Dívida ecológica

Dívida ecológica refere-se à dívida acumulada pelos países do Norte Global com os países do Sul Global, devido ao montante histórico de injustiças ambientais, especialmente via exploração de recursos, degradação de habitats naturais e poluição por descarte de resíduos.[1][2] O conceito foi cunhado por organizações não governamentais do Sul na década de 1990 e sua definição variou ao longo dos anos, por meio de várias tentativas de maior especificação do termo.[3]

A taxa de consumo do Norte Global é superior a sua produção (em vermelho), enquanto o Sul Global produz mais do que consome (verde). A proporção entre consumo e produção de recursos relaciona-se com a quantidade de degradação ambiental e a dívida ecológica entre países

Dentro da ampla definição de dívida ecológica, há dois aspectos principais: os danos ecológicos causados ao longo do tempo por um país à outros ou à ecossistemas transnacionais, por meio de seus padrões de produção e consumo; e a exploração de ecossistemas ao longo do tempo por um país em detrimento dos direitos equitativos a esses ecossistemas por outros países.[4]

História editar

Em 1992, o termo apareceu em duas reportagens publicadas em diferentes lugares do mundo: "Deuda ecológica", em espanhol, no Chile, e “Miljöskulden ”, em sueco, na Suécia.[5] O relatório em espanhol, publicado pelo Instituto de Ecologia Política (IEP),[6] foi uma resposta política e ativista às negociações ambientais globais que aconteceram durante a Cúpula do Rio. O texto abordou o debate sobre o patrimônio da natureza, que ocorreu na América Latina desde a década de 1980, sobre como esse patrimônio latino-americano foi historicamente consumido e não devolvido (ou seja, configura-se como um dívida ecológica). Por outro lado, o objetivo do relatório sueco era calcular a dívida sueca para as gerações futuras e destinava-se a servir nacionalmente para o Conselho Ambiental Sueco. Embora o último tenha tido menos influência mundial no debate do conceito, ambos os relatórios têm abordagens opostas ao considerar a dívida ecológica: o primeiro, desde o Sul Global, expressa-o em termos simbólicos, focando os aspectos morais e políticos, enquanto o segundo, desde o Norte Global, tenta quantificá-lo em termos econômicos, monetizá-lo.

Em 1994, o advogado colombiano José María Borrero Navia escreveu um livro sobre a dívida ecológica.[7] A obra referia-se aos passivos ambientais dos países do Norte pela excessiva produção per capita de gases de efeito estufa, tanto historicamente, quanto contemporaneamente. O conceito foi então reutilizado por algumas organizações ambientais do Sul Global. Campanhas sobre a dívida ecológica foram lançadas desde 1997 pela Acción Ecologica do Equador e também pelos Amigos da Terra.[8]

Globalmente, o movimento da dívida ecológica nasceu da convergência de três fatores principais durante os anos 1980 e 1990: (1) as consequências da crise da dívida nos anos 1970 devido ao aumento drástico das taxas de juros (seguido por ajustes feitos pelos Estados Unidos para resolver a estagflação em 1981, colocando os países do chamado terceiro mundo, altamente endividados em uma situação de impossibilidade de pagamento da dívida; (2) o aumento da consciência ambiental, evidente em movimentos ativistas e ações de ONGs presentes na Cúpula do Rio em 1992; (3) um aumento no reconhecimento da violência causada pelo colonialismo ao longo dos anos[9] (a demanda de reconhecimento é de mais de 500 anos, desde que Colombo chegou à América do Norte).

Em 2009, a estudiosa ecofeminista Ariel Salleh explicou como os processos capitalistas em funcionamento no Norte global exploram simultaneamente a natureza e as pessoas, sustentando a existência de uma grande dívida ecológica em seu artigo, "Dívida Ecológica: Dívida Incorporada".[9] Na Cúpula da Terra, na Rio-92, políticos e líderes empresariais do Norte global apresentaram a suposta solução para a crise da dívida externa no Sul global.[9] Eles propuseram "trocas da dívida pela natureza", o que significa essencialmente que os países que possuem abundante biodiversidade e recursos ambientais os entregariam ao Norte global em troca do Banco Mundial reduzir sua dívida.[9]

Ambientalistas feministas, ativistas indígenas e camponeses do Sul Global expuseram como o Norte Global é muito mais endividado com o Sul Global.[9] Salleh justificou isso explicando como o processo de colonização de 500 anos, que envolve a extração de recursos, causou imensos danos e destruição ao ecossistema do Sul Global.[9] De fato, cientistas da Academia Nacional de Ciências estadunidense afirmam que no período entre 1961 e 2000, analisando o custo das emissões de gases de efeito estufa criadas apenas pelos países ricos (o Norte Global), tornou-se evidente que os ricos impuseram mudanças climáticas sobre os pobres, que superam em muito sua dívida externa.[10] Toda essa degradação ambiental equivale a uma dívida ecológica, confiscando os recursos de subsistência das pessoas no Sul Global.[11]

Também em 2009, Andrew Simms usou a dívida ecológica de uma forma mais biofísica e a definiu como o consumo de recursos de um ecossistema que excede a capacidade regenerativa do sistema. Isso é visto em particular em recursos não renováveis em que o consumo supera a produção. Em um sentido geral em seu trabalho, refere-se ao esgotamento dos recursos globais além da capacidade da Terra de regenerá-los. O conceito, neste sentido, é baseado na capacidade de suporte biofísica de um ecossistema; através da medição das pegadas ecológicas, a sociedade humana pode determinar a taxa em que está esgotando os recursos naturais. Em última análise, o imperativo da sustentabilidade exige que a sociedade humana viva dentro dos meios do sistema ecológico para sustentar a vida a longo prazo. A dívida ecológica é uma característica de sistemas econômicos insustentáveis.[12]

Referências

  1. Warlenius, Rikard; Pierce, Gregory; Ramasar, Vasna (1 de janeiro de 2015). «Reversing the arrow of arrears: The concept of "ecological debt" and its value for environmental justice». Global Environmental Change (em inglês). 30: 21–30. ISSN 0959-3780. doi:10.1016/j.gloenvcha.2014.10.014 
  2. Donoso, A. (2015). «We are not debtors, we are creditors. In: Bravo, E., & Yánez, I. (Eds.), No more looting and destruction! We the peoples of the south are ecological creditors». Southern Peoples Ecological Debt Creditors Alliance (SPEDCA) 
  3. Paredis, Erik (2009). The Concept of Ecological Debt: Its Meaning and Applicability in International Policy (em inglês). [S.l.]: Academia Press. ISBN 978-90-382-1341-5 
  4. «Ecological debt» (em inglês). Consultado em 7 de outubro de 2020 
  5. Warlenius, R., Pierce, G., Ramasar, V., Quistorp, E., Martínez-Alier, J., Rijnhout, L., Yanez, I. (2015). «Ecological debt. History, meaning and relevance for environmental justice». EJOLT Report. 18. 48 páginas 
  6. Robleto M.L., Marcelo W. (1992). La deuda ecológica. Una perspectiva sociopolítica. Santiago de Chile: Instituto Ecología Política (IEP) 
  7. Borrero Navia, José M. (1994). La deuda ecológica. Testimonio de una reflexión. Cali: Fundación para la Investigación y Protección del Medio Ambiente, FIPMA, y el Centro de Asistencia Legal Ambiental, CELA. ISBN 9589234011 
  8. «Deuda Ecologica». Deuda Ecologica (em espanhol). 2018. Consultado em 28 de fevereiro de 2018 
  9. a b c d e f Salleh, A. (2009). Ecological debt: embodied debt. Eco-Sufficiency and Global Justice. London: Pluto Press.
  10. U. Thara Srinivasan; et al. (2008). «The debt of nations and the distribution of ecological impacts from human activities». Proceedings of the National Academy of Sciences. 105 (5): 1768–1773. Bibcode:2008PNAS..105.1768S. PMC 2234219 . PMID 18212119. doi:10.1073/pnas.0709562104  
  11. Rice, James (1 de março de 2009). «North—South Relations and the Ecological Debt: Asserting a Counter-Hegemonic Discourse». Critical Sociology (em inglês). 35 (2): 225–252. ISSN 0896-9205. doi:10.1177/0896920508099193 
  12. Andrew Simms. Ecological Debt: The Health of the Planet & the Wealth of Nations. (London: Pluto Press, 2009) p.200.