Lobisomem

criatura lendária e folclórica
 Nota: Para outros significados, veja Lobisomem (desambiguação).
 Nota: Para conceito clínico de licantropo, veja Licantropia.

Lobisomem ou licantropo (do grego λυκάνθρωπος: λύκος, lýkos, "lobo" e άνθρωπος, ánthrōpos, "humano"), é um ser lendário que é descrito como um humano capaz de se transformar em lobo ou em algo semelhante a um lobo em noites de lua cheia.

Zeus transforma Licaón em lobisomem

Tais lendas são muito antigas e encontram a sua raiz na mitologia grega. Segundo As Metamorfoses de Ovídio, Licaão, o rei da Arcádia, serviu a carne de Árcade a Zeus e este, como castigo, transformou-o em lobo (Met. I. 237). Uma das personagens mais famosas foi o pugilista arcádio Damarco da Parrásia, herói olímpico que assumiu a forma de lobo nove anos após um sacrifício a Zeus Liceu, lenda atestada pelo geógrafo Pausânias.[carece de fontes?]

Segundo lendas mais modernas, para matar um lobisomem é preciso acertá-lo com artefatos feitos de prata, sendo a bala de prata o mais conhecido deles.

A versão feminina do lobisomem é chamada lobanil.

Variantes culturais editar

 
Xilogravura de um ataque de lobisomem por Lucas Cranach der Ältere, 1512

O Licantropo dos gregos é o mesmo que o Versipélio dos romanos, o Volkodlák dos eslavos, o Werewolf ou Dracopyre dos saxões, o Werwolf dos alemães, o Óboroten dos russos, o Hamtammr dos nórdicos, o Loup-garou dos franceses, o Lobisomem dos brasileiros e da América Central e do Sul, com suas modificações fáceis de Lubiszon, Lobisomem, Lubishome; nas lendas destes povos, trata-se sempre da crença na metamorfose humana em lobo, por um castigo divino.

Lenda brasileira editar

 
Luison, o Lobisomem segundo a Mitologia guarani.

No Brasil existem muitas versões dessa lenda, variando de acordo com a região. Uma versão diz que a sétima criança em uma sequência de filhos do mesmo sexo tornar-se-á um lobisomem. Outra versão diz o mesmo de um menino nascido após uma sucessão de sete mulheres. Outra, ainda, diz que o oitavo filho se tornará a fera. Outra já diz que é após a morte de um familiar que possuía a aberração e passou de pai para filho, avô para neto e assim por diante.

As pessoas conhecem o licantropo na forma humana através de comportamentos estranhos, como mudança de comportamento, misteriosa e quase sempre com olhos cansados (olheira), o licantropo na forma humana é uma pessoa muito atenta as outras, sempre desconfiando de tudo como por exemplo, tem muito medo de ser descoberta a humanidade que é uma aberração, porém é muito protetora em forma humana.

Em algumas regiões, o Lobisomem se transforma à meia noite de sexta-feira, em uma encruzilhada. Como o nome diz, é metade lobo, metade homem. Depois de transformado, sai à noite procurando sangue, matando ferozmente tudo que se move. Antes do amanhecer, ele procura a mesma encruzilhada para voltar a ser homem.

Em algumas localidades diz-se que eles têm preferência por bebês não batizados,o que faz com que as famílias batizem suas crianças o mais rápido possível. Já em outras diz-se que ele se transforma se espojando onde um jumento se espojou e dizendo algumas palavras do livro de São Cipriano e assim podendo sair transformado comendo porcarias até que quase se amanheça retornando ao local em que se transformou para voltar a ser homem novamente. No interior do estado de Rondônia, o lobisomem após se transformar, tem de atravessar correndo sete cemitérios até o amanhecer para voltar a ser humano. Caso contrário ficará em forma de besta até a morte. O escritor brasileiro João Simões Lopes Neto escreveu assim sobre o lobisomem: "Diziam que eram homens que havendo tido relações impuras com as suas comadres, emagreciam; todas as sextas-feiras, alta noite, saíam de suas casas transformados em cachorro ou em porco, e mordiam as pessoas que a tais desoras encontravam; estas, por sua vez, ficavam sujeitas a transformarem-se em Lobisomens…"[1]

Há também quem diga que um oitavo filho que tem sete irmãs mais velhas se torna lobisomem ao completar treze anos. Também dizem que o sétimo filho de um sétimo filho se tornará um lobisomem.

Outra versão porém relata que aquele que é amaldiçoado precisa se espojar nu em um local onde um animal (geralmente jumento) se espojou, enquanto recita palavras do livro de São Cipriano[2] ou reza o credo ao avesso três vezes.

A lenda do lobisomem é muito conhecida no folclore brasileiro, e assim como em todo o mundo, os lobisomens são temidos por quem acredita em sua lenda. Algumas pessoas dizem que além da prata o fogo também pode matar um lobisomem. Outras acreditam que eles se transformam totalmente em lobos e não metade lobo metade homem.

Algumas lendas também dizem que se um ser humano for mordido por um lobisomem, e não o encontrar a cura até a 12ª badalada desse mesmo dia, ficará lobisomem para toda a eternidade.

 
Ilustração de um lobisomem na floresta à noite de 1941.

Lenda portuguesa editar

Há referências muito antigas ao lobisomem em Portugal. Aparece no Rifão de Álvaro de Brito (Cancioneiro Geral):

Sois danado lobisomem,
Primo d’Isac nafú;
Sois por quem disse Jesus
Preza-me ter feito homem
.
(Garcia de Resende, Excertos, por António Feliciano de Castilho, Livraria Garnier, Rio de Janeiro, 1865, p. 24).

É também mencionado no Vocabulario Portuguez e Latino de Rafael Bluteau (tomo V, p. 195) e nos sonetos de Bocage:

Profanador do Aónio santuário,
Lobisomem do Pindo, orneia ou brama,
Até findar no Inferno o teu fadário!
(Bocage, Obras Escolhidas, primeiro volume, p.122).

No século XIX, Alexandre Herculano escreveu assim sobre o lobisomem da região da Beira-Baixa: "Os lubis-homens são aqueles que têm o fado ou sina de se despirem de noite no meio de qualquer caminho, principalmente encruzilhada, darem cinco voltas, espojando-se no chão em lugar onde se espojasse algum animal, e em virtude disso transformarem-se na figura do animal pré-espojado. Esta pobre gente não faz mal a ninguém, e só anda cumprindo a sua sina, no que têm uma cenreira mui galante, porque não passam por caminho ou rua, onde haja luzes, senão dando grandes assopros e assobios para se lhas apaguem, de modo que seria a coisa mais fácil deste mundo apanhar em flagrante um lubis-homem, acendendo luzes por todos os lados por onde ele pudesse sair do sítio em que fosse pressentido. É verdade que nenhum dos que contam semelhantes histórias fez a experiência". (A. Herculano, Opúsculos, Tomo IX, Bertrand, Lisboa, 1909, p. 176-177).

Nos seus estudos sobre mitologia popular, o escritor e etnógrafo português Alexandre Parafita reconhece que, embora a designação sugira tratar-se de um ser híbrido de homem e lobo, muitas das crenças sobre esta criatura identificam-na na figura tanto de lobo, como cavalo, burro ou bode, consistindo o seu fadário em ir despir-se à meia-noite numa encruzilhada, espojando-se no chão, onde um animal já antes fizera o mesmo, após o que se transforma nesse animal para ir “correr fado”.

A representação na figura híbrida de homem e lobo não é alheia ao desassossego que este animal provoca, desde tempos imemoriais, no inconsciente colectivo. Escreve este autor: “As comunidades rurais transmontanas ainda hoje o encaram como um animal cruel, implacável com os seres mais indefesos, inimigo de pastores, dos caminhantes da noite e pesadelo permanente das crianças que habitam nas aldeias mais isoladas. Não se estranha, por isso, que no fabulário popular o lobo apareça como símbolo do mal e que o conceito de lobisomem, enquanto produto da fantasia popular, possa ser considerado como uma tentativa de apresentar uma criatura onde se conjuga a ferocidade maléfica do lobo com as emoções, ora angustiosas, ora igualmente maléficas, do homem”.[3]

Peeira editar

Peeira ou fada dos lobos é o nome que se dá às jovens que se tornam nas guardadoras ou companheiras de lobos. Elas são a versão feminina do lobisomem e fazem parte das lendas de Portugal e da Galiza.[4] A peeira tem o dom de comunicar e controlar alcateias de lobos.[5]

Um extenso relato sobre o lobisomem fêmea português encontra-se nas Travels in Portugal de John Latouche (London, [1875], p. 28-36).

No romance best-seller Covil Das Lobas, S S. [6]é possível observar diversas peeiras em uma versão feminina do lobis-homem nas criaturas que dominam e controlam a cidade de Meer,[7] sendo metade mulher metade loba, conhecidas pela beleza hipnotizante além de outros diversos talentos.

Camilo Castelo Branco escreveu nos Mistérios de Lisboa: "A porta em que bateu o padre Diniz comunicava para a sala em que estavam duas criadas da duquesa, cabeceando com sono, depois que se fartaram de anotar as excentricidades de sua ama, que, a acreditá-las, há cinco anos que cumpria fado, espécie de Loba-mulher, ou Lobis-homem fêmea, se os há, como nós sinceramente acreditamos." (Vol.I, Porto, 1864, p. 136).

Corredor editar

O corredor é a pessoa que tem que correr o fado. O corredor é um ser mutante, pode assumir a forma de lobo, de cão ou outro animal. Quando se encontra um para quebrar o fado deve-se fazer sangue, isto é, fazê-lo sangrar.[8]

Tardo editar

O Tardo é uma espécie de duende, um ser mutante que assume formas de animais mas que pode transformar-se num lobisomem se ao fim de sete anos não lhe quebrarem o fado.

Corrilário editar

Os corrilários são as almas penadas em figura de cão. Se um lobisomem morre antes de terminar o seu fadário, depois de morto termina os seus dias como corrilario.

RPG editar

A editora norte-americana White Wolf produziu dois RPGs onde os lobisomens são os protagonistas.

Lobisomem: O Apocalipse

O jogo de "horror selvagem", Lobisomem: O Apocalipse é um RPG storyteller criado para o cenário Mundo das Trevas. Diferente dos vampiros, os Garou (como os lobisomens se autodenominam) são guerreiros que buscam salvar a natureza e o mundo de uma poderosa força destruidora chamada Wyrm. Ao mesmo tempo, porém, precisam encarar a realidade de que não são os humanos (ou lobos) que pensavam que eram. Com elementos de horror, violência, ecologia, críticas sociais e panteísmo, Lobisomem: O Apocalipse foi um dos grandes sucessos da editora do Antigo Mundo das Trevas finalizado em 2004 pela White Wolf e recentemente retomado em 2015.

Werewolf: The Forsaken

Werewolf: The Forsaken é um RPG ambientado no Novo Mundo das Trevas criado pela White Wolf Editora traduzido no Brasil como "Lobisomem: Os Destituídos". É o sucessor comercial de Lobisomem: O Apocalipse, porém não é uma continuação do jogo anterior; o "jogo de horror selvagem" da linha de jogos do Mundo das Trevas original. Como em Lobisomem: O Apocalipse, o jogo é construído com base nos mitos da cultura popular para criar uma visão única dos lobisomens, embora haja diferenças enormes entre Forsaken e seu antecessor. Por exemplo, o jogo apresenta um sistema de auspícios baseado nas cinco fases da lua, e cada o papel de cada jogador correspondendo aos auspícios continuam o mesmo com relação ao Apocalipse.

Ver também editar

 
Commons
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Referências

  1. João Simões Lopes Neto, Lendas do Sul, Rio Grande do Sul, 1913, p. 91.
  2. «Lobisomem». InfoEscola 
  3. PARAFITA, A. – O Maravilhoso Popular – Lendas. Contos. Mitos. , Lisboa, Plátano Editora, 2000
  4. «Iberian seventh-born children, werewolves, and the dragon slayer: a case study in the comparative interpretation of symbolic praxis and fairytales» 
  5. Álvares, F., 2004 – O lobo no imaginário popular[ligação inativa]. pp: 135-145 in Nunes, M. (Coordenação). Serra da Aboboreira – a Terra, o Homem e os Lobos. Câmara Municipal de Amarante. Amarante. 148pp.
  6. S., S (2021). Covil Das Lobas. Rido De Janeiro: C. Dos Autores. p. 96- 103. ISBN 978-65-00-3501-66 
  7. Queiros Vieira, Tamires (2022). «Review nerd online o livro covil das lobas é...». "Review Nerd Online ". "News Books" pertence á Group recording, 1998. Consultado em 11 de fevereiro de 2022 
  8. Vasconcelos, Leite. Revista Lusitana, Volume VI, Antiga Casa Bertrand, Lisboa, 1900-1901

Bibliografia editar

  • Rafael Bluteau, Vocabulario Portuguez e Latino, tomo V, p. 195.
  • Bocage, Obras Escolhidas, primeiro volume, p. 122
  • Camilo Castelo Branco, Mistérios de Lisboa, Vol.I, Porto, 1864, p. 136
  • Garcia de Resende, Excertos, por António Feliciano de Castilho, Livraria Garnier, Rio de Janeiro, 1865, p. 24
  • Sabine Baring-Gould, The Book of Werewolves, Dover Publications, 2006
  • Alexandre Herculano, Opúsculos, Tomo IX, Bertrand, Lisboa, 1909, p. 176-177.
  • John Latouche, Travels in Portugal, London, [1875], p. 28-36
  • Montague Summers, The Werewolf in Lore and Legend, Dover Publications, 2003
  • PARAFITA, A. – O Maravilhoso Popular – Lendas. Contos. Mitos. , Lisboa, Plátano Editora, 2000

Ligações externas editar