Importunação sexual

crime no Código Penal brasileiro

A importunação sexual é crime no Brasil desde 2018. Foi incluída no Código Penal pela lei 13.718 e é definida como: "praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro". Esses atos incluem toques indesejados, encoxadas, beijos, lambidas, masturbação e até ejaculações.[1] A criação da lei, embora tardia,[1][2] representou um avanço na busca pelos direitos das mulheres.[3][4]

Total de notificações de importunação sexual no Brasil por ano, em números absolutos. O gráfico foi elaborado com dados disponíveis nos anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que podem ser consultados mais detalhadamente na seção Dados.

Sua criação foi motivada pelo caso de um homem que ejaculou em uma mulher no transporte público em 2017.[5] O caso, ocorrido na cidade de São Paulo, reacendeu o debate sobre a violência sexual e o assédio dos quais as mulheres são vítimas.[nota 1][7] Nesse contexto, o movimento feminista, utilizando casos como esse como contexto, fez uso das ferramentas digitais para discutir a violência de gênero e outros temas relacionados.[4]

As diversas formas de violência sexual, entre elas a importunação sexual, podem acarretar consequências como: depressão, síndrome do pânico, estresse pós-traumático, isolamento, culpa, ideação suicida, vergonha, irritabilidade, entre outros prejuízos de curto e longo prazo. Adicionalmente, há aumento no risco de abuso de álcool e medicações para tratar esses problemas.[3]

A lei, apesar de representar um avanço, apresenta algumas fraquezas, pois violências verbais podem não ser interpretadas como "ato libidinoso". Por isso, há a possibilidade de cantadas indesejadas e comentários grosseiros não serem enquadrados na nova lei.[1]

A lei editar

A lei teve por base o projeto da senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB, e caracteriza a importunação sexual como “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, com pena previstas entre um e cinco anos. A lei também prevê um aumento de pena para os casos de estupro coletivo e dá maior proteção a vulneráveis que são vítimas de estupro ou que têm fotos e vídeos íntimos divulgados.[1]

A aprovação da lei, embora um avanço, não garante que os casos de importunação sexual diminuirão. Para que haja progresso, é necessária uma mudança cultural que altere ou erradique o machismo presente na sociedade.[2]

Sobre a crença de que essa tipificação vai reduzir a conduta, isso não se verifica em crime nenhum. Na própria justificativa do projeto, a deputada Laura Carneiro [DEM-RJ] fala que o fato de o crime de estupro ter se tornado crime hediondo não diminuiu a sua prática. O próprio legislador coloca que agravar as penas não gera resultado, mas insiste nessa mesma estratégia. É aquilo em que a gente sempre insiste: enquanto a gente não tiver mudança cultural, de pensamento e do próprio sistema de justiça para receber as mulheres vítimas de violência, não sei se vai se conseguir o impacto que, provavelmente, é o esperado – reduzir esse tipo de violência.
— Maíra Zapater, professora (grifo adicionado)

Diferença entre importunação e assédio sexual editar

A criação a lei preencheu uma lacuna a legislação, pois muitos casos não configuravam estupro (como o caso mencionado na introdução), tampouco eram uma mera contravenção penal.

A importunação sexual é considerada mais grave que o assédio sexual.[8]

Legalmente, o assédio sexual no Brasil envolve o uso de um cargo hierarquicamente superior para exigir alguma vantagem sexual à vítima.[8] Popularmente, todavia, o assédio sexual envolve perturbações, como assovios, toques indesejados, e assim por diante.[8]

A definição de assédio sexual pode não ser adequada para caracterizar diversos crimes.[3]

O Código Penal brasileiro tipifica o assédio sexual. Ocorre que a modalidade de assédio sexual nos meios de transportes públicos não se enquadrada neste tipo penal, uma vez que, este é um crime formal, que depende do cumprimento de requisitos, como, o agente deve se valer da condição de superior hierárquico ou da ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função para a configuração deste tipo penal.

Outra diferença entre assédio sexual e importunação sexual é que esta última tem penas mais severas que o assédio sexual, que vão de 1 a 5 anos de reclusão.[8]

Machismo e assédio editar

A importunação sexual pode ser vista como uma consequência de uma cultura machista e patriarcal.

Os pressupostos machistas que antecedem a importunação sexual estão traçados e arraigados antes de que qualquer pensamento que impulsione o cometimento do ato. Mesmo não sendo possível traçar o perfil das vítimas e dos agressores, é possível constatar que homens e mulheres, na maioria das vezes, agressor e vítima, tiveram uma construção social que lhes permitiram a distinção por gênero, feminino ideolo-gicamente inferiorizado frente ao masculino[2]

A cultura machista dificulta o reconhecimento de crimes como a importunação. Ainda segundo o mesmo trabalho acadêmico:

Ainda existem barreiras na sociedade no que tange ao feminino. A reprodução da cultura machista dificulta o reconhecimento de práticas machistas. A criação tardia da Lei de Importunação Sexual é reflexo disso.
[2]

Resultados editar

Houve um aumento nas denúncias de importunação sexual após a aprovação da lei. Evidências apontam também que tais crimes estão sendo punidos. É possível citar como exemplo o caso de um homem condenado a um ano e oito meses de prisão devido a um beijo indesejado. Também percebe-se uma menor tolerência a tais atitudes abusivas. Conforme a sentença do juiz,[9]

Não se mostra viável que, numa sociedade estruturada, ordenada e fundada no Estado democrático de Direito, possamos normalizar um indivíduo qualquer, andando pela rua, dar um beijo numa mulher desconhecida, simplesmente porque a achou bonita.

Dados editar

Os dados abaixo foram extraídos dos diversos anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.[10]

Notificações de importunação sexual (números absolutos)
Ano 2018 2019 2020 (4) 2021(4) 2022
Total 1352 13576 16190 19996 27530
Acre 49 91 125
Alagoas 11 97 77 183 187
Amapá 4 88 99 148 153
Amazonas 70 308 312 268 380
Bahia 714 685 955 1192
Ceará 9 29 269 339 439
Distrito Federal 53 396 436 556 663
Espírito Santo 75 102 116 53 156
Goiás 22 626 579 779 969
Maranhão 229 428 538
Mato Grosso - 307 393 517 651
Mato Grosso do Sul 132 462 393 492 600
Minas Gerais 562 2316 2892 3552
Pará 382 686 660 939 1167
Paraíba 11 87 117 155
Paraná 120 1122 1281 1828 2295
Pernambuco 375 532 618 811
Piauí 29 209 180 295 343
Rio de Janeiro 1140 997 1213 1723
Rio Grande do Norte 27 128 227 253 453
Rio Grande do Sul 1080 982 1420 1552 2107
Rondônia 30 47 153 148 204
Roraima 18 18 36 36 72
Santa Catarina 974 973 1540 1519 1894
São Paulo 3937 3371 3371 6215
Sergipe 120 177 254 261 266
Tocantins 128 105 122 145 220

(1) Dados atualizados no anuário do ano seguinte

Notificações de importunação sexual (por 100 mil habitantes)
Ano 2018 2019 2020 2021 2022
Acre 1,6 3,6 5,3
Alagoas 0,3 0,9 0,9 1,6 2,1
Amapá 0,5 7,6 3,2 9,1 13,4
Amazonas 1,7 1,4 0,9 1,2 2,2
Bahia 0,8 1,6 3,7
Ceará 0,1 0,0 0,3 0,2 0,5
Distrito Federal 1,8 2,2 2,0 2,4 3,2
Espírito Santo 1,9 9,8 8,8 9,7 11,0
Goiás 0,3 2,0 1,4 2,1 2,1
Maranhão 0,9 1,3 1,7
Mato Grosso - 10,5 9,3 9,6 10,5
Mato Grosso do Sul 4,8 1,8 1,6 2,1 2,8
Minas Gerais 3,4 2,8 2,6 3,4
Pará 4,5 2,4 2,0 2,3 1,2
Paraíba 0,5 0,8 1,1 1,4
Paraná 1,1 6,8 5,8 7,6 8,9
Pernambuco 1,3 1,0 1,5 1,8
Piauí 0,9 4,2 3,2 2,7 2,4
Rio de Janeiro 1,0 0,9 1,3 2,1
Rio Grande do Norte - 2,3 1,0 2,7 2,9
Rio Grande do Sul 1,9 3,6 2,6 3,2 3,4
Rondônia 2,4 - 5,0 9,9
Roraima 0,3 7,4 10,9 10,6 11,8
Santa Catarina 2,3 9,1 6,4 7,1 9,6
São Paulo 1,4 1,2 0,9
Sergipe 0,4 4,9 2,8 2,9 2,6
Tocantins 1,4 2,5 0,9 3,3 4,9

Notas

  1. Poucos dias depois, o mesmo homem foi preso sob acusação de estupro, por ter segurado com força a coxa de uma vítima quando esta tentava se desvencilhar. Tal conduta foi compreendida na previsão do art. 213 do Código Penal,[6] configurando crime de estupro.

Referências

  1. a b c d Marcie Gottschalk (13 de novembro de 2018). «Importunação sexual: "É horrível pensar que precisamos de uma lei que diga que temos direito de ir e vir em 2018"». Humanista - UFRGS. Consultado em 17 de agosto de 2023. “A lei da importunação dá a segurança para a mulher poder transitar. É horrível pensar que, em pleno 2018, tenhamos que ter uma lei que diga que a gente tem direito de ir e vir sem ser importunada”, avalia a advogada Gabriela Souza, denotando perplexidade ante à tardia criminalização do ato 
  2. a b c d Lavínya Almeida de Melo e Maria Carmen Chaves (14 de dezembro de 2020). «IMPORTUNAÇÃO SEXUAL: O MACHISMO ANTECEDE A VIOLÊNCIA». UNIT - PERNAMBUCO. Consultado em 17 de agosto de 2023. [...] Ainda existem barreiras na sociedade no que tange ao feminino, a reprodução da cultura machista dificulta o reconhecimento de práticas machistas, a criação tardia da Lei de Importunação Sexual é reflexo disso. 
  3. a b c Oliveira, Ana Caroline Moreira de (2019). «REFLEXÕES SOBRE A MULHER E A IMPORTUNAÇÃO SEXUAL NOS TRANSPORTES PÚBLICOS BRASILEIROS». Consultado em 8 de agosto de 2023 
  4. a b «Feminismo: o papel do audiovisual na luta contra o assédio». Nexo Jornal 
  5. «Importunação sexual: entenda o que diz a lei, que completou três anos». G1. 28 de setembro de 2021. Consultado em 13 de junho de 2023 
  6. «Código Penal». Palácio do Planalto. 7 de dezembro de 1940. Consultado em 14 de dezembro de 2020 
  7. «Homem solto após ejacular em mulher em ônibus é preso de novo ao atacar outra passageira». G1. 2 de setembro de 2017. Consultado em 13 de junho de 2023 
  8. a b c d «Importunação Sexual x Assédio Sexual». Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios 
  9. «Processos por importunação sexual disparam cinco anos após se tornar crime». Folha de S.Paulo. 17 de agosto de 2023. Consultado em 18 de agosto de 2023 
  10. «Anuário Brasileiro de Segurança Pública». https://forumseguranca.org.br/. Consultado em 25 de Outubro de 2023 

Ligações externas editar