Usuário(a):Jurisdictio/Testemunha

A testemunha no direito brasileiro é considerada como um auxiliar eventual da justiça[1], e seu depoimento, um serviço público.[2] As testemunhas prestarão compromisso de dizer a verdade;[3] o falso testemunho é crime.[4] A regra é que a testemunha seja ouvida na sede do juízo.[5] Caso a testemunha resida em foro diverso daquele onde tramita o processo, seu depoimento pode ser realizado por videoconferência ou tecnologia similar.[6] Algumas autoridades públicas, em razão do cargo que ocupam, têm o direito de ser ouvidas em dia, hora e local que preferirem, sendo inquiridas em sua residência ou onde exercem sua função. É um dever da testemunha comparecer em juízo; caso não o faça poderá ser conduzida coercitivamente.[7]

Testemunhas no processo civil

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Admissibilidade da prova testemunhal

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Segundo o Código de Processo Civil, a prova testemunhal é em regra admissível, desde que não exista previsão legal dispondo de modo diverso (art. 442). A regra, portanto, é pela admissibilidade desse meio de prova, salvo quando a lei dispõe de modo contrário.[8] Segundo a doutrina, as restrições legais à prova testemunhal derivam de sua baixa confiabilidade como meio probatório, já que a testemunha poderá mentir, bem como lembrar de modo incorreto dos fatos.[9][10] Tais riscos são menores em outros meios de prova, como a documental e pericial, que por serem provas mais objetivas, são consideradas pelo legislador como tendo um poder de convencimento mais forte.[10][11] Segundo Leonardo Greco, essa descrença na prova testemunhal é característica típica dos países do sistema romano-germânico, o que não ocorre nos países da common law, no qual a prova testemunhal é dotada de grande força persuasiva.[12]

Muitos autores entendem que as restrições à admissibilidade da prova testemunhal não podem ser reputadas como absolutas, permitindo-se sua relativização a depender do caso concreto. Argumenta-se que uma limitação absoluta e apriorística da prova testemunhal seria inconstitucional, por ferir a busca da verdade no processo judicial.[11] Alguns juristas apontam que essa relativização só poderá ocorrer quando inexistir outro meio de prova que senão o testemunhal sobre um fato relevante para a solução da causa;[13] outros que apenas em "casos realmente excepcionais" poder-se-á cogitar de prova testemunhal mesmo quando há vedação legal.[14] Segundo o Superior Tribunal de Justiça, as restrições à prova testemunhal devem ser interpretadas com parcimônia, de modo que a prova testemunhal poderá ser julgada admissível no caso concreto, ainda que abstratamente vedada pela lei; a decisão que admite esse tipo de prova, contudo, deverá apresentar uma motivação densa, a justificar a relativização da vedação legal.

O Código de Processo legal apresenta duas vedações à prova testemunhal (art. 443): se o fato sobre qual a testemunha dará seu testemunho já tiver sido provado por documentos ou confissão da parte, ou se o fato só puder ser provado por documentos ou exame pericial. Na primeira hipótese, entende-se como "documento" não apenas o documento escrito, mas também gravações, fotos, vídeos, etc;[15] nesse caso, a prova testemunhal é reputada como desnecessária.[9][16][17] A desnecessidade da prova testemunhal será avaliada pelo juiz, que é responsável pela valoração das provas juntadas aos autos.[16] Dessa forma, se o juiz entender que a confissão ou documento não é suficiente para provar o fato, poderá admitir a prova testemunhal.[18] Já na segunda hipótese, a prova testemunhal é inútil e, portanto, inadequada,[19] em razão de exigência legal de prova documental ou pericial.[15] Alegam alguns autores que mesmo nesses casos a regra poderá ser flexibilizada; a exigência de prova documental pode ceder diante da constatação de que o documento não existe mais (ex: destruição do objeto em razão de incêndio no cartório),[20][21] e a prova pericial pode ceder diante do convencimento motivado do magistrado, desde que esse convencimento seja racionalmente justificado.[20]

Diferença entre testemunha e informante

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  • Presidente e Vice-Presidente da República
  • Ministros de Estado
  • Ministros do STF
  • Conselheiros do CNJ
  • Ministros dos Tribunais Superiores
  • Ministros do TCU
  • Procurador-Geral da República
  • Conselheiros do CNMP
  • AGU
  • Procurador-geral do Estado
  • Procurador-geral do Município
  • Defensor público-geral federal
  • Defensor público-geral do Estado
  • Senadores e os deputados federais
  • Governadores dos Estados e do Distrito Federal
  • Prefeito
  • Deputados estaduais e distritais
  • Desembargadores dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Tribunais Regionais Eleitorais
  • Conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal
  • Procurador-geral de justiça
  • Embaixador de país que, por lei ou tratado, concede idêntica prerrogativa a agente diplomático do Brasil

Como se nota da lista, vereadores e conselheiros dos Tribunais de Contas Municipais não dispõem dessa prerrogativa.

Produção da prova testemunhal

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Cabe ao autor, em sua petição inicial, elencar o rol de testemunhas; ao réu, o momento adequado será na contestação.[22] Não obstante, na praxe forense é comum que o juiz, antes de proferir decisão de saneamento e organização do processo, intime as partes para indicarem as provas que pretendem produzir; nesse momento, poderão apresentar rol de testemunhas, caso ainda não o tenham feito[23] Cada parte pode arrolar no máximo dez testemunhas, sendo três, no máximo, para cada fato a ser provado.[24] Segundo o Superior Tribunal de Justiça, é possível ao juiz ouvir um número maior de testemunhas que o limite legal.[25] O juiz poderá ainda limitar o número de testemunhas, levando em conta a complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados.[26]

Apresentada o rol, a parte não poderá modificá-lo, para complementá-lo;[27] poderá, no entanto, requerer a substituição de testemunha caso essa tenha falecido, não esteja em condições de depor, em razão de enfermidade, ou não for encontrada, por ter mudado de residência ou de local de trabalho.[28] É possível ainda que o juiz ouça a testemunha apresentada a destempo, caso entende que ela é indispensável para formação do seu convencimento.[29]

A intimação da testemunha é dever do advogado da parte que a arrolou, e não do juízo.[30] A falta de intimação implicará na desistência da inquirição da testemunha.[31] A legislação prevê ainda alguns casos nos quais a intimação poderá ser feita pela via judicial. É possível que a parte se comprometa a levar a testemunha, hipótese na qual estará dispensada a intimação.[32]

Em regra, o depoimento da testemunha será prestado na audiência de instrução e julgamento, perante o juiz da causa, de modo a privilegiar o contato desse juiz com a testemunha, concentrando em uma só audiência toda a prova de natureza oral.[33][nota 1] Antes de seu depoimento, a testemunha será qualificada pelo juiz, declarando ou confirmando seus dados pessoais, bem como se tem relações de parentesco com a parte ou interesse no objeto do processo. [34] Nesse momento, o advogado da parte contrária poderá contraditar a testemunha, alegando que ela é incapaz, suspeita ou impedida de prestar depoimento.[35] Se a testemunha negar tais fatos a ela imputados, caberá a parte contrária provar a contradita, seja por meio de documentos, seja por meio de testemunhas.[35] Não sendo provados tais fatos, será colhido o depoimento da testemunha; por outro lado, se provado, o juiz dispensará a testemunha ou lhe tomará o depoimento como mero informante.[36] A incapacidade, suspeição ou impedimento da testemunha também pode ser reconhecida de ofício pelo juiz.[37]

Ultrapassada essa fase, caso se proceda à colheita do depoimento, a testemunha prestará o compromisso de dizer a verdade,[38] advertindo o juiz que incorrerá em crime aquele que faz afirmação falsa, cala ou oculta a verdade.[39] Serão ouvidas primeiro as testemunhas arroladas pelo autor, se seguindo as arroladas pelo réu. Essa ordem pode ser modificada pelo juiz, desde que ambas as partes concordem com a mudança.[40] Deve ser providenciado pelo juiz que uma testemunha não ouça o depoimento da outra.[41] A testemunha será primeiro inquirida pela parte que lhe arrolou, se seguindo a parte contrária.[42] O juiz poderá inquirir a testemunha tanto antes quanto depois da inquirição das partes.[43] As perguntas das partes são formuladas por elas diretamente à testemunha, cabendo ao juiz indeferir perguntas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com as questões de fato objeto da atividade probatória ou importarem repetição de outra já respondida.

Caso haja divergência dentre o depoimento de duas ou mais testemunhas, ou divergência entre o depoimento de algumas delas e o depoimento da parte, poderá ser determinada pelo juiz, de ofício, ou a requerimento da parte, acareação entre os depoentes conflitantes,[44] que serão reperguntados para que expliquem o ponto de divergência.[45]

Referências

  1. Neves 2018, p. 793
  2. Art. 463, caput
  3. CPC, art. 458
  4. CP, art. 342
  5. CPC, art. 449, caput
  6. CPC, art. 453, § 1º CPP, art. 222, § 3º
  7. CPC, art. 455, § 5º
  8. Didier Jr, Braga & Oliveira 2015, p. 240
  9. a b Medina 2020, p. 544
  10. a b Wambier et al. 2016, p. 802
  11. a b Greco 2015, p. 232
  12. Greco 2015, p. 231
  13. Wambier et al. 2016, p. 802
  14. Ferreira 2016, p. 640
  15. a b Ferreira 2016, p. 640
  16. a b Neves 2018, p. 791
  17. Wambier et al. 2016, p. 804
  18. Wambier et al. 2016, p. 804-805
  19. Wambier et al. 2016, p. 804-805
  20. a b Wambier et al. 2016, p. 805
  21. Medina 2020, p. 545
  22. Wambier et al. 2016, p. 814
  23. Wambier et al. 2016, p. 814-815
  24. CPC, art. 357, § 6º
  25. REsp 1.028.315
  26. CPC, art. 357, § 7º
  27. Neves 2018, p. 797
  28. CPC, art. 451
  29. Wambier et al. 2016, p. 815
  30. CPC, art. 455, caput
  31. CPC, art. 455, § 3º
  32. CPC, art. 455, § 2º
  33. Wambier et al. 2016, p. 454
  34. CPC, art. 47, caput
  35. a b Neves 2018, p. 798
  36. CPC, art. 457, § 2º
  37. Wambier et al. 2016, p. 822
  38. CPC, art. 458, caput
  39. CPC, art. 458, p. único
  40. CPC, art. 456, p. único
  41. CPC, art. 456
  42. CPC, art. 459, caput
  43. CPC, art. 459, § 1º
  44. CPC< art. 461, II
  45. CPC< art. 461, § 1º

Notas

  1. Aponta a doutrina que incide sobre a prova de natureza oral o princípio da concentração, pelo qual se reduz "o procedimento a uma única audiência, objetivando encurtar o lapso temporal entre a data do fato e a do julgamento" (Lima 2020, p. 711)

Bibliografia

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  • Câmara, Álvaro Alexandre Freitas (2013). Lições de direito processual civil. Volume 2 22ª ed. São Paulo: Atlas. ISBN 978-85-224-7640-4 
  • Didier Jr, Fredie; Braga, Paula Sarno; Oliveira, Rafael Alexandria de (2015). Curso de direito processual. Teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tutela provisória 10ª ed. Salvador: Jus Podivm. ISBN 978-85-442-0351-4 
  • Ferreira, Ivan Nunes (2016), «Seção IX - Da prova testemunhal (arts. 442 a 463)», in: Cabral (org.), Antonio do Passo; Cramer (org.), Ronaldo, Comentários ao Novo Código de Processo civil, ISBN 978-85-309-6729-1, Rio de Janeiro: Forense, p. 637-655 
  • Medina, José Miguel Garcia (2020). Curso de direiro processual civil moderno 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. ISBN 978-65-5065-196-1 
  • Neves, Daniel Amorim Assumpção (2018). Manual de Direito Processual Civil. volume único 10ª ed. Salvador: Jus Podivm 
  • Nery Junior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade Nery (2015). Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais 
  • Silva, De Plácide e (2010). Vocabulário Jurídico 28ª ed. Rio de Janeiro: Forense. ISBN 978-85-309-2742-4 
  • Wambier, Teresa Arruda Alvim; Conceição, Maria Lúcia Lins; Ribeiro, Leonardo Ferres da Silva de; Mello, Rogerio Licastro Torres de (2016). Primeiros comentários ao novo código de processo civil. Artigo por artigo. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. ISBN 978-85-203-6757-5