Litofania

arte moldada em porcelana

Uma litofania (francês: lithophanie) é uma obra de arte gravada ou moldada em porcelana muito fina e translúcida que só pode ser vista claramente quando iluminada por trás com uma fonte de luz.[1][2][3] É uma cena em intaglio que aparece "en grisaille" (em tons de cinza).[2][3][4]

Duas xícaras e um copo de saquê de porcelana oriental decorada. As peças possuem em seu interior rostos de gueixas em litofania, que somente são vistos quando colocadas contra uma fonte de luz.

A litofania apresenta uma imagem tridimensional, completamente diferente das gravuras bidimensionais e das imagens de daguerreótipos, que são "planas".[1][2][3] As características das imagens gravadas na litofania mudam dependendo da fonte de luz que ilumina seu reverso.[1][2][3] A forma como se vê as cenas de um painel de litofania em uma janela pode mudar ao longo do dia, dependendo da quantidade de luz solar que incide sobre ele.[1][2][3] A fonte de luz variável é o que faz as litofanias mais interessantes para o espectador do que as imagens bidimensionais.[1][2][3]

Etimologia

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A palavra litofania deriva do grego "lithos", que significa pedra ou rocha, e "phainein", que significa "aparecer" ou "aparecer de repente".[2] Assim, litofania tem um significado por derivação de "manifestar-se na pedra" ou "aparecer na pedra". Ela, como a imagem tridimensional, aparece de repente, quando iluminada.[1]

História

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As primeiras litofanias de origem europeia foram produzidas quase ao mesmo tempo na França, na Alemanha, na Prússia e na Inglaterra em torno do final da década de 1820.[2][5][6] Frequentemente credita-se ao Barão Paul de Bourging (1791-1864) como inventor do processo "email ombrant" em 1827, na França.[2][3][5][6] O email ombrant é um processo decorativo no qual uma imagem é gravada ou estampada na cerâmica e coberta com um esmalte transparente ou translúcido. O esmalte se deposita na peça e com as diferentes profundidades do desenho acaba por dar à imagem uma aparência de sombreada ("ombre" é sombra em francês, e "email" é esmalte).[7] Em 1828, Robert Griffith Jones adquiriu os direitos de Bourging e licenciou as litofanias para produção em fábricas inglesas.[2][3] As fábricas inglesas, por vezes, usaram indistintamente o nome litofania para peças com a técnica "email ombrant".[2][3]

 
Litofania com suporte. O suporte foi feito pela Royal Prussian Iron Foundries, por volta de 1820. Acervo do Museu de Arte de Birmingham, no Alabana.

Contudo, alguns estudiosos argumentam que foi o prussiano Georg Friedrich Christoph (1781-1848) que aperfeiçoou o verdadeiro processo da litofania em 1828.[2][5][6] Outros estudos indicam ainda que a técnica foi desenvolvida em Berlim e outras partes da Alemanha por fabricantes como a Fábrica Real de Porcelana de Berlim (Königlichen Porzellan-Manufaktur).[2][3][3][5][6] É por isso que, às vezes, as litofanias são chamadas de "transparência de Berlim".[2][3][5][6] Ad'T é um selo bastante presente nas litofanias fabricadas em Rubles, perto de Melun, na França. Acredita-se que seja a marca do Barão A. de Tremblay, porém alguns estudiosos do assunto acham que ele somente realizou cerâmicas e não litofanias. Dessa forma, a origem do selo permanece desconhecida.[3]

Muitos historiadores argumentam que a inspiração para a criação da litofania veio originalmente da China, que produziam objetos similares quase mil anos antes, na época da Dinastia Tang.[2] De acordo com R. L. Hobson, durante a Dinastia Ming, os chineses produziam tigelas "finas como papel" com decorações secretas (an hua) nelas.[2] De acordo com Willoughby Hodgson, algumas porcelanas chinesas de biscuit pareciam "pequenas telas com paisagens em relevo" que se assemelham à porcelana branca fabricada na Suíça.[2] Outros potenciais precursores das litofanias europeias vêm da Dinastia Sung.[2] As porcelanas de Qingbai eram translúcidas com desenhos esculpidos e moldados de flores, peixes e pássaros.[2] Os jogos de chá de litofania japoneses são conhecidos como "dragonware" e foram bastante comercializados com indicação geográfica de origem durante a Segunda Guerra Mundial.[2]

No início do século XX, muitos pesquisadores da litofania fizeram conexões entre as cerâmicas europeias dos séculos XVIII e XIX e as porcelanas chinesas.[2] Na França do século XVIII usava-se o termo "Blanc de Chine" para designar uma porcelana chinesa altamente translúcida.[2] As fábricas de porcelana na França, Alemanha e Inglaterra imitaram o "Blanc de Chine" chinês nos séculos XVII e XVIII.[2] Essas mesmas fábricas começaram a produzir litofanias no início do século XIX.[2] É possível traçar inspirações técnicas e estéticas das litofanias europeias nas obras chinesas, no entanto, a relação exata entre elas permanece indefinida.[2] Contudo, não se conhece nenhuma litofania produzida em qualquer lugar da China antes de 1800.[2]

Técnica

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Litofania em luz ambiente

As litofanias foram feitas por artesãos europeus especializados tendo como base uma imagem esculpida em cera quente em uma placa de vidro.[4][8] A placa era iluminada e então esculpida.[8] Às vezes, a mesa de escultura ficava perto de uma janela e tinha um espelho abaixo dela que fornecia luz constante para a realização da escultura.[8] A melhores litofanias eram geralmente produzidas à mão em uma placa de cera plana, esculpida em relevo e intaglio.[4][8] Quanto mais fina fosse a cera, mais brilhante seria a área esculpida,[4][8] pois onde a cera era mais espessa, havia menos luminosidade.[4][8]

Depois disso, um molde de gesso de gipsita era feito a partir da cera.[3][5][6] O molde poderia também ser feito em metal para a produção de múltiplos moldes.[5][6] A imagem em cera era removida dos moldes e depois queimadas a cerca de 1.260 °C.[2][5][6] A porcelana tinha como matérias-primas por volta de 66% de caulinita, 30% de feldspato e 4% de pedra-sabão.[5][6] Descobriu-se que cerca de 60% das porcelanas entortavam ou rachavam no forno, sendo descartadas.[5][6] Quando prontas, as litofanias têm algo entre 1.5 e 6 milímetros de espessura.[2][5][6]

 
Litofania quando iluminada

Temas e formatos

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Litofanias foram produzidos na Áustria, Bélgica, Boêmia, Tchecoslováquia, Dinamarca, Inglaterra, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Noruega, Portugal, Rússia, Suécia e País de Gales no século XIX.[9] Em meados do século XVIII eram feitas milhares de litofanias por firmas como Wedgwood na Inglaterra, porcelana Meissen em Dresden e Belleek na Irlanda.[9] As litofanias também eram produzidas nos Estados Unidos, mas não tanto quanto na Europa.[9] Os temas mais populares das litofanias eram os religiosos, os literários e os retratos de pessoas.[4][9] Algumas litofanias também foram lançadas em datas comemorativas, como a da inauguração da Torre Eiffel em 1889.[2]

Coleções

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De acordo com Henry Barnard, Samuel Colt encomendou e instalou em sua casa chamada de Armsmear, em Hartford, Connecticut, dezenas de litofanias que ele comprou em Berlim em 1855 e 1856.[10][11][12] Colt provavelmente teve a ideia de comprá-las na Grande Exposição de 1851, realizada no Palácio de Cristal em Londres, na Exposição Universal de Nova York de 1853 ou mesmo em uma visita à Prússia em 1854.[10][11][12] A litografias que tinham como tema vistas panorâmicas e retratos eram para os cômodos públicos e privados de sua esposa Elizabeth.[10][11][12] Os painéis inspiradores eram para as janelas do quarto de dormir de Colt, que ficava no andar de cima.[10][11][12] As litofanias humorísticas foram colocados nas janelas da sala de bilhar.[10][11] Uma litofania de particular interesse era que retratava a cena histórica da Batalha de Trafalgar.[10][11][12] Outras tinham como motivo o Castelo Stolzenfels no rio Reno e uma vista de Coblença.[10][11][12] Barnard descreveu as litofanias como "uma verdadeira galeria de arte".[10][11][12] Uma fotografia de Armsmear tirada entre 1857 e 1861 mostra mais de cem litofanias e[10] uma outra de 1907 registra-as ainda no local.[10] Muitas das litofanias do casal Colt foram transferidas para o Wadsworth Atheneum Museum of Art.[10]

Litofanias Modernas

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Atualmente existem as litofanias que são feitas com o uso de máquinas CNC (Comando Numérico Computadorizado) e impressão em 3D. Isso tem reduzido drasticamente o custo de fabricação de litofanias personalizadas a partir de fotografias.

Referências

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  1. a b c d e f «The Blair Museum of Lithophanes - What is a Lithophane». Consultado em 28 de julho de 2008. Arquivado do original em 15 de junho de 2008 
  2. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z aa ab ac Carney, pp. 4-14, 19, 21, 23-27, 29, 32-36, 38, 42-55, etc.
  3. a b c d e f g h i j k l m n Savage, pp. 180-181
  4. a b c d e f «The Blair Museum of Lithophanes - What is a Lithophane». Consultado em 28 de julho de 2008. Cópia arquivada em 15 de junho de 2008 
  5. a b c d e f g h i j k Jean-Baptiste 1858, pp. 187-191
  6. a b c d e f g h i j k Jean-Baptiste 1884, pp. 691-692
  7. «EMAIL OMBRANT | Definition of EMAIL OMBRANT by Oxford Dictionary on Lexico.com also meaning of EMAIL OMBRANT». Lexico Dictionaries | English (em inglês). Consultado em 2 de maio de 2021 
  8. a b c d e f Klimaszewski, Nicolai, Ceramics Monthly, "Hand-Carving Lithophanes", October 2007, Volume 55, Issue 8.
  9. a b c d Lise, pp. 82, 83, 88, 136, 168-169
  10. a b c d e f g h i j k Samuel Colt's porcelain transparencies - Magazine Antiques, April, 2006, 169 no. 4, pp. 106-115
  11. a b c d e f g h The Home, The Arm, and the Armory of Samuel Colt, a Memorial by Barnard, Henry, New York 1866
  12. a b c d e f g Houze, p. 230-238

Bibliografia

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  • Carney, Margaret, Lithophanes, Schiffer Publishing 2007, ISBN 978-0-7643-3019-3
  • Houze, Herbert G., Samuel Colt: Arms, Art, and Invention, Yale University Press 2006, ISBN 0-300-11133-9
  • Jean-Baptiste-Ambroise-Marcellin Jobard, Les nouvelles inventions aux expositions universelles (Brussels and Leipzig, 1858), volume 2.
  • Jean-Baptiste-Ambroise-Marcellin Jobard, Title unknown, L'intermédiaire des chercheurs et curieux, vol. 17, no. 597 (November 25, 1884).
  • Lise Baer et al., Along the Royal Road: Berlin and Potsdam, 1848. Original at Library of Congress.
  • Great Exhibition of the Works of Industry of all Nations (London, 1852), vol. 3. Original at Library of Congress.
  • Official Catalogue of the New-York Exhibition of the Industry of all Nations, rev. ed. (New York, 1853). Original at Library of Congress.
  • Savage, George et al., An Illustrated Dictionary of Ceramics, Van Nostrand Reinhold Co., New York 1974, ISBN 0-442-27364-9