Na Aldeia de Guaraparim
Na Aldeia de Guaraparim [1] é a mais longa peça do padre José de Anchieta, escrita exclusivamente na língua tupi,[2] [3] hoje uma língua morta.[4] [nota 1]
Na Aldeia de Guaraparim | |
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Autoria | José de Anchieta |
Enredo | |
Gênero | dramático |
Personagens |
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Outras informações | |
Dados da estreia | c. 1585 |
Idioma original | tupi |
Encenada pela primeira vez no estado brasileiro do Espírito Santo, talvez no ano de 1585, retrata um grupo de demônios conspirando para tomar conta da aldeia de Guaraparim. Quando a alma de um índio chamado Pirataraca entra em cena, os demônios tentam fazê-lo cair em tentação. Porém, Pirataraca se defende, invocando a Mãe de Deus. Um anjo da guarda intervém, protegendo a aldeia e expulsando os demônios.
O propósito da peça era evangelizar os povos indígenas e os colonos de forma lúdica,[5] aos mesmo tempo em que se atacam os elementos culturais dos povos indígenas brasileiros. A peça tem relevância etnográfica e linguística.
História
editarA peça foi encenada pela primeira vez na aldeia de Guaraparim, no atual estado brasileiro do Espírito Santo, talvez no ano de 1585.[6] Maria de Lourdes de Paula Martins sugere dezembro de 1589–1594 como a data da estreia.[7]
Enredo
editarNa peça, um grupo de demônios conspira para tomar o controle da aldeia Guaraparim. Cada um relata as más ações e perversidades que praticam. Nesse ínterim, a alma de um índio recentemente falecido chamado "Pirataraca" desce entre eles. Os demônios acusa a alma de ter pecados e tenta levá-la à perdição. Pirataraca contesta as acusações feitas pelos demônios sobre sua vida passada e invoca a Mãe de Deus. No final, um anjo da guarda defende a aldeia, salvando o índio e expulsando os demônios.[6]
Estrutura
editarA peça consiste em dois atos informalmente divididos. O primeiro transcorre no adro da igreja, onde os demônios aparecem e fazem discursos.[nota 2] Um demônio lamenta os novos ensinamentos introduzidos pelos padres jesuítas na aldeia, que ameaçavam seu estilo de vida perverso. Ele chama seus companheiros e eles conspiram para destruir a aldeia. Na peça, há um forte ataque aos elementos culturais dos povos indígenas brasileiros, como a antropofagia, o uso de cauim e tabaco, e a poligamia.[6]
No segundo ato, após a descida da alma de Pirataraca, os demônios tentam afirmam que ela está condenada e expõem os seus pecados. O índio se defende invocando seus nomes de batismo e sua confirmação.[nota 3] Ele afirma que recebeu o perdão de Deus através do arrependimento e da confissão. Como os demônios permanecem obstinados, a alma de Pirataraca clama por Nossa Senhora e pelo anjo da guarda. Este vem em seu auxílio e afasta os demônios. Por fim, o anjo faz um sermão aos indígenas.[10]
O segundo ato lembra a obra Auto da Alma, de Gil Vicente, na qual demônios tentam levar a alma de um tolo para o barco do inferno.[6] Com efeito, a obra teatral de Anchieta é fortemente influenciada por Gil Vicente.[11]
Relevância da obra
editarA peça oferece dados etnográficos relevantes, como o comportamento dos casais e a adoção de múltiplos nomes. Oferece também referências a diversas localizações geográficas, incluindo aldeias não conhecidas por nós na documentação da época. Linguisticamente, revela flexibilidade de linguagem, um diálogo acelerado e um vocabulário relativamente mais rico que o das peças tupi anteriores.[3]
Excerto
editarAbaixo está um trecho da peça de Anchieta. O dramaturgo e escritor brasileiro Ariano Suassuna, ao comparar a língua tupi com o grego, afirma que nesta passagem o demônio Tatapitera "fala de uma forma que lembra os personagens de Aristófanes". [12] [13] [14]
Língua Tupi [15] [nota 4] | Língua portuguesa por Eduardo de Almeida Navarro [17] [nota 5] |
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Aîpobu gûaîbĩ py'a, | Transtorno o coração das velhas, |
i moŷrõmo, i momarana. | irritando-as, fazendo-as brigar. |
Nd'e'i te'e moxy onhana, | Por isso mesmo as malditas correm, |
tatá piririka îá | como faíscas de fogo, |
abá repenhãpenhana, | para ficar atacando as pessoas, |
oîoa'omarangatûabo. | insultando-se muito umas às outras. |
Ver também
editarNotas
editar- ↑ The title was given by the translator Maria de Lourdes de Paula Martins.[2]
- ↑ Their names are "Anhanguçu",[8] "Tatapitera" (literally "fire-sucker"), "Caumondá" (literally "cauim thief"), and "Morupiaruera" (literally "ancient adversary of the people").[6]
- ↑ Those names are " pt", the first donatary of Bahia, and "Vasco Fernandes Coutinho", donatary of Espírito Santo.[9]
- ↑ In the original spelling, "Aipobu Goaibĩ pia / imoirõmo, imomarãna / deitee moxi onhana / tata piririca ya / aba repenhã penhana / Oyoao marãgatuabo".[16]
- ↑ According to Maria de Lourdes de Paula Martins, "Perturbo os corações das velhas, / irritando-as, fazendo-as brigarem. / Por isso, as malvadas se engalfinham, / o fogo crepitante as toma / e acomete os índios. / Insultam umas às outras."[18]
Referências
editar- ↑ a b Anchieta 2006, p. XIII.
- ↑ a b Anchieta 1954, p. 603.
- ↑ Lima & Silva 2021, p. 23.
- ↑ a b c d e Anchieta 2006, p. XIV.
- ↑ Anchieta 1954, pp. 603–604.
- ↑ Anchieta 1954, p. 604.
- ↑ Anchieta 2006, p. XV.
- ↑ Anchieta 2006, pp. XIV–XV.
- ↑ Anchieta 2006, p. IX.
- ↑ Suassuna, Ariano (21 March 2000). «Um filólogo». Folha de S.Paulo. Consultado em 22 October 2023. Arquivado do original em 22 October 2023 Verifique data em:
|acessodata=, |arquivodata=, |data=
(ajuda) - ↑ Sá, Nelson de (25 January 2014). «A restauração de Anchieta». Folha de S.Paulo. Consultado em 22 October 2023. Arquivado do original em 22 October 2023 Verifique data em:
|acessodata=, |arquivodata=, |data=
(ajuda) - ↑ Anchieta 2006, p. 130.
- ↑ Anchieta 1954, p. 280.
- ↑ Anchieta 2006, p. 131.
- ↑ Anchieta 1954, p. 606.
Bibliografia
editar- Anchieta, José de (1954). Poesias. Traduzido por Martins, Maria de Lourdes de Paula. São Paulo: Museu Paulista
- Anchieta, José de (2006). Teatro. Traduzido por Navarro, Eduardo de Almeida 2nd ed. São Paulo: Martins Fontes. ISBN 978-85-336-2142-8
- Lima, Samuel Anderson de Oliveira; Silva, Aline Layane Souto da (2021). «Barroco e antropofagia: um estudo da peça "Na aldeia de Guaraparim" de José de Anchieta». Entrelaces. 11 (23). Cópia arquivada em 21 de outubro de 2023
- Navarro, Eduardo de Almeida (2001). «The Translation of the First Texts to Tupi, the Classical Indian Language in Brazil» (PDF). Crop (6). Cópia arquivada (PDF) em 27 de agosto de 2023
- Navarro, Eduardo de Almeida (2013). Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil 1st ed. São Paulo: Global. ISBN 978-85-260-1933-1