Cam

personagem bíblico, um dos filhos de Noé, segundo os Relatos bíblicos
 Nota: Para outros significados, veja Cam (desambiguação).

Cam, Cã[1] ou Cão, (em hebraico: חָם, moderno H̱am tiberiano Ḥām; em grego: Χαμ Kham; em árabe: حام, Ḥām, de significado incerto[2]) é um personagem bíblico, um dos filhos de Noé, segundo os Relatos bíblicos. De acordo com a Tabela das Nações no livro de Gênesis, tratava-se do filho mais novo de Noé e foi o pai de Cuxe, Mizraim, Pute e Canaã.[3][4]

Cam
Cam
Nascimento 1557 AM
Morte Desconhecido
Progenitores
Parentesco Noé
Filho(a)(s) Cuxe
Mizraim
Pute
Canaã
Irmão(ã)(s) Sem, Jafé

Personagem editar

Cam é um personagem bíblico mencionado no livro de Gênesis, filho de Noé, que foi salvo do Dilúvio junto com seus irmãos Sem e Jafé, na arca que Deus mandara construir.[3] Gênesis 5:32 indica que Noé gerou a Sem, Cam e Jafé enquanto ele ainda estava com 500 anos. (Noé tinha 600 anos de idade na época do dilúvio Gênesis 7:).

Cam assume importância como patriarca de importantes nações da Antiguidade, como Cuxe (Núbia), Sabá, Nimrod (importante cidade-estado suméria, mas aparentemente se referindo a toda civilização mesopotâmica), Filístia, Fenícia e todos os povos cananeus - todas descendentes de seus filhos e netos. Flavius Josephus trata de maneira detalhada a descendência de Cam e as nações que teria gerado.[3]

A Bíblia refere-se ao Egito como "as tendas de Cam", "descendentes de Cam" e "a terra de Cam" em Salmos 78:51; 105:23,27; 106:22 e 1º livro de Crônicas 4:40.

Árvore genealógica baseada em Gênesis:

Maldição editar

 Ver artigo principal: Maldição de Cam
 
Este retrato da Crônica de Nuremberg usa a ortografia "Cham".

Tendo cessado o Dilúvio, Noé, que, entre outras coisas, era vinicultor, plantou uvas, fazendo vinho de sua colheita. Noé então embriagou-se e foi-se acabar adormecido em sua cabana. Cam ter-se-ia deparado com seu pai embriagado e desacordado, tendo ele visto a nudez paterna, foi contar o sucedido a seus irmãos, em vez de guardar o pudor e cobrir seu pai. Quando recobrou a consciência, Noé amaldiçoou o filho de Cam, Canaã, referindo-se a ele como o "servo dos servos". Gênesis 9:25 "e disse: Maldito seja Canaã; seja servo dos servos a seus irmãos".[5]

A história de Cam é relatada em Gênesis 9:20–27:

Gênesis 9:20 Começou Noé a ser lavrador, e plantou uma vinha:

21Bebendo do vinho, embriagou-se e achou-se nu dentro da sua tenda. 22Cão, pai de Canaã, viu a nudez de seu pai, e contou a seus dois irmãos que estavam fora. 23Então tomaram Sem e Jafé uma capa, puseram-na sobre os seus ombros e, andando virados para trás, cobriram a nudez de seu pai; tiveram virados os seus rostos, e não viram a nudez de seu pai.

24Despertando Noé do seu vinho, soube o que seu filho mais moço lhe fizera. 25E disse: Maldito seja Canaã; Servo dos servos será de seus irmãos. 26E acrescentou: Bendito seja Jeová, o Deus de Sem; E seja-lhes Canaã por servo.

27Dilate Deus a Jafé, E habite Jafé nas tendas de Sem; E seja-lhes Canaã por servo.[6]

Segundo uma certa linha de interpretação, ao proferir tais palavras, Noé estaria profetizando que um dos irmãos de Canaã iria herdar a terra dos cananeus.[7] Embora a história possa ser interpretada de forma literal, em tempos mais recentes, alguns estudiosos têm sugerido que Cam pode ter tido relações sexuais com a mulher de seu pai.[8] Sob essa interpretação, Canaã é amaldiçoado como o "produto da união ilícita de Cam."[9]

Interpretações e implicações sócio-políticas editar

 
Ivan Ksenophontov. A maldição de Cam

A maldição de Cam foi usada por alguns membros de religiões abraâmicas para justificar o racismo e a escravidão eterna de negros africanos, quem acreditavam ser descendentes de Cam.[10][11] Defensores da escravidão nos Estados Unidos invocaram consistentemente este relato da Bíblia ao longo do século XIX em resposta ao crescimento do movimento abolicionista.[12] No Brasil, a maldição de Cam serviu de justificativa para escravizar os índios, tendo missionário da Ordem de São Pedro João de Sousa Ferreira afirmado "Não há lei divina nem humana que proíba a possessão de escravos" e continuou: "(e os índios brasileiros) são da descendência da maldição de Cam".[13]

Pseudoetimologia editar

Como parte da construção racial da escravidão, a partir do século XVIII foi argumentado entre europeus (até mesmo entre eruditos bíblicos), a pseudoetimologia de que Cam significaria "queimado" ou "escurecido". Todavia, o deciframento dos hieróglifos egípcios e as descobertas de línguas semíticas como o acadiano e o ugarítico demonstraram que não há relação semântica. O erudito bíblico David M. Goldenberg documenta a história dessa pseudoetimologia e através de uma análise linguística minuciosa demonstra a falsidade da hipótese de que Cam possui alguma relação com campo semântico de calor, escuridão ou negritude. Goldenberg demonstra que tudo isso resulta em um mal-entendido da antiga linguística hebraica. A etimologia permanece desconhecida, apesar de Goldenberg já ter provado que não há nenhuma relação entre o nome bíblico "Cam" com a noção de negritude.[2]

Árvore genealógica baseada em Gênesis editar

Noé
Sem
Cam
Jafé
Cuxe
Mizraim
Pute
Canaã
Sidom
Hete
jebuseus
amoritas
girgaseus
heveus
arqueus
sineus
arvadeus
zemareus
hamateus

Referências

  1. Correia, Paulo (2023). «Berberes — geografia e línguas» (PDF). A folha — Boletim da língua portuguesa nas instituições europeias (73 — outono de 2023). pp. 10–19. ISSN 1830-7809 
  2. a b Goldenberg, David M. The curse of Ham: race and slavery in early Judaism, Christianity, and Islam. Vol. 33. Princeton University Press, 2009.
  3. a b c «The Table of Nations: Ham, Shem and Japheth, Sons of Noah» (em inglês). Consultado em 14 de novembro de 2012 
  4. Language of the Pentateuch in Its Relation to Egyptian|A. S. Yahuda (em inglês). 1. Whitefish: Kessinger Publishing. 2003. p. 268. ISBN 0766156648 
  5. Biblical Commentary on the Old Testament (em inglês). Charleston: Forgotten Books. p. 157. ISBN 1440046468 
  6. Gênesis 9:21–27
  7. Frankel, Rabbi David. Noah, Ham and the Curse of Canaan: Who Did What to Whom in the Tent? TheTorah
  8. For example, Frederick W. Bassett, "Noah's nakedness and the curse of Canaan : a case of incest?" VT 21 [1971] p 232-237.
  9. John S. Bergsma and Scott Hahn, "Noah's nakedness and the curse on Canaan (Genesis 9:20-27)," JBL 124 [2005] p. 39.
  10. Daly, John Patrick When Slavery Was Called Freedom: Evangelicalism, Proslavery, and the Causes of the Civil War (Religion in the South The University Press of Kentucky (31 Oct 2004) ISBN 978-0813190938 p.37
  11. Taslitz, Andrew E. Reconstructing the Fourth Amendment: a history of search and seizure, 1789-1868 New York University Press (15 Oct 2006) ISBN 978-0814782637 p.99
  12. Sylvester A. Johnson (2004). The myth of Ham in nineteenth-century American Christianity: race, heathens, and the people of God. [S.l.]: Macmillan. p. 37. ISBN 9781403965622 
  13. John Hemming,Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Ouro Vermelho:A Conquista dos Índios Brasileiros. [S.l.: s.n.]