Antigas unidades de medida portuguesas
As antigas unidades de medida portuguesas foram utilizadas em Portugal, Brasil e em alguns domínios coloniais portugueses até à introdução do sistema métrico. A metrologia tradicional portuguesa é o resultado da fusão da herança romana com influências posteriores de origem árabe e europeia.
O longo processo de uniformização gradual dos pesos e medidas documenta-se sobretudo a partir de meados do século XIV. No ano de 1352, alguns povoados “portucalenses” queixaram-se nas Cortes então reunidas em Lisboa por se sentirem lesados quer no pagamento dos direitos reais, quer nas rendas que pagavam a fidalgos e clérigos. D. Afonso IV mandou usar a alna de Lisboa para a medição dos panos de cor. Por sua vez, D. Pedro I (1357–67) tentou impor padrões únicos para todo o território português, decretando que as medidas de capacidade para sólidos e os pesos da carne seguissem os padrões de Santarém e as medidas de capacidade para líquidos e os restantes pesos seguissem os padrões de Lisboa.
Posteriormente, D. Afonso V (1438–81) aceitou a coexistência dos sistemas de seis localidades, cada um deles na respectiva região envolvente: Lisboa, Santarém, Coimbra, Porto, Guimarães e Ponte de Lima. Assim, continuava a reinar a confusão no reinado de D. João II (1481–95). Coexistiam nomeadamente dois importantes padrões ponderais, um dado pelo marco de Colonha (variante do marco de Colónia), e outro dado pelo marco de Tria (variante do marco de Troyes). Coexistiam também diversos arráteis com diferentes números de onças. D. João II adoptou o marco de Colonha e o arrátel de 14 onças, abolindo o marco de Tria e os restantes arráteis.
A principal reforma dos pesos e medidas foi delineada por D. Manuel I por volta de 1499-1504. Todos os pesos e medidas passaram a seguir os padrões de Lisboa. A base do sistema de pesos passou a ser dada pelo marco de Colonha. A partir da Primavera de 1503, foram distribuídos padrões de pesos, na forma de pilhas de pesos feitas em bronze no norte da Europa, a um grande número de municípios de todo o reino. Atendendo ao grande número de pilhas distribuídas (132 estão documentadas), aos tamanhos das pilhas (32, 64 e 128 arráteis) e à elaborada decoração, a reforma manuelina dos pesos não tem paralelo na Europa até ao século XVI. Em 1575, D. Sebastião complementaria a reforma manuelina através da distribuição de padrões das medidas de capacidade, também feitos em bronze.
Quando se começou a discutir a possível introdução do sistema métrico decimal, no século XIX, as unidades de medida lineares e itinerárias, e bem assim as unidades de peso, tinham já padrões legais únicos em todo o Portugal. As restantes unidades variavam de região para região, e mesmo de localidade para localidade, embora se situassem na ordem de grandeza dos padrões de Lisboa.
A introdução do sistema métrico decimal francês em Portugal foi defendida por José de Abreu Bacelar Chichorro logo em 1795. A sua proposta, que previa a adopção do sistema francês com nomes portugueses, foi retomada por uma comissão especializada em 1812-1814. O Príncipe Regente, futuro rei D. João VI, viria em 1814 a decretar a introdução do sistema métrico em Portugal e seus domínios, tendo sido fabricados e distribuídos novos padrões. O processo acabaria no entanto por ser interrompido já na época da revolução liberal. O sistema métrico decimal viria finalmente a ser introduzido pelo Decreto de 13 de Dezembro de 1852, agora com a própria terminologia original francesa. O Decreto de 20 de Junho de 1859 estabeleceu como obrigatório o uso exclusivo do sistema métrico. Este decreto entrou em vigor para as medidas lineares, em Lisboa a 1 de Janeiro de 1860 e nas restantes localidades a 1 de Março do mesmo ano. A obrigatoriedade da utilização das restantes medidas entrou em vigor, em todo o território nacional, em 1 de Janeiro de 1862.[1]
No Brasil, e não sem muita controvérsia, o imperador D. Pedro II, através do Decreto nº 1.157, de 26 de junho de 1862, substituiu em todo o Império o antigo sistema pelo sistema métrico decimal, na época chamado de sistema métrico francês. O Decreto dava um prazo de 10 anos para a substituição total, autorizava a mandar vir da França os padrões do sistema, e determinava a organização de tabelas comparativas para facilitar a conversão das medidas de um sistema para outro. Assim, o sistema métrico foi adotado na prática somente em 1872.[2][3]
Os valores das unidades foram variando ao longo dos tempos. A seguir, são apresentados os valores em vigor em 1862, altura em que o sistema métrico passou a ser o único oficial em todas as medidas. Os valores que seguem são, essencialmente, os estabelecidos pelo Rei D. Manuel I no início do seu reinado.
Medidas itinerárias
editarNome | Subdivide-se em | Valor em léguas de 20 ao grau | Equivalência métrica |
---|---|---|---|
Légua de 18 ao grau | 6 173 m | ||
Légua de 20 ao grau | 3 milhas geográficas | 1 | 5 555 m |
Milha geográfica | 1/3 | 1 851 m |
Obs.: por Decreto de 2 de Maio de 1855 foi estabelecida em Portugal a Légua Métrica, equivalente a 5000 metros
Medidas lineares
editarAs medidas lineares mais antigas são a vara, o côvado, a braça e o palmo de craveira. O palmo e a polegada da Junta do Comércio foram criados em 1756 pela Junta do Comércio de Lisboa.[4] para comércio com as Colónias, e era definido como o lado de um cubo com a capacidade equivalente a um pote ou meio almude[5]
Nome | Subdivide-se em | Valor em varas | Equivalência métrica |
---|---|---|---|
Braça | 2 varas | 2 | 2,2 m |
Toesa | 6 pés | 1 4/5 | 1,98 m |
Passo geométrico | 5 pés | 1 1/2 | 1,65 m |
Vara | 5 palmos | 1 | 1,1 m |
Côvado | 3 palmos de côvado[5] | 34/55 | 0,68 m |
Pé | 12 polegadas | 3/10 | 0,33 m |
Palmo de côvado[5] | 8 polegadas de côvado | 34/165 | 0,227 m |
Palmo de craveira | 8 polegadas | 1/5 | 0,22 m |
Palmo da Junta do Comércio[5] | 10 polegadas da Junta | 91/500 | 0,20 m |
Polegada de côvado[5] | 34/1 320 | 28,33 mm | |
Polegada | 12 linhas | 1/40 | 27,5 mm |
Polegada da Junta do Comércio[5] | 91/5 000 | 20 mm | |
Linha | 12 pontos | 1/480 | 2,29 mm |
Ponto | 1/5 760 | 0,19 mm |
Medidas de peso
editarAlgumas observações:
- (1): O grão, a menor unidade, é originário do peso de um grão de cereal, provavelmente o arroz.[2]
- (2): O vintém-de-ouro era uma medida de peso equivalente à 32ª parte de uma oitava (0,112 g). Na capitania das Minas Gerais o ouro em pó, não quintado, circulava como moeda pelo valor de um mil e duzentos réis a oitava; para as necessidades diárias 2¼ grãos era a medida menos complicada de obter-se, daí que 0,112 g (2¼ grãos) é igual a 37½ réis.
- (3): Os pesos de quilates e escrópulos não eram usados na pesagem de moedas, mas na de diamantes.
- (4): O arrátel era por vezes referido como "libra", mas existiram em Portugal libras muito diferentes, desde 15 a 28 onças.
- (5): Não confundir a Tonelada mostrada nesta tabela com a Tonelada Métrica, equivalente a 1 000 kg.
- (6): Como já explicado, a estrutura e equivalências do sistema de pesos variaram ao longo do tempo. No reinado de D. Afonso III, o Bolonhês (1248–79), a lei de 26 de dezembro de 1253 dava a equivalência de 12,5 onças para o arrátel. Sob D. Manuel I (1495-1522) o arrátel passou a valer 2 marcos ou 16 onças. A tabela mostra as principais unidades de peso usadas a partir de Dom Manuel I com as equivalências que resultam de várias avaliações do padrão da Casa da Moeda realizadas no início do século XIX. Convém notar, entretanto, que estudos recentes indicam para o arrátel manuelino um valor um pouco inferior, na ordem de 457,8 g.
Medidas de superfície
editarNome | Subdivide-se em | Valor em varas quadradas | Equivalência métrica |
---|---|---|---|
Braça quadrada | 100 palmos quadrados | 4 | 4,84 m² |
Vara quadrada | 25 palmos quadrados | 1 | 1,21 m² |
Palmo quadrado | 64 polegadas quadradas | 1/25 | 484 cm² |
Polegada quadrada | 144 linhas quadradas | 1/1 600 | 7,5625 cm² |
Nome | Subdivide-se em | Valor em moios | Equivalência métrica |
---|---|---|---|
Moio | 15 fangas | 1 | 828 l |
Fanga | 4 alqueires | 1/15 | 55,2 l |
Alqueire | 4 quartas | 1/60 | 13,8 l |
Quarta | 2 oitavas | 1/240 | 3,45 l |
Oitava | 2 maquias | 1/480 | 1,725 l |
Maquia | 2 selamins | 1/960 | 0,8625 l |
Selamim | 2 meios-selamins | 1/1 920 | 0,43125 l |
meio-selamim | 2 quartos de selamim | 1/3 840 | 0,215625 l |
quarto de selamim | 1/7 680 | 0,1078125 l |
Medidas de capacidade para líquidos de Lisboa
editarNome | Subdivide-se em | Valor em canadas | Equivalência métrica |
---|---|---|---|
Tonel | 2 pipas | 600 | 840 l |
Pipa | 25 almudes | 300 | 420 l |
Almude | 2 potes | 12 | 16,8 l |
Pote (1) | 6 canadas | 6 | 8,4 l |
Canada | 4 quartilhos | 1 | 1,4 l |
Quartilho | 2 meios-quartilhos | 1/4 | 0,35 l |
Meio-quartilho | 2 quartos de quartilho | 1/8 | 0,175 l |
Quarto de quartilho | 1/16 | 0,0875 l |
(1): também conhecido por cântaro
Toque de Ouro
editarNome | subdivide-se em | Símbolo | Equivalência métrica |
---|---|---|---|
Quilate | 4 grãos | 41,66 milésimas (1/24) | |
Grão | 8 oitavas | 10,42 milésimas (1/96) | |
Oitava | 1,3 milésimas (1/768) |
Toque de Prata
editarNome | subdivide-se em | Símbolo | Equivalência métrica |
---|---|---|---|
Dinheiro | 24 grãos | 83,33 milésimas | |
Grão do dinheiro | 4 quartas | 3,47 milésimas | |
Quarta | 0,87 milésimas |
Bibliografia
editar- Barreiros, Fortunato José (1838) Memória sobre os pesos e medidas de Portugal, Espanha, Inglaterra e França..., Lisboa.
- Branco, Rui Miguel Carvalhinho (2005) The cornerstones of modern government. Maps, weights and measures and census in liberal Portugal (19th century), Florença, European University Institute.
- Kelly, Patrick (1811) The universal cambist, and commercial instructor, vol. 1. Londres.
- Monteverde, Emilio Achilles (1861) Manual Encyclopedico para Uzo das Escolas de Instrucção Primaria, Lisboa: Imprensa Nacional.
- Dicionário Enciclopédico Lello Universal, Porto: Lello & Irmão, 2002.
- Barroca, M.J. (1992) Medidas-Padrão Medievais Portuguesas, Revista da Faculdade de Letras. História, 2ª Série, vol. 9, Porto, pp. 53–85.
- Seabra Lopes, L. (2003) Sistemas Legais de Medidas de Peso e Capacidade, do Condado Portucalense ao Século XVI, Portugalia: Nova Série, XXIV, Faculdade de Letras, Porto, p. 113-164.
- Seabra Lopes, L. (2005) A Cultura da Medição em Portugal ao Longo da História, Educação e Matemática, nº 84, Setembro-Outubro de 2005, p. 42-48.
- Seabra Lopes, L. (2018) As Pilhas de Pesos de Dom Manuel I: Contributo para a sua Caracterização, Inventariação e Avaliação, Portugalia: Nova Série, vol. 39, Universidade do Porto, p. 217-251.
- Seabra Lopes, L. (2018) A Metrologia em Portugal em Finais do Século XVIII e a 'Memória sobre Pesos e Medidas' de José de Abreu Bacelar Chichorro (1795), Revista Portuguesa de História, vol. 49, p. 157-188.
- Seabra Lopes, L. (2018) "O Regimento de Pesos e Medidas nos Reinados de Dom Afonso V e Dom João II", Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 136, p. 143-168.
- Seabra Lopes, L. (2019) The Distribution of Weight Standards to Portuguese Cities and Towns in the Early 16th Century: Administrative, Demographic and Economic Factors, Finisterra, vol. 54 (112), Centro de Estudos Geográficos, Lisboa, p. 45-70.
- Seabra Lopes, L. (2020) "Os Marcos de Colonha e de Tria e a Reforma dos Pesos de Dom João II (1487-1488)", Revista Portuguesa de História, t. 51, p. 83-105.
- Silva Lopes João Baptista da (1849) Memoria sobre a Reforma dos Pezos e Medidas em Portugal segundo o Sistema Metrico-Decimal, Imprensa Nacional, Lisboa.
Referências
- ↑ Silva Lopes, 1849
- ↑ a b CORSO, Jairo L. «Quanto pesa o peso». Clube filatélico e numismático de Taquara/RS. Consultado em 19 de fevereiro de 2012
- ↑ História da Metrologia - Adoção do Sistema Métrico Decimal Arquivado em 17 de março de 2008, no Wayback Machine. Acesso em 30 de junho de 2009
- ↑ Kelly, 1811
- ↑ a b c d e f Barreiros, 1838