Abu Maomé Lulu (Abu Muhammad Lu'lu), cognominado Alquibir (al-Kabir, "o Velho") e Aljarrai Alçaifi ("[servo]" dos jarráidas e Ceife Adaulá"), foi um escravo militar (gulam) do Emirado de Alepo dos hamadânidas. Sob o governo de Sade Adaulá, tornou-se camareiro, e à morte de Sade em 991 foi nomeado guardião de seu filho e sucessor, Saíde Adaulá. O capaz Lulu logo tornou-se o governante de facto do emirado, assegurando sua posição ao casar sua filha com o jovem emir. Sua perseverança e ajuda do imperador Basílio II Bulgaróctono (r. 976–1025) salvaram Alepo das repetidas tentativas do Califado Fatímida para conquistá-la. À morte de Saíde Adaulá em 1002 — possivelmente envenenado por Lulu — tornou-se o governante do emirado, deserdando os filhos de Saíde. Ele governou com sabedoria até sua morte em 1008/1009. Ele foi sucedido por seu filho, Almançor, que conseguiu manter o trono até ser deposto em 1015/1016.

Abu Maomé Lulu
Emir de Alepo
Reinado janeiro de 1002-1008/1009
Antecessor(a) Saíde Adaulá
Sucessor(a) Almançor
 
Morte 1008/1009
  Alepo, Síria
Casa Hamadânida
Pai Sade Adaulá

Vida editar

Primeiros anos e ascensão ao poder editar

Embora não registrado em nenhuma fonte história, seu nisba de "Aljarrai Alçaifi" sugere que Lulu foi inicialmente servo dos jarráidas da Palestina, antes de servir o governante hamadânida de Alepo, Ceife Adaulá (r. 945–967), sob quem é atestado numa expedição contra Mopsuéstia em 965. Seu nome, que significa "pérola", foi um nome típico de animais de estimação dado a servos e soldados-escravo (gulans) no mundo muçulmano do período.[1] Segundo o historiador Fukozo Amabe, Lulu na verdade parece ter sido um maula (protegido) de certo gulam de Ceife Adaulá chamado Hajraje. Contudo, Amabe afirma que a identificação do historiador Marius Canard de Hajraje com os jarráidas "parece ser um erro".

Sob Sade Adaulá, sucessor de Ceife, Lulu tornou-se camareiro (hájibe), um posto que reteve até a morte de Sade em 991. Em seu leito de morte, Sade nomeou-o como tutor de seu filho, Abu Alfadail. Lulu de fato assegurou a sucessão de Abu Alfadail, melhor conhecido como Saíde Adaulá, e ajudou a salvar sua vida logo após sua ascensão, quando o aventureiro Baquejur tentou tomar Alepo. Logo, fortaleceu sua própria posição ao casar sua filha com o jovem emir, e veio a exercer o governo efetivo do Estado.[1][2] Muitos de seus rivais, ressentindo seu poder, desertaram à morte de Sade para o Califado Fatímida, que então recomeçou seus ataques contra Alepo.[3][4] Como Canard escreve, "a história do reinado [de Saíde Adaulá] é quase exclusivamente aquela das tentativas do Egito fatímida de ganhar o Emirado de Alepo, que foram antagonizadas pelo imperador bizantino".[2]

Entre o Império Bizantino e o Califado Fatímida editar

Encorajado pelas deserções hamadânidas, o califa Alaziz lançou um primeiro ataque em 992, sob o governador de Damasco, o turco Manjutaquim. O general invadiu o emirado, derrotou em junho uma força bizantina sob o duque de Antioquia Miguel Burtzes e liderou o cerco de Alepo. Ele falhou em conduzir com vigor o cerco, e a cidade foi facilmente capaz de resistir até, na primavera de 993, após 13 meses de campanha, Manjutaquim ser forçado a retornar para Damasco devido a falta de suprimentos.[5] Na primavera de 994, Manjutaquim lançou outra invasão, novamente contra Burtzes na Batalha do Orontes, tomou Homs, Apameia e Xaizar e sitiou Alepo por 11 meses. O bloqueio foi mais efetivo desta vez e logo causou uma severa falta de suprimentos. Saíde Adaulá sugeriu a rendição para Manjutaquim, mas a determinação de Lulu permitiu aos defensores resistirem até a chegada súbita de Basílio II (r. 976–1025) na Síria em abril de 995. Basílio, que estava conduzindo campanha na Bulgária, respondeu aos apelos hamadânidas por ajuda, e cruzou a Ásia Menor em apenas 16 dias como chefe de um exército de 13 000 homens; sua chegada causou pânico no exército fatímida: Manjutaquim incendiou seu acampamento e retirou-se para Damasco sem luta.[1][2][3][6]

Saíde e Lulu apareceram diante do imperador em pessoa como sinal de gratidão e submissão, e em troca ele removeu o pagamento de tributo anual.[1] O interesse de Basílio na Síria era limitado, contudo, e logo após uma breve campanha na qual conduziu um ataque infrutífero contra Trípoli, retornou para Constantinopla. Alaziz, por outro lado, preparou-se para uma grande guerra contra os bizantinos, mas seus preparativos foram interrompidos com sua morte em outubro de 996.[2][6][7] A contenda bizantino-fatímida sobre a Síria continuou, com sucessos alternados. Em 995, Lulu fez termos com Alaziz e reconheceu-o como califa, e por alguns anos a influência fatímida sobre Alepo cresceu.[8] Em 998, Lulu e Saíde tentaram tomar a fortaleza de Apameia, mas foram frustrados pelo novo duque bizantino, Damião Dalasseno.[1] A derrota e morte de Dalasseno em batalha com os fatímidas logo depois causou outra intervenção de Basílio no ano seguinte, que estabilizou a situação e fortaleceu a segurança de Alepo ao colocar uma guarnição bizantina em Xaizar. O conflito terminou com outro tratado em 1001 e a conclusão de uma trégua por 10 anos.[2][8][9]

Governante de Alepo editar

Em janeiro de 1002, Saíde morreu, embora segundo uma tradição registrada por ibne Aladim, foi envenenado em nome de Lulu. Junto com seu filho Almançor, Lulu assumiu o controle direto sobre Alepo, de início como guardião ostensivo de Alboácem Ali e Abu Almali Xarife, filhos de Saíde, até 1003/1004, quando exilou-os no Egito.[2] Como emir, Lulu foi um governante capaz, que foi lembrado por sua sabedoria e justiça. Também conseguir manter a balança entre o Império Bizantino e o Califado Fatímida: embora reconheceu a suserania fatímida, continuou a pagar tributo ao Império Bizantino, e prendeu o aventureiro Alasfar, que desejava lançar uma jiade contra os bizantinos.[10] Lulu morreu em 1008/1009, e foi sucedido por seu filho Almançor. Almançor foi impopular, enfrentou vários desafios ao seu governo de facções e tribos rivais, e rapidamente tornou-se subordinado dos fatímidas. No fim, foi deposto por uma revolta popular em 1015/1116 e foi forçado a procurar refúgio em território bizantino.[1][11][12]

Segundo Marius Canard, "Lulu apresenta a imagem de um escravo (gulam) que, por sua energia e habilidade, e favorecido por eventos externos, consegue erguer-se a uma posição de supremacia sobre um emirado, reconhecidamente um emirado de relevância secundária. Poderia ser dito que ele prefigura no século V/XI o que vários dos mamelucos do Egito tornaram-se numa escala maior."[1]

Referências

  1. a b c d e f g Canard 1986, p. 820.
  2. a b c d e f Canard 1971, p. 130.
  3. a b Stevenson 1926, p. 251.
  4. Kennedy 2004, p. 281.
  5. Whittow 1996, p. 379–380.
  6. a b Kennedy 2004, p. 325.
  7. Whittow 1996, p. 380.
  8. a b Stevenson 1926, p. 252.
  9. Whittow 1996, p. 380–381.
  10. Stevenson 1926, p. 254.
  11. Stevenson 1926, p. 254–255.
  12. Kennedy 2004, p. 281–282.

Bibliografia editar

  • Canard, M. (1986). Bosworth, C. E.; van Donzel, E.; Lewis, B.; Pellat, Ch, ed. The Encyclopedia of Islam, New Edition, Volume V: Khe–Mahi. Leida: E. J. Brill. ISBN 90-04-07819-3 
  • Kennedy, Hugh N. (2004). The Prophet and the Age of the Caliphates: The Islamic Near East from the 6th to the 11th Century (Second ed. Harlow, RU: Pearson Education Ltd. ISBN 0-582-40525-4 
  • Stevenson, William B. (1926). «Chapter VI. Islam in Syria and Egypt (750–1100)». In: In Bury, John Bagnell. The Cambridge Medieval History, Volume V: Contest of Empire and Papacy. Nova Iorque: The Macmillan Company