museu-sítio em São Lourenço dos Índios não foi executada . Ao invés disso, preferiu-se uma pequena exposição dos itens encontrados na escavação, acompanhada de dois painéis que descrevem brevemente o estudo histórico, arqueológico e arquitetônico. Também não foram tomadas providências para que a população fosse informada sobre os estudos e descobertas, dificultando o principal objetivo do tombamento de um patrimônio, que é a preservação social dele. [2]

No dia 22 de novembro de 2001, a Igreja São Lourenço dos Índios foi inaugurada e aberta para visitas guiadas. O prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, realizou uma cerimônia de inauguração do busto de Araribóia, localizado na Praça General Rondon s/n, localizada em frente à igreja. Entretanto, segundo pesquisas, alguns moradores locais quando perguntados sobre a data 22 de novembro e sua comemoração, reclamam que a praça e a igreja ficam cheias de turistas e políticos, enquanto no dia 10 de agosto, aniversário do dia de São Lourenço, a praça se enche de moradores locais, mostrando a importância cultural da data para o local, enquanto, em contraponto, existe a importância dada pelas autoridades à data 22 de novembro, que é ligada a Araribóia, fundador da cidade.[2]

Referências editar

  1. «São Lourenço (Niterói)». Wikipédia, a enciclopédia livre 
  2. a b c d e f g h i j k «Guimarães, Emerson de Carvalho. Para além do tombamento: os sentidos da patrimonialização da igreja de São Lourenço dos Índios de Niterói. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da UFF. Niterói, 2020.» 
  3. «Arariboia». Wikipédia, a enciclopédia livre. 28 de novembro de 2023. Consultado em 29 de novembro de 2023 
  4. Trecho da transcrição da Fundamentação do projecto que auctorisa o Excellentissimo Senhor Prefeito a incorporar ao patrimonio Municipal de Nictheroy como Monumento Historico do Seculo XVI a Egreja de São Lourenço do Outeiro de Ararigboia. Arquivo Central do IPHAN. SÉRIE INVENTÁRIO. Niterói – RJ – Igreja São Lourenço dos Índios. Notação I – RJ -0204-01. Título do Dossiê: Histórico e descrição do bem (01 a 73 folhas). Rio de Janeiro.
  5. «Niterói – Igreja de São Lourenço dos Índios | ipatrimônio». Consultado em 26 de novembro de 2023