Anexação do sul e leste da Ucrânia pela Rússia

anexação dos oblasts de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhia à Rússia em setembro de 2022

A anexação do sul e leste da Ucrânia pela Rússia ocorreu em 30 de setembro de 2022, quando a Federação Russa assinou tratados de adesão formalmente anexando os oblasts ucranianos parcialmente ocupados de Luhansk, Donetsk, Zaporíjia e Kherson como parte da Federação Russa. Coletivamente, essas quatro regiões representam cerca de 15% do território da Ucrânia. A Rússia não controla totalmente nenhuma das quatro regiões, onde as hostilidades militares estão em andamento, e grande parte da população fugiu desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.[1] A anexação foi formalizada em Moscou em uma cerimônia oficial na presença dos chefes das quatro regiões (Leonid Pasechnik, Denis Pushilin, Yevgeny Balitsky e Vladimir Saldo) e do presidente russo Vladimir Putin. A Ucrânia, a União Europeia e as Nações Unidas afirmaram que a cerimônia de anexação não tem valor legal.[2]

Mapa mostrando os oblasts ucranianos em laranja, com uma linha vermelha marcando áreas controladas pela Rússia.

A anexação ocorreu depois que referendos condenados pelas Nações Unidas foram organizados por autoridades apoiadas pela Rússia nas quatro regiões. A anexação foi amplamente condenada e permanece desconhecida pela comunidade internacional.[3] Horas após o anúncio, o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy, o primeiro-ministro Denys Shmyhal e o presidente do Parlamento Ruslan Stefanchuk anunciaram formalmente que a Ucrânia iniciaria oficialmente o processo de adesão à OTAN de forma acelerada.[4]

Sua anexação criou uma ponte terrestre entre o continente russo e a Crimeia, que a Rússia também anexou em 2014.[5]

Antecedentes

editar

Os quatro oblasts originaram-se das províncias de Yekaterinoslav, Quersom, Táurida e Kharkov e Don Host do Império Russo. Eles foram reorganizados ao longo dos anos durante o regime comunista, quando a Ucrânia fazia parte da União Soviética. As fronteiras permaneceram estáticas depois que a Ucrânia se tornou independente em 1991.

Em fevereiro e março de 2014, a Rússia invadiu e posteriormente anexou a Crimeia da Ucrânia por meio de um referendo no qual 96% da população votou a favor da anexação.

Em abril de 2014, separatistas pró-Rússia no leste da Ucrânia proclamaram o estabelecimento da República Popular de Donetsk (no Oblast de Donetsk da Ucrânia) e da República Popular de Luhansk (no Oblast de Luhansk da Ucrânia) com o apoio da Rússia.

Em 21 de fevereiro de 2022, a Rússia reconheceu oficialmente a República Popular de Donetsk e a República Popular de Luhansk. Três dias depois, a Rússia iniciou uma invasão em grande escala da Ucrânia, durante a qual capturou o território anexado nos oblasts de Kherson e Zaporíjia, com ocupações militares começando na primeira semana.[6][7]

Referendo e anexação

editar
 
Imagem da cerimônia de anexação, realizada em Moscou, mostrando os quatro líderes das quatro regiões anexadas pela Rússia. A autoridade desses líderes é reconhecida apenas pelo governo russo.

Em 20 de setembro, as autoridades das repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk, bem como as administrações de ocupação dos oblasts de Kherson e Zaporíjia, anunciaram referendos sobre a adesão à Rússia em 23 a 27 de setembro.[8][9][10]

Em 27 de setembro, autoridades russas afirmaram que o "referendo" de adesão em Zaporíjia foi aprovado, com 93,11% dos eleitores a favor da adesão à Federação Russa.[11][12]

Em 29 de setembro, foi relatado que a Rússia anexaria formalmente as regiões de Lugansk, Donetsk, Zaporíjia e Kherson no dia seguinte, em 30 de setembro.[13]

Algumas estimativas sugerem que a reconstrução dos territórios anexados custaria à Rússia entre 100 e 200 bilhões de dólares.[14] Um orçamento do estado publicado em 29 de setembro pelo Kremlin revelou que 3,3 bilhões de rublos foram reservados para reconstruir as regiões.[15]

O território que a Rússia anexaria equivale a mais de 90 000 km2, ou cerca de 15% da área total da Ucrânia – aproximadamente o tamanho da Hungria ou Portugal.[16]

A Rússia não ocupa totalmente nenhum dos quatro oblasts. Forças ucranianas recuperaram territórios em recentes contraofensivas nas regiões de Kherson e Lugasnk, e ainda detém significativas porções das regiões de Donetsk e Zaporíjia.[17][18] A cidade de Zaporíjia, capital do oblast homônimo, segue sob controle ucraniano.[19][20]

Putin anunciou em um discurso em 30 de setembro que a Rússia havia anexado as quatro regiões ocupadas durante o conflito.[21] Antes da proclamação, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que um ataque ao território recém-anexado seria considerado um ataque à Rússia.[22]

Reações

editar

Alguns observadores pensam que, se a Rússia "anexasse formalmente um vasto pedaço adicional da Ucrânia, Putin estaria essencialmente desafiando os Estados Unidos e seus aliados europeus a arriscar um confronto militar direto", e certamente aumentaria o conflito em andamento entre a Rússia e a Ucrânia.[23]

A subsecretária-geral da ONU para Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz, Rosemary DiCarlo, rejeitou o referido referendo falso: "As ações unilaterais visavam fornecer um verniz de legitimidade à tentativa de aquisição pela força por um Estado do território de outro Estado, ao mesmo tempo em que alegava representar a vontade do povo, não pode ser considerado legal de acordo com o direito internacional".[24]

Na reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas em 30 de setembro de 2022, a votação sobre uma resolução para condenar a Rússia pela anexação desses territórios resultou em 10 votos "sim", 4 abstenções e 1 "não" - a Rússia vetou a resolução.[25][26]

Os Estados Unidos e a União Europeia condenaram a anexação ilegal de quatro regiões da Ucrânia e anunciaram novas sanções contra a Rússia.[27] O presidente estadounidense Joe Biden chamou a anexação de uma "tentativa fraudulenta" de apropriar-se de um território ucraniano.[27] O primeiro-ministro neerlandês Mark Rutte disse: "Os Países Baixos nunca reconhecerão esta anexação, assim como a da Crimeia."[27] "Nós vamos garantir que ele (Poetin) perca essa guerra ilegal.", segundo a primeira-ministra britânica Liz Truss.[27] A primeira-ministra sueca Magdalena Andersson chamou a anexação de uma "farça completa".[27]

No dia 12 de outubro de 2022, 143 dos 193 membros da Assembleia Geral da ONU votaram a favor de uma resolução condenando a anexação de regiões da Ucrânia pela Rússia.[28][29]

Ver também

editar

Referências

  1. Walker, Shaun (23 de setembro de 2022). «'Referendums' on joining Russia under way in occupied Ukraine». the Guardian. Consultado em 24 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 30 de setembro de 2022 
  2. Trevelyan, Mark; Trevelyan, Mark (30 de setembro de 2022). «Putin declares annexation of Ukrainian lands in Kremlin ceremony». Reuters (em inglês). Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 30 de setembro de 2022 
  3. «So-called referenda in Russian-controlled Ukraine 'cannot be regarded as legal': UN political affairs chief». UN News. 27 de setembro de 2022. Consultado em 29 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 28 de setembro de 2022 
  4. «Zelensky says Ukraine applying NATO membership». Consultado em 30 de setembro de 2022 
  5. Chernova, Ann M. Simmons and Yuliya (30 de setembro de 2022). «Russia Announces Annexation of Four Regions of Ukraine». Wall Street Journal (em inglês). ISSN 0099-9660. Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 30 de setembro de 2022 
  6. James, Liam (3 de março de 2022). «Russia claims it has seized Kherson as mayor agrees to conditions to keep city running». The Independent. Consultado em 30 de setembro de 2022 
  7. «Berdyansk: Life Under Russian Occupation». Institute for War and Peace Reporting. 8 de abril de 2022. Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 30 de setembro de 2022 
  8. «Russia moves to formally annex swathes of Ukraine». Reuters. 20 de setembro de 2022. Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 22 de setembro de 2022 
  9. «Война в Украине: ЛНР и ДНР объявили о "референдумах" о присоединении к России 23–27 сентября – Новости на русском языке». BBC News Русская служба (em russo). Consultado em 20 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 27 de setembro de 2022 
  10. «На оккупированных территориях Украины 23–27 сентября проведут «референдумы о присоединении к России». Главное Тем временем в России вводят понятие «мобилизация» в Уголовный кодекс». Meduza (em russo). Consultado em 20 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 22 de setembro de 2022 
  11. «Pro-Moscow officials say 1 occupied area of Ukraine has voted to join Russia». PBS NewsHour (em inglês). 27 de setembro de 2022. Consultado em 27 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 30 de setembro de 2022 
  12. «Жители Запорожской области голосовали за воссоединение с Россией - Администрация Запорожской области» (em russo). Consultado em 27 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 28 de setembro de 2022 
  13. «Russia to formally annex four more areas of Ukraine». Reuters. 29 de setembro de 2022. Consultado em 29 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 29 de setembro de 2022 
  14. «Putin's Victory in Taking Donbas Will Cost Him Billions». Newsweek. 29 de setembro de 2022. Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 30 de setembro de 2022 
  15. «Putin to sign treaty annexing territories in Ukraine, Kremlin says». The Guardian. 29 de setembro de 2022. Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 29 de setembro de 2022 
  16. Guy Faulconbridge; Felix Light (22 de setembro de 2022). «Explainer: Russia unfolds annexation plan for Ukraine». Reuters (em inglês). Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 22 de setembro de 2022 
  17. Norton, Tom (30 de setembro de 2022). «Fact Check: Putin's Russia doesn't fully control annexed Ukrainian regions». Newsweek (em inglês). Consultado em 2 de outubro de 2022 
  18. Lister, Joshua Berlinger,Anna Chernova,Tim (30 de setembro de 2022). «Putin announces annexation of Ukrainian regions in defiance of international law». CNN (em inglês). Consultado em 2 de outubro de 2022 
  19. «Conheça as quatro regiões da Ucrânia que a Rússia anexou ilegalmente». G1. 30 de setembro de 2022. Consultado em 2 de outubro de 2022 
  20. Loveluck, Louisa; Korolchuk, Serhii (29 de setembro de 2022). «In Zaporizhzhia, Russia controlled a referendum but not hearts or minds». The Washington Post (em inglês). Consultado em 2 de outubro de 2022 
  21. Reuters Staff (30 de setembro de 2022). «Putin says Russia has 'four new regions' as he announces annexation of Ukrainian territory». Reuters. Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 30 de setembro de 2022 
  22. Reuters staff (30 de setembro de 2022). «Kremlin says any attack on annexed territory will be an attack on Russia». Reuters. Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 30 de setembro de 2022 
  23. Guy Faulconbridge; Felix Light (22 de setembro de 2022). «Russia moves to formally annex swathes of Ukraine». Reuters (em inglês). Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 22 de setembro de 2022 
  24. «So-called referenda in Russian-controlled Ukraine 'cannot be regarded as legal': UN political affairs chief». UN News. 27 de setembro de 2022. Consultado em 30 de setembro de 2022. Cópia arquivada em 28 de setembro de 2022 
  25. «Russia vetoes Security Council resolution condemning attempted annexation of Ukraine regions». UN News. United Nations. Consultado em 30 de setembro de 2022 
  26. «Rússia veta resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre anexações; Brasil e China se abstêm». G1. 30 de setembro de 2022. Consultado em 2 de outubro de 2022 
  27. a b c d e «Westen veroordeelt annexatie Oekraïense regio's en komt met nieuwe sancties». nos.nl (em neerlandês). NOS. 30 de setembro de 2022. Consultado em 30 de setembro de 2022 
  28. «VN-vergadering veroordeelt Russische illegale annexatie» (em neerlandês). NOS. 13 de outubro de 2022. Consultado em 13 de outubro de 2022 
  29. «Saiba quais países votaram contra e quais se abstiveram da resolução da ONU». CNN Brasil. 12 de outubro de 2022. Consultado em 13 de outubro de 2022 

Ligações externas

editar