Preta Fernanda

cortesã e figura da sociedade lisboeta do fim do século XIX

Andrêsa do Nascimento (1859 – 1927), mais conhecida como Preta Fernanda ou Fernanda do Vale, foi uma cortesã e celebrada figura da sociedade lisboeta do fin de siècle. Foi, provavelmente, a cidadã negra mais conhecida da cidade naquele período.[1][2]

Preta Fernanda
Preta Fernanda
Nascimento Andrêsa do Nascimento
1859
Ribeira da Barca
Morte 27 de agosto de 1927
Ocupação escritora

Biografia

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Filha de pais pobres, Andrêsa do Nascimento nasceu numa pequena aldeia perto de Ribeira da Barca na ilha de Santiago em Cabo Verde, provavelmente em 1859.[3][4]

Com cerca de 19 anos, partiu do arquipélago na companhia do Capitão Jerónimo Martins, que lhe prometeu casamento, levando-a embarcada, mas abandonou-a assim que chegaram a Dakar.[3][5][6] Posteriormente, casou-se com um cervejeiro alemão, Frederick "Fritz" Kemps, que a levou para Lisboa e com quem teve gémeos. De acordo com algumas fontes, o seu marido morreu; outros dizem que ele costumava ficar bêbado e a abandonou.[2][3][5]

 
Estátua do Marquês Sá da Bandeira, com a figura inspirada por Andrêsa do Nascimento, na Praça D. Luís em Lisboa

Para se sustentar a si e aos seus filhos, Nascimento trabalhou brevemente como modelo para o escultor italiano Giovanni Ciniselli. Foi imortalizada na Praça Dom Luís, em Lisboa, como figura de apoio à escultura do Marquês de Sá da Bandeira, célebre pelo seu empenho abolicionista. Nascimento posou para a representação de Ciniselli de uma mulher africana escravizada, correntes quebradas nos tornozelos e uma criança no colo. A mulher encara o seu filho enquanto aponta para a figura do Marquês acima deles, como se exaltasse o nobre. A escultura foi financiada por assinatura pública e foi inaugurada pelo Rei D. Luís I em 1884.[7][1]

Ela encontrou um trabalho mais estável em 1889 como empregada doméstica de uma mulher da alta sociedade, membro da influente família Cavalcanti, permaneceu nesta posição por quase duas décadas.[2]

Decorridos dezoito anos, deixou o serviço da senhora e, com as suas poupanças e os contactos da alta sociedade, abriu um bordel no Bairro Alto, que rapidamente se estabeleceu como ponto de encontro noturno de escritores, políticos e boémios da capital portuguesa.[3][1] Nascimento tornou-se uma das cortesãs mais famosas de Lisboa; ela teve muitos amantes, de marinheiros e soldados a escritores influentes e estudiosos do direito, e era uma figura regular nas casas noturnas mais badaladas.[5] Glamourosa e sem medo de escândalo, diz-se que Nascimento uma vez toureou a cavalo em Algés, e que terá acompanhado o escritor José Maria de Eça de Queirós no seu camarote no Teatro da Trindade.[7][1] Ela também foi, supostamente, a única mulher que permaneceu na sala quando o futurista Almada Negreiros apresentou o Ultimatum Futurista em abril de 1917.[4][7]

 
Capa do livro Recordações d'uma Colonial (Memórias da preta Fernanda)

Em 1912, Nascimento publicou uma autobiografia, Recordações d'Uma Colonial, escrita com a ajuda de dois amigos.[3] O livro de memórias conta a história da sua vida em Cabo Verde e em Portugal, mas os autores às vezes abriram mão da exatidão em favor de uma história mais emocionante.[3][1] Ela registou diligentemente todos os homens com quem partilhou a sua cama (mas não os seus nomes verdadeiros), e no capítulo final ofereceu comentários sinceros sobre o desempenho sexual de cada um.[2][3] Um leitor moderno observa que, no contexto atual, a linguagem do livro é racista e reflete os estereótipos daquela época.[2]

Pouco se sabe sobre a sua vida depois de 1912. Nascimento morreu em Lisboa em 20 de agosto de 1927.[4]

Referências

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  1. a b c d e Hatton, Barry (2018). Queen of the Sea: A History of Lisbon (em inglês). [S.l.]: Oxford University Press. pp. 108–109. ISBN 9781787381070 
  2. a b c d e «Debaixo da nossa Pele IV: Retrato de Uma Senhora». Expresso das Ilhas. 8 de agosto de 2017 
  3. a b c d e f g «Ar livre: A preta Fernanda no coração do império». Expresso das Ilhas. 20 de outubro de 2017 
  4. a b c «Preta Fernanda». Testemunhos da Escravatura. Gabinete de Estudos Olisiponenses. Consultado em 23 de novembro de 2018 
  5. a b c Guinote (2002). «The Old Bohemian Lisbon (c. 1870-c. 1920): Prostitutes, Criminals and Bohemians». Portuguese Studies. 18: 71–95. JSTOR 41105182 
  6. «A PRETA FERNANDA». Do Médio-Oriente e afins. 27 de março de 2014. Consultado em 23 de novembro de 2018 
  7. a b c Cardoso, Margarida David (25 de março de 2017). «Do apartheid envergonhado à "Preta Fernanda": o rasto de África nas ruas de Lisboa». Público